1016 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Segundo me consta, extra-officialmente, esta proposta deverá ser acompanhada de outra remodelando o imposto de consumo n'esta cidade.
Se, effectivamente, s. exa. tenciona apresentar uma proposta de remodelação da pauta do consumo de Lisboa, eu devo saber quaes as opiniões de s. exa. a tal respeito, declaro que me associo a esta.
É necessario e urgente remodelar sobre bases mais equitativas a pauta do consumo de Lisboa.
Não sei como s. exa. a remodelará; mas seja como for, lembro ao sr. ministro que, attendendo á declaração de que para o anno tenciona baixar a taxa de alguns impostos, e mesmo eliminar outros, talvez fosse conveniente antes d'isso entregar á camara municipal de Lisboa uma parte importante da sua receita que entra nos cofres do thesouro.
Esta affirmação do sr. ministro da fazenda, feita duas vezes na camara, de que para o anno, se s. exa. continuar na pasta da fazenda e os redditos continuarem a crescer como até aqui, diminuirá a taxa de alguns impostos e mesmo eliminará outros, é de tal fórma importante que não posso deixar de a considerar como uma declaração muito pensada e muito reflectida que o sr. ministro tenciona realisar em algum dos annos proximos.
Temo, porém, que a palavra do sr. ministro empenhada n'este sentido o obrigue a esquecer a promessa de entregar ao municipio de Lisboa as suas receitas especiaes, e por isso desejava que s. exa. trouxesse o projecto de remodelação da pauta, antes de tratar de diminuir os impostos; isto é tanto mais conveniente, quanto s. exa. comprehende perfeitamente que esta promessa de diminuição de impostos corresponde á apresentação da régie dos tabacos.
Provavelmente s. exa. terá de esperar pelo rendimento da régie para ver quanto ha de baixar nos impostos.
Dispenso a resposta do sr. ministro, e unicamente entrego á sua boa vontade este negocio, pedindo-lhe apenas, que, ao menos, que, quando fizer a enumeração das propostas que tenciona apresentar, inclua tambem aquella em que deve ser entregue á camara de Lisboa o producto do imposto de consumo que os habitantes da capital pagam para as despezas geraes do estado.
A nota de interpettação mandou-se expedir.
Resolveu-se que a representação fosse publicada no Diario do governo.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho):- Quero apenas dizer ao illustre deputado que não esqueci o que prometti, em relação ao municipio de Lisboa, e que trabalho para o cumprimento d'essa promessa.
O sr. Barão de Combarjua: - Peço a v. exa. que me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro da marinha.
O sr. Franco Castello Branco: - Desejo chamar a attenção do sr. ministro do reino e presidente do conselho para dois pontos de administração inherentes á pasta que s. exa. gere.
Se por acaso o sr. ministro do reino não tiver conhecimento dos factos a que vou referir-me, e por qualquer circumstancia julgar que é mais conveniente adiar a sua discussão e analyse para depois de s. exa. estar devidamente informado, accederei aos seus desejos, pois que a minha intenção não é levantar uma questão politica, mas unicamente concorrer para que só fixem as normas de administração, consentaneas com os interesses dos povos, e harmonicas com os preceitos legaes.
Posto isto, referir-me-hei primeiro a uma circular publicada pelo sr. governador civil de Braga contendo umas instrucções para a cobrança, deposito e arrecadação dos emolumentos do tribunal administrativo do districto.
Se o sr. presidente do conselho e ministro do reino tem conhecimento d'essa circular, estou convencido que concordará commigo, em que o sr. governador civil de Braga exorbitou das attribuições que competem a uma auctoridade da graduação de s. exa. (Apoiados.}
Não quero cansar a camara com a leitura dos differentes preceitos contidos n'essas instrucções e muito rapidamente porque, repito, estou convencido que o sr. ministro do reino concordará commigo nas apreciações geraes que vou fazer; citarei de entre esses preceitos apenas dois, modelos de illegalidade e de abuso de poder, verdadeiramente inexplicaveis!
Primeiro, o sr. governador civil de Braga constituo os secretarios das administrações dos concelhos, das camaras municipaes, das commissões de recrutamento, na qualidade de depositarios dos emolumentos cuja cobrança e recepção lhes impõe como dever dos seus cargos.
Ora v. exa., e toda a camara, sabem, que a qualidade de depositario arrasta comsigo, não só grandes obrigações, mas graves responsabilidades, pois que, quando quaesquer depositarios não restituam os objectos e valores que lhes tenham sido entregues em deposito, vão para a cadeia soffrer pena do prisão na rasão de 1$000 réis por dia, ou ficam sujeitos a um processo criminal.
Como é pois que um governador civil, vou mais longe, que um ministro póde constituir por seu unico arbitrio qualquer cidadão em similhantes responsabilidades?
Só o poder legislativo o póde fazer, e é extraordinario observar como o espirito e o habito dos dictadores vae passando dos bancos do governo para os governadores civis. (Apoiados.)
Supponho que, apesar do mau exemplo de vida constitucional que temos dado, ainda não chegámos até esse ponto; e que estaremos todos de accordo, sem differenciação partidaria, em pôr cobro e obstar a que as auctoridades administrativas se lembrem de usurpar funcções, que, repito, são exclusivo apanagio do poder legislativo. (Apoiados.)
Mas ha ainda um ponto maio curioso n'esta circular do sr. governador civil.
Sempre sobre as attribuições que o codigo administrativo lhe dá, entendeu poder determinar que os presidentes das camaras municipaes, das commissões do recrutamento, os juizes, provedores e chefes das differentes corporações e irmandades, podiam ser responsaveis pessoalmente pelas custas das execuções que houvesse a intentar, pela falta de prompto pagamento de quaesquer emolumentos em divida.
É incrivel, mas está n'estas instrucções!
Não me refiro a outros pontos d'esta circular, que é toda do mesmo jaez, porque, como disse, a minha intenção não é levantar por fórma alguma uma questão politica com o sr. ministro do reino, nem pedir uma censura mais ou menos áspera, mais ou menos severa para o sr. governador civil.
O meu desejo é unica e exclusivamente, que s. exa. informe aquelle seu delegado, e se entender conveniente, todos os outros governadores civis do paiz, de que estas e similhantes attribuições que por vezes se arrogam, não lhes pertencem, não podendo por isso obrigar ás auctoridades ou corporações a quem se dirigem, como me consta foi já respondido ao sr. governador civil de Braga por algumas das corporações a quem se dirigiu.
O meu fim portanto é bem manifesto e claro. Desejo unicamente, que não se levantem conflictos, sempre lamentaveis, entre quaesquer auctoridades e corporações do districto de Braga e o chefe da administração publica d'aquelle mesmo districto.
Se pois, o sr. presidente do conselho concordar comigo, em que estas attribuições que se arrogou o sr. governador civil, vão alem d'aquellas que por lei lhe competem, nada mais terei a acrescentar, parecendo-me apenas conveniente, que s. exa. communique aquella auctoridade administrativa, que a circular por ella assignada, não póde de fórma alguma ser executada. (Apoiados.)