SESSÃO N.º 61 DE 7 DE MAIO DE 1898 1113
como s. exa. não está presente, vejo-me obrigado a pedir ao sr. ministro da fazenda o favor de lh'as transmittir e elle virá depois aqui, quando poder, para lhe responder.
Eu desejava saber, sr. presidente, se o sr. Miguel Antonio da Silveira, a quem agora foi dado o titulo de conselheiro, é o mesmo que no officio dirigido sob o n.° 16, em 50 de maio de 1897, pelo commandante da 4.ª companhia da guarda fiscal da Horta ao chefe da 2.ª repartição da administração geral das alfandegas e contribuições indirectas, é classificado como o mais audaz e arrojado contrabandista. (Sensação.) Se é o mesmo contra quem em 1884 o actual juiz do direito dr. Manuel Maria de Mello e Simas, então delegado do procurador regio na Horta, intentou um celebre processo crime por descaminho de grande porção de tabaco.
Vozes da esquerda: - Não póde ser o mesmo... isso ha de ser outro... (Riso.)
O Orador: - Se é o menino de quem, no officio dirigido em 27 de agosto de 1881 ao director da alfandega da Horta pelo terceiro, official, servindo de chefe, Antonio Gualberto de Sousa Brazil, se diz que com outros individuos se dedicava a emprezas de contrabando...
O sr. Teixeira de Vasconcellos: - Para tantos merecimentos é pouco a carta de conselho; merecia, pelo menos uma gran-cruz... (Riso.)
O Orador: - Se, finalmente, é o mesmo Miguel Antonio da Silveira que, por sentença de l1 de janeiro de 1889, proferida pelo conselheiro Manuel José de Avila, foi condemnado como auctor de descaminho de tecidos de lã e de algodão. (Grande sensação.)
Vozes da esquerda: - Ouçam, ouçam. Isto é uma vergonha...
O Orador: - Sr. presidente, aqui, de duas uma: - Ou o sr. Miguel Antonio da Silveira, agora agraciado, é outro, ou o sr. presidente do conselho ignorava todos estes factos, quando o propoz a Sua Magestade EL-Rei para sou conselheiro. E digo isto (Apoiados.) porque não quero fazer ao sr. ministro do reino a injuria de o suppor capaz de apresentar ao chefe do estado para assignar um tal decreto, se tivesse conhecimento dos documentos que vou ler á camara e justificam as minhas perguntas...
Póde talvez parecer a v. exa. que é uma questão futil esta e de somenos importancia por se tratar de um titulo honorifico: mas a minha opinião é que de nenhuma fórma como tal deve considerar-se, porque no fundo é uma questão de honra (Muitos apoiados.) é de moralidade. (Apoiados.)
Pois póde porventura admittir-se que o governo recommende á munificencia regia para conselheiro de Sua Magestade um individuo condemnado e tido e havido como defraudador da fazenda publica, sobretudo n'este momento em que se nos vem pedir o sacrificio de mais 5 por cento de impostos?! (Apoiados.)
É claro que não. (Muitos apoiados.) É é por estas e por outras que as nossas condecorações e os nossos titulos caíram no mais completo descredito. (Apoiados.)
Se o sr. ministro do reino queria pedir para o seu delegado de confiança na Horta uma graça regia, pedisse uma amnistia; (Apoiados.) mas nunca á carta de conselho. (Apoiados.)
Em todos os paizes deve haver, e ha na maior parte d'elles, um grande escrupulo na distribuição de com rações e de titulos; mas n'um paiz pobre como o nosso maior deve ser ainda esse escrupulo, por isso mesmo que não tendo dinheiro, para poder dar pensões aos bons servidores do estado, restam-lhe só mercês honorificas para os remunerar. (Muitos apoiados.)
Mas infelizmente temos sido até hoje de uma tal prodigalidade na distribuição de titulos e de condecorações, e tem havido por vezes tão pouco cuidado na escolha dos agraciados, que não raro os nossos representantes no estrangeiro se têem visto obrigados a pedir a annullação dos decretos, ou por serem absolutamento indignas das honras concedidas as pessoas a quem as damos, ou ainda, e isso é que é a suprema vergonha porque os chefes, das nações onde vivem esses individuos lhes não permittem o uso das insignias! Mostram assim, prezar mais as
nossas ordens e os nossos titulos que nós proprios! (Apoiados.)
Ainda hontem um dos nossos mais distinctos diplomatas casualmente me contou que quando esteve em missão no Brazil; precisando uma vez de um dentista para tirar um dente, escolheu um á quem o governo portuguez tinha, agraciado pouco antes com o titulo de barão. (Riso.)
Devo dizer a v. exa. sr. presidente, que não estranhei nada este facto porque conheço muitos outros identicos e peiores, desde o da commenda do Christo dada a um barbeiro em Paris até esse despejar diario e constante de habitos de S. Thiago, de Christo e da Conceição á escolha dos agraciados, sobre todos os cantores, actores, musicos, prestidigitadores e caixeiros estrangeiros que vem a Portugal. (Muitos apoiados.)
Mas se não estranhei, nem por isso deixo de sentir e deveras que assim seja.
E para que v. exa. veja quanto tem descido de valor e de apreço as nossas condecorações, bastará notar que até já a propria Torre e Espada, a mais considerada condecoração portugueza, para hoje ser ambicionada e apetecida,
preciso que venha acompanhada de uma pensão pecuniaria. (Muitos apoiados.) E se os estrangeiros podem linda todos os dias fitas portuguezas é porque as cores das nossas ordens se confundem com as de outros paizes! Apoiados.) É uma vergonha para nós; mas é a verdade. Se todas as semanas o Diario do governo publica ainda decretos sobre decretos concedendo commendas e habitos das nossas ordens militares, é porque a fita da Conceição se confunde com a de Carlos III de Hespanha e a de Christo é igual á de Legião de Honra de França! (Muitos apoiados.)
Lamento e envergonho-me como portuguez que assim aconteça, e ouso pedir ao governo que d'aqui por diante seja mais cuidadoso na escolha dos agraciados o haja mais parcimonia na distribuição de condecorações e de titulos, sobretudo a estrangeiros. (Apoiados.)
Sr. presidente, lerei agora alguns trechos dos documentos, á que ha pouco me referi, e que são copia dos que pedi com urgencia na sessão passada, mas que até agora me não foram ainda e creio não serão nunca remettidos. Em compensação, porém, vou eu mandar estes ao sr. ministro da fazenda para elle os poder examinar e estudar, querendo.
(Leu.)
E agora, sr. presidente, que v. exa. e a camara ouviram o que estes documentos referem, só me resta dar, por intermedio do sr. ministro da fazenda, um conselho ao sr. ministro do reino. E dou-lh'o fundado na opinião de um notavel escriptor allemão que sustenta que verdadeiramente sinceros no que dizem só o são os inimigos e que portanto devemos acceitar a sua critica como um remedio amargo.
E é por isso mesmo que eu, inimigo politico de. s. exa., lhe digo com toda a lealdade e com toda a sinceridade que rasgue este decreto que envergonha o governo e envergonha o Rei. (Muitos apoiados.)
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - Devo dizer ao illustre deputado que me encontro deveras embaraçado para responder a s. exa. Uma questão de tanta gravidade deveria ser precedida de aviso previo, para que o governo se habilitasse a vir dar aqui a resposta.
O sr. Conde de Paçô Vieira: - Eu mandei para a mesa em 8 de julho de 1897 um aviso previo ao sr. presidente do conselho, mas s. exa. nunca veiu á camara antes da ordem do dia, apesar de, na sessão de 2 de julho