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SESSÃO DE 22 DE JUNHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmos. srs.

SUMMARIO

Têem segundas leituras tres projectos de lei, um do sr. Júlio de Vilhena, outro do sr. visconde de Silves e outro dos srs. Manuel José Vieira, Feliciano Teixeira, Freitas Branco e Bandeira Coelho. - Apresenta o sr. José Maria de Andrade uma representação de muitos eleitores da freguezia de S. Martinho das Amoreiras, comarca de Ourique e um projecto de lei no sentido de representação. - Apresenta um requerimento de interesse particular o sr. Oliveira Martins. - Justifica as suas faltas o sr. Francisco de Barros. - Continua a discussão do parecer da commissão de verificação de poderes, approvando a eleição que ultimamente teve logar na assembléa de Villa Chã, do circulo de Alijo. - Usam da palavra os srs. Ruivo Godinho, que apresenta duas propostas, sendo uma substituição ao parecer, e o sr. Baptista de Sousa, relator. - Por ultimo, sendo rejeitadas as propostas de adiamento do sr. Ruivo Godinho, foi o parecer, por proposta do sr. Miguel Dantas, approvado em votação nominal e proclamado deputado o sr. Sebastião Maria da Nobrega Pinto Pizarro. - Apresentam pareceres da commissão de fazenda os srs. Pereira Carrilho e Oliveira Martins.
Na ordem do dia continúa a discussão do projecto de lei n.º 108, approvando para ser ratificado pelo poder executivo, o convénio entre Portugal e a Allemanha, assignado em Lisboa em 30 de dezembro de 1886. - Usam da palavra os srs. Antonio Ennes, continuando o seu discurso começado na sessão de hontem, e o sr. Serpa Pinto. - A discussão ficou pendente.

Abertura da sessão - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada 59 srs. deputados. São os seguintes: - Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Sousa e Silva, Baptista de Sousa, Antonio Ennes, Guimarães Pedrosa, Antonio Maria de Carvalho, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Augusto Fuschini, Miranda Montenegro, Eduardo José Coelho, Elizeu Serpa, Feliciano Teixeira, Fernando Coutinho (D.), Francisco de Barros, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Gabriel Ramires, Cândido da Silva, Pires Villar, Teixeira de Vasconcellos, Correia Leal, Silva Cordeiro, Oliveira Valle, Oliveira Martins, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Alves de Moura, Avellar Machado, Barbosa Collen, Pereira e Matos, Ruivo Godinho, Abreu Castello Branco, Laranjo, Guilherme Pacheco, Vasconcellos Gusmão, José de Nápoles, José Maria de Andrade, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Santos Moreira, Santos Reis, Julio Graça, Julio de Vilhena, Bandeira Coelho, Manuel José Correia, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Marçal Pacheco, Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira, Miguel Dantas, Dantas Baracho, Estrella Braga e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Mendes da Silva, Alfredo Pereira, Alves da Fonseca, Antonio Castello Branco, Campos Valdez, Antonio Cândido, Oliveira Pacheco, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Gomes Neto, Pereira Borges, Tavares Crespo, Mazziotti, Jalles, Pereira Carrilho, Santos Crespo, Victor dos Santos, Bernardo Machado, Lobo d'Avila, Eduardo de Abreu, Emygdio Julio Navarro, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Matoso Santos, Freitas Branco, Firmino Lopes, Almeida e Brito, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Francisco Ravasco, Lucena e Faro, Soares de Moura, Severino de Avellar, Guilherme de Abreu, Sá Nogueira, Casal Ribeiro, Cardoso Valente, Searnichia, Franco de Castello Branco, Santiago Gouveia, João Arroyo, Menezes Parreira, Vieira de Castro, Rodrigues dos Santos, Alves Matheus, Joaquim da Veiga, José Castello Branco, Dias Ferreira, Elias Garcia, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, José Maria dos Santos, Abreu e Sousa, Julio Pires, Lopo Vaz, Vieira Lisboa, Poças Falcão, Luiz José Dias, Manuel Espregueira, Pinheiro Chagas, Marianno de Carvalho, Marianno Prezado, Pedro Monteiro, Pedro Victor, Tito de Carvalho, Vicente Monteiro e Visconde de Silves.

Não compareceram á sessão os srs.: - Albano de Mello, Anselmo de Andrade, Antonio Centeno, Moraes Sarmento, Fontes Ganhado, Barros e Sá, Urbano de Castro, Augusto Pimentel, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Elvino de Brito, Goes Pinto, Francisco Matoso, Frederico Arouca, Guilhermino de Barros, Baima de Bastos, João Pina, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Sousa Machado, Jorge de Mello (D.), Jorge 0Neill, Ferreira Galvão, Ferreira de Almeida, Pereira dos Santos, Alpoim, Barbosa de Magalhães, Oliveira Matos, Pinto de Mascarenhas, Mancellos Ferraz, Manuel d'Assumpção, Pedro Diniz, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - O mal que invade as plantações de cannas de assucar na ilha da Madeira é mais implacavel, nos seus effeitos devastadores, que o que atacou as vinhas do mesmo districto.
A phylloxera, na sua marcha incessante, poupára, pelo menos, as poucas vinhas americanas que, desde logo, por acaso encontrára. A epiphytia que se desenvolveu nos cannaviaes, exclusivamente constituidos pela variedade bourbon, assolou tudo e tudo devorou como um incêndio, a que nem uma só canna resistiu.
A vinha, que se prepara para morrer, desfaz-se em abundancia de fructos nos ultimos annos que precedem a sua extincção.
A canna de assucar começa por uma successiva diminuição de riqueza de producto, até que de todo morrem fructo e planta sem germen de que reste esperança.
Se olhâmos á importancia relativa de suas producções, não sabemos qual d'ellas possa ser tida como predominante, ainda no tempo em que as duas culturas mais floresciam uma a par da outra, n'aquelle districto.
Se comparâmos o tempo necessario para o desenvolvimento e fructificação da vinha ou canna, não é grande a desigualdade.
Podem as vinhas produzir, em alguns terrenos, ao fim de tres annos. Não produz a canna antes de dois annos, proseguindo depois a sua producção, em algumas partes, em annos alternados.
Se ha desvantagem é para a cultura da canna de assucar, mais difficil, e por isso mais cara tambem.
Não ha rasão nenhuma, pois, para que os cuidados e protecção que os governos têem julgado dever conceder á cultura da vinha, os não concedam igualmente á da canna de assucar.
Assim o julgou a inspecção geral dos serviços phylloxericos da circumscripção do sul do reino, no seu relatorio de 1883, aconselhando, entre outros recursos, a introducção de novas variedades de canna para substituir a que se mostra já esgotada.

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Assim o resolveu a commissão central dos mesmos serviços, fazendo uma proposta n'aquella conformidade e pedindo mais o estabelecimento de um pequeno campo de ensaios, onde se estudassem os melhores processos culturaes e as adubações apropriadas, a um do levantar esta cultura «em manifesta decadencia, e que póde em grande parte substituir a vinha em muitos terrenos devastados», o que tudo póde ver-se dos relatorios da mesma commissão nos annos de 1883, 1884 e 1885.
Assim procedêra, em iguaes circumstancias, o governo dos Estados Unidos da America do Norte em 1850, e assim o aconselhava o commissario da agricultura dos mesmos estados, no seu relatório de 1877, report of the commissioner of agriculture the cane sugar industry, pag. 33 e 34, propondo que, de novo, se importassem plantas de outras latitudes, para as distribuir pelos lavradores da Louisiania.
Assim, a respeito das vinhas, têem procedido as differentes situações politicas em Portugal, desde 1882, orgasisando uma propaganda de lucta directa e indirecta em favor d'ellas, devendo-se, a esses efficazes serviços, o retardar-se o desenvolvimento de tão grandes estragos, e, muito especialmente, a reconstituição dos nossos vinhedos por castas mais resistentes.
Relativamente á canna de assucar, preciso é dizel-o, nada se tem feito. Nem as propostas da commissão central, nem o exemplo do estrangeiro, nem o que no paiz começou a fazer-se em prol da vinha, nada serviu de incentivo para qualquer expediente que acudisse, por modo idêntico, á cultura da canna de assucar no districto do Funchal.
A circumstancia de ser essa cultura só especial para aquelle districto, tudo explica. O mesmo teria acontecido com a vinha se a phylloxera não tivesse passado alem do Funchal, ou se aquelle districto fosse o unico que se dedicasse a essa cultura.
Emquanto o mal se limitou áquella ilha, de 1870 a 1880, nenhuma consideração mereceu elle aos poderes públicos. A sua apparição no continente, de 1880 a 1881, só ella teve força para despertar o zelo das estacões officiaes.
N'aquella grande nação da America, é o proprio governo que, pressuroso, vae pelos differentes paizes, em demanda das variedades de cannas que aproveitem á sua agricultura, acceitando o conselho das suas estações technicas.
E bem se comprehende que assim seja, em todas as hypotheses d'esta natureza. Os governos têem meios de informação que o particular não possue. Dispõem de elementos auxiliares dentro e fóra do paiz, que o lavrador não tem. Representam o conjuncto de interesses de toda uma classe industrial ou agricola, pelos proprios interesses que d'essas classes derivam para os mesmos governos, emquanto o individuo, por mais zeloso e activo, representa apenas uma pequena parcella de esforço pessoal.
Alem de que, uma planta industrial, como é a canna de assucar, sómente póde dar resultados quando chega a alimentar a existencia das fabricas, para as quaes de nada serve uma porção limitada d'aquelle producto agricola. As pequenas producções ou trabalhos de um agricultor para pouco servem, senão como experiencia. E ainda aqui vae a desvantagem da cultura da canna em relação á da vinha. Não se multiplicam as fabricas de assucar com a facilidade e barateza com que podem estabelecer-se as prensas ou lagares.
Urge, portanto, que a planta se generalise. É precisa a importação em escala avantajada, para, a um tempo, a cultura se desenvolver, o que só póde e deve fazer o estado.
Já começaram as experiencias com as novas variedades, a expensas exclusivamente de particulares, e os resultados obtidos parecem animadores.
Em outubro de 1883, alcançámos das Mauricias algumas raras plantas das variedades - Port Machay, Bambous, Lousier, Bois rouge, Chef branchu. Em janeiro do corrente anno, introduzimos da Guyanna ingleza as Honolulu, Selangore, Chigaco, Lahaina, Singapore e Elephant.
Estes nomes, preciso é tambem dizel-o, nem sempre representam variedades differentes. É facil a confusão d'estas variedades, muito principalmente quando provêm de localidades diversas, onde as designações não se correspondem. E, se a especulação se mette de mistura, poderemos chegar a introduzir com não pequeno damno, a variedade em que, por ora, não devemos pensar, que é, como dissemos, a Bourbon.
Por mais esta rasão, é evidentemente necessaria a intervenção directa e a direcção intelligente das estações technicas officiaes.
Por estes motivos, tenho a honra de apresentar á vossa consideração o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º São applicaveis á cultura da canna de assucar no districto do Funchal, as disposições dos artigos 29.º, 30.º e 31.º do decreto de 9 de dezembro de 1886, relativo ás vinhas phylloxeradas.
Art. 2.º Annexo ao viveiro de videiras americanas no mesmo districto, ou noutro local que tenha por mais conveniente, é auctorisado o governo a estabelecer um pequeno campo ou estação experimental, onde se estudem os melhores processos culturaes e de adubação apropriada para a cultura da canna.
§ unico. Para o fim designado neste artigo, importará o governo as melhores variedades de canna, de differentes latitudes, destinando uma porção conveniente para ser distribuida gratuitamente pelos lavradores.
Sala das sessões, 21 de junho de 1881 .=; Manuel José Vieira = Feliciano João Teixeira = Fidelio de Freitas Branco = Luiz de Mello Bandeira Coelho.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda.

Projecto de lei

Artigo 1.º Fica a camara municipal de Faro auctorisada a desviar do fundo da viação a quantia de 1:000$000 réis em cada um dos annos de 1887, 1888, 1889, 1890, 1891 e 1892, para applicar á conclusão dos paços do concelho.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 21 de junho de 1887. = O deputado, Visconde de Silves.
Lido na mesa foi admittido e enviado á commissão de administração publica, ouvida a de obras publicas.

Projecto de lei

Artigo 1.º É isento da contribuição de registo a herança de José Ribeiro Cardoso, deixada á misericórdia de Vouzella, por testamento registado na administração do bairro central da cidade do Porto, em 22 de maio de 1887.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 21 de junho de 1887. = Julio de Vilhena.
Lido na mesa foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

REPRESENTAÇÃO

De cidadãos eleitores da freguezia de S. Martinho das Amoreiras, pedindo que a sua freguezia seja desannexada do concelho e comarca de Ourique, sendo annexada ao de Odemira.
Apresentada pelo sr. deputado José Maria de Andrade, devendo ter destino igual ao de um projecto de lei do mesmo sr. deputado e que ficou para segunda leitura.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS

Declaro ter faltado por motivo justificado às sessões de 14, 15, 16, 18, 20 e 21. = Francisco de Campos.
Para a secretaria.

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REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

Do José Augusto dos Reis, tenente quartel mestre, thesoureiro do conselho administrativo do regimento de infanteria n.º 18, pedindo que á sua classe seja conservada a gratificação de 5$000 réis para falhas.
Apresentado pelo sr. deputado Oliveira Martins e enviado á commissão da guerra.

Continúa a discussão do parecer da commissão de verificação de poderes, approvando a eleição que ultimamente teve logar na assembléa de Villa Chã, do circulo de Alijo.

O sr. Ruivo Godinho: - Sr. presidente, não fazia tenção de entrar na discussão d'este parecer, porque quando pelo debate da primeira eleição, vi o empenho com que a auctoridade administrativa do districto de Villa Real, procurou annullar essa eleição, especialmente em Villa Chã, em cuja uma introduziu violentamente algumas listas, julguei que era para a substituir por outra que fosse favoravel aos seus intentos; mas que a faria por modo, que não podesse admittir duvidas, nem ao menos dar azo a uma discussão.
N'esta supposição tinha como certo, que o candidato opposionista e meu amigo, havia de perder ou parecer que tinha perdido a segunda eleição, depois de ter ganho a primeira, e não tornei mais a pensar em Alijo nem em Villa Chã; mas chegando hontem mais cedo á camara, e encontrando o dignissimo relator da commissão, pedi-lhe o obsequio de me mostrar a acta d'esta segunda eleição antes de se abrir a sessão.
Vi rapidamente o que me apresentaram como acta: vi com a mesma rapidez todo o processo, que foi presente á illustre commissão, e que produziu o parecer, que se está discutindo; e são tantas e taes as irregularidades, que ali encontrei, que me resolvi a expol-as á camara, porque tornam a eleição impossivel de ser approvada.
Aqui está a rasão e o modo como eu entro outra vez na discussão da eleição de Villa Chã: o pouco tempo, que poude dedicar a este assumpto servirá de desculpa ao pouco, que vou dizer e á maneira menos correcta porque o hei de dizer.
Começo por assentar os principies e resumir os argumentos, que vou ter a honra de apresentar á camara; e peço licença a v. exa. para mandar para a mesa uma longa substituição do parecer, que se discute. É longa porque contém o resumo dos argumentos por onde eu chego a uma conclusão differente da do parecer, e porque tenho estes argumentos por concludentes e os apresento com toda a convicção e sinceridade; gosto, que fiquem bem expressos para que a camara melhor os possa apreciar, e o illustre relator melhor os possa rebater, se elles não procederem.
É nos seguintes termos a substituição, que apresento:
«Considerando, que é a assembléa de apuramento, que tem a faculdade de decidir sobre a authenticidade e genuidade da acta da eleição, pela comparação d'ella com as copias, que devem apresentar o presidente e o administrador do concelho e com os cadernos do recenseamento. (Decreto de 30 de setembro de 1852, artigo 87.º);
«Considerando, que tal comparação se não fez ou se não mostra que se fizesse;
«Considerando, que ainda que se queira admittir ou conceder, que na hypothese, de que se trata, póde a camara dos senhores deputados, fazer tal comparação, não a podia fazer agora, pois que lhe não foram enviadas as copias com a acta original:
«Considerando, que só são validos os actos validamente praticados pela mesa, estancio presentes pelo menos tres vogaes, (citado decreto, artigo 52.º);
«Considerando, que actualmente se compõe a mesa eleitoral de dois escrutinadores, de dois secretários e dois supplentes, e que cada um dos supplentes só suppre qualquer dos effectivos do mesmo lado, por onde tiver sido eleito, (lei de 21 de maio de 1884, artigo 6.º);
«Considerando, que a acta da constituição da mesa, na hypothese de que se trata, mostra que foram eleitos dois vogaes com o seu supplente por um lado, e outros dois pelo outro com o seu supplente;
«Considerando que a acta que se figura ser a da eleição de que se trata, figura-se simplesmente assignada pelos dois vogaes effectivos eleitos de um lado e pelo supplente do mesmo lado, que aliás não podia funccionar senão no impedimento de qualquer d'aquelles dois effectivos; e se não mostra assignada pelo presidente nem por outro qualquer dos vogaes constantes da acta constitutiva da mesa, por isso carece do numero legal dos vogaes para funccionar legalmente (citado decreto artigo 52);
«Considerando que são as mesas eleitoraes, que decidem provisoriamente as duvidas, que occorrem ácerca das operações eleitoraes (citado decreto artigo 54.º), e por isso não podiam ser substituidos os vogaes da mesa, que faltavam, pela eleição da assembléa, como se figurou ter-se feito;
«Considerando, alem d'isto, que a acta de que se trata, se mostra escripta e subscripta por um individuo que não foi legalmente nomeado secretario nem vogal da mesa; e
«Considerando, que ainda que o individuo que escreveu e subscreveu a acta, tivesse competencia para o fazer, se devia esta acta considerar falsa, pois, que se figura feita em 29 de maio e relata factos como succedidos em 30 do mesmo mez:
«Proponho que o parecer volte á commissão para ser modificado nos termos da lei.»
Sr. presidente, basta a simples leitura d'estes considerandos para se verem as grandissimas irregularidades, que se deram na eleição de que se trata.
O que no processo figura como acta da eleição não póde chamar-se acta, nem considerar-se como tal; se eu algumas vezes no correr da discussão lhe chamar acta, não tire o illustre relator argumento d'esta circumstancia; que o faço simplesmente por brevidade e necessidade de lhe dar um nome, e não porque reconheça que realmente é uma acta.
Dada esta explicação, prosigo no objecto da discussão.
A constituição da mesa eleitoral fez-se legalmente: apresentou-se o presidente da commissão do recenseamento propoz dois individuos para escrutinadores, dois para secretarios e dois para supplentes ; e como a proposta não fosse approvada pela assembléa consideraram-se eleitos o primeiro escrutinador, o primeiro secretario e o primeiro supplente; e foram os outros vogaes da mesa eleitos pela parte da assembléa, que tinha rejeitado a proposta do presidente, e ficou constituida a mesa pelo presidente e tres vogaes de um lado, e outros tres do outro, contando-se os supplentes. Isto é legal e a acta que trata da constituição da mesa está regular. Mas o que acontece depois? Vê-se um simulacro de acta de eleição, assignada simplesmente por um secretario, por um escrutinador e um supplente do mesmo lado, quando o artigo 52.º do decreto de 30 de setembro de 1852 diz expressamente que a mesa não póde funccionar legalmente, sem estarem presentes pelo menos tres vogaes d'ella, e a lei de 21 maio de 1884, no artigo 6.º determina expressamente que os supplentes são chamados a supprir as faltas que se dão do mesmo lado, por onde foram eleitos.
Mais claro: depois da lei de 21 de maio de 1884 as mesas eleitoraes compõem-se do presidente, que é o da commissão do recenseamento ou o que esta nomeia; de dois escrutinadores, dois secretarios e dois supplentes, para supprirem as faltas do mesmo lado por onde tiverem sido eleitos.
Pelo decreto de 30 de setembro de 1852, que não está revogado senão no que só oppõe ás leis posteriormente promulgadas sobre o assumpto, as mesas eleitoraes não

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podem funccionar legalmente sem estarem presentes ao menos tres vogaes: o papel que se figura a acta da eleição está assignado simplesmente por um dos escrutinadores, por um dos secretarios eleitos e pelo supplente do mesmo lado, mas como este supplente não podia ser chamado a funccionar senão na falta dos effectivos que lá estavam, segue-se que não tinha competencia para assignar a acta, e que esta não tem verdadeiramente senão a assignatura de dois dos seus vogaes, mas como a mesa não póde funccionar sem estarem três vogaes ao menos, segue-se que não está valida esta chamada acta, em que não funccionaram senão dois dos seus vogaes. (Apoiados.)
Portanto é como se não existisse tal acta, e sem acta de eleição não ha eleição, ou pelo menos não póde provar-se nem approvar-se. (Apoiados.)
Aqui está a primeira irregularidade em que elabora a pretendida acta da eleição de Villa Chã, irregularidade tal, que a inutilisa completamente. Mas ha mais e melhor ainda, se é possível. Depois de constituída a mesa, quando já tinham votado algumas freguezias, e faltava para votar apenas a freguezia de Villa Chã, ausentaram-se dois vogaes da mesa, o escrutinador e o secretario, que tinham ficado da proposta do presidente, e como não apparecessem nem o seu respectivo supplente, propoz o supplente do outro lado, que como já vimos não tinha logar no mesa, que a assembléa elegesse dois vogaes effectivos para o logar dos que se tinham ausentado, e o seu supplente; feita a eleição por esta forma, tomaram assento os novos eleitos.
Vejamos se isto é regular e legal: a assembléa tem o direito de escolher um presidente, quando dentro de uma hora depois da marcada para a eleição se não apresenta no primeiro dia o presidente nomeado pela commissão do recenseamento, e sob proposta do presidente elege a mesma assembléa os vogaes da mesa, pela fórma que já notei; mas depois de constituída a mesa, já a assembléa não tem mais que ver com ella: é a mesa que decide provisoriamente todas as duvidas, que occorrerem a respeito do acto eleitoral, nos termos expressos no artigo 54.º do decreto de 30 de setembro de 1852; portanto, constituída como estava a mesa, não era a assembléa que devia resolver a duvida creada pela ausência do dois dos seus vogaes: era unica e exclusivamente a mesa, que aliás não tinha nada que resolver a tal respeito, e não tinha senão a continuar com o acto eleitoral, visto que estavam presentes tres vogaes, que eram o presidente, um secretario e um escrutinador, e a mesa funccionava legalmente com estes tres vogaes, como já vimos.
É claro que os tres vogaes foram illegalmente eleitos, e não podiam fazer parte da mesa, mas esta circumstancia não teria influencia alguma se continuassem os outros dois vogaes effectivos e o presidente, porque faziam o numero legal para a mesa funccionar, e seria válida qualquer deliberação que se tomasse entre os tres, mas não aconteceu assim: trava-se discussão entre o presidente e os outros vogaes da mesa, que deu em resultado ausentar-se tambem o presidente; e desde então ficaram só dois vogaes effectivos, e portanto ficou a mesa sem numero legal para poder funccionar, isto é, deixou de haver mesa; e tudo o que d'aqui por diante se fez, perante os únicos dois vogaes effectivos que ficaram e o supplente que não podia estar, é sem duvida alguma illegal, ou mais do que illegal: é completamente nullo. (Apoiados.) Tanto vale o que tal mesa fez, como o que fizessem então ou agora seis individuos quaesquer, que se lembrassem de simular uma eleição, ou a sua respectiva acta. (Apoiados.)
Com estas scenas verdadeiramente notaveis terminaram os trabalhos no dia 29; mas o que se passou no dia seguinte é ainda mais notavel.
Apresentaram-se os dois vogaes eleitos legalmente com o supplente, que não tinha ali nada que fazer, e os dois vogaes eleitos tumultuariamente com o seu supplente; e a mesa assim constituída, e que no dia antecedente tinha estado a funccionar sem presidente, entendeu no dia 30 que não podia estar sem elle, e fez nomear um, pelo mesmo feitio por que parte da supposta mesa tinha sido nomeada; isto é, propozeram á assembléa um cidadão qualquer para presidente, como se estivessem no primeiro dia e faltasse o presidente legitimo; é claro que a nomeação ou eleição deste presidente está tão illegal como a dos vogaes effectivos, a que já me referi. Pois foi perante uma mesa assim constituida que se fez toda a votação da freguezia de Villa Chã, a mais importante da assembléa! E é uma eleição destas que a illustre commissão propõe á approvação da camara!! Isto não póde ser; a illustre commissão foi surprehendida na sua boa fé; preoccupada simplesmente era ver qual dos dois candidatos tinha tido maior numero de votos, segundo os papeis que lia, não reparou em tantas e tão grandes irregularidades; mas agora que se chama a sua attenção para ellas, não póde deixar de as ver, e ha de ser a primeira a reconhecer que a conclusão do seu parecer não póde ser approvada.
Podem dizer-me que se eu quero que não haja acta, ou que não tenha fé nem authenticidade o papel que me apresentam como acta, como adduzo e me approveito eu dos factos que ella conta? Mostrar pelas condições que se dão em um documento que elle não merece fé, nem a classificação nem o nome que se lhe quiz dar, não é reconhecer que tal documento está nas condições que nós lhe negâmos; é exactamente o contrario. Mas se querem que nem para isto sirva a pretendida acta, eu concordo com isso, e fique assente que não serve para nada o tal papel; não serve para provar a eleição de que se trata, nem ao menos a existência dos factos que conta. Faça-se assim, e estão terminadas todas as duvidas; não ha acta, não ha nem póde haver eleição.
Mas note-se que não são estas ainda as unicas irregularidades em que elabora a supposta acta; ha mais e muito mais.
Já mostrei que o supplente não podia funccionar com os effectivos do mesmo lado por onde elle tivesse sido eleito, mas supponhamos que não é assim, isto é, que os dois effectivos e o supplente do mesmo lado podiam funccionar juntos, e funccionar legalmente: ainda assim estaria nulla a pretendida acta da eleição. Neste caso o único competente para fazer a acta seria o secretario effectivo, ou, quando muito, qualquer dos três, mas a pretendida acta figurou-se escripta e sobrescripta por um individuo que não é nenhum dos três, logo ainda neste caso estaria nulla por ter sido escripta e sobrescripta por quem não tinha competencia para isso.
Mas não param ainda aqui as irregularidades notáveis nesta eleição verdadeiramente notavel!
Sempre assim acontece; quando se sáe do caminho legal não se encontram senão precipicios.
Vae-se ver a supposta acta e acha-se que se figura feita em 29 de maio, e encontram-se ali narrados factos succedidos em 30! Está-se em 29 e contam-se já os acontecimentos de 30! Isto não póde ser! E eu pergunto a v. exa., sr. presidente, e á camara, se haverá alguem capaz de approvar uma enormidade d'estas? É impossivel que haja; não póde haver!
Isso foi um engano, podem dizer-me. Supponhamos isso; mas póde a camara ou alguem appovar enganos?
Os enganos, exactamente porque o são, não podem ser approvados; e desde que se reconhece que houve um engano ou um equivoco em certo facto, reconhece-se logo que se não póde acceitar esse facto; e aqui o menos que se póde suppor é que houve engano.
Se, em vez de ser um engano, fosse um proposito, o unico procedimento correcto da camara ou de qualquer auctoridade que tivesse noticia do facto, era dar parte d'elle ao poder judicial; na duvida de ser engano ou propósito, o menos que a camara póde fazer, é não dar por um documento que tem todas as apparencias de ser falso.

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Alem d'isto, sr. presidente, em um documento official não se podem admittir enganos; e quando elles ahi apparecem, o único meio de os fazer desapparecer é mandar reformar taes documentos em termos legaes e sem apparencias de falsificados. Isto é como se apparecesse um contrato com a data de 1886, por exemplo, escripto em papel de 1887. Já tem apparecido contratos assim, e têem sempre sido annullados.
Ainda aqui não param as irregularidades! Para que uma eleição se tenha por valida, é necessario que a acta d'ella seja authentica e genuina. O artigo 87.º do decreto de 30 de setembro de 1852, diz que a authenticidade da acta da eleição resulta da sua comparação com as copias que devem apresentar o presidente da commissão do recenseamento e o administrador do concelho, e com os cadernos do recenseamento. Aqui não se fez esta comparação, logo não se póde concluir, nem dizer que a acta é authentica e genuina; e se não se póde dizer isso, não se póde affirmar que as cousas correram como se diz na supposta acta, porque faltando-lhe a authenticidade não merece fé.
Sr. presidente, v. exa. e a camara sabem, que quando a lei estabelece um meio de se fazer uma prova, não se póde esse meio de prova substituir por outro.
O modo estabelecido pela lei para se conhecer se a acta de uma eleição é authentica e genuina, é, como já disse, a comparação d'ella com as copias e com os cadernos do recenseamento; sem se fazer esta comparação, não se póde concluir a authenticidade da acta. E se a acta não é authentica não faz prova; isto é claro.
Alem d'isto, sr. presidente, a lei não diz só o modo como se ha de fazer aquella comparação; diz tambem quem a ha de fazer, que é a assembléa de apuramento, e aqui não se fez nada disto, e v. exa. e a camara sabem, que quando a lei dá competencia a certas pessoas ou identidades, para fazerem alguma cousa, ninguem se lhes póde substituir; só a assembléa de apuramento póde comparar a acta com as copias e concluir a sua authenticidade e genuidade, assim como só um tabellião ou pessoa equiparada póde fazer uma escriptura publica.
Mas o que é mais notavel é que a celebre acta diz que se tiraram as tres copias que a lei manda tirar, uma para o presidente da commissão do recenseamento, outra para o administrador do concelho, e outra para o presidente da camara, e diz, que o original foi entregue aos escrutinadores para ser apresentado na assembléa de apuramento.
Diz no dia 23 que se fez isto no dia 30! E nos papeis presentes á commissão que deu o parecer que se discute, apparece um officio datado de 30, no qual o soit-disant presidente da assembléa eleitoral declara, que envia ao ministerio do reino o original da acta, que esta diz ter ficado em poder dos escrutinadores! Como é que isto aconteceu? Como é que a acta original ficou em poder dos escrutinadores e o pretendido presidente declara, que a manda para o ministerio? A pretendida acta é com effeito a original, logo, havemos de concluir, que falta á verdade, quando diz que ficou em poder dos escrutinadores; e se ella falta á verdade nisto, não merece credito no mais. V. exa., sr. presidente, sabe o adagio: cesteiro que faz um cesto, faz um cento,, a questão é darem-lhe verga e tempo. Ora, se a acta se apanha aqui em flagrante delicto de faltar á verdade, não devemos acredital-a em cousa alguma. (Apoiados.)
Mas supponhamos, que se podia neste caso dispensar a assembléa de apuramento e que a camara dos senhores deputados podia substituir-se-lhe, como havia de ella proceder? Aqui não está senão o que se diz acta original: faltam as duas copias, e os cadernos do recenseamento, com os quaes era necessario comparar a pretendida acta original para se poder concluir se está ou não authentica e genuina; e se faltam estes elementos de comparação como é que esta se ha de fazer? De maneira que ainda que esta camara podesse substituir a assembléa de apuramento e fazer aquella comparação, que a assembléa de apuramento costuma fazer, não o podia fazer por mais que quizesse, por que lhe falta um dos termos da comparação, e de maneira nenhuma podia chegar a convencer-se de que similhante acta é legal e authentica, porque lhe faltam os meios de chegar a essa conclusão.
Parece-me que estas simples considerações que tenho tido a honra de apresentar á camara são sufficientes para produzirem a convicção de que a pretendida acta da eleição da assembléa primaria de Villa Chã não póde ser tida por authentica nem merece nem tem valor algum juridico, e que por isso não póde ser approvada a eleição, de que ali se trata, e que o unico caminho legal, que temos a seguir, é approvar a conclusão dos considerandos que tive a honra de mandar para a mesa, se não quizerem logo annullar a eleição como é de justiça. Se eu não conclui na substituição, que mandei para a mesa logo pela nullidade da eleição, foi por deferencia para com a illustre commissão que deu o parecer, que se discute, e por me convencer como já disse ao principio, de que, se a mesma commissão tivesse reparado nas irregularidades, que eu tenho indicado, seria a primeira a propor a annullação de uma eleição verdadeiramente monstruosa, juridicamente considerada: vistas taes irregularidades o procedimento da commissão não póde ser senão o que deixo indicado. E com isto não faço injuria nem injustiça á commissão: não pretendo senão fazer justiça á sua inteireza e rectidão, entendo que só por não reparar bem é que não foi justa na conclusão, que propoz á approvação desta casa, e propondo que torne a examinar o processo, que julgo não viu por todos os lados, não faço senão mostrar quanto confio na illustração e bons desejos da commissão.
Tenho a convicção intima de que, se a illustrada maioria d'esta assembléa tiver dado attenção ao assumpto que se discute não póde deixar de approvar a minha proposta, que como acabo de dizer não é senão honrosa para a commissão, que deu o parecer, porque ainda que a disciplina partidaria obrigue a muito, não posso admittir que obrigue a tanto como a dar por verdadeiro um documento, que tem todas as apparencias de falso e por legal e authentica uma acta, que não tem senão duas assignaturas legitimas, e que de modo nenhum póde ser tida por verdadeira.
Assim espero que succeda. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Considerando que é a assembléa de apuramento que tem a faculdade de decidir sobre a authenticidade e genuidade da acta da eleição pela comparação d'ella com as copias, que devem apresentar o presidente e o administrador do concelho, e com os cadernos do recenseamento (Diario de 30 de setembro de 1852, artigo 87.º);
Considerando que tal comparação se não fez ou se não mostra que se fizesse;
Considerando que, ainda que se queira admittir ou conceder que, na hypothese de que se trata, póde a camara dos senhores deputados fazer tal comparação, não a podia fazer agora, pois que não lhe foram enviadas as copias com a acta original;
Considerando que só são validos os actos legalmente praticados pela mesa, estancio presentes, pelo menos, três vogaes (citado Diario artigo 52.º);
Considerando que actualmente se compõe a mesa eleitoral de dois escrutinadores, dois secretarios e dois supplentes, e que cada um dos supplentes só suppre qualquer dos effectivos do mesmo lado por onde tiver sido eleito, (lei de 21 de maio de 1884, artigo 6.º);
Considerando que a acta da constituição da mesa, na hypothese de que se trata, mostra que foram eleitos dois vogaes com o seu supplente por um lado, e outros dois, com o seu supplente do outro;

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Considerando que a acta, que se figura ser da eleição de que se trata, figura-se simplesmente assignada pelos dois vogaes effectivos eleitos de um lado, e pelo supplente do mesmo lado, que aliás não podia funccionar senão no impedimento de qualquer d'aquelles dois effectivos, e se não mostra assignada pelo presidente, nem por outro qualquer dos vogaes constantes da acta constitutiva da mesa, por isso carece do numero legal do vogaes para funccionar legalmente (citado Diario, artigo 52.º);
Considerando que são as mesas eleitoraes que decidem provisoriamente as duvidas que occorrem ácerca das operações eleitoraes (citado Diario, artigo 54.º), e por isso não podiam ser substituidos os vogaes da mesa que faltavam pela eleição da assembléa, como se figura ter-se feito;
Considerando alem disto que a acta de que se trata se mostra escripta e subscripta por um individuo que não foi legalmente nomeado secretario, nem vogal da mesa, e
Considerando que, ainda que o individuo que escreveu e subscreveu a acta tivesse competencia para o fazer, se devia esta acta considerar falsa, pois que se figura feita era 29 de maio e relata factos como succedidos em 30 do mesmo mez:
Proponho que o parecer volte á commissão, para ser modificado nos termos da lei. = Ruivo Godinho.
Foi admittida.

O sr. Baptista de Sousa (relator): - Estimei muitissimo que o sr. deputado Ruivo Godinho apresentasse á camara as considerações que acabámos de lhe ouvir; porque isso dá logar a que ácerca de uma providencia da lei de 21 de maio de 1884 se estabeleça a controversia parlamentar, e se resolva ou no sentido de fixar a interpretação d'essa providencia pela maneira, por que agora se procedeu, e bem, em meu conceito, ou noutro qualquer, para se evitarem as difficuldades, que na pratica suggeriu na primeira vez, em que foi executada, a fim de se proverem de remedio em occasião opportuna.
As ponderações feitas pelo illustre deputado o sr. Ruivo Godinho são, devo dizel-o, com a lealdade a que têem direito os meus contradictores, muito bem fundadas; mas o defeito não está no proceder da commissão, que encontrou a lei conforme foi approvada, sem ser completada uma sua disposição, que veiu innovar doutrina em toda a nossa legislação eleitoral.
Já no parecer não dissimulei, ou não dissimulou a commissão, a existencia das difficuldades agora levantadas. Ha n'elle um considerando que diz.
(Leu.)
Lançando este considerando no parecer, a commissão propositadamente provocava assim uma controversia a este respeito com fim muito mais elevado do que o da votação do parecer, porque se refere a interesses de todo o ponto impessoaes ou a uma generalidade de phenomenos, que podem repetir-se, e que de certo se repetirão varias vezes, mantida a nova doutrina da lei de 1884.
Antes d'esta lei não era permittido annullar-se uma eleição n'uma só assembléa de circulo; ou se annullava em todas ellas ou se validava.
Pela primeira vez a lei de 21 de maio de 1884 no § 1.º do artigo 5.º permittiu.
(Leu.)
A primeira occasião que se offereceu para a applicação d'este artigo da lei de 1884 foi a da eleição do circulo n.º 18 (Alijo), em que a commissão entendeu e a camara também, votando o parecer, que só havia irregularidades, que influissem no resultado da eleição de Alijo, na assembléa de Villa Chã; e por isso foi de voto a commissão e a camara, que a eleição se repetisse sómente na assembléa de Villa Chã.
A lei esqueceu-se de prevenir o modo pratico ou de declarar expressamente o processo de completar as operações eleitoraes, desde que as assembléas primarias em taes casos terminassem os seus trabalhos até que a camara dos deputados votasse o parecer da commissão respectiva ou preferisse julgamento o tribunal especial de verificação de poderes.
Todas as leis sobre eleições desde 1852 até hoje têem...
O sr. Ruivo Godinho: - Desde que a lei de 21 de maio não revogou os artigos que dizem respeito aos apuramentos na lei de 1852 é claro que elles estão de pé.
O Orador: - Se v. exa. esperasse que eu completasse o meu pensamento...
O sr. Ruivo Godinho: - Se eu soubesse que me era dada a palavra outra vez eu não interromperia v. exa., e se o interrompo é porque tenho a certeza de que não tardarão os abafaretes do costume.
O Orador: - Mas v. exa. terá em muito pouco tempo occasião de ver que eu vou responder precisamente a essas observações; alem de que sabe v. exa. perfeitamente que se não encerra a discussão sobre um discurso do relator. (Apoiados.)
Dizia eu, que depois de terminados os actos eleitoraes das assembléas primarias a lei de 1884 não diz o que se deve fazer, e a legislação geral sobre eleições, tanto de deputados, como de corporações administrativas, é expressa e terminante em não estatuir que haja assembléa de apuramento todas as vezes que o acto eleitoral se realisar em uma só assembléa primaria.
Nas eleições das juntas de parochia e nas municipaes não ha assembléa de apuramento, quando ha só uma assembléa primaria, e com rasão, porque a assembléa de apuramento tem por fim fazer o computo geral dos votos recolhidos nas differentes assembléas primarias e dar unidade e reduzir á necessária convergencia as operações eleitoraes dispersas.
É destinada a assembléa de apuramento essencialmente a procurar e obter o resultado de todos os trabalhos de uma eleição total, e nada, por isso, tem que fazer, quando os votos todos de uma eleição foram e poderam ser devidamente apurados pela mesa da unica assembléa primaria, que fôra chamada ao escrutinio.
E depois como havia de constituir-se a assembléa de apuramento?
E agora offerece-se natural e logicamente a occasião de responder ás observações que me fazia ha pouco o sr. Ruivo Godinho.
Como havia de constituir-se a assembléa de apuramento? Diz a lei, que essa assembléa é formada pelos portadores das actas, e que tenham, portanto, sido uns dos vogaes das mesas das assembléas primarias, presidindo o presidente da commissão do recenseamento eleitoral.
Ora a eleição repeliu-se sómente na assembléa de Vila Chã.
Quaes eram os portadores das actas que com o presidente da commissão, do recenseamento haviam de constituir a assembléa do apuramento?
Eram os portadores das actas das outras assembléas, que já tinham terminado ha muito os seus trabalhos?! (Apoiados.)
Sim. Os portadores das actas das outras assembléas já não tinham a competencia legal, que lhes viera da eleição das mesas das assembléas primarias, quando ellas se constituiram, e cujas funcções já tinham caducado, quando se repetiu a eleição em Villa Chã. (Apoiados.)
E se fossem esses, entrariam no numero d'elles os portadores das actas da primeira eleição de Villa Chá, apesar de annullada, visto que haviam tido a mesma origem que aquelles e terminado os seus trabalhos ao mesmo tempo?! (Apoiados.)
Haviam de ser dois portadores das actas da nova eleição d'esta unica assembléa de Villa Chã presididos pelo presidente da assembléa de apuramento? E seria esta assembléa composta de tres individuos, numero inferior o dos vogaes da mesa da assembléa primaria?!

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SESSÃO DE 22 DE JUNHO DE 1887 1367

Isto seria uma circumstancia apenas extravagante, de forma que não frustrasse a exiquibilidade do acto?
Bastar-me-ha lembrar que esses dois não podiam examinar as actas da assembléa de Villa Chã, porque a lei prohibe, que os individuos, que pertençam á assembléa de apuramento, examinem actas de assembléa primaria de cuja mesa tenham feito parte. (Apoiados.)
Portanto, suppriu-se a omissão da lei do unico modo, que pareceu rasoavel e que consistiu em a mesa da assembléa primaria enviar directamente ao ministerio do reino os papeis da eleição.
Alem d'isto o resultado da votação em todas as mais assembléas do circulo de Alijo estava definitivamente apurado por esta camara, porque ella approvou o parecer n.º 81, no qual se estabeleceu o houve por verificado o resultado da eleição em todo o circulo, excepto na assembléa de Villa Chã; e por consequência só aqui, onde até se conservaram todos os mais papeis da eleição, é que havia elementos para fazer o computo geral dos votos em todo o circulo, e havia mesmo competencia para terminar o apuramento final suspenso até á nova eleição de uma assembléa, a que a camara mandára proceder.
O resultado do cumprimento do voto parlamentar é o que consta do parecer que está em discussão, e a conclusão d'este é verdadeira e está em harmonia com os factos e principios n'elle expostos. (Apoiados.}
Disse o illustre deputado o sr. Ruivo Godinho que a acta estava assignada por individuos que para isso não tinham competencia; mas s. exa. foi dando uma das respostas a esta sua objecção, porque o artigo 52.º, que citou, do decreto eleitoral de 1852 diz assim.
(Leu.)
Ora se, pelo menos, tres vogaes originarios estiveram sempre presentes no primeiro dia da eleição, alem do próprio presidente; se no segundo dia, toda a mesa, como se completára na vespera, escolhêra, de accordo com todos os mais eleitores, novo presidente por, ao cabo de uma hora, não ter apparecido o originario; o que se segue é que, em vez de falta, se poderia melhor dizer, que ha redundância de assignaturas na acta, porque só com três ella estava valida.
E desde que quaesquer vogaes e depois o presidente abandonaram o seu logar, e desde que havia necessidade de completar o acto eleitoral, que se não devia frustar pelo capricho de alguém, havia necessidade de completar a mesa. (Apoiados.)
O mesmo decreto diz no artigo 49.º
(Leu.)
É o caso de que falla uma parte d'este artigo.
O presidente appareceu, exerceu as funcções durante o dia 29, e no dia seguinte a assembléa, esperando debalde por elle mais de uma hora, continuou os trabalhos com o presidente que escolheu por acclamação e por unanimidade.
Portanto, quer no primeiro, quer no segundo dia, a que a acta se refere, e é costume fazer-se uma só, embora as operações durem mais que um dia, uma vez que, como aqui, se faça d'isso a devida separação, que é a unica exigencia legal, esteve mesa legitima e até completa a funccionar no exercicio das funcções que era chamada a cumprir.
E dito isto, e mostrado que a falta, que houve de assembléa de apuramento, provém de uma disposição singular da ei de 1884; mostrado que a imprevidencia ou silencio da liei fôra supprido pelo modo que pareceu mais racional; mostrado que os trabalhos do apuramento final podem e devem ser feitos por esta camara, depois de estar por ella feito o apuramento das outras assembléas do circulo; está sob o novo e util aspecto da discussão justificado sufficientemente o parecer, de que tenho a honra de ser relator. (Apoiados.)
Isto responde e destroe as novas arguições que acabara de fazer o sr. Ruivo Godinho, e com muita satisfação minha, porque me deu ensejo a que ou se estabeleça uma jurisprudencia parlamentar ácerca do modo pratico de se executar o § 1.º do artigo 5.º da lei de 21 de maio de 1884, ou se venham a remover por iniciativa de alguém, cujo espirito não fique satisfeito, as difficuldades a que esse paragrapho dá logar, consignando-se, por assim dizer, aqui o aviso para ser completado com disposições novas, em ordem a que essas difficuldades desappareçam completamente.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Ruivo Godinho: - Começo por mandar para a mesa a segunda moção de ordem. É a seguinte:
«Não havendo lei que prohiba a segunda reunião da assembléa de apuramento, não procedam as rasões apresentadas pelo illustre relator, e conclue-se como na primeira moção.»
Congratulo-me com o meu illustre contendor por lhe ter dado occasião de expor á camara difficuldades que se dão na applicação da lei de 21 de maio de 1884, e que era de vantagem se apresentassem para se poderem remediar; mas isto é já um grandissimo argumento contra a doutrina que s. exa. quiz sustentar.
Se s. exa. confessa que é precisa uma providencia que remedeie estas difficuldades, reconhece que não é seguro o modo por que saiu d'ellas, e que póde ter saído mal, porque não está no arbitrio de ninguem supprir a lei, nem remediar as suas difficuldades a seu bel-prazer. Eu vou demonstrar que não ha taes difficuldades, e que a descoberta d'ellas foi apenas um pretexto para se não cumprir a lei, que é clara e não admitte duvida nenhuma a quem a queira cumprir.
O sr. Baptista de Sousa: - Eu estabeleci uma alternativa: ou fixar-se a jurisprudência parlamentar a este respeito, e entendo que se fixa bem assim, ou remediar as difficuldades que s. exa. apresentou, se os outros entenderem que são difficuldades.
O Orador: - Mas se o illustre deputado se julgasse seguro no processo que tinha seguido, não teria achado vantagem em se fixar jurisprudencia, que em tal caso estava ou era fixa, nem teria mostrado desejo de se remediar um mal, que não haveria, nem podia lembrar-se de que houvesse alguém que achasse difficuldades onde s. exa. achava tudo regular e facil. Isto é claro. Se o illustre deputado achasse simplesmente que a minha opinião era infundada, rebatia-a, mas não estimava que houvesse ensejo de se fixar jurisprudência ou de se remediar uma falta. Quem acha bom fixar jurisprudência ou remediar uma falta, reconhece necessariamente que a jurisprudência não é fixa, e que a falta existe. Em todo o caso o que é preciso é notar-se que o illustre deputado não está seguro de que procedeu legalmente, e isto é importante.
Agora vou responder a cada um dos argumentos apresentados pelo illustre deputado relator da commissão, e mostrar não só que s. exa. não póde estar seguro de que procedeu legalmente, mas deve estar certo de que procedeu illegalmente.
Para mostrar a fraqueza da argumentação de s. exa. basta dizer que não respondeu nenhuma palavra a dois pontos importantes da minha argumentação, e que são os seguintes:
Primeiro, que um supplente não póde funccionar nas mesas eleitoraes senão na falta de algum dos effectivos eleitos pelo mesmo todo.
Segundo, que a authenticidade e genuidade da acta da eleição se deduz nos termos da lei unica e exclusivamente da comparação d'essa acta com as copias e com os cadernos de recenseamentos que devem ser presentes.
O sr. Baptista de Sousa: - Parece-me que respondi aos dois argumentos.
O Orador: - Talvez respondesse, mas de certo só o

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ouviu quem estava em graça de Deus, e por isso desconfio que não estou em graça, visto que o não ouvi.
O sr. Baptista de Sousa: - Estiveram sempre dois vogaes da mesa e mais um presidente.
No primeiro dia esteve o presidente nomeado pela commissão do recenseamento e mais dois vogaes eleitos pela assembléa.
No segundo dia, como o presidente não apparecesse até ás dez horas, funccionou o presidente que a assembléa elegeu e dois vogaes. Por consequencia, estiveram sempre tres membros da mesa com competência legal, e bastava que estivessem tres.
O Orador: - Mas o supplente? Como estava elle lá não faltando nenhum dos effectivos do seu lado?
O sr. Baptista de Sousa: - O supplente era de mais. Estiveram sempre tres membros da mesa com competencia legal.
No primeiro dia o presidente apresentado pela commissão de recenseamento, e no segundo dia o que foi escolhido pela assembléa, e em cada um dos dias mais dois vogaes.
Ao segundo argumento respondi que não se podia comparar o acto original com as copias, porque a assembléa de apuramento se não podia reunir.
O Orador: - Não podia a assembéa de apuramento proceder á comparação da acta com as copias e com os cadernos do recenseamento por se não poder reunir! Por que é que a assembléa de apuramento se não podia reunir?
O sr. Presidente: - Peço aos srs. deputados que acabem o dialogo.
O Orador: - Eu gosto de responder á letra, (Riso.) por isso não me incommodo com os diálogos nem com as interrupções e apartes, e se v. exa. consentisse podia muito bem continuar o dialogo, mas vou responder aos argumentos apresentados agora e aos apresentados depois pele illustre relator da commissão.
Disse s. exa. que a mesa funccionou legalmente, por que estiveram sempre dois vogaes e um presidente. Concorda em que o supplente estava lá a mais, e reconhece, pelo que disse, que os vogaes que foram eleitos pela assembléa depois de constituida a mesa não ficaram com competencia alguma para fazer parte da mesa, e se s. exa. sustenta que são validos certos actos da mesa por estarem presentes dois vogaes effectivos e um presidente, ha de necessariamente reconhecer que são nullos os actos praticados quando não estavam senão os dois vogaes effectivos sem nenhum dos presidentes, como aconteceu no primeiro dia, quando se ausentou o presidente, e se procedeu ao acto muito importante do encerramento das listas na urna. Isto ao menos não póde s. exa. deixar de reconhecer que é uma consequencia necessaria, da doutrina que estabeleceu.
Registe-se e prosigamos.
Houve porém dois presidentes, um legitimo e outro illegitimo; o legitimo é o que consta da acta da constituição da mesa; o illegitimo não tem titulo; é como se dissesse-mos, que não tem assento.
Analysemos o que succedeu no primeiro dia: ausentou-se o presidente legitimo e mais dois vogaes e ficaram só dois vogaes effectivos e um supplente que o sr. relator já asseverou ser ali de mais, portanto não havia numero sufficiente para a mesa funccionar, e a mesa funccionou; procedeu a muitos actos, e entre elles ao encerramento das listas na urna, que é muito imporante, como já disse, sem estar em termos para o poder fazer.
Se o sr. relator confessa e reconhece, que para a mesa funccionar legalmente deviam estar presentes alem dos dois vogaes effectivos, que estavam, mais o presidente ou um vogal do outro lado, ha de reconhecer, que tudo o que se fez fóra d'estas circumstancias foi illegal e é nullo.
Póde dizer-me o sr. relator, mas logo foi supprida a falta elegendo-se tres vogaes, que tomaram assento na mesa; mas, uma de duas, ou s. exa. quer considerar que foi a mesa quem fez tal eleição, e não póde ser valida, porque lhe faltava numero para funccionar, e portanto, para fazer a tal eleição, ou quer reconhecer, como diz a pretendida acta, que a eleição foi feita pela assembléa, e n'esse caso tambem é nulla tal eleição, porque depois de constituida a mesa, já a assembléa não tinha competencia para eleger novos vogaes da mesa.
E vem a propósito dizer, que tambem o illustre deputado não respondeu a este ponto da minha argumentação, isto é saber se depois de constituida a mesa, ainda a assembléa tinha competencia para eleger novos vogaes d'ella, pois não póde dizer que foi porque se esquecesse dos meus argumentos, porque eu tive a franqueza de incluir os principaes na minha primeira moção, e este lá está.
Note-se bem que a mesa não tomou resolução alguma, emquanto esteve o seu presidente legitimo com os dois vogaes effectivos, e se o sr. relator, quer derivar a validade dos actos da mesa da circumstancia ou condição de terem estado juntos um presidente com os dois vogaes effectivos hade reconhecer, que são nullos os actos que ella praticou fora d'esta condição, isto é desde que se ausentou o presidente e ficaram só os dois vogaes effectivos com o supplente, que era de mais.
A presença dos vogaes que a assembléa elegeu não altera nada estas conclusões, nem o illustre deputado tomou em consideração essa circumstancia; antes lhe não deu valor algum, desde que firmou o seu argumento na de estarem os dois vogaes effectivos com o presidente.
Isto pelo que respeita ao tempo, em que esteve o presidente legitimo, e ao que se seguiu immediatamente. Pelo que respeita á occasião em que esteve o presidente illegitimo (continuo a chamar-lhe assim), diz o illustre relator, que este presidente foi legitimamente nomeado, porque a lei diz, que quando o presidente não apparece uma hora depois d'aquella, em que deve começar a eleição, nomeia a assembléa outro.
Oh! sr. presidente! mas isto é só e exclusivamente para o primeiro dia, e se assim não fosse seria contradictoria a lei, que diz que constituida a mesa é ella quem decide provisoriamente as duvidas, que occorrerem; e é mesmo o illustre deputado que reconhece esta doutrina, quando diz que a mesa é que decido provisoriamente essas duvidas. Ora se é a mesa, como havia de ser a assembléa?
Quando ainda não ha mesa, e não se apresenta dentro de uma hora o presidente nomeado pela commissão do recenseamento, elege a assembléa um presidente, e procede-se á constituição da mesa pelo modo que todos sabem; mas depois da mesa constituida acabaram as attribuições deliberativas da assembléa. (Apoiados.)
Mas, disse o sr. relator, e talvez isto fizesse impressão no animo de alguem, então tendo desapparecido o presidente e mais dois vogaes e o seu supplente, e não podendo funccionar o outro supplente o que se havia de fazer? Eu podia dizer a s. ex.a, que não sabia, ou simplesmente que estou aqui para ver se as cousas se fizeram legalmente, e não para dizer como é que em dadas circumstancias se podiam ou deviam, fazer.
Não o faço porém, porque ha meio facil de resolver uma tal duvida. Eu se lá estivesse e fosse administrador de concelho, obrigava o presidente a conservar-se no seu logar, assim como os outros vogaes da mesa, fazendo-lhes ver, que elles não podiam abandonar o logar e que os faria punir se o abandonassem. Tratava-se de funcções publicas, que não podiam abandonar a seu bello prazer.
Então para que servia ali a auctoridade administrativa? Só para vencer a eleição por todos os modos ou tambem para fazer cumprir a lei ? E note v. exa., sr. presidente, e a camara, que nem ao menos procuraram o supplente do mesmo lado dos vogaes que se tinham ausentado para o convidarem a tomar logar na mesa e o tornarem responsavel pelo seu procedimento, se não annuisse ao convite.

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O sr. relator com as suas considerações não dá senão occasião, a que eu suspeite ou acredite que a auctoridade em Villa Chã o que queria era que aquelles vogaes da mesa se ausentassem para ficar mais á sua vontade; e que aproveitou o primeiro ensejo para isso.
Se houvesse ainda alguma duvida a respeito do intento da auctoridade n'esta eleição, desvanecia-se do todo com as rasões, com que se quer justificar o seu procedimento.
O argumento principal do sr. relator é sobre a assembléa de apuramento. Eu alterei a ordem da argumentação do sr. relator para responder logo ás suas ultimas observações, mas isso não influe na discussão.
O argumento principal, dizia, eu, é sobre a assembléa de apuramento; e diz o illustre relator, que se não podia comparar a acta original com as copias porque a assembléa de apuramento se não podia reunir.
Isto é o mesmo que dizer, que se a assembléa de apuramento se podesse reunir, se devia fazer a comparação, e que a comparação tem de ser feita pela assembléa de apuramento; e acrescenta o illustre relator, que a assembléa de apuramento não podia ter logar, porque a lei é expressa a este respeito; quando ha uma só assembléa eleitoral não ha assembléa nem mesa de apuramento.
Mas em Alijó ha mais de uma assembléa eleitoral, logo ha assembléa e mesa de apuramento, e tanto assim é que ainda outro dia ella funccionou, e o mesmo sr. relator apreciou aqui a sua acta, e contra factos argumentos.
O que o sr. relator diz é para a hypothese de não haver em um circulo mais do que uma assembléa eleitoral, hypothese que se não verifica no circulo de Alijó.
Diz s. exa. que a assembléa e a mesa de apuramento está dissolvida.
Quem é que a dissolveu?
A lei de 21 de maio de 1884 no § 2.º do artigo 8.º manda convocar qualquer mesa eleitoral primaria para informar sobre qualquer protesto contra as operações da assembléa, a que respeita a referida mesa, apresentando na assembléa de apuramento, isto é, já muitos dias, pelo menos oito, depois das assembléas primarias terem terminado os seus trabalhos; e se isto se faz com as mesas primarias, porque é que se não ha de fazer com a mesa e assembléa de apuramento cujos vogaes são conhecidos?
Isto é que era o legal e regular; e desde que se tinham annulado parte dos actos praticados pela assembléa de apuramento, era logico mandal-os reformar por essa mesma assembléa.
É assim que se faz sempre, até perante o poder judicial; quando se annulla um processo, reforma-se perante o mesmo juiz, onde começou, e não perante a ultima instancia, que o tenha annullado.
Isto é que é justo e legal, e não tem por isso logar nenhum o argumento do sr. relator; nem é preciso fixar jurisprudencia a este respeito, nem aqui se fixa jurisprudencia a respeito de actos eleitoraes; a jurisprudencia está fixa, a opinião da camara é que muitas vezes o não é em assumptos politicos.
O que se faz agora, se esta eleição for approvada, é estabelecer se mais um precedente mau que depois será approvado como convier.
Podia terminar aqui as minhas considerações, mas permitta-me v. exa. e a camara que eu faça ainda uma observação: desde que o sr. relator desculpa a falta de comparação da acta original com as copias e os cadernos de recenseamento com a falta de assembléa de apuramento, reconhece, que é necessaria essa comprovação para se conhecer a autheuticidade da acta, e fica sem resposta alguma o argumento que o firmei na falta de tal comparação; e como a authenticidade da acta da sua comparação com as copias e com os cadernos, como o sr. relator reconhece, e como tal comparação se não fez, segue se que se não póde conhecer se a acta é authentica, e por isso não se póde dar por ella.
Note bem a camara: a comparação é necessaria: deve fazel-a a assembléa de apuramento, mas como a assembléa de apuramento a não fez, não a faz ninguem, nem a commissão!
E conclue-se pela authenticidade da acta, como se tal comparação se tivesse feito.
Isto é incrivel; d'aqui a dispensarem-se todas as apparencias de eleição e reduzirem-se as cousas a dar aqui a maioria, ou o governo o diploma de deputado a quem lhe parecer, vae muito pouco.
Mas isto não póde ser, por isso é que eu espero, que a maioria não ha de approvar o parecer da commissão, que daria quasi aquelle resultado.
Sr. presidente! Parece-me, que tenho respondido cabalmente a todos os argumentos do illustre relator: desculpe v. exa. a immodestia, mas não é porque presuma muito de mim ou pouco de s. exa., é porque a causa que s. exa. defende é tão má, que até o mais humilde orador d'esta casa, como eu o sou, é capa de a vencer, não obstante a desigualdade de nossos recursos; todos em favor de s. exa. e contra mim.
Tenho concluido.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
Apresentou a seguinte

Proposta

Não havendo lei que prohiba a Segunda reunião da assembléa de apuramento, não procedem as rasões apresentadas pelo illustre relator e conclue-se como na primeira moção. = Ruivo Godinho.
Foi admittida.

O sr. Madeira Pinto (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. consulte a camara sobre se julga a materia sufficientemente discutida.
Assim se resolveu.
O sr. Miguel Dantas (para um requerimento): - Requeiro votação nominal.
Foi approvado este requerimento.
Postas á votação as propostas de addiamento do sr. Ruivo Godinho, foram rejeitadas.
Feita a chamada, para a votação do parecer.

Disseram approvo os srs. Baptista de Sousa, Campos Valdez, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Eduardo Villaça, Ribeiro Ferrteira, Antonio Ennes, Pereira Borges, Tavares Crespo, Mazziotti, Simões dos Reis, Miranda Montenegro, Bernardo Machado, Eduardo Coelho, Madeira Pinto, Matoso Santos, Fernando Coutinho, Coelho e Campos, Castro Monteiro, Fernandes Vaz, Lacerda Ravasco, Lucena e Faro, Soares de Moura, Gabriel Ramires, Sá Nogueira de Vasconcellns, Pires Villar, Santiago Gouveia, Menezes Parreira, Vieira de Castro, Correia Leal, Alves Matheus, Oliveira Valle, Oliveira Martins, Simões Ferreira, Alves de Moura, Barbosa Colen, Pereira e Matos Abreu Castello Branco, Laranjo, Vasconcellos Gusmão, José Maria de Andrade, D. José de Saldanha, Simões Dias, Santos Moreira, Abreu e Sousa, Julio Graça, Vieira Lisboa, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Espregueira, Brito Fernandes, Marianno Prezado, Miguel da Silveira, Pedro Monteiro, Estrella Braga, Visconde de Silves, Lemos e Napoles, Francisco Machado, Rodrigues de Carvalho.
Disseram rejeito os srs. Serpa Pinto, Sousa e Silva, Antonio Castello Branco, Antonio Maria Jalles, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto Fuschini, Freitas Branco, Firmino João Lopes, Guiherme de Abreu, Jacinto Candido, Franco Castello Branco, Marcellino Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Amorim Novaes, Avellar Machado, José de Azevedo Castello Branco, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Figueiredo Mascarenhas, José Guilherme Pacheco, Julio de

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Vilhena, Lopo Vaz, Pinheiro Chagas, Matheus de Azevedo, Miguel Dantas, Pedro Victor, Dantas Baracho, Consiglieri Pedroso.

Foi portanto approvado o parecer por 59 votos contra 28. Em seguida foi proclamado deputado o sr. Sebastião Maria da Nobrega Pinto Pizarro.

ORDEM DO DIA

Continua a discussão do projecto de lei n.º 108, approvando para ser ratificado pelo poder executivo, o convenio entre Portugal e a Allemanha sobre delimitação de possessões, é da esphera de influencia de ambos os paizes na Africa meridional, assignado em Lisboa aos 30 de dezembro de 1888

O sr. Presidente: - Tem a palavra, para continuar o seu discurso, o sr. Antonio Ennes.
O sr. António Ennes: - Sr. presidente, nas considerações que expuz á camara, no fim da sessão passada, esforcei-me por provar, e julgo tel-o conseguido, que o Cabo Frio nunca foi considerado como limite meridional da província de Angola; e que a convenção de 28 de julho de 1817 estabelecia como extremo d'essa provincia o 18º, e não o parallelo 18°, isto é, o ponto em que o parallelo 18° corta o meridiano da costa, por isso que essa convenção teve em vista delimitar no litoral a região facultada aos súbditos portuguezes para o trafico da escravatura, e de maneira nenhuma demarcar as possessões da corôa de Portugal na Africa.
Não sei se a minha demonstração satisfez o illustre deputado a que estou respondendo; mas, se for necessario, eu a reforçarei opportunamente.
Admittamos, porém, por um momento, sr. presidente, embora só como concessão, que Portugal tivesse realmente exarados em documentos officiaes as suas pretensões ou os seus direitos a dilatar a provincia de Angola no parallelo 18°. Pergunto eu, e peço a attenção da camara para estas considerações, que são fundamentaes; acaso teriamos tambem a certeza de que esses direitos seriam considerados e respeitados como tal? Para elucidar o governo sobre este ponto, para responder a esta interrogação, ha duas ordens de factos, que andam na memoria de todos e que encerram duas lições profundas: em primeiro Jogar, as negociações ácerca do Zaire; em segundo logar, a historia, recente, mas interessante, da occupação allemã na Africa central.
Sr. presidente, a convenção de 28 de julho de 1817 reconheceu tambem, por parte de Inglaterra, os direitos de Portugal á posse do Zaire e dos territorios de Cabinda e Molembo e esses direitos foram muitas vezes certificados, e como que revigorados por actos de jurisdicção exercidos pelo governo portuguez nas aguas do rio, ou nas suas margens, e exercidos até a pedido dos governos estrangeiros; e todavia, nem a propria Inglaterra os respeitou ou fez respeitar, apesar dos esforços dos nossos diplomatas para fazerem valer junto d'ella os seus compromissos de 1817, e o governo regenerador viu-se forçado a assignar o tratado com o estado livro do Congo, pelo qual lhe abandonou a margem direita do Zaire.
Este facto, que está na memoria de todos gravado como uma impressão menos agradável poderia porventura tranquillisar o governo relativamente aos acontecimentos da Africa austral, e persuadil-o de que os limites necessarios á provincia de Angola estavam assegurados centra qual quer intrusão, pelo titulo diplomatico que não protegeu o Zaire, ou por qualquer outro titulo mais ou menos legitimo de direito historico?
Sr presidente, similhante tranquillidade seria cega imprevidencia, tanto mais quanto a historia das occupações da Allemanha na Africa austral provava á evidencia que os agentes coloniaes d'essa poderosa nação não davam grande peso a direitos historicos, nem paravam facilmente diante de soberanias nominaes.
A camara sabe como as cousas se passaram.
A costa occidente da Africa era desde muito, desde antes do meiado d'este seculo, frequentada por inglezes, principalmente vindos do Cabo, que n'ella haviam creado estabelecimentos, organisado companhias de exploração mineira, montado casas commerciaes. De Wahlfish-bay irradiavam para o sertão, pelas duas Namaquas, por todo o paiz dos damaras, e até ao Ovampo, elementos da influencia britannica; os protestantes tinham por lá estabelecido missões; exploradores como Green, Andersson, Smuts e muitos outros haviam feito reconhecimentos nas regiões mais inhospitas, e os capitães inglezes tinham constituido interesses, tanto no litoral como no interior. E, comtudo, o que succedeu? O consul allemão em Wahlfish-bay e os representantes da companhia allemã da Africa austral não se prenderam com os direitos de soberania que a Inglaterra poderia querer fazer derivar d'este estado de cousas. Protegeram-se com a doutrina, por algumas potencias professada na conferencia, de que os indigenas eram ali os senhores do solo, compraram os domínios de dois chefes namaquas, dando 100 libras a cada um, e os de um terceiro por 50 libras, fizeram acceitar o protectorado germanico a Kamaherero, principal potentado dos damaras, e, feito isto, declararam aos inglezes que a Allemanha tinha comprado a casa aos senhorios legitimos, e que elles, se quisessem continuar a habital-a, deveriam reputar-se inquilinos. E se a Inglaterra pôde conservar a posse de Wahlfish bay, onde exercia incontestavel dominio, ahi mesmo a sua posse ficou circumscripta á costa, porque os allemães occuparam o sertão.
Esta é a historia sabida do todos, a historia cheia de advertencias e ameaças, que o governo tinha diante dos olhos. E convem aqui fazer uma observação, que deve esclarecer a camara ácerca da maneira como as grandes potencias da Europa estão presentemente apreciando os titulos de posse, de soberania, de territorios ultramarinos: é que a Inglaterra, apesar das raizes que tinha lançado na costa sudoeste da Africa, apesar dos interesses que subditos seus haviam creado nessa costa e no correspondente sertão, não se julgou auctorisada a converter esses factos em direitos, que por brio nacional ou por conveniencia devesse sustentar contra a Allemanha!
Ora, sr. presidente, se os allemães - refiro-me ás emprezas commerciaes da Allemanha e aos seus agentes, e não ao governo d'essa grande nação e aos seus delegados -, se os allemães nas Namaquas e no Damoraland não respeitavam as pretensões, a influencia, as conveniências dos inglezes, não seria para temer que tambem não respeitassem, nos limites da província do Angola, os interesses, ou, se quizerem, os direitos mal definidos, mal comprovados e absolutamente desapoiados da corôa de Portugal?
Para sul e para leste do curso do Cunene, que provas, que monumentos do domínio portuguez encontravam elles, que podessem fazer parar uma occupação que mais ao sul não tinha parado diante dos factos que attestavam a prioridade da influencia britannica? Nenhuns absolutamente. Mesmo em relação ao litoral comprehendido entre a foz do Cunene e o 18° parallelo, poder-se-ía esperar que quem tinha affrontado a Inglaterra em Angra Pequena se prestaria a reconhecer esse litoral como portuguez, só pelo facto da Inglaterra o haver reconhecido como tal na convenção de 1817? E dever-se-ía porventura confiar em que o governo inglez faria valer similhante convenção? Nem pensar n'isso!
A realidade, sr. presidente, é que a nossa provincia de Angela, depois de 1884, e relativamente aos territorios que, embora sejam considerados como dependencias d'ella, não estavam, nem estão, effectivamente occupados, achou-se de todo desarmada, e não só de forças, mas de direitos que, de algum modo, se podessem fazer acceitar como taes perante os emprehendimentos colonisadores da Allemanha.
Os exploradores da companhia allemã da Africa Austral,

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que já tinham chegado ao Cabo Frio, podiam adiantar-se até á foz do Cunene sem nunca encontrarem a bandeira portugueza e sem terem que apagar na areia a pégada de um portuguez. Mais para leste, no paiz de Ovampo, encontrar-se-íam em territorio que um dos seus novos vassallos, o soba Kamaherero dos damaras, considera enfeudado ao seu dominio. Se quizessem caminhar para o norte poderiam entender-se facilmente com o soba da Cuanhama, que não ha muito tempo, por suggestões de missionarios portuguezes, arriou o nosso estandarte nacional, que lhe havia mandado de Mossamedes, sem ser punido pela deslealdade; e n'essa mesma Cuanhama achariam debaixo de mão um pretendente ao sobado do Humbe, que nenhum reconheceu a suzerania portugueza, e que podiam aproveitar para estender a influencia allemã á margem direita do Cunene. N'uma e outra margem do Cubango esses exploradores poderiam perceber, se quizessem ter boa vista, o trilho commercial dos sertanejos de Benguella e de Mossamedes; mas ahi, como em quasi todo o planalto de entre o Cunene e o Cubango, os sobas poder-lhes-iam dizer que não tinham nenhuns compromissos de vassallagem para com Portugal, e tanto lhes bastaria, se quizessem proceder como no territorio de Angra Pequena, para fazerem com elles contratos que depois invocassem para nos obrigarem a respeitar o seu senhorio estendido, porventura, até Luceque, ou ainda até mais ao norte. E, obtidas todas estas dilatações, ainda poderiam dizer á Europa, com verdade, que em parte nenhuma haviam feito violencia aos direitos de Portugal, cujas auctoridades, cujos soldados, cujos commerciantes, cujos vassallos não haviam visto em parte nenhuma da sua extensa exploração, tendo, pelo contrario, encontrado por lá vestigios antigos e vestigios recentes de missionarios e exploradores allemães, como Halm e Rath, e de repetidas tentativas de estabelecimentos de outros estrangeiros!
Esta era a situação, situação realmente temerosa e que sobresaltou as auctoridades e o commercio da província de Angola.
Para a conjurar, dois unicos expedientes se offereciam naturalmente ao espirito. O primeiro era occupar todos os territórios que pareciam ameaçados, ou, não havendo forças para tanto, occupar unicamente aquelles que se consideravam necessarios para a segurança e para o desenvolvimento futuro da nossa provincia de Angola. Alguma cousa se fez n'esse sentido, e por isso não duvido elogiar o governo que então presidia aos destinos do paiz, de que faziam parte os srs. conselheiros Pinheiro Chagas e Bocage. O governo regenerador, repito, alguma cousa fez no sentido de assegurar os nossos direitos ou as nossas pertensões em frente da occupação allemã; o sr. ministro dos negocios estrangeiros especialmente recommendou que s alargasse o mais possível a área do nosso domínio effectivo, porque assim se obteriam títulos para adduzir em quaesquer negociações com a Allemanha.
Porém a verdade é que a empreza era superior às forças e aos recursos de que póde dispor o governo de Angola; e eu insisto neste facto, porque elle só por si está a dizer quanto foram justas e porventura indispensaveis as suppostas cedencias feitas á Allemanha, que o sr. Castello Branco considerou vergonhosas. A empreza de levantar quaesquer padrões, por mais singela, da soberania portugueza, na região do sul do Cunene e do Cubango, só se poderia ter levado a cabo com um esforço da metropole, que para ella seria, não direi ruinoso, mas incommodo; portanto, a boa vontade dos governadores de Angola e de. Mossamedes, estimulada pelo governo central, não pode mais, apesar da gravidade da conjunctura. do que sujeitar ou castigar alguns sobas rebeldes do Cunene e fundar um estabelecimento em Cassinga, nas margens do Tehitanda. E este resultado, embora honroso para quem o obteve, ficou seguramente muito aquém do fim que se desejava conseguir, porque ainda deixou á merco das ambições allemãs
vastissimos tratos de terra necessários á dilatação da provincia de Angola.
O outro dos dois expedientes, que ha pouco mencionei como aptos para conjurar os perigos da situação, tornou-se, pois, necessario com a impraticabilidade do primeiro: esse era negociar com a Allemanha, para que ella se compromettesse a respeitar o que contra ella não poderiamos defender, nem pela força nem perante o tribunal da Europa.
Para essa negociação havia uma base perfeitamente equitativa e honrosa, indicada pela natureza das cousas. Dos vastos territórios que se estendiam entre Angola e a possessão de Angra Pequena, uns eram necessários ou uteis ao desenvolvimento da nossa provincia, que já tinha com elles, ou esperava vir a ter, relações commerciaes; outros estavam fora da sua esphera natural de acção e dilatação e separados d'ella por barreiras naturaes, acrescendo a circumstancia de serem, na sua maxima parte, difficeis de occupar e colonisar, quando não inteiramente estereis e refractarios á cultura e á civilisação. E portanto, uma transacção que consistisse em sacrificar estes territorios á conservação d'aquelle, em abandonar o inutil para segurar o necessário, em ceder o ruim a troco da pacifica posse do bom, seria para Portugal tão proveitosa, que chegaria a parecer gratuita, ainda quando aproveitasse igualmente á outra parte contratante, e tão honrosa como a poderiam desejar as mais formidaveis potencias da Europa. A que mais haveriamos, realmente, de aspirar do que a salvar de um perigoso lance todos os nossos interesses bem entendidos? Seria acaso preferivel arriscar esses interesses com a intransigência de suppostos direitos historicos e as susceptibilidades de um. brio nacional exagerado? Haveriamos de expor-nos a perder tudo, para não perdermos o que não servia, o que não presta, o que não conseguiriamos nunca utilisar, embora sirva e preste, para ser utilisado por uma nação com outras necessidades e outros recursos?
Sr. presidente, a transacção, qual eu a esbocei, está já assegurada por esta convenção, que effectivamente nos deixou os territorios de que precisavamos, deixando á Allemanha aquelles que nem sequer cubiçámos nunca. N'estes termos é que a partilha está feita. A convenção assegura-nos a posse de toda a margem direita do Cunene até á foz e da margem esquerda até á catarata do Canná, o planalto entre o Cunene e o Cubango e o norte do parallelo d'essa catarata, toda a margem esquerda do Cubango excluindo Andora e a margem direita até ao já indicado parallelo; ora, até nos sentirmos ameaçados pela vizinhança da Allemanha nunca ninguem pensou em levar tão longe as fronteiras da provincia de Angola. As fronteiras mais ambiciosas que se lhe propunham eram, ao sul o Cunene, a leste o Cubango; havia, porém, opiniões muito auctorisadas que lhes - davam um traçado muito mais restricto. Por exemplo: ainda em 1885, quando já se tratava de alargar as nossas occupações, o governador de Mossamedes o sr. coronel Nunes da Mata, que conhece o seu districto por o haver explorado pessoalmente, escreveu n'um relatorio, em que expunha o plano de uma expedição ao interior: «Pela maneira por que acabo de expor, ficará occupado o Cubango e assignalada a nossa posse, politica e moralmente, no Humbe, que ainda mais ao sul é situado, porque a Cuanhama e outras terras d'alem do Cunene, fronteiras ao Humbe, não têem grande valor...». Pela mesma epocha, o chefe da Humpata, o sr. tenente Arthur de Paiva, tambem intrepido explorador do sertão de Mossamedes, dizia para um dos seus superiores, que o ponto extremo da província para a parte do sul devia ser Cassinga, situada a 15º 5, porque ahi começa a desceu rapidamente o planalto para Handa e Cassima, «postos estes, acrescentava elle, pouco saudaveis e de nenhum interesse agricola ou commercial para nós». Ora a Cunhama, a Cassima, a Handa, os territorios que estes praticos consideravam fóra do limite natural e do limite util de Angola, ficaram dentro da fronteira ajustada na convenção, e por-

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tanto póde dizer-se com segurança que essa fronteira, não sómente não encurtou o nosso dominio, mas nem sequer restringiu as nossas aspirações sensatas, as aspirações dos que não querem direitos que a final só representam encargos, dos que dispensam propriedades que só trazem ruina.
Mas o sr. deputado Castello Branco não se contenta com estas vantagens, porque, no seu entender, a Allemanha não contribuíra para ellas, a Allemanha nada nos cedeu; é portanto, arguiu s. exa., a convenção não é bilateral. Não e bilateral? É. Houve cedencia por cedencia. Nós cedemos, certamente, não o direito de soberania sobre os territorios que se estendem até ao 18.º parallelo, porque continúo a sustentar que o não tinhamos, mas a incontestavel faculdade que possuiamos de nos dilatarmos por esses territorios e ainda para alem d'elle; a Allemanha, porém, cedeu do exercicio de uma faculdade perfeitamente igual a essa nossa, salva a differença de ser ouvida por meios bem mais energicos do que aquelles de que dispunha a nossa; de uma faculdade que a Inglaterra lhe não contestou e lhe não estorvou nas Namaquas e na terra dos damaras. Nós renunciámos a tomar posse, por qualquer fórma, dos terrenos situados ao sul da fronteira convencionada: a Allemanha renunciou a fazer acquisições para o norte d'essa linha: renuncia contra renuncia vale menos por certo a de quem não quizera nunca aproveitar o que renunciou nem tinha talvez recursos para o aproveitar.
A Allemanha não nos dá nada?
Dá nos a limitação que impõe á sua acção occupadora, e que nós lhe não podíamos impor por força nem por direito; dá-nos em larga escala o que só deu aos inglezes reduzido ás mesquinhas proporções d'esse territorio de Wahlfish-bay que elles conservavam; cede-nos de algum modo tudo quanto, para o norte da linha divisoria que esta convenção estipulou, poderá absorver na livre concorrencia do seu poderio e da sua energia, das suas necessidades económicas, com a nossa fraqueza, a nossa indolencia, e a nossa saciedade, deixem-me dizer assim, de dominios ultramarinos. A convenção é, pois, bilateral, é bilateral como nenhuma das que modernamente temos feito com potencias da Europa ácerca de possessões africanas, bilateral como oxalá tivessem sido os tratados concernentes ao Zaire, e nomeadamente o que tivemos de celebrar com o estado livre do Congo. O que nos deu, o que nos cedeu esse estado em troca da margem direita do Zaire? Nem sequer a desistência do que poderia emprehender a sua força, porque a não tinha, contra o nosso direito, ahi bem fundado e provado!
Eis-aqui está, sr. presidente, como eu encaro e porque defendo a convenção que estamos discutindo; encaro-a, como uma transacção pela qual a Allemanha e Portugal dividiram entre si os territórios, incontestavelmente inoccupados, que se estendiam entre a provincia de Angola e a possessão de Angra Pequena, e pelos quaes tanto os allemães como os portuguezes podiam espraiar o seu dominio e alargar os seus protectorados. Mas haveria porventura, na maneira como se preparou, negociou e conseguiu esta transacção, algum desaire, algum desastre, alguma humilhação para Portugal? Esta interrogação leva-me á critica das negociações, á analyse dos documentos do Livro branco, que o sr. deputado Castello Branco tambem fez, mas fez com injusto desfavor para o sr. ministro dos estrangeiros, e pouca solicitude pela dignidade do nosso paiz.
Como a camara tem de certo presente, foi o governo allemão quem abriu as negociações, e abriu-as propondo uma fronteira para as nossas e para as suas possessões; essa fronteira, partindo da foz do Cunene, seguia a margem esquerda d'este rio até defronte do Humbo, e d'ahi corria para leste confundido com o parallelo d'este logar. Esta demarcação tinha, por certo, graves inconvenientes para nós; mas acaso a acceitou, apesar disso, o governo portuguez? Não; rejeitou-a toda, e propoz outra, mais dilatada, tomando por ponto de partida a pretensão, mas não direito, que tinhamos a fixar no Cabo Frio a extremidade sul da provincia de Angola.
Mas, observou o orador que me precedeu, carregando a observação de censuras contra o sr. conselheiro Barros Gomes; mas s. exa., ao mesmo tempo que formulou a sua contra-proposta, declarou que acceitaria as modificações que o governo de Berlim desejasse, o que foi o mesmo que convidal-o a exigil-as. É certo; mas n'este facto, que ao sr. Azevedo Castello Branco pareceu uma inhabilidade, vejo eu uma prova do fino trato do negociador portuguez. Sr. presidente, a camara deve notar que se tratava de uma contra-proposta, e não de uma proposta inicial; que se tratava de persuadir o negociador allemão a abandonar a linha de demarcação que havia indicado, para acceitar outra totalmente diversa. Ora, esta tentativa era melindrosa, porque ninguém gosta, e menos gostam os governos das grandes potencias, de sofïVer recusas terminantes; portanto, o sr. ministro dos negocios estrangeiros entendeu, e bem, que lhe cumpria mostrar-se transigente para obter transigencia, inspirar-se n'um espirito conciliador para chegar á conciliação. Se elle pozesse a mão na ilharga, era natural que a Allemanha fincasse os dois punhos nos quadris; se parecesse caprichoso, despertaria o capricho allemão, que necessariamente acabaria por vencer. Por conseguinte, suavisou quanto possivel a sua recusa e a sua proposta, offerecendo espontaneamente acceitar modificações ao que propunha, e este seu proceder foi tanto mais habil quanto é certo que não arriscava nenhum interesse nacional, visto que s. exa. tinha pedido mais, em meu conceito, do que julgava indispensavel alcançar, para ter que ceder.
Eu creio, sr. presidente, que, dizendo isto, attribuindo estas intenções ao sr. ministro, não offendo nenhuma conveniência; entretanto cumpre-me declarar que as explicações que eu aqui der dos actos de s. exa., dos seus planos e dos seus pensamentos intimos durante as negociações, são da minha única e exclusiva responsabilidade. O sr. conselheiro Barros Gomes não disse á commissão, não me disse a mim, nada mais do que consta dos documentos do Livro branco eu é que d'esses documentos infiro o que julgo deverem ter sido os motivos d'este ou d'aquelle modo de proceder de s. exa. N'este processo, porém, posso enganar-me, e nem sequer estranharei que o sr. ministro rectifique os meus juizos e as minhas supposições; deixo aos melindres da sua posição plena liberdade para similhantes rectificações.
Voltemos, porém, ao ponto de partida d'esta divisão; tanta rasão tinha o sr. conselheiro Barros Gomes para receiar que o governo allemão lhe não acceitasse a contraproposta, que elle effectivamente rejeitou-a e insistiu pela acceitação da proposta primitiva. E, seja-me licito dizel-o, não lhe podemos querer mal por isso. A fronteira indicada pelo negociador portuguez, essa fronteira que do Cabo Frio partia para a lagôa Etocha e acompanhava o Chobé até ao Zambeze, era excellente para base das negociações, porque dava margem larga para cedencias e transigencias; mas, se fosse acceita pela Allemanha, tornaria a convenção unilateral, dando todas as vantagens a Portugal e nenhuma á Allemanha. Isto é evidente. Se nós ficassemos na posse, não só do territorio sobre o qual exerciamos dominio effectivo, senão de todo aquelle até onde chegavam as nossas pretensões e aspirações mais aventurosas, dilatando-nos ainda para o sul do 18° parallelo, não desistiriamos de cousa nenhuma, não dariamos nada, a troco da obrigação, que queriamos que a Allemanha se impozesse a si propria, de nos não fazer concorrencia em acquisições e occupações, e essa obrigação ficar-nos-ía de graça, ou antes, obtel-a-íamos com um contrapeso de senhorio territorial. E em tal caso o que lucraria a outra parte contratante? O nosso reconhecimento para o dominio que já tinha seguro, e não só seguro pela sua força, mas tambem legalisado, de certo modo, por contratos com os regulos? Valeria muito esse reconhecimento; entretanto não podemos estranhar que o

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gabinete de Berlim se não contentasse em tirar só esse fructo das negociações comnosco.
E agora reflicto eu que estas minhas considerações parecem feitas de molde para justificar uma accusação que me fez o sr. Castello Branco: a accusação de no relatorio da commissão me ter constituido defensor da Allemanha. Paciencia! A final, a tremenda accusação não me pesa. Se defendi, se defendo agora, o governo allemão, é porque defendo ao mesmo tempo a dignidade de Portugal, que o illustre deputado figurou abatida, humilhada, picada a pés por imposições arrogantes do colosso do norte. E, francamente, acho-me mais á vontade n'essa defeza, do que deveria achar-se o sr. Castello Branco, que, sendo brioso e cavalheiroso como homem, tambem o ha de ser como cidadão, como portuguez, quando esquadrinhava no Livro bronco pretexto para proclamar que a sua patria havia sido affrontada! Sr. presidente, as affruntas, quando são reaes, devem dissimular se emquanto se não podem vingar; invental-as, é o maior sacrificio que o sentimento patriotico póde fazer ao facciosismo politico! (Apoiados.)
A Allemanha, dizia eu, não podia acceitar a contra-proposta portugueza, e de feito rejeitou-a. N'estas condições, para se não romper a negociação, ficando os agentes allemães com mais liberdade do que nunca para continuarem a fazer acquisições nas vizinhanças de Angola, era forçoso que o nosso governo chegasse a termos possiveis de conciliação. Mas foi ainda elle que formulou esses termos; e se modificou sensivelmente a sua proposta anterior, todavia distanciou-se menos d'ella do que da proposta allemã primitiva.
Sr. presidente, a fronteira indicada no memorandum de 27 de julho de 1886, do sr. barão de Schmidtlials, tinha para nós um grave inconveniente e muitas deficiencias. O inconveniente grave era o permittir que os allemães se estabelecessem defronte do Humbe, na margem esquerda do Cunene; ahi, poderiam chamar a si todo o movimento commercial d'esse concelho, sem contar que, em similhante posição, haviam de sentir muito a falta do porto de Mossamedes ou da bahia dos Tigres Alem d'isso, sendo o nosso territorio delimitado pelo parallelo do Humbe até ao Zambeze, ficavam fóra d'elle alguns povos com que já temos algumas relações, como os de Hande, Cuanhama, Cafima, e outros, não podiamos aproveitar a navigabilidade do Cubango sen ao no seu curso superior, e o nosso commercio sertanejo via fecharem-se-lhe os caminhos para o Mocusso e para junto das diversas populações que vivem nas ilhas ou nas margens do Cubango, o que era um prejuizo grave. Ora, a demarcação que o sr. ministro dos estrangeiros a final propõe corrigiu todos os inconvenientes que scabo de expor. Desde que a fronteira desceu do Humbe para a catarata de Canná, que lhe fica, segundo creio, á distancia de dez dias de marcha, ficou aquella nossa possessão desaffrontada de uma competição perigosa; no planalto de entre Cunene e Cubango, ganhou os terrenos, bons ou maus, de Hande, de Cuanhama, e Cafima; e o curso do Cubango continuou franqueado, até Andara, aos nossos commerciantes, e facilitando-nos, juntamente com os seus confluentes da margem esquerda, as communicações com o resto. Quando, pois, a Allemanha acceitou esta demarcação, fez nos concessões importantissimas, relativamente á sua proposta primitiva, a par das quaes não tiveram valor as modificações ligeiras que os seus negociadores introduziram n'essa demarcação, e que consistiram principalmente em parar a linha divisoria pelo norte de Andara, e em não seguir essa linha o curso do Chobé até desembocar no Zambeze. Repito, o que perdemos com estas modificações não se compara em importancia com as vantagens de podermos aproveitar o curso do Cubango até muito a léste, de ficarmos senhores dos seus confluentes septentrionaes, e de distanciarmos para muitos kilometros ao sul do Humbe. E, em ultima analyse, a convenção fechou-se sobre uma proposta portugueza, não tendo nunca a iniciativa dos nossos negociadores sido suffocada pela da outra parte contratante, o que raramente nos acontece nas relações diplomaticas com as grandes potencias.
Sr. presidente, esta é que é a apreciação justa da convenção e das negociações que a precederam. Digo-o sem receio de contradicção; ha muito tempo que em Portugal se não assigna um diplomatico mais honroso para os seus signatarios.
Saímos o mais airosamente possivel de uma situação que parecia cercada de perigos. Deve-se sito em grande parte ao sr. ministro dos negocios estrangieros, habil, sem as artimanhas que muitas vezes só servem para crear indisposições. Conciliador com dignidade, e zelosso dos interesses necionaes, sem caprichos, que pela correcção do seu proceder soube conciliar a bemquerença e a deferencia dos diplomatas allemães; mas deve-se tambem, é força dizel-o, á moderação e á equidade do gabinete de Berlim.
Sr. presidente, quem ler este Livro branco não encontra em nenhuma das suas paginas um documento, uma phrase, uma palavra que melindre o nosso sentimento nacional, ou que faça lembrar sequer que entre os negociadores havia uma desigualdade qualquer. (Apoiados.)
O sr. deputado Castello Branco chamou altiva e arrogante á acção colonisadora da Allemanha; a verdade, porém, é que a Allemanha não nos deu a menor rasão de queixa, não nos fez sentir de modo nenhum que estavamos tratando com uma potencia acostumada a impor a sua vontade ao mundo. (Apoiados.)
E note-se, sr. presidente, que esta minha homenagem é insuspeita, porque eu não sou germanista.
Sr. presidente, eu vou concluir, porque julgo ter respondido ás accusações e objecções formuladas pelo meu contradictor; se a resposta foi insufficiente, mostrar-m'o-hão os srs. deputados que já se inscreveram contra o projecto, e eu então a completarei ou reforçarei. Não me quero sentar, comtudo, sem estranhar que o sr. deputado Castello Branco, nos eu empenho de demonstrar que a Allemanha nada nos dava em troca das nossas suppostas cedencias territoriaes, lamentasse que ella nem ao menos se compromettesse a defender, contra outras potencias, os direitos que pela convenção nos reconhecia.
Sr. presidente, similhantes compromissos não se costumam inserir em documentos d'esta natureza, nem eu o queria acceitar, porque resultaria d'elles collocarmo -nos na Africa central sob uma especie de protectorado allemão. Tratando, como trataram n'esta negociação, duas nações independentes, nenhuma podia ou devia exigir da outra, sem quebra de dignidade, senão um reconhecimento de direitos; tudo mais seria humilhação e abdicação. (Apoiados.)
Termino, sr. presidente, fazendo votos por que esses vastos territorios que a convenção assegura á posse pacifica de Portugal sejam bem aproveitados pelos nossos governos, tanto em beneficio dos seus habitantes, como para honra e gloria da nação.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados dos dois lados da camara.)
O sr. Serpa Pinto: - Sr. presidente, antes de começar a responder ao illustre deputado que acabou de fallar o sr. relator da commissão, preciso agradecer ao sr. conselheiro Julio de Vilhena e ao sr. Pinheiro Chagas o favor que me fizeram deixando-me tomar parte n'este debate antes d'elles, que de certo eram as duas pessoas mais competentes do que eu, d'este lado da camara para o tratar. Agradeço portanto a s. exas. e a outro illustre deputado não menos competente o sr. Consiglieri Pedroso o ter-me cedido a palavra para eu poder entrar n'este debate.
Depois d'isso não posso deixar de lastimar profundamente que um homem de tanto talento, de tanta capacidade e tão honesto é o sr. Antonio Ennes, estivesse

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hontem e hoje a sustentar aqui que a maior parte das nossas colonias na Africa não são nossas.
Em primeiro logar é anti-patriotico o que diz s. exa. e muito anti-patriotico.
Em segundo logar eu não posso acreditar que s. exa. possa saber precisamente o que é e o que não é nosso n'aquella parte da Africa.
Eu vou principiar respondendo a algumas asserções de s. exa. no seu discurso de hontem.
Disse s. exa. que era sua opinião que não deviamos delimitar o nosso dominio colonial.
Eu não sei até que ponto isso se deva fazer ou não, mas o que me parece é que nós devemos conservar o que temos.
Disse s. exa. hontem que quem é pobre não deve querer muitos filhos. Pelo contrario os filhos são a riqueza dos pobres e n'este caso muito mais ainda porque estes filhos são subditos de El-Rei e quantos mais El-Rei tiver, maior Rei elle é.
Outra causa muitissimo extraordinaria que por umas poucas de vezes disse hontem, e já hoje repetiu, o sr. Antonio Ennes, foi que nós pediamos o que não queriamos para termos o que queriamos.
Ora sito não é serio e eu lastimo profundamente que no parlamento se tivesse soltado esta phrase, porque me parece que quando um paiz trata com paizes estrangeiros trata seriamente, e a historia do creado comprando ananazes que o sr. Antonio Ennes contou hontem, vem completamente deslocada para o caso; triste é dize-lo.
O sr. Julio de Vilhena num dos seus rasgos de eloquencia comparou o sr. ministro dos negocios estrangeiros a um correio para levar o voto da camara a Sua Santidade. S. exa. comparou o sr. ministro a um correio; e nós sabemos muito
bem que um correio diplomatico póde ser um principe.
Mas comparar o sr. Barros Gomes a um creado só o sr. Antonio Ennes. Eu n'esta parte defendo o sr. Barros Gomes, quero-o para melhores fados.
Ora nós estamos eivados ha tempo a esta parte da maioria dizer que não é nosso aquillo que é nosso. (Apoiados.)
Quando se fallou do tratado com a China, alguns jornaes portuguezes publicaram que Macau não era nosso.
Disseram que não tinhamos um só titulo que podesse provar que Macau nos pertencia, assim como agora se diz que não temos titulo algum para provar que o sul do districto de Mossamedes é nosso, que pára o nosso dominio no Cabo Negro, que a bahia dos Tigres nos não pertence, e que se a possuimos agora é porque a Allemanha nol-a deu. Triste e vergonhosa argumentação é esta.
O que eu quero saber é o que nós démos á Allemanha por isso. Ainda o não pude encontrar no relatorio, nem o sr. relator me poderá responder claramente a isto.
O que é que nós démos á Allemanha pelos grandes territorios que ella nos dá por este tratado?
Ao menos a Santa Sé deu plenarias indulgencias ao exmo. ministro, pela cedencia de uma grande parte do padroado.
Mas ali trocaram-se indulgencias por christandades, e aqui, segundo o sr. Ennes, recebemos tudo e não démos nada. Bemfazejo e bem fadado tratado é este.
O marquez de Sá, que era um grande patriota, que foi quem iniciou o primeiro movimento colonial em Portugal, nos tempos modernos, e que deu um dos maiores passos para a civilização da Africa, acabando com a escravatura, (Apoiados.) esse mesmo marca apenas o Cabo Frio até ao sul como limite, e depois faz uma serie de pontinhos para o interior, porque n'esse tempo esse interior era desconhecido, e apenas ha alguns annos é que se começou a saber e que era o centro da Africa.
Mas apesar de s. exa. dizer que os estrangeiros só nos têem trazido o conhecimento do centro da Africa, eu direi que nós tinhamos uma parte enorme d'esses conhecimentos. (Apoiados.)
S. exa. não sabia isto, porque todos os trabalhos feitos no interior da Africa têem sido feitos pelo partido regenerador, (Apoiados.) e o partido progressista não se importa com o que nós fazemos.
A maior parte da AÁfrica central foi conhecida e é conhecida pelos portuguezes, e nos meus mappas estão innumeras indicações de Silva Porto e outros portuguezes. Em todos os trabalhos de cartographia feitos em Portugal, são aproveitadas essas indicações.
S. exa. avançou hontem que ao sul do Cabo Negro não tinhamos nada, porque não havia occupação nossa. Parece-me uma proposição arriscada.
Tambem entre Moçambique e o Ibo está tudo desoccupado, não temos lá um só estabelecimento, e comtudo o dominio é nosso. A muitos pontos fui eu pela primeira vez, e ninguem póde negar que já eram nossos.
Desde Moçambique até ao Ibo encontrei muitos portos que não estão occupados por nós, e por essa rasão uma grande parte das nossas colonias deixavam de ser nossas, porque nem as occupámos, nem temos mesmo relações exactas e seguidas a respeito d'ellas.
N'esta ultima viagem, quando saía de Moçambique, era governador da provincia o sr. Agostinho Coelho: a tres dias de viagem regular (eu tinha levado mais tempo porque ía trabalhando) recebi um recado de um regulo, dizendo que não continuasse na viagem porque me não deixaria passar, e não queria brancos na sua terra.
Eu, cauteloso e prudente, mandei consultar o sr. Agostinho Coelho e perguntei-lhe o que devia fazer. Mandou-me dizer que me mandava um navio para ir ao Ibo.
Agradeci-lhe o navio de guerra que elle me mandou e não acceitei. Passei, apesar da ordem do regulo, deixando-o convencido de que era subdito de El-Rei de Portugal.
Portanto, trago isto para responder ao illustre deputado quando disse que no interior não temos nada, e que os limites que nos estão reconhecidos são na costa.
Já vê que pelo seu principio mesmo na costa ha duvidas.
Mas não é assim: posso mostrar o contrario, e tambem posso demonstrar que ha muitos pontos da costa que não occupâmos e que se não contesta que sejam nossos.
Isto foi o que s. exa. disse hontem, segundo os meus apontamentos.
Agora vou analysar o que s. exa. disse hoje.
Disse s. exa. que aquelles terrenos ao sul do Cuango tinham sido avassalados pelos allemães. Logo responderei a isso, mas, antes de o fazer, lembro-me outro ponto a que preciso responder já.
Disse s. exa. que não podemos delimitar o nosso dominio em muitos pontos, em que os allemães o podem fazer, porque nós não nos podemos bater com os allemães.
Verdade é que nós não podemos bater com os allemães na Europa.
Na Africa porém não tenho medo de me bater com a Allemanha, porque ali a tactica de Moltke e a diplomacia de Bsimarck perdem todo ao valor, e os processos que os allemães seguem hão de ser os mesmos que nós seguimos.
Não me parece que ninguem vá mais longe em Africa do que vae um portuguez, (Apoiados.) e em riqueza não me parece que a Allemanha nos leve muita vantagem, sobre tudo depois que o sr. Marianno de Carvalho dirige as finanças d'este paiz.
Em vista d'isto, não posso de maneira nenhuma deixar de combater energicamente a idea de s. exa., de que não nos podemos bater com a Allemanha; na Europa não, mas na Africa não tenho receio de que Portugal se não possa avantejar ao grande imperio, ou por outra, que o grande imperio se avantaje a Portugal.
Atraz de Gamito e de Monteiro, quantos têem apparecido e quantas expedições se têem feito e todas com suc-

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cesso? Ainda no anno passado eu vi que dezesete expedições allemãs voltaram para traz em poucos dias, sem obterem resultado.
O illustre relator devia dizer que os governos pouco se têem importado com a maneira regular de occupar o interior da Africa, e se algum governo tem pensado d'isso, é sem duvida o governo regenerador.
Todos sabem que o sr. Pinheiro Chagas, na sua curta gerencia da pasta da marinha, levou o nome portuguez a toda a parte da Africa central; fez com que Capello e Ivens atravessassem o continente, fazendo uma viagem importantíssima, tornando conhecido o nosso nome, e fazendo ver o portuguez a muitos povos que ignoravam que houvesse brancos ou portuguezes, avassalando muitos chefes. A respeito de vassalagem hei de logo responder a um ponto em que s. exa. tocou.
Depois de Capello e Ivens, ainda hoje se encontra no centro da Africa o sr. Henrique de Carvalho com uma expedição organisada tambem pelo sr. Pinheiro Chagas e que ha de dar bom resultado.
Outra expedição organisada pelo sr. Pinheiro Chagas, e que tem o nome de s. exa., foi aquella que primeiro implantou uma bandeira portugueza no lago Nyassa, e implantou-a tão bem, que por um telegramma que eu já tive a satisfação de ler á camara, se vê que elle conseguiu que o regulo principal do Nyassa se avassalasse a Portugal.
Ora n'este caminho, não me parece que qualquer outra nação possa luctar comnosco com vantagem, porque mesmo a Inglaterram que é a que mais se aproxima de nós em emprezas africanas n'esta parte do continente negro, não póde ainda assim em muitos pontos luctar vantajosamente comnosco. E se em outros vae mais longe do que nós é porque tem e gasta muito mais do que nós temos e gastâmos; mas nos trabalhos d civilisação e progresso não vejo quem se nos avantage. Esta é a verdade que não me fatigarei de repetir aos incredulos.
Ora, em vista d'isto, não posso de maneira alguma, como já dise, deixar de levantar as palavras, as phrases do sr. Antonio Ennes sobre a impossibilidade de fazermos qualquer cousa para dilatarmos o nosso dominio.
Com as armas com que elles luctam podemos nós luctar tambem, e com vantagem.
Outra cousa que s. exa. disse e que eu não posso deixar de fazer notar á camara, foi que a Allemanha, caminhando para o norte (refiro-me ao norte do apiz de Damara) encontrou derrubada na Cuanhama a nossa bandeira, que já lá estivera implantada pelos missionarios.
A este respeito tenho a dizer, appelando para os que têem gerido a pasta da marinha e para os que conhecem o assumpto pelas informações dos viajantes, que estes pequenos regulos de Cuanhama são sempre vassallos dos ultimos estrangeiros que chegam.
V. exa. póde ficar certo de que em Africa o preto falta sempre á verdade por systema.
Elle nunca falla dizendo a verdade, sobre tudo a um branco.
V. exa. que é um grande proprietario, sabe muito bem que o nosso aldeão faz ás vezes tambem isso. Está sempre na defensiva, e entende que a defensiva é faltar á verdade ao proprietario.
O preto faz isto sempre.
O preto falta sempre á verdade, principalmente ao branco. Uma das cousas mais difficeis a fazer em Africa á apanhar a verdade ao preto.
Quando nós chegamos lá, para elles não ha senão os portuguezes; e, bebendo a garrafa de aguardente: dizem: viva Portugal!
Quando chegam os inglezes, dizem, bebendo a garrafa de cognac: viva a Inglaterra!
E agora, quando chegam ao allemães, dizem, bebendo a garrafa de genebra: viva a Allemanha!
Não se póde dar credito nenhum ao preto.
A não ser na costa oriental, onde ha xeques árabes, que escrevem e põem os seus nomes no papei, nos outros pontos um tratado é sempre uma mentira.
Elles não pertencem a Portugal, á Inglaterra ou á Allemanha senão quando a isso os obriga o interesse ou o medo.
E isso era rasão bastante para se poder combater as pretensões e as vassallagens da Allemanha, sobretudo a respeito de um ponto, Andara, de que logo tratarei e de que se fazia grande cavallo de batalha.
Por agora, desejo acabar de responder ao illustre relator, antes que me esqueça de algumas considerações que s. exa. fez.
Disse s. exa. que a Allemanha nos cedeu a faculdade que tinha de se dilatar. Muito obrigado!
Essa faculdade temol-a nós, têem-a todos os paizes. A Allemanha não tem o monopolio da dilatação na Africa, parece-me. Se ella se pude dilatar, nós também; e tanto mais, que estamos muito melhor apoiados, em uma e outra costa, para fazer essa dilatação. Agradeço muitissimo esse favor, mas, como já disse, a Allemanha dilata-se com as mesmas armas com que nós nos dilatamos: com os seus viajantes e com o commercio.
Nós já lá vamos, e já lá estamos, emquanto que a dilatação que a Allemanha faz, é pequena.
Disse tambem o illustre relator que o contrato não era unilateral, porque se o fosse, era da Allemanha para comnosco, e não nosso para com a Allemanha. A isso só responderei com uma phrase do sr. Julio de Vilhena, phrase que eu logo registei. O sr. Julio de Vilhena, quando acabou de ler a convenção, disse: «Isto parece uma doação inter vivos.» Foi uma phrase juridica que eu logo registrei. (Riso.) Lá que houve doação, houve, mas o illustre relator sustenta que foi em nosso favor e eu sustento que foi em favor da Allemanha.
Com certeza escapou-me muita cousa do que s. exa. o sr. relator da commissão disse; e eu peço-lhe se deixo de responder a alguns pontos, que de certo me esqueceram. A minha memoria é fraca, e não pude tomar apontamentos devidamente. Parece-me entretanto ter respondido ás principaes considerações por s. exa. apresentadas.
Antes de entrar no estudo do tratado, peço licença para dizer outra vez a s. exa., que lastimei muito, e torno a lastimar as duas phrases de. S. exa.: uma, negando completamente,q eu seja nosso o que é nosso; e outra, torno a repetir, estabelecendo que o sr. Barros Gomes, quando pediu e asseverou á Allemanha que era nosso o que pedia, fêl-o sem o dever fazer, porque aquillo já não era nosso.
Era nosso; não me parece que s. exa, fizesse isso. Quero crer que s. exa. estava convencido, como está, que aquillo era nosso, e que circumstancias, d'estas que se dão em negociações diplomaticas, que não podem ser conhecidas por nós, levaram s. exa. a ceder o que nos pertencia. Nem mesmo quero pensar que o sr. Barros Gomes fosse pedir o que não tinhamos direito de haver.
Eu tenho muita pena que o sr. relator da commissão sustentasse isto; tanto mais que parece que este projecto era o campo de batalha em que s. exa. esperava ganhar (e não ganhou) as suas esporas de ministro da marinha. (Riso.)
Esporas, sim; porque eu já ouvi dizer aqui que os ministros da marinha eram almirantes; e sendo almirantes, devem sel-o da Suissa, e esses têem botas de montar e esporas.
Agora vou entrar na analyse do tratado; e antes d'isso, para mostrar a importancia que tinham aquelles territorios, eu preciso dizer a s. exa. e á camara que a Africa austral, esta parte de que se trata, como em geral toda ella, vale de tres modos. A Africa tem actualmente um valor, que póde ser calssificado assim: Africa cultivada pelo indigena; Africa colonisada pelo europeu, e Africa explorada pelo commercio.

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Ora, a cultura pelo indigena faz-se em toda a Africa naturalmente, porque a maior parte dos indigenas da África vivem de cereaes, e por consequencia todos elles cultivam, mas cultivam geralmente só para as suas necessidades.
Ha comtudo muitas tribus, que cultivam para commercio, como acontece em muitos pontos da costa oriental, e na Occidental em outros, principalmente no Dombe Grande.
O valor que póde ter essa cultura está na rasão directa da pouca distancia em que ella se faz em relação aos centros de consumo; e por isso. se a África em toda a parte produz cereaes, esses cereaes deixam de ter valor, porque o preço dos mercados não paga o longo transporte. Alem d'isso, ha outras culturas feitas pelos indigenas, mas debaixo da direcção dos europeus.
Essa cultura, infelizmente para nós, não está ainda muito desenvolvida; mas já ha alguns exemplos muito notaveis d'ella em uma e outra costa. Nós temos Casengo, e toda a gente sabe que Casengo fornece de café, não só o paiz, mas outros mercados da Europa. Temos tambem grandes propriedades de canna de assucar, que é distillada e consumida ali mesmo, já com uma cultura regular e em estabelecimentos muito notaveis em Angola e Moçambique, culturas que hão trabalhadas por pretos, dirigidas por brancos, mas em paiz mais ou menos insalubre.
Temos o segundo ponto, que é a parte colonisavel, pelo europeu mas esta parte é muito mais limitada do que a colonisavel pelo indigena.
Eu, que tenho estudado um pouco de África, não posso bem asseverar que seja possível a colonisação onde se não demonstre perfeitamente que a raça branca se reproduza e possa viver.
Eu sei de uma colonia estabelecida em boas condições na outra costa, em Pemba, e essa colonia desappareceu.
Outras tentativas de colonias, se têem feito na costa oriental, e na occidental, e tambem têem desapparecido.
Em 1854 fez-se a tentativa de Mossamedes, e vê-se por trinta e tres annos de pratica e observação, que todo aquelle districto é perfeitamente colonisavel.
Eu não creio em colonisação europea na costa de Moçambique, onde não se encontra um branco que seja neto de branco, e todavia em Moçambique ha pontos relativamente salubres, como por exemplo, o Ibo, onde se estabelece uma raça que é o mixto da raça branca, da raça indiana e da raça preta.
Essa raça desenvolve-se, reproduz-se ahi, mas é já mesclada.
A raça branca não se reproduz senão em Mossamedes, como nos mostra a experiencia.
Não querendo alongar-me muito, vou resumir o mais possivel para não fatigar a camara, citando mais exemplos.
Está provado e demonstrado que na Africa austral, dentro dos trópicos, o districto de Mossamedes é o unico ponto colonisavel; póde ser que haja outro, mas por ora não se conhece; porém ainda não foi colonisado. O terceiro modo de aproveitar a Africa é commerciando.
Effectivamente, é o commercio que produz a receita das nossas colonias, porque a agricultura tem dado, e dá poucos redditos ao estado. É pois o commercio que dá as receitas que lá temos, mas que não chegam.
Esse commercio é enorme.
Eu fallo do grande commercio, o do interior, porque a cultura perto da costa é objecto de um commercio differente d'aquelle.
Quem olha para uma carta de Africa, imagina que se poderá fazer commercio por toda a parte.
Pois não póde, e são limitadissimos os pontos, por onde se póde fazer caminho para o interior.
Na costa oriental ha apenas dois, e n'aquella de que me estou occupando por ora, em relação ao tratado, ha outros dois, que são o Bihé e Malange. Entre estes dois pontos estende-se uma serra enorme difficil de transpor; mas alem d'isso Malange e Bihé são as duas portas do sertão, por poderem fornecer os carregadores necessarios para se poder fazer o transporte das mercadorias para as permutações. Malange não vem nada para a nossa questão, mas vou occupar-me do Bihé e dizer a v. exa., que as caravanas que saem do Bihé para fazer o commercio do interior se dirigem a quatro pontos principaes.
O primeiro ponto é o Nyangué, que era muito percorrido por dois sertanejos, sendo um d'elles José Alves; está perfeitamente no centro da Africa e é um dos pontoa mais attacados pela exploração do estado livre do Congo, mas, apesar d'isso, vão lá commerciar portuguezes e ainda ha tres annos o nosso velho sertanejo Silva Porto lá foi com uma grande caravana. O outro ponto é a Garanganja, que foi agora devassado pela viagem de Capello e Ivens, que relatam ser aquelle paiz uma especie de El-Dorado d'esta parte da Africa para o marfim. O terceiro ponto é o Valle dos Barotz; e o quarto ponto é o Mucusso.
No Nyangué, primeiro ponto que citei, tem o commercio do luctar com dificuldades, pela concorrencia do estado livre do Congo.
Na Garanganja, n'esse paiz que Capello e Ivens mostraram o que era, ha a luctar contra um elemento difficilimo de combater n'esta parte da Africa, o arabe de Zanzibar, porque, existindo ali a escravatura, cada arabe tem centenares de escravos e não precisa pagar carregadores; limitam-se a dar-lhes de comer e a vestil-os mal, e por isso não podem luctar muito facilmente os nossos com elles, porque os nossos têem de pagar aos carregadores, alimental-os e vestil-os.
E hoje os arabes estão atacando a Garanganja, e até Capello e Ivens já encontraram caravanas vindas de Zanzibar áquellas paragens.
O terceiro ponto é o valle do alto Zambeze. Este valle fornece o commercio de grande quantidade de marfim vindo do espaço comprehendido entre o Zambeze e Cafucué.
E ainda quando eu ali estive em 1878 grandes caravanas vinham de leste. O Barotz constituo um grande império que tem, se bem me recordo, setenta e tantos pequenos chefes, que lhe são tributarios. E estes tributos são pagos em marfim, os caçadores que são mandados pelos chefes explorar aquelle paiz trazem os seus productos ao valle do alto Zambeze, e os nossos commerciantes vão pelo Bihé permutar; mas já com a concorrencia da costa oriental.
E por isso neste ponto têem diminuido muito as transacções da costa occidental. Ha quatro ou cinco estabelecimentos de portuguezes no Cafucué, que têem derivado para ali uma grande parte do commercio que se fazia para oeste indo outra parte levada pelos inglezes para o sul.
Quando o anno passado subi o Zambeze a procurar a expedição Pinheiro Chagas de que não havia noticias, encontrei um homem que vinha do Barotz com 800 arrobas de marfim.
O ultimo ponto atacado pelo commercio, e onde elle conseguia uma verdadeira remuneração era no Mucusso.
As caravanas que vinham do Bine desciam o Cubango e íam procurar o Mucusso, que é hoje a grande feira desta parte de Africa.
Eu conheci o celebre sertanejo José Alves, que me disse que só ultimamente commerciava ali, tendo desistido de todas aã outras viagens, por serem mais longas e menos productivas.
Effectivamente o Mucusso é um paiz importantissimo que recebe uma quantidade enorme de marfim, já do paiz de Matebelles a oeste já do norte de Andara, já do deserto do Kalaari ao sul.
O proprio paiz é rico em caça de toda a especie.
O deserto do Kalaari, é percorrido por bandos de massaruas, que os inglezes chamam bush-meu ou homens dos bosques, vivendo apenas da caça, e que negoceiam o producto das suas caçadas já no Mucusso, já em Skoshoug.

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É do Mucusso que os biénos e hoje os nossos commerciantes de Benguella recebem a maior quantidade de productos africanos trazidos á costa pelo commercio.
Dito isto quero mostrar a v. exa. que, apesar de tudo quanto disse o sr. relator da commissão esta cedencia, que não é outra cousa, traz para Portugal graves prejuizos, debaixo dos tres pontos de vista que estabeleci.
Um, e este pouca importância tem, é a cultura indigena que se faz em toda a parte; o segundo, os estabelecimentos europeus, ou a colonisação pelo europeu; terceiro, o grande commercio do interior.
Vejamos a importancia do paiz cedido, como paiz colonisavel.
Está perfeitamente demonstrado que a unica parte colonisavel da provincia de Angola é o districto de Mossamedes: não é só Mossamedes, é todo o districto de Mossamedes. Para este ha o plateau de Huilla, e para o lado do Cunene o paiz é perfeitamente salubre. O sr. Anchieta, um distincto portuguez que todos conhecemos, (Apoiados.) apesar das duvidas manifestadas pelo sr. Antonio Ennes, de não termos por portuguezes conhecimento do paiz, posso assegurar a v. exa. que o sr. Anchieta percorreu uma grande parte do Cunene, do Cuanhema e do paiz ao sul.
O sr. Anchieta affirmou muitas vezes que não lhe parecia que o paiz tivesse outras condições melhores do que aquellas em que facilmente se estabelece colonisação ao norte.
Note v. Exa. que o porto mais importante da Africa equtorial do sul e aquelle onde está perfeitamente demonstrado que a raça branca se póde reproduzir é exactamente este ponto que por este tratado se cede ao estrangeiro. É o sul de Angola até ao parallelo 18º.
Peço licença a v. exa. para, interrompendo o fio das minhas ideas, dizer que isto de parallelo 18º é simplesmente absurdo. (Apoiados.)
Toda a gente o julgou assim. O proprio sr. ministro dos negocios estrangeiros o julgou, quando apresentou a contra proposta para arranjar os verdadeiros e unicos limites racionaes que podia sustentar.
Hoje é preciso procurar limites naturaes, taes como rios e montanhas ou mesmo seguir a linha tortuosa que delimita as terras dos differentes regulos, que todos elles têem os seus paizes perfeitamente delimitados.
Sem comtudo segui a linha proposta pelo negociador portuguez, e tomando o parallelo 18., faço notar a v. exa. e ácamara que a cedencia feita á Allemanha importa em mais de nove milhões e trezentos mil hectares! Um paiz, maior do que muitos reinos da Europa! E um paiz de subido valor porque póde ser colonisado pelo europeu. E a prova de era optimo é que a Allemanha o quis e não transigiu.
Isto é quanto ao ponto da colonisação. Emquanto ao ponto de commercio, as nossas caravanas descendo ao Cubango vão ao Mucusso.
Ora um dos pontos aonde essas caravanas param sempre é em Andara.
O primeiro homem que foi a Andara foi o sr. Silva Porto; foi elle o primeiro que desceu o Cubango tres ou quatro vezes em 1851 ou 1852; foi elle o primeiro viajante que chegou a esta parte de Africa, que póde dizer-se cortou por todos os lados; com os seus caminhos foi elle o primeiro que desceu o Cuando até ao Zambeze.
E eu, se não o desci, e segui outro rumo, foi porque o sr. Silva Porto descreveu-se este paiz com tanta exactidão, fallou-me tão seguro do curso do Cubango, que eu entendi ser melhor ir a outro ponto, e hoje em dia muita gente mofa de mim a proposito das minhas descripções do Cabange.
São ellas devidas ao sr. Silva Porto.
Este homem, sem ser illustrado, vê as cousas muito bem; em geral ha uma grande differença no modo de ver as cousas em Africa; sobre tudo se o viajante vem cheio de febres ou de rheumatismo, acha o paiz horroroso e vê tudo de travez; se achou cousa que lhe desse prazer, acha o paiz encantador. É preciso ter uma organisação especial para ver as cousas como ellas são.
Portugal já soffreu muitas perdas por causa de uns olhos que viram mal. Houve um periodo de que v. exa. deve lembrar-se muito bem, que foi o da contenda no baixo Zambeze com o Bonga.
Tratou-se de organisar uma expedição, ao ministro da marinha o sr. Latino Coelho, e n'essa sabia-se a centesima parte do que se sabe hoje de Africa. S. exa. queria saber o que pedia saber o quepdia fazer, e constando-lhe que havia um medico que tinha lá estado vinte annos, mandou chamal-o; esse homem illustrado veiu, e descreveu ao sr. Latino Coelho o que era a Zambezia; sito passava-se entre dois homens, um illustrado, e outro illustradissimo; pois senhores a expedicção esteve quasi perdida por causa das informações d'este homem.
Sabe v. exa. porque foi tudo isto? Porque elle tinha casado em Tete, e passado a lua de mel pelo Zambeze abaixo, (Riso.) de maneira que via aquillo com os olhos differentes do que devia ver quem tivesse a estudar um terreno para operações militares.
Emquanto ao Cabango dizia eu que deixei aquelle caminho e segui outro por indicação de Silva e Porto, que se não leva por impressões, pouco illustrado, é todavia naturalmente intelligente, vê as cousas praticamente e só o que precisa ver-se. Foi elle que me indicou, como disse, que lhe parecia mais conveniente ir eu por outro lado. Silva Porto foi a Andara.
O chefe de uma caravana, como é natural, chega ao interior e vae logo a casa do regulo, presenteia-o, e este logo que recebe os presentes fica amigo do commerciante, que estabelecimento ali o seu centro do commercio, faz irradial-o para differentes pontos.
O primeiro homem que se estabeleceu em Andara foi Silva Porto. Eu ouvia-o fallar em Andara, e mal pensava eu, n'essa occasião, que muito tempo depois ouviria dizer no parlamento portuguez que Andara era allemã.
O governo allemão disse ao governo portuguez, que Andara era allemã, e o governo portuguez, que não sabia onde era Andara, não contestou.
Como é que Andara é allemã? Porque foi lá um negociante allemã e deu mota-bicho ao regulo. (Riso.) Mas a verdade é que Silva Porto tinhao dado muito antes, e muitas outras caravanas lá tinham ido.
O governo allemã teve a coragem de dizer ao governo portuguez, que Andara era allemã, e se o governo portuguez tivesse tambem a coragem de contestar, queria ver como se resolvia a contenda. Não era muito facil ir a Andara resolvel-a, fique v. exa. certo d'isso.
Á vista d'isto digo eu que, não só esta possessão, mas o Mocusso e todo esse paiz, onde se faz o principal commercio d'aquella região, fica fóra da linha de limites de Portugal; (Apoiados.) e os allemães que vão ali establecer-se, hão de fazer todo o possivel para que os nossos caravansitas não vão ali negociar, porque ninguem gosta que lhe façam concorrencia. Isto vae trazer grande prejuizo ao Bié e a Quilengues, porque encontram concorrencia dos alllemães, concorrencia perfeitamente legitimada por este tratado.
Como digo, dos cinco caminhos que irradiam do Bié para o centro da Africa, é ainda aquelle onde mais commercio se faz.
Ora já vê v. exa. e a camara que, apesar de tudo, quanto com o seu talento enorme me disse o sr. relator da commissão, não era um bocado de paiz completamente para desprezar.
E eu senti que s. exa. dissesse isso, porque era uma offensa que estva fazendo aos negociadores allemães, que ficavam com um bocado que não lhes servia para nada.
Pois posso affirmar a v. exa, que é muito bom. É um ponto importantissimo que perdemos. (Apoiados.)
Agora emquanto á questão do sr. relator dizer, que este

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traçado está perfeitamente indicado, não me parece isso, antes o que me parece que estava indicado, era o que se continha na proposta do sr. Barros Gomes; isso estava perfeitamente indicado, e sabe v. exa. porque? É porque me parece, não posso affirmar, mas parece-me que a indicação d'essa fronteira foi dada por um dos homens mais competentes na, matéria, que foi o sr. Ferreira do Amaral então governador de Angola.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Devo dizer a s. exa., que para a apresentação d'essa proposta ouvi os srs. Capello e Ivens.
O Orador: - Tambem pessoas competentissimas na materia, perfeitamente de accordo; mas essa fronteira tinha tambem sido mandada recommendar num officio ou relatorio do sr. Ferreira do Amaral, quando esteve governador em Angola. E não admira nada, que n'esta questão estejam todos os tres cavalheiros do accordo e defendendo aquela fronteira como a melhor, sendo elles tão competentes e tão conhecedores do assumpto. (Apoiados.)
Ora estas fronteiras contidas no projecto têem as cousas mais extraordinarias e engraçadas do mundo.
Entre as cataratas do Cunene e o Cubango o parallelo divide ao meio um reino! Fica metade para nós e metade para a Allemanha!
Estes mappas estão mal feitos, mesmo o que é feito por mim; todos sabem como isto se faz, ha pontos exactamente marcados, ha a maior approximação possivel, mas nunca a perfeita exactidão, a não ser uma parte que está aqui feita pelo sr. tenente Cardoso. Essa parte está exacta, affirmo-o.
Mas de certo os illustres deputados poderão avaliar o esforço que será preciso fazer para ainda assim conseguir o que está aqui, (Apoiados.) e para fabricar uma carta, o mais approximada possivel da verdade, nas condições em que muitas vezes nos encontramos. (Apoiados)
O que é facto é que por este limite o paiz, fica dividido ao meio.
A outra cousa tambem engraçadissima é no Barotz, que, como disse a v. exa. já ha pouco, é um imperio dos reais adiantados, tem até ministros; tem dois ministros dos estrangeiros e um ministro da guerra; é um imperio enorme, dos maiores imperios africanos, que tem por fronteira sul o Cubango, o Cuando e o Zambeze. O Barotz, como ia dizendo, é um dos unicos, senão o único paiz africano em que ha contrabando; e os generos que ali são contrabando são-no em quasi todos os paizes da Europa, como o tabaco e o sal. Ha monopolio.
Ora este paiz tem uma organisação perfeitissima, a mais perfeita que ha em Africa, a organisação militar, que elles tiraram aos zulus.
Esta organisação é tendente, sobre tudo, a defendel-os de um inimigo poderoso que tem ao sul. Tudo o mais em volta são pequenos chefes que um paiz grande não tem a temer, mas o que elles temem é um chefe, que é poderoso, que é o chefe dos Matebelles.
Toda a fronteira sul está coberta de tropas; uma das partes occupadas é de Liniante até às grandes cataratas de Mosioatunia.
Eu estive lá e nas minhas cartas lá vem o meu itinerario; por isso fallo com proprio conhecimento de causa.
Este paiz por esta demarcação fica dividido; nós ficâmos com uma parte e os allemães ficam com outra.
Eu tenho a dizer a v. exa. que quem ha de governar não havemos de ser nós, nem os allemães, ha de ser o rei do Lui.
O sr. Baracho: - V. exa. vae por elle.
O Orador: - Vou por elle. Isto é perfeitamente phantastico. Esta divisão de um imperio d'esta ordem em dois, imperio com que nós não podemos de maneira alguma senão ter relações de amizade, escusávamos de o ter traçado na carta, para dizer: isto é nosso e é allemão. Isto é ridiculo! Toca as raias do phantastico!
Disse s. exa. que o grande receio que o preoccupava que levára a fazer este tratado n'estes termos era a invasão crescente da Allemanha para o interior. Eu preciso dizer que, n'essa questão de invasão, tenho muito receio dos inglezes.
Nem v. exa. nem a camara nem ninguem se póde persuadir de que este imperio enorme que aqui está na carta traçado a cor de rosa, e que vae de oceano a oceano seja nosso, só porque está traçado no papel e firmado em tratados na Europa. É preciso conquistal-o ainda, e mal nos irá se descansarmos no trabalho da conquista.
E essa conquista ha de ser lenta e feita sobre tudo pelo commercio.
Não quero referir-me á maneira por que as negociações foram feitas: a minha opinião é contraria ao modo por que ellas se fizeram. Parece-me que tinha havido maior vantagem se tivessem sido feitas em Berlim, e o sr. ministro dos negocios estrangeiros não ficava privado da gloria de ter dirigido a negociação em Lisboa. S. exa. tinha com certeza homens competentes, commissarios especiaes que lá fossem tratar d'este assumpto.
De mais o sr. relator da commissão disse-nos - que quem essa attentamente os documentos do Livro branco, havia de reconhecer que não havia documento que não fosse muito amavel para comnosco. - Pois isto prova que, havendo tão boa vontade, poderiamos ter conseguido mais.
Não quero entrar n'esta parte, porque o meu amigo o sr. Castello Branco já tratou muito bem d'este ponto, e eu imagino que esta discussão não a quererão levar de repente, sem terem ouvido sobre a materia alguns dos oradores que estão inscriptos.
Até aqui só fallei da delimitação na costa occidental.
Agora vamos a ver as grandes vantagens que rios dão os limites da costa oriental.
Se s. exa. pegar na carta geographica allemã, publicada no anno passado, verá que ella marca já os limites que a Allemanha deu aos territorios adquiridos na costa de Zanzibar.
Quando se tratou da delimitação de Zanzibar, s. exa. sabe muito bem que havia um tratado antigo feito entre a França e a Inglaterra para respeitarem Zanzibar; mas appareceu a Allemanha, e naturalmente aquelles dois paizes tiveram de ser ouvidos nas novas pretensões allemãs. Nomeou-se então uma commissão que foi estudar a delimitação; a commissão era composta de um commissario allemão, outro francez e outro inglez; e dois paizes que deviam ser ouvidos, como por exemplo Portugal e Zanzibar, não o foram.
O commissario allemão, consul na Alexandria, conversando muitas vezes commigo em Zanzibar, me disse que a Allemanha não podia ter outra pretensão senão ao rio Rovuma, que marca perfeitamente uma fronteira, mesmo porque a Allemanha não lhe convinha ir para o sul.
O conde de Faill foi o que negociou o tratado da Allemanha com os reguos do Rovuma e não passou ao sul deste rio, entendendo elle que não convinha outro limite às novas possessões do seu paiz, e quando veiu da sua exploração elle mesmo, sendo meu hospede, me affirmou esta sua opinião.
Por isso a Allemanha não queria vir para o sul do Rovuma, nem pensava n'isso.
Ha muito quem queira vir para o sul d'aquelle rio, mas não é a Allemanha; portanto, o ella ter acceitado esta fronteira e o ella ter promettido não expandir o seu dominio para o sul, não é mais do que o que ella tinha a fazer.
Outros ha que nos combatem aquelle limite, e que nol-o combatem muito fortemente, mas a este respeito devo dizer que, quando s. exa. pensou em pedir á Allemanha que nos reconhecesse aquella fronteira da provincia de Moçambique, creio que não encontrou o norte da mesma província invadido pelos allemães.

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A Allemanha não nos fez favor algum.
Em primeiro logar é preciso ver que isto é um pouco theorico.
Os allemães estão chamando seus a terrenos a que nós tambem podiamos chamar nossos; mas o que é certo é que nem elles nem nós poderemos talvez lá ir.
Agora, vir argumentar-se com a delimitação da carta de leste como uma vantagem bastante para nos compensar das perdas soffridas na costa de oeste, is só é para quem não comprehende a questão, mas não e para quem vir esta carta que tenho aqui, a carta do instituto de Gotha e onde está marcado o limite que convinha a Allemanha, a qual não queria outro.
Agora, antes de fallar n'uma questão importantíssima, que se relaciona com esta fronteira, ainda farei uma observação.
Disse o illustre relator da commissão: mas que proveito tem a Allemanha em fazer um tratado destes comnosco? Nós temos todo, e ella não tem nenhum.
Eu digo a v. exa. que ella tem mais proveito, do que nós temos, e muito mais.
Nós tinhamos um pé na Africa, a Inglaterra tinha outro, e a Allemanha era uma intrusa.
Se tinha feito tratados com pretos, nunca os tinha feito com os brancos. Este é o primeiro...
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - E com a Inglaterra?
O Orador: - Isso é verdade, mas eu digo a v. exa. porque foi.
Isso foi porque a Inglaterra, que quer sempre a parte do leão, quando viu que ella estava comendo por um lado, tratou de procurar o melhor para si.
Tudo aquillo a que os allemães chamavam seu e que é hoje da Inglaterra, adquiria-o esta sem lhe custar nada.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - V. exa. é que póde dizer se a Inglaterra tem alguma cousa no Zanzibar, ou não.
O Orador: - A Inglaterra não tem absolutamente nada. A sua influencia é que é enorme, mas no Zanzibar a Inglaterra não tem cousa alguma. O que lhe pertence é apenas uma missão particular em Mombassa, onde os missionarios compraram uns terrenos e formaram uma villa muito bonita. O mais, território inglez, onde a Inglaterra arvore a sua bandeira, só na casa do consulado, no Zanzibar, que é uma casa sua, e em mais parte nenhuma.
É preciso ver-se, que quando uma nação se vae metter entre as nações, que ha séculos possuem o paiz; quando uma nação se vae metter entre ellas, para caminhar a seu lado, tem toda a vantagem em que essas nações lhe reconheçam o direito de o fazer, seja ella poderosa ou não. Porque se o direito da força vale muito, vale mais a força do direito. E ali o que é necessario é a força do direito.
A força só para ali não serve. A força, para conquistar o interior da África não serve; e desgraçadamente, nós temos exemplos d'isso, e a Inglaterra mais ainda do que nós.
Outra cousa que eu lastimo não ver nesta negociação, que s. exa. julgou tão importante, e para a qual empregou toda a sua actividade, actividade extraordinaria, porque quiz forçosamente apresental-a no discurso da corôa de 2 de janeiro, e conseguiu-o, é verdade que o discurso da corôa dizia que d'ahio por diante não se fazia mais casoadas colonias, porque já se tinha conseguido tudo; mas, como eu dizia, lastimo ver que s. exa., que empregou tanta actividade para esta negociação, e tratando-se de uma nação tão poderosa como a Allemanha, se esqueceu de outras tradicções a salvaguardar na costa oriental.
Uma questão muito importante para nós é a questão do grande caminho commercial da costa oriental. Por agora, fallo só da costa oriental.
O grande caminho commercial da costa oriental é o do Zambeze, rio navegavel importantissimo, dividido em tres traçoes enormes, separados por duas series de cataratas.
Um dos affluentes do Zambeze é o Chire; que vem do lago Nyassa, e que é navegável em uma grande parte. Pensou-se muito em fazer, e já se fez um caminho, ligando o Tanganica com uma estação ingleza ao norte do Nyassa e que fica a uma distancia curtissima, relativamente, entre os dois lagos.
Póde-se percorrer, embarcado, toda a região dos lagos, e vir sair á foz do Zambeze, por caminho muito mais facil e curto do que aquelle seguido pelas caravanas arabes de Zanzibar.
Zanzibar, como Moçambique, vivem do commercio, e estando aquelle paiz em peiores condições geographicas do que este, tendo tarifas aduaneiras menos elevadas, pois só recebe õ por cento ad valorem na importação e exportação, cobra um rendimento dez vezes maior do que Moçambique.
É o caminho do Nyassa que o exmo. ministro devia abrir e segurar, de preferencia a todos os limites mais ou menos theoricos que quiz traçar.
O caminho é nosso, e era com a Inglaterra, que é o centro de producção de mercadorias, que s. exa. devia fazer um tratado de commercio para aquella região.
Era esse o interesse da Inglaterra e o nosso, e queira Deus que este tratado que se discute não vá embaraçar negociações de maior importancia.
Sr. presidente, ouço dizer que deu a hora, e, portanto, peço a v. exa. que me reserve a palavra para a sessão seguinte.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Presidente: - Hoje ha sessão nocturna. A ordem da noite é a continuação da que está dada, e mais o projecto n.º 120, lei de meios.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde

Representação apresentada pelo sr. deputado Fuschini, na sessão de 18 de junho de 1887

E N.º 70

Senhores. - A associação dos empregados de obras publicas, no exercicio do que lhe é perceituado pelo artigo 36.º dos estatutos, vem ante vós expor o seguinte:
Que no decreto de 24 de julho de 1886, que organisou o corpo de engenheiros, architectos e seus auxiliares, não foram comprehendidos os empregados ao serviço das direcções de obras publicas dos districtos, com a denominação de amanuenses, coadjuvantes, empregados eventuaes, chefes de conservação, fiscaes de cantoneiros, apontadores e olheiros, apesar da existência d'este pessoal no serviço ser de reconhecida necessidade, como adiante se demonstra;
Que os vencimentos que percebem os alludidos empregados, regulados pela circular de 27 de setembro de 1867, não representam, na epocha presente, uma justa remuneração do serviço que prestam, por isso que, variando entre 320 e 650 réis diarios, mappa junto, não chegam a ser equiparados aos dos continuos das secretarias d'estado ou operarios que trabalhando sob as suas ordens, têem o vencimento medio de 800 réis diarios;
Que os direitos e deveres que regulam a existencia das classes acima referidas, não estão a par dos das outras classes de funccionarios publicos, senão vejamos:
Como empregado de secretaria, deve ter aptidão precisa para dar expediente a todos os trabalhos de escripturação e contabilidade da sua respectiva direcção;
Como empregado na conservação das estradas, tem á sua responsabilidade 40 a 00 kilometros de estrada para fiscalisar, conservar e policiar;
Como empregado nas construcções, tem a responsabili-

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dade do movimento da obra e acompanha os trabalhos de sol a sol, e tem muitas vezes de substituir o chefe dos trabalhos;
E, independentemente d'estes, todo o empregado deve ter os conhecimentos precisos para bem coadjuvar os engenheiros e conductores nos trabalhos de campo e gabinete.
Emquanto aos direitos, não têem nenhuns, concedendo-lhes os regulamentos apenas trinta dias de vencimento por doença adquirida no serviço; sendo a decrepitude ou incapacidade physica adquirida no serviço, o licenciamento proveniente da suspensão de obras ou medida disciplinar, as admissões, promoções e demissões, reguladas por praxes não contidas em regulamentos ou leis promulgadas;
Que os empregados de obras publicas, obrigados a arrastar uma vida bastante laboriosa e exposta ás intemperies, e sendo os unicos fiscaes do governo, mais expostos aos mal intencionados para com a execução das ordens, não desfructam as garantias e bem estar concedidos á maioria dos empregados publicos, que têem sempre acompanhado as exigencias da vida moderna; sendo a sua situação aggravada com a nenhuma estabilidade, que os obriga a despezas que não comportam o seu mesquinho vencimento, sendo a maioria d'elles chefes de familia.
É, pois, n'estas circumstancias, que a associação dos empregados de obras publicas, vem pedir aos poderes publicos uma organisação d'aquelle pessoal nas mesmas condições do decreto acima referido e composta dos seguintes quadros:

1.º - Escripturação e contabilidade das direcções

21 amanuenses de 1.ª classe a ... 360$000 7:560$000
42 amanuenses de 2.ª classe a ... 288$000 12:096$000

2.º - Conservação de estradas

60 chefes de conservação de 1.ª classe a ... 360$000 21:600$000
120 chefes de conservação de 2.ª classe a ... 288$000 34:560$000

3.º - Construcção de edifícios públicos e estradas

100 apontadores de 1.ª classe a ... 240$000 24:000$000
200 apontadores de 2.ª classe a ... 180$000 36:000$000
543 135:816$000

preenchidos com o pessoal actualmente em serviço nas direcções de obras, publicas dos districtos, e classificado por ordem de antiguidade, pela fórma seguinte:
Os actuaes amanuenses das direcções, e em seguida, todas as outras classes que estão, desempenhando as funcções de amanuenses.
Os chefes de conservação e antigos fiscaes de cantoneiros.
Os apontadores, e olheiros, empregados em trabalhos de construcção.
Sendo o excesso do numero que comportam os quadros pedidos classificados como adidos, até que as vagas que se forem dando nos mesmos quadros lhes dê ingresso, vencendo o augmento pedido, cujo numero e despeza é a seguinte:

34 amanuense de 2.ª classe a ... 288$000 9:792$000
28 chefes de conservação de 2.ª classe a ... 280$000 8:064$000
173 apontadores de 2.ª classe .... 280$000 31:140$000
235 48:996$000

Que de futuro as vagas que se derem nos quadros, de amanuenses e chefes de conservação, sejam preenchidas pelos apontadores de 1.ª classe, devidamente habilitados e por ordem de antiguidade, e que nas vagas que estes deixem, sejam promovidos os de 2.a, nas mesmas condições;
Que a nomeação ou promoção de qualquer das classes de apontadores seja por portaria, sendo obrigados ao pagamento dos respectivos emolumentos, imposto de rendimento e caixa de aposentações.
Senhores, a organisação que pedimos para os empregados acima referidos, satisfaz completamente ás necessidades do serviço e proporciona-lhes o bem estar, sendo o augmento de despeza de 40:191$300 réis, absorvido em mais da totalidade pelos adidos, como se vê da comparação com o mappa junto.
A boa remuneração, a melhor distribuição de vencimentos e fórma de promover e admittir os empregados acima referidos, dará como resultante:
1.º A melhor vontade com que o empregado prestará os seus serviços ao estado, pois que a sua melhor remuneração e garantias de futuro lhe augmentará, se é possivel, o zêlo que sempre tem tido no desempenho das suas funcções;
2.º Crear um pessoal devidamente habilitado para serviço tão especial como o de obras publicas;
3.º Poder-se exigir do empregado maior actividade, do que advém economia para o estado;
4.º O desapparecer o arbitrio a que tem estado votadas aquellas classes, negando-se-lhe os direitos e garantias a que tem jus pelo seu trabalho;
5.º O haver de futuro, quando termine a classe dos adidos, a economia de 8:804$700 réis, que na situação presente é difficil, devido ás faltas acima expostas.
Tendo-vos dado conhecimento dos mais salientes factos que torturam a existencia dos empregados de obras publicas, das suas aspirações e dos meios mais efficazes para attenuar uma situação tão precaria, a associação dos empregados de obras publicas faz um appello á vossa generosidade, intelligencia e boa vontade com que tendes concorrido para suavisar o mau estar dos pequenos, para que vos digneis dispensar a vossa attenção a tão desprotegida classe de funccionarios da nação portugueza.
Lisboa, 18 de junho de 1887. - E. R. Mcê. - (Seguem-se as assignaturas.)

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SESSÃO DE 22 DE JUNHO DE 1887 1381

Mappa do pessoal ao serviço das direcções de obras publicas dos districtos, em 15 de abril de 1887

[Ver tabela na imagem]

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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