1120 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Vamos a outro ponto importantissimo, para o qual chamo a attenção do governo e da commissão.
É para a verba que diz respeito aos direitos de importação de cereaes.
A commissão do orçamento fixou o producto da importação dos cereaes em 1:833 contos de réis.
Sr. presidente, se não fosse o muito respeito que tenho por isto que ainda se chama parlamento, eu diria que tanto o sr. ministro, como a commissão, estiveram a mangar comnosco. (Apoiados.)
Isto chega a parecer troça! (Apoiados.)
Pois então, quando o governo decreta a livre importação de cereaes, é que no orçamento vem a verba de 1:833 contos de réis de direitos de importação de cereaes!! (Apoiados.)
Isto é phantastico e unico! Isto não se dá senão n'este paiz, que já por muita parte é chamado um paiz de opereta, (Apoiados.)
O governo tendo permittido por decreto de abril ultimo a importação de 60.000:000 kilogrammas de trigo com o direito de 4 réis por kilogramma, imaginou que eram precisos estes 60.000:000 kilogrammas, e não eram; (Apoiados.) imaginem que se mantinha este direito de 7 réis. O que é que renderam n'este anno os cereaes? 420 contou de réis.
Como é que, rendendo n'este anno os cereaes 420 contos de réis, se póde calcular que para o anno immediato rendam 1:833 contos de réis? (Apoiados.)
Como é que se póde pensar que para o anno economico de 1898-1899 o producto do direito dos cereaes seja superior ao d'este anno? (Apoiados.)
É facto averiguado que havia de ser notavelmente inferior, se porventura n'esse anno fosse algum. (Apoiados.)
É certo que em farinha e cereal houve uma importação que determinou até 30 de março o pagamento de 301 contos de réis de imposto. Conheço bem este facto; mas o que é certo é que os 60.000:000 kilogrammas de trigo, que estão já a entrar, não pagam para o estado um unico real. (Apoiados.)
Como se poderá, pois, sustentar que o estado receberá d'este imposto, em 1898-1899, 1:833 contos de réis?
De mais a mais tudo faz prever que em 1898-1899, tomando o mesmo principio que o actual governo tomou, ha de haver uma necessidade de importação muito inferior; e eu não reconheço essa necessidade, porque já aqui disse que se eu tivesse o infortunio de me sentar n'aquellas cadeiras não permittia a importação de um unico grão de trigo; mas dizia eu que tudo fax prever que para o anno ha de haver uma necessidade de importação muito inferior, porque todas as informações são unanimes em affirmar que a colheita do trigo este anno é soberba. Isto por um lado e por outro lado qual foi rasão que mais poderosamente imperou no do governo para fazer desapparecer o direito de 7 réis por kilogramma? Foi o agio do oiro. Tem alguem no seu espirito uma sombra sequer de argugumento que o faça convencer de que é em 1898 que o cambio ha de melhorar?
Bem o desejavamos nós todos; mas infelizmente não acontecerá assim, nem saberemos aonde irá. Infelizmente para nós chegará a perder a cotação. Que rasão ha, pois, para manter a verba de 1:883 contos de réis?
Nenhuma, absolutamente nenhuma. Sou absolutamente contrario á importação de trigo. Mas supponhamos que falta trigo para dois, para tres mezes - supponhamos que se não dão as mesmas circumstancias que imperam este anno para que não haja direito de importação de trigo - s. exa. fica com a liberdade para permittir a importação de 60.000:000 kilogrammas com 10 réis do imposto por kilogramma, desde que no orçamento se fixa a verba de 600 contos de réis. Quer o imposto superior a 10 réis?
Ninguem o poderá dizer. Póde alguem suppor que o paiz poderá comprar mais 60.000:000 kilogrammas?
Poderá alguem acreditar que dadas as circunstancias em que se encontram as searas, nós necessitaremos de 60.000:000 kilogrammas de trigo?
Então desgraçados de nós, perdidos todos por completo, se as circumstancias fossem por maneira a termos de aproveitar mais 60.000:000 kilogrammas.
Pois eu deixo-lhe verba para 60.000:000 kilogrammas a 10 réis, e desde que deixo esta verba é preciso eliminar da receita a verba de 1:233 contos de réis, differença entre 1:833 contos de réis que estão descriptos e a de 600 contos de réis.
O sr. Presidente: - V. exa. terminou o quarto de hora.
O Orador: - Não quero abusar da paciencia da camara e estou muito cansado. Eu cedi a v. exa. ha pouco, que consultasse a camara se permittia que eu fatiasse mais alguns minutos. V. exa. não quiz fazer-me esse favor. Eu tenho concluido.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado.)
O sr. Lourenço Cayolla: - Levanto-me para responder ao illustre deputado regenerador o sr. Teixeira de Sousa. S. exa. tem conquistado, principalmente nos ultimos tempos, os fóros de um orador distincto, de um parlamentar valioso, que se póde deixar dominar por vezes, e agora mesmo incorreu n'esse defeito, pela suggestão de uma exagerada paixão partidaria, mas que mantem sempre nas suas palavras o respeito devido aos seus adversarios, o respeito devido ao parlamento, o respeito devido á propria consciencia. (Apoiados.)
N'esta epocha de abstenções passivas, em que tantos dos mais energicos luctadores se furtam ao combate, não duvido affirmar a minha sympathia pela attitude tomada por s. exa., conservando-se firme no seu posto, na defeza das crenças politicas, que constituem o seu credo, evidenciando, nos debates mais difficeis, verdadeiras qualidades de valor, de energia e de competencia. (Apoiados.)
O discurso que acaba de proferir constituiu uma nova confirmação d'esses dotes, e a camara comprehenderá por isso mesmo o receio com que eu, recruta bisonho nas lides das palavras, me defronto com um orador já tão experimentado como s. exa.!
Sr. presidente, a opposição parlamentar aproveitou a discussão do orçamento das receitas, como antes d'ella aproveitára a discussão do orçamento da despega, para provocar um debate, com todos os caracteres de um debate politico.
A maioria não tem licença de tomar uma deliberação, de exprimir um voto, de dizer sequer uma palavra, que os seus adversarios não a considere logo n'um caminho errado e merecendo ser combatida a todo o transe!... (Apoiados.)
Quando s. exas. viram que a maioria parlamentar adoptava o preceito de discutir primeiro o orçamento das despezas e depois o da receita, insurgiram-se immediatamente contra esta deliberação!
Agora, suppondo que este lado da camara hesita e muda nas suas anteriores resoluções, começam já a condemnar o que antes preconisavam. (Apoiados.)
E não é só com as deliberações que se tomam, ou se esboçam, é tambem com as simples palavras que se pronunciam.
Hontem o meu querido amigo e distinctissimo orador, o sr. Eduardo Villaça, referiu-se ás opiniões de Luzatti, um financeiro de auctoridade incontestavel, admirado era toda a Europa; pois tanto bastou para que o sr. Teixeira de Sousa considerasse esse notavel publicista como um romantico, e apreciasse as suas theorias por uma fórma tão cruel como ironica. (Apoiados.) Taes theorias não são, porém, perfilhadas apenas pelo financeiro italiano.
Constituem tambem a opinião de um economista de reputação consagrada, do sr. White, que durante tantos annos tem sido ministro das finanças da Russia. (Apoiados.)