Página 1107
N.º 61
SESSÃO DE 7 DE MAIO DE 1898
Presidencia do exmo. sr. Manuel Affonso de Espregueira
Secretarios - os exmos. srs.
Frederico Alexandrino Garcia Ramires
Carlos Augusto Ferreira
SUMMARIO
Approvada a acta dá-se conta do expediente, lendo-se dois officios e dois telegrammas recebidos na mesa, e tem segunda leitura um projecto de lei do sr. Tello. - Explicação dada pelo sr. ministro da guerra ao sr. Teixeira de Sousa, em referencia á classificação dos alumnos da aula de equitação da escola do exercito. - Parecer apresentado pelo Sr. Luiz José Dias. - A requerimento do sr. Avellar Machado entra em discussão, e é approvado, o projecto de lei n.º 65. -Pede o sr. Ravasco, e a camara concorda, que seja posto em discussão o projecto de lei n.° 67. Em seguida, sob proposta do sr. Ramires, resolve-se que sobre o mesmo projecto seja ouvida a commissão de fazenda. - Proposta do sr. Moncada, que a justifica com algumas considerações. Requerimento do mesmo sr. deputado. - Declaração do sr. ministro da fazenda, em referencia á noticia de uma operação sobre as acções da companhia de Moçambique. - Acceita a proposta do sr. Moncada o sr. ministro das obras publicas. - Parecer da commissão de administração publica, apresentado pelo sr. Festas. - Observações do sr. conde de Paço Vieira, em referencia ao facto de ter sido agraciado com a carta de conselho o sr. Miguel Antonio da Silveira, governador civil da Horta. Resposta do sr. ministro da fazenda. - Representação mandada para a mesa pelo ar. Catanho de Menezes. -Proposta do sr. Alpoim. - Parecer da commissão de administração publica, apresentado pelo sr. Alexandre Cabral. - Dá-se conta da ultima redacção dos projectos de lei n.ºs 48,49 e 55.
Na ordem ao dia continua em discussão o orçamento da receita, usando em primeiro logar da palavra o sr. Teixeira de Sousa, que analysa e impugna muitas das suas verbas. Responde-lhe o sr. Cayolla, e em seguida encerra-se a sessão.
Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.
Presentes á chamada, 41 srs. deputados. São os seguintes: - Abel da Silva, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Carlos Le-Cocq, Alvaro do Castellões, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Tavares Festas, Antonio Teixeira de Sousa, Augusto José da Cunha, Bernardo Homem Machado, Carlos Augusto Ferreira, Conde da Serra de Tourega, Conde de Silves, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Barbosa de Couto Cunha Sotto Maior, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Furtado de Mello, Francisco José Machado, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Manuel de Almeida, Frederico Alexandrino Garcia Ramires, Frederico Ressano Garcia, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, João Baptista Ribeiro Coelho, João Catanho de Menezes, João Joaquim Izidro dos Reis, João Lobo de Santiago Gouveia, João Monteiro Vieira de Castro, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Heliodoro Veiga, Joaquim Simões Ferreira, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Maria de Oliveira Matos, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz José Dias, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Pinto de Almeida e Martinho Augusto da Cruz Tenreiro.
Entraram durante a sessão os srs.: - Antonio Eduardo Villaça, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Arnaldo Novaes Guedes Rebello, Augusto Cesar Claro da Ricca, Carlos José de Oliveira, Conde de Paço Vieira, Francisco Silveira Vianna, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, João de Mello Pereira Sampaio, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, Joaquim José Pimenta Tello, José Adolpho de Mello e Sousa, José da Cruz Caldeira, José ias Ferreira, José Eduardo Simões Baião, José Estevão de Moraes Sarmento, José da Fonseca Abreu Castello Branco, José Gil de Borja Macedo e Menezes (D.), José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Joaquim da Silva Amado, José Malheiro Reymão, José Maria de Alpoim de Oerqueira Borges Cabral, José Maria Pereira de Lima, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Telles de Vasconcellos, Sebastião de Sousa Dantas Baracho e Sertorio do Monte Pereira.
Não compararam á sessão os srs.: - Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alfredo Cesar de Oliveira, Anselmo de Andrade, Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco, Antonio Maximo Lopes de Carvalho, Antonio Simões dos Reis, Arthur Alberto de Campos Henriques, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Conde de Burnay, Conde de Idanha a Nova, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jacinto Candido da Silva, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, Jeronymo Barbosa Pereira Cabral Abreu e Lima, João Abel da Silva Fonseca, João Antonio de Sepulveda, João Ferreira, Franco Pinto Castello Branco, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Ornellas de Matos, Joaquim Paes de Abranches, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, José de Abreu de Couto Amorim Novaes, José Benedicto de Almeida Pessanha, José Bento Ferreira de Almeida, José Capello Franco Frazão, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Barbosa de Magalhães, José Mathias Nunes, Leopoldo José de Oliveira Mourão, Libanio Antonio Fialho Gomos, Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Marianno Cyrillo de Carvalho, Visconde de Melicio e Visconde da Ribeira Brava.
Acta. - Approvada.
EXPEDIENTE
Officios
Do ministerio da guerra, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Francisco José Machado, copias relativas á contagem do tempo de commando de companhia, requerido pelo capitão de infanteria André Joaquim Bastos.
Para a secretaria.
Do juizo de direito do 3.° districto criminal de Lisboa, solicitando auctorisação para que o sr. deputado José Rey-
Página 1108
1108 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
mão Telles de Menezes possa depôr como testemunha n'aquelle juizo.
Foi concedida.
Telegrammas
Illmo. e exmo. conselheiro Manuel Affonso Espregueira, presidente da camara dos deputados. - Para côrtes. - De Elvas. - Em 6 de maio. - A associação commercial e industrial agricola de Elvas pede respeitosamente a v. exa. seu alto valimento para approvação projecto n.º 45 do deputado d'este circulo exas. Eusebio Nunes, em beneficio da industria fabril d'este concelho e da crise de trabalho que assola as classes trabalhadoras de Elvas. = O presidente, Antonio Amaral Telles.
Para a commissão de agricultura.
Para Lisboa. - De Paris, em 6, ás seis horas e quinze minutos da tarde. - Exmo. presidente camara senhores deputados. - Lisboa. - Informado que se projecta levantar n'essa camara uma questão relativa aos emprestimos ao governo, negociados por mim sobre obrigações dos caminhos de ferro, rogo á camara, se esta questão for levantada, resolva que contrato, correspondencia e todos outros documentos, relativos a essas operações desde sua origem até hoje, sejam publicados. = Conde de Burnay, deputado por Pombal.
Para a acta.
Segunda leitura
Projecto de lei
Senhores. - Tendo representado o governador civil de Vizeu, pedindo a transformação da escola agricola d'aquella cidade n'uma escola de desenho industrial, conservando-se apenas o horto e os serviços praticos d'aquella escola e considerando que uma escola de desenho industrial, satisfaz melhor n'este momento os desejos e aspirações dos vizienses, visto que começa a decrescer a frequencia dos alumnos da escola agricola; considerando mais que a dotação d'esta escola se póde fazer, dentro das verbas do actual orçamento destinadas ao ensino agricola e industrial, não havendo por isso augmento na despeza publica;
Por estes motivos tenho a honra de apresentar á consideração da camara o seguinte projecto de lei:
Artigo l.º É creada na cidade de Vizeu uma escola de desenho industrial, transformando a escola agricola que ali existia.
Art. 2.º O custeio da nova escola será feito pelas verbas do ensino agricola e industrial, consignado no actual orçamento, sem augmento de despeza.
Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 5 de maio de 1898. = O deputado, Joaquim Tello.
Foi admittido e enviado ás commissões das artes e industrias e instrucção superior e especial.
O sr. Ministro da Guerra (Francisco Maria da Cunha): - Sr. presidente, o illustre deputado o sr. Teixeira de Sousa, chamou a minha attenção para a classificação dos alumnos da escola do exercito, relativamente á opção para a arma de cavallaria.
Parece-me ter dito s. exa. que alguns alumnos que frequentaram equitação, o que tinham desistido da frequencia durante o anno, obtiveram valores superiores áquelles que a levaram até ao fim. Não póde ser assim, porque não ha notas de frequencia durante o anno, mas só no exame final, onde não comparecem os alumnos que tenham desistido.
Ora, vou dizer a s. exa. o que estatue a lei de 13 de setembro de 1897, e o respectivo regulamento.
A lei consigna que só poderão optar pela arma de cavallaria os alumnos que manifestarem especial aptidão para equitação, e estabelece que os alumnos do real collegio militar, n'estas condições, sejam admittidos no curso de cavallaria a mais da porcentagem fixada annualmente pelo ministerio da guerra, que é calculada pelas medias das vagas de alferes, nos ultimos cinco annos. É isto que a lei estatue no artigo 11.°
O primeiro anno dos cursos de cavallaria e de infanteria é commum. Os alumnos seguem as disciplinas d'este primeiro anno e por conseguinte a de equitação, mas têem o direito de desistir da respectiva frequencia, sendo dispensados d'esta os que assim o desejarem.
Estes não vão, como disse, ao exame final.
Os domais são classificados pelas provas escolares nas outras disciplinas e podem optar pelo curso de cavallaria, se tiverem obtido quatorze valores na do equitação.
Os restantes só poderão continuar a frequencia para o curso de infanteria.
Este anno lectivo matricularam-se no primeiro anno, commum, de infanteria e cavallaria, 112 alumnos, dos quaes 43 tinham o curso do collegio militar; e como desistiram da opção, para cavallaria, 63, foram por isso dispensados da equitação, resultando que á prova final só compareceram 49, do quaes 24 do collegio militar, obtendo 6 quinze valores e 17 quatorze valores, que foram, portanto, apurados para cavallaria.
Os valores obtidos em equitação pelos alumnos que não podem entrar no curso de cavallaria, não se lhes levam em conta, para a classificação no curso de infanteria, não havendo assim prejuizo para os que desistiram da frequencia da equitação.
São estas as explicações que me cumpria dar ao illustre deputado, parecendo-me, portanto, ter havido equivoco nas informações fornecidas a s. exa.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Luiz José Dias: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre a proposta de lei n.º 20-D, remodelando o imposto do sêllo.
Foi a imprimir.
O sr. Avellar Machado: - Mando para a mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro que entre desde já em discussão o parecer n.º 55. = Avellar Machado.
Assim se resolveu.
Leu-se o seguinte
PROJECTO DE LEI N.° 55
Senhores. - A vossa commissão de administração publica examino ou projecto de lei n.° 25-A da iniciativa do deputado por Abrantes o sr. Avellar Machado. Alem do relatorio que lucidamente põe em relevo os vantagens do projecto, vem este acompanhado de uma representação assignada pela quasi totalidade dos povos de Belver, manifestando os mais ardentes desejos de que a sua freguezia volte a pertencer ao concelho de Mação. Á vossa commissão pareceu de toda a justiça a pretenção dos povos de Belver, sobre tudo pela situação topographica em que se encontra aquella freguezia, separada por um dos vossos maiores rios da séde do concelho a que actualmente pertence, e sem meios faceis de communicação, sobre tudo por occasião de cheias em que as communicações ficam completamente cortadas por muitos dias.
Pelas rasões expostas, é a vossa commissão de administração publica de parecer que deve merecer a vossa approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A freguezia de Belver que actualmente per-
Página 1109
SESSÃO N.º 61 DE 7 DE MAIO DE 1898 1109
tence ao concelho de Gavião, passa a fazer parte do concelho de Mação.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão de administração publica, em 30 de abril de 1898. = Martinho Tenreiro = Fortuna Rosado = Carlos José de Oliveira = Manuel Telles de Vasconcellos = Simões Ferreira - Alexandre Cabral = Visconde da Ribeira Brava, relator.
N.º 25-A
Senhores deputados da nação. - Por decreto de 13 de janeiro ultimo, que remodela a circumscripção administratrativa do paiz, foi a freguezia de Belver desannexada do concelho de Mação, districto de Santarem, provincia da Extremadura, para ser reunida ao concelho de Gavião, districto de Portalegre, provincia do Alemtejo, restaurado pelo citado decreto. Basta, senhores deputados, considerar que entre a provincia de Belver, e a séde do novo concelho a que foi annexada, existe o rio Tejo, o mais importante da peninsula hispanica, sempre difficil de transpor n'quelle ponto, e impossivel mesmo durante semanas consecutivas na quadra invernosa; á nenhuma ligação do affectos ou communidade de interesses entre os povos de Belver e Gavião; a falta de uma boa estrada que ligue a margem direita do Tejo com o resto do novo concelho, para tornar absolutamente injustificavel a alteração ultimamente decretada. Mas ha mais, senhores deputados!
O illustre presidente do conselho de ministros e ministro do reino, na sessão de 17 de agosto do anno passado, solemnemente declarou, com a auctoridade que resulta do seu caracter honrado, e da posição proeminente que occupa, que a auctorisação pedida para alterar a circumscripção administrativa, tinha apenas em mira remediar alguns erros ou injustiças de que julgava inquinada a reforma anterior, e sobretudo attender aos desejos dos povoo livremente manifestados.
Ora, senhores deputados, pela representação que acompanha este projecto de lei podereis verificar a tocante unanimidade de desejo dos povos de Belver de continuar pertencer ao concelho de Mação, porque assim o requer lealmente a situação topographica da freguezia, a commodidade dos povos e os seus mais caros e vitaes interesses
Firmam essa representação 442 cidadãos, isto é, a quasi totalidade dos individuos maiores do sexo masculino da freguezia de Belver, comprehendendo-se entre elles a totalidade dos eleitores elegiveis recenseados, em numero de 269.
Por todas estas rasões, senhores deputados, e por muitas outras que a vossa sabedoria completamente dispensa, estamos intimamente convencidos que, como verdadeiros representantes que sois da vontade popular, não deixareis de dar a vossa inteira approvação ao seguinte projecto de lei.
Artigo 1.° A freguezia de Belver, que actualmente pertence ao concelho de Gavião, passa a fazer parte do concelho de Mação.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos deputados, em 28 de março de 1898.= Avellar Machado.
Approvado sem discussão.
O sr. Francisco Ravasco: - Mando para a mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro que entre desde já em discussão o projecto de lei n.º 57. = Francisco Ravasco
Assim se resolveu.
Leu-se o seguinte
PROJECTO DE LEI N.° 37
Senhores. - A vossa commissão de instrucção publica superior e especial foi presente o projecto de lei da iniciativa, do sr. deputado Luiz José Dias, propondo o desdobramento da cadeira de physica geral, que se ensina na escola polytechnica.
A physica é uma das sciencias mais vastas, sendo uma das que mais rapidamente se têem desenvolvido n'este seculo, logrando transformar radicalmente as condições economicas dos povos pelas suas valiosissimas applicações, que realisaram progressos realmente assombrosos nas sciencias e nas industrias.
Convem advertir que a physica geral, que se professa na escola polytechnica, é um preparatorio para diversas carreiras scientificas militares e civis, exigindo algumas que aquelles que n'ellas se iniciam possuam estudos desenvolvidos e completos do sciencias mathematicas, bastando para outras um estudo elementar d'estas sciencias.
Como ha de o professor ensinar profanamente alumnos tão diversamente preparados, e tendo em vista fins tão differentes?
É evidente que para os alumnos, que ao conhecem as mathematicas elementares, o ensino da physica tem de ser principalmente experimental; emquanto que para aquelles, que já conhecem os calculos differencial e integral, e todas as materias do primeiro e segundo annos de mathematica da mesma escola, já o ensino da physica poderá ser tratado com maior profundidade, fazendo-se completa demonstração dos theoremas physicos com o auxilio do calculo infinitesimal.
N'outros paizes tem-se reconhecido igualmente a impossibilidade de ensinar proveitosamente a physica n'um só anno, e até as nações, que se poderiam considerar mais afastadas dos grandes centros scientificos, nos podem servir de exemplo.
Na universidade de Tokio, no Japão, a faculdade de sciencias mathematicas e physicas tem, ha mais de vinte annos, o ensino da physica distribuido por tres annos, o segundo, o terceiro e o quarto do curso.
Por estes motivos, e porque da approvação d'este projecto não resulta encargo para o thesouro, visto que o vencimento do professor proprietario, que haverá a mais, será inferior ao augmento de receita proveniente da matricula na nova cadeira, temos a honra de vos propor, de accordo com o governo, que approveis o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º O ensino da physica geral na esocla polytechnica será professado em duas cadeiras.
§ 1.º A primeira cadeira, physica experimental, fará parte do segundo anno do curso geral e do segundo anno do segundo curso da escola polytechnica; a segunda cadeira, physica mathematica, pertencerá ao terceiro anno dos mesmos cursos.
§ 2.° Para os cursos preparatorios de marinha e medicina apenas será exigida a approvação no exame de physica experimental.
Art. 2.° Os actuaes lentes proprieterio é substituto da actual quinta cadeira da escola polytechnica são nomeados lentes proprietarios das cadeiras de physica experimental e physica mathematica, em que ella se desdobra.
§ unico. O logar de lente substituto das duas cadeiras de physica será provido mediante concurso de provas publicas, nos termos do regulamento em vigor.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão de instrucção publica superior e especial, 28 de abril de 1898. = Joaquim Heliodoro da Veiga - João Monteiro Vieira de Castro = José Maria de Oliveira Matos = A. Eduardo Villaça = Manuel Antonio Moreira Junior = Arthur Montenegro - José Joaquim da Silva Amado, relator.
Página 1110
1110 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
N.º 9-G
Senhores. - A pratica de muitos annos tem demonstrado que a organisação do ensino da physica na escola polytechnica necessita de uma urgente e radical remodelação.
Ninguem desconhece os importantes desenvolvimentos que, desde o meado d'este seculo, têem experimentado alguns dos mais importantes capitulos da physica, principalmente aquelles que têem por objecto o calor e a electricidade.
As applicações de capital importancia da thermodynamica e o indispensavel estudo da medição das quantidades electricas, um dos que mais têem concorrido para o aperfeiçoamento dos methodos experimentaes, que tão larga influencia tem exercido no rapido progresso das sciencias, fundados nas determinações quantitativas, têem aconselhado, mesmo em paizes cujos recursos deveriam ser inferiores aos nossos, o ensino desenvolvido d'essas materias, subsequente ao da physica geral.
É, pois, senhores, de manifesta impossibilidade a assimilação, nos apertados limites de um anno lectivo, dos vastos conhecimentos geraes de physica que, para acompanharem os recentes progressos introduzidos em muitos ramos da arte e da industria, necessitam dipor aquelles que no destinam ás carreiras de mais elevada responsabilidade scientifica.
Senhores, a cadeira de physica da escola polytechnica é frequentada por alumnos que se destinam ás armas de engenheria e artilharia, á marinha, á engenharia civil e medicina; e, é evidente, que nem todos necessitam um estudo igualmente desenvolvido de physica geral; é, pois, mister que se procure proporcionar o meio ao fim, a preparação á applicação.
Emfim, senhores, os modernos methodos de ensino evolutivo, já postos em pratica no ensino secundario, devem ser continuados no ensino superior, o que, em parte, se realisa no ensino da mathematica e da chimica, o que urge generalisar ao da physica.
Considerando, portanto:
1.° Que é impossivel ministrar num anno, sem uma exageradissima densidade de ensino, que a experiencia tem demonstrado inconveniente, os conhecimentos geraes de physica, indispensaveis a quem se destina, a determinadas carreiras scientificas;
2.° Que os conhecimentos preparatorios de physica geral superior devem ser mais desenvolvidos para os individuos que frequentam o segundo curso da escola polytechnica, do que para os cursos de medicina e marinha;
3.° Que convem estabelecer gradação entre o estudo da physica no ensino secundario e o que compete aos alumnos que frequentam o segundo curso destinado ás armas de engenheria e artilharia e á engenheria civil, para o qual se torna indispensavel o conhecimento dos methodos geraes de mathematica superior, adquirido durante os dois primeiros annos de frequencia do curso;
4.° Que a divisão da actual 5.ª cadeira da escola polytechnica em duas cadeiras de physica, apesar do exigir o augmento de um logar de lente proprietario, não importa augmento de despeza, porque o seu vencimento é inferior ao augmento de receita proveniente do augmento do numero de matriculas:
Temos a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° O ensino da physica geral superior da escola polytechnica será ministrado em duas cadeiras.
§ 1.° A l.ª cadeira fará parte do segando anno do segundo curso da escola polytechnica, e a 2.ª cadeira do terceiro anno do mesmo curso.
§ 2.° Para os cursos preparatorios de marinha e medicina apenas será exigida a approvação no exame da l.ª cadeira.
§ 3.° O ensino da l.ª cadeira deverá ter uma feição accentuadamente experimental, ampliando-se os conhecimentos adquiridos no ensino secundario, e evitando-se a exigencia de conhecimentos mathematicos que não tenham sido adquiridos n'este grau de ensino.
§ 4.° O ensino da 2.ª cadeira de physica será tão desenvolvido quanto seja compativel com os conhecimentos anteriormente adquiridos pelos que a frequentam.
§ 5.° Na organisação dos programmas, tanto da l.ª como da 2.ª cadeira de physica, deve ter-se principalmente em vista a futura applicação dos conhecimentos adquiridos pelos individuos que a frequentam.
Art. 2.° Ê o governo auctorisado a organisar este serviço, em harmonia com as exigencias dos modificações determinadas por este projecto, e respectiva dotação legal.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 12 de fevereiro de 1898. = 0 deputado, Luiz José Dias.
O sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 1.°
O sr. Luciano Monteiro: - Peço a palavra.
O sr. Frederico Ramires: - Peço a palavra para uma questão previa.
O sr. Luciano Monteiro: - Cedo da prioridade da inscripção a favor do meu collega o sr. Frederico Ramires.
O sr. Frederico Ramires: - Pedi a palavra para dizer que da propria leitura do projecto, posto agora em discussão, resalta que elle comprehende um pequeno augmento de despeza, e como a commissão de fazenda não foi ouvida, devendo sel-o, peço a v. exa. que, para ser sanada esta falta, se retire da discussão o referido projecto.
Assim se resolveu.
O sr. Cabral Moncada: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta assignada pelos srs. deputados Mello e Sousa, Teixeira de Sousa e por mim proprio. Esta proposta, sr. presidente, é do teor seguinte:
Proposta
Propomos que seja nomeada uma commissão parlamentar para examinar todos os contratos de arrendamento de bens do estado, celebrados pelo ministerio das obras publicas nos ultimos doze annos, e, em relatorio que subsequentemente apresentará á camara, apreciar o merecimento dos referidos contratos, indicando os que devam juridicamente considerar-se nullos por inobservancia da lei, e por tal rasto ser remettidos aos respectivos agentes do ministerio publico, para serem propostas em juízo as competentes acções de annullação.
Para este effeito deve a camara deliberar que no praso de quinze dias subsequentes á installação da commissão, á mesma ou ao seu presidente sejam remettidos todos os documentos que constituam os processos relativos aos contratos mencionados. = Mello e Sousa = Teixeira de Sousa = Cabral Mancada.
Sr. presidente, tenho na redacção d'esta proposta que fazer apenas uma rectificação na data.
Parece-me que esta proposta deve merecer á camara bom acolhimento.
Esta proposta tem apenas um fim: é o de se verificar o que é que está legalmente feito, e o que não está.
Este acto, que só exprime o desejo de respeitar a legalidade, não póde deixar de ser agradavel á camara, cuja preoccupação maxima é por certo a do respeito pela lei e pela verdade.
Embora esta proposta seja votada, como v. exa. vê pelo sou theor, não envolve perigo de natureza nenhuma.
Ha n'esta camara jurisconsultos muito distinctos, entre os quaes alguns que são magistrados tambem distinctos. Naturalmente, se a proposta merecer da camara a aceita-
Página 1111
SESSÃO N.° 61 DE 7 DE MAIO DE 1898 1111
ção que espero, se for approvada, será com individuos d'esta classe que a commissão se constituirá.
Comprehende-se que, para o assumpto de que se trata, convem que a commissão seja principalmente constituida por individuos que tenham por habito e profissão o estudo de questões d'esta natureza, e n'este caso estão os illustres jurisconsultos e magistrados que fazem parte d'esta camara.
Tenho a vantagem de conhecer pessoalmente alguns, outros apenas de vista e nome; mas a todos faço a justiça de attribuir as qualidades de competencia e probidade que o caso reclama.
Seja-me licito, sr. presidente, invocar como exemplo o distinctissimo magistrado e meu collega, o sr. Poças Falcão, que não vejo presente, mas a quem me é grato render, na publicidade d'este parlamento, a homenagem do meu respeito pelo seu bello espirito, no qual entre si disputam primazias estas altas qualidades - competencia, probidade e zêlo - as melhores que podem concorrer m'um magistrado. (Apoiados geraes.)
Uma commissão de que individuos assim façam parte, dá as melhores garantias ao governo e áquelles que com elle contrataram.
Os legitimos interesses de todos serão por certo respeitados, sem exclusão do interesse do estado, no que lhe deve ser garantido em nome da lei. (Apoiados.)
Ouvi ha dias aqui na camara o sr. ministro das obras publicas esforçar-se quanto póde por defender o contrato que foi objecto da interpellação que se realisou. Este varão tão justo, cujas qualidades de caracter são tão respeitaveis que até a propria opposição não hesitou em tão calorosamente as encarecer, de certo assim não procederia se estivesse convencido de que o contrato que discutiu era illegal e nocivo do interesse publico.
Se, pois, está convencido da sua legalidade, se está convicto de que a sua negociação com o seu secretario particular foi feita com inteira observancia da lei, nada tem que arrecear-se da commissão, cuja nomeação proponho.
Tem a consciencia da justiça que lhe assistiu: que melhor, pois, para s. exa. do que a nomeação d'esta commissão, que por certo-lhe dará todas as garantias de que só na lei e na justiça saberá inspirar-se?!
Depois isto não é tudo. Na peior hypothese, isto é, quando a commissão entendesse que este e outros contratos deviam ser annullados, ainda não era ella quem decidia, mas sim o poder judicial, perante o qual haviam de ser propostas as competentes acções, e isto traz para o sr. ministro e para o arrendatario, seu secretario, nova garantia, que muito lhe utilisará se a commissão der parecer desfavoravel ao contrato.
Felizmente que entre nós ainda o poder judicial conserva límpida a tradição da justiça, tão precisa para este e outros casos similares. (Apoiadas.)
Acho, portanto, que não ha nada a recear d'esta proposta que tive a honra de ler e que me parece que é tudo quanto ha de mais inoffensivo e consentaneo com as aspirações do sr. ministro e com o procedimento da maioria, que, sanccionando o acto praticado pelo sr. ministro, das obras publicas, lhe imprimiu a auctoridade que deriva da sua chancella.
0 sr. ministro das obras publicas durante a discussão fez a affirmação de que no passado houve contratos similhantes e pretendeu com isso produzir um argumento convincente para justificar o contrato, que então estava na téla da discussão.
Consinta-me v. exa., sr. presidente, que em primeiro logar eu me felicite por ver quanto o illustre ministro reconhece bons os actos dos seus antecessores no facto de os invocar como exemplo, a justificar os seus proprios, que de certo reputa excellentes; mas que, e em segundo logar, eu lhe diga tambem que, considerando eu illegal e illegitimo o contrato que se discutiu, por considerações que seria inopportuno reproduzir, e apreciando assim por igual fórma todos os que sejam seus similares, sem que n'isso me mova o conhecimento da sua proveniencia, por isso estendo a minha proposta ao periodo largo de doze annos, bastante por certo para abranger os taes contratos, que eu desconheço, mas a memoria do illustre ministro lhe recordava como iguaes.
É assim, sr. presidente, que eu entendo e pratico a politica. Aprecio os actos pelo seu valor, pelo seu proprio merecimento, cotisando-os sob o ponto de vista da lei e do interesse publico, e nunca pela consideração de quem os praticou, ou de quem com elles utilisou. D'esta fórma pensam os meus collegas (Apoiados.) que me conferiram a honra de associar ao meu os seus nomes, e creio que pensam todos os que constituem a minoria n'esta camara. Apoiados.)
Julgo, sr. presidente, ter assim justificado a minha proposta, para a qual espero a acceitação do governo e da maioria, e a respeito da qual roqueiro a urgencia.
Já que estou com a palavra vou aproveital-a, porque difficilmente me chega, sobretudo n'estes curtos instantes que precedem, a ordem do dia, para fazer uma pergunta ao governo, pergunta que eu dirigiria especialmente ao sr. ministro dos negocios estrangeiros se s. exa. estivesse presente; mas visto não estar, dirijo-a a qualquer dos membros do governo, que ás vezes parece ter ouvidos de pedra (Riso.) pedindo a s. exa. uma resposta, se ma souberem dar, ou no caso contrario o compromisso de transmittirem as minhas considerações ao seu collega respectivo, para que s. exa., quando tenha opportunidade, me venha esclarecer sobre o assumpto a que vou referir-me.
Sabe naturalmente v. exa., sabe tambem naturalmente o governo e sabe nomeadamente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que ha uma representação, não muito extensa mas bastante eloquente, dirigida a Sua Magestade El-Rei pela maior parte dos individuos que constituem a colonia portugueza em Buenos Ayres, representação na qual se diz que os seus interesses commerciaes e de toda a especie n'aquella republica estão ha longo tempo privados da vantajosa protecção do respectivo consul, ausente não se sabe porque.
Desejaria perguntar ao governo a rasão por que havendo um consulado portuguez em Buenos Ayres, e portanto um consul, se permitte que este esteja ha dois annos afastado do seu consulado, passando agradavelmente e em familia o seu tempo em Lisboa, no logradouro dos seus enormes vencimentos, que lhe são pagos de certo para mais do que isto de estar a area patrios, na doce convivencia de patricios e amigos.
Ou o consulado é necessario, e não ha duvida de que é, basta ver a representação dos nossos nacionaes a que me referi, e n'este caso deve o governo obrigar o consul respectivo a ir occupar o seu logar; ou então, se não é preciso, supprima-se, que o estado está pobre e não póde com encargos inuteis. (Apoiados.)
Devo observar a v. exa. que n'este momento a ausencia do funccionario consular, a que me refiro tem uma importancia excepcional. (Apoiados.}
A minha myopia, que differe da de muitos outros em ser confessada, como se está vendo, e a d'elles ser disfarçada, é grande, sr. presidente; mas parece-me, apesar de tudo, que no momento actual, em que uma sangrenta guerra naval se debate entre a Hespanha e os Estados Unidos, o facto de termos ausente do seu logar n'uma republica americana um funccionario nosso, que é simultaneamente, consular e diplomatico, com a aggravante de estar o respectivo consulado entregue ao encarregado de negocios da Hespanha, é caso que póde ser de excepcional importancia de um instante para o outro, e a respeito do qual, sobretudo depois de declarada a nossa, neutralidade, muito conviria que o governo meditasse, (Apoiados.).
O sr. ministro dos estrangeiros não está presente, o que
Página 1112
1112 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
muito sinto. Se, porém, e antes da ordem do dia, acontecer que s. exa. chegue, de braço dado com o sr. ministro da justiça, como agora anda sempre, (Riso) muito me obsequiará v. exa., conferindo-me o favor de novamente me dar a palavra.
Achando-se presente o sr. ministro da fazenda, facto que chega quasi a constituir uma excepção nos seu habitos, aproveitarei esta opportunidade para ainda fazer algumas considerações, que terminarei com algumas perguntas a s. exa.
Nós ouvimos hontem o sr. Luciano Monteiro perguntar ao sr. ministro da marinha se porventura havia alguma operação financeira em via de realisação, que tivesse como base a alienação das acções da companhia de Moçambique. V. exa. sabe muito bem que em alguns jornaes, não só nacionaes como estrangeiros, tem corrido esta versão; e n'um jornal francez, n'uma revista economica e financeira, veiu a noticia d'este caso.
Estas noticias são em geral de muito mau agouro para nós. Todos temos visto infelizmente, como ellas, reputadas a principio falsas, e por vezes desmentidas, a breve trecho se accentuam em verdades positivas e lastimosas, verdades que são a expressão dos muitos factos que ultimamente têem concorrido para o aggravamento, tão tristemente desgraçado, da nossa situação. (Apoiados.)
No jornal a que me referi dizia-se que estava em via de realisação uma operação, cuja base era a alienação das acções da companhia de Moçambique, em numero, creio eu, de 50:000, a um grupo de financeiros no qual se incluem alguns que são pessoas muito gratas e affectas a essa companhia, reputada com toda a justiça nossa inimiga, a South Africa.
O sr. ministro da marinha disse então poder assegurar que essas acções estavam todas no seu ministerio, mas que sobre se havia ou não operação em via de realisação, a unica pessoa competente para o dizer seria o sr. ministro da fazenda. S. exa. não estava então presente para poder esclarecer; mas está agora: julgo, pois, que não é inopportuno insistir n'esta pergunta, pedindo a s. exa. esclarecimentos que esta camara tem o direito de esperar, e s. exa. o dever de fornecer.
Constava tambem recentemente que o governo recebeu uma verdadeira comminação dos credores em poder de quem se encontram as 72:0000 obrigações para n'um curto praso, de vinte e quatro horas apenas, fazer o pagamento integral do seu debito, ou então reforçar a caução.
Pergunta-se: será isto verdade? E, sendo-o, tenciona o governo vender as 50:000 acções para realisar a verba precisa para pagar, ou então reforçar a caução com ellas?
O espirito publico está de certo modo alarmado com isto, e é da maxima conveniencia que o sr. ministro da fazenda preste os esclarecimentos indispensaveis, ou para ser reconhecida por completo a verdade das cousas e a sua responsabilidade, ou então para que, desmentido isto, a tranquilidade publica se restabeleça.
Insisto tambem, sr. presidente, pelo que já tem sido tão instantemente pedido n'esta e na outra casa do parlamento, isto é, por que seja publicado com urgencia o contrato por effeito do qual se empenharam as 72:000 obrigações do caminho de ferro do norte e leste, cujo regresso á posse do thesouro publico, apesar do optimismo de alguns, considero como pertencendo á tenebrosa região das cousas impossiveis. E como, sr. presidente, ultimamente se diz tambem, com insistencia desusada, que o mandatario encarregado de realisar a operação a que me referi abusou do seu mandato, peço ao governo, não só a prompta publicação do contrato, mas tambem a dos documentos que lhe respeitam, entre os quaes desejo especialmente conhecer aquelle por effeito do qual ao mandatario foram conferidos os poderes no uso dos quaes contratou.
Convirá talvez verificar se houve ou não o abuso arguido; preciso é pois conhecer o documento, seja elle de que natureza for, por meio do qual os poderes do mandatario foram definidos.
N'estes termos, mando para a mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, me seja remettida copia do diploma, titulo ou escripto de qualquer especie por effeito do qual se tenham conferida ao commissario do governo os poderes com que este negociou a operação que motivou a entrega das 72:000 obrigações em penhor. = O deputado, Cabral Mancada.
Tenho dito.
S. exa. não reviu.
O requerimento mandou-se expedir.
O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - Não acho inopportuna a pergunta que me dirigiu o illustre deputado, o sr. Moncada, sobre a noticia de uma negociação, relativa ás acções da companhia de Moçambique; ao contrario, acho-a extremamente opportuna, por me dar ensejo a declarar á camara que é absolutamente infundada essa noticia que correu na imprensa.
Nenhuma negociação emprehendi sobre essas acções. Portanto não quero saber se os banqueiros são ou não pessoas gratas a determinada companhia. São assumptos esses absolutamente estranhos á questão.
Mas, repito, o governo não iniciou, até este momento, nem tem emprehendido qualquer negociação sobre essas acções.
Quanto ao contrato relativo ás acções do caminho de ferro, póde o illustre deputado repetir, quando entender, as instancias que aqui foram já feitas, que eu não modifico nem modificarei a minha resposta.
Emquanto o governo entender que o facto de tornar publico o contrato traz prejuizo aos interesses do estado, não dá d'elle conhecimento. Tomo inteira responsabilidade do meu procedimento e a todo o tempo justificarei esta resolução.
E não posso acrescentar mais ao que disse hontem. O contrato foi assignado pelo nosso agente financial em Londres, que, como era natural, recebeu instrucções do governo para esse fim, como já tive occasião de declarar á camara.
Não sei se o illustre deputado fez mais alguma pergunta...
O sr. Cabral Moncada: - Dirigi-me ao sr. ministro dos negocios estrangeiros.
O Orador: - Não ouvi as outras considerações que o illustre deputado fez com relação ao consulado de Buenos Ayres, mas qualquer dos meus collegas e especialmente o sr. ministro das obras publicas, que creio vae responder a s. exa. sobre outro assumpto, se encarregará de transmittir ao sr. ministro dos negocios estrangeiros as considerações feitas pelo illustre deputado.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Ministro das Obras Publicas (Augusto José da Cunha): - Declaro a v. exa. e á camara que acceito a proposta apresentada pelo illustre deputado o sr. Moncada, relativamente ao exame, por parte de uma commissão parlamentar, de todos os contratos de arrendamento de bens nacionaes, que tenham sido feitos pelo ministerio das obras publicas nos ultimos doze annos.
O sr. Tavares Festas: - Mando para a mesa um parecer da commissão de administração publica sobre a proposta de lei n.° 38-C, auctorisando o governo a
o actual codigo administrativo em harmonia com as bases que constituem porte intregrante d'esta lei.
O sr. Conde de Pago Vieira: - Sr. presidente, a hontem em diversos jornaes que foi agraciado com a carta de conselho o sr. governador civil da Horta. Miguel Antonio da Silveira, e desejava sobre isso dirigir algumas perguntas, aliás innocentes, ao sr. ministro do reino. Mas
Página 1113
SESSÃO N.º 61 DE 7 DE MAIO DE 1898 1113
como s. exa. não está presente, vejo-me obrigado a pedir ao sr. ministro da fazenda o favor de lh'as transmittir e elle virá depois aqui, quando poder, para lhe responder.
Eu desejava saber, sr. presidente, se o sr. Miguel Antonio da Silveira, a quem agora foi dado o titulo de conselheiro, é o mesmo que no officio dirigido sob o n.° 16, em 50 de maio de 1897, pelo commandante da 4.ª companhia da guarda fiscal da Horta ao chefe da 2.ª repartição da administração geral das alfandegas e contribuições indirectas, é classificado como o mais audaz e arrojado contrabandista. (Sensação.) Se é o mesmo contra quem em 1884 o actual juiz do direito dr. Manuel Maria de Mello e Simas, então delegado do procurador regio na Horta, intentou um celebre processo crime por descaminho de grande porção de tabaco.
Vozes da esquerda: - Não póde ser o mesmo... isso ha de ser outro... (Riso.)
O Orador: - Se é o menino de quem, no officio dirigido em 27 de agosto de 1881 ao director da alfandega da Horta pelo terceiro, official, servindo de chefe, Antonio Gualberto de Sousa Brazil, se diz que com outros individuos se dedicava a emprezas de contrabando...
O sr. Teixeira de Vasconcellos: - Para tantos merecimentos é pouco a carta de conselho; merecia, pelo menos uma gran-cruz... (Riso.)
O Orador: - Se, finalmente, é o mesmo Miguel Antonio da Silveira que, por sentença de l1 de janeiro de 1889, proferida pelo conselheiro Manuel José de Avila, foi condemnado como auctor de descaminho de tecidos de lã e de algodão. (Grande sensação.)
Vozes da esquerda: - Ouçam, ouçam. Isto é uma vergonha...
O Orador: - Sr. presidente, aqui, de duas uma: - Ou o sr. Miguel Antonio da Silveira, agora agraciado, é outro, ou o sr. presidente do conselho ignorava todos estes factos, quando o propoz a Sua Magestade EL-Rei para sou conselheiro. E digo isto (Apoiados.) porque não quero fazer ao sr. ministro do reino a injuria de o suppor capaz de apresentar ao chefe do estado para assignar um tal decreto, se tivesse conhecimento dos documentos que vou ler á camara e justificam as minhas perguntas...
Póde talvez parecer a v. exa. que é uma questão futil esta e de somenos importancia por se tratar de um titulo honorifico: mas a minha opinião é que de nenhuma fórma como tal deve considerar-se, porque no fundo é uma questão de honra (Muitos apoiados.) é de moralidade. (Apoiados.)
Pois póde porventura admittir-se que o governo recommende á munificencia regia para conselheiro de Sua Magestade um individuo condemnado e tido e havido como defraudador da fazenda publica, sobretudo n'este momento em que se nos vem pedir o sacrificio de mais 5 por cento de impostos?! (Apoiados.)
É claro que não. (Muitos apoiados.) É é por estas e por outras que as nossas condecorações e os nossos titulos caíram no mais completo descredito. (Apoiados.)
Se o sr. ministro do reino queria pedir para o seu delegado de confiança na Horta uma graça regia, pedisse uma amnistia; (Apoiados.) mas nunca á carta de conselho. (Apoiados.)
Em todos os paizes deve haver, e ha na maior parte d'elles, um grande escrupulo na distribuição de com rações e de titulos; mas n'um paiz pobre como o nosso maior deve ser ainda esse escrupulo, por isso mesmo que não tendo dinheiro, para poder dar pensões aos bons servidores do estado, restam-lhe só mercês honorificas para os remunerar. (Muitos apoiados.)
Mas infelizmente temos sido até hoje de uma tal prodigalidade na distribuição de titulos e de condecorações, e tem havido por vezes tão pouco cuidado na escolha dos agraciados, que não raro os nossos representantes no estrangeiro se têem visto obrigados a pedir a annullação dos decretos, ou por serem absolutamento indignas das honras concedidas as pessoas a quem as damos, ou ainda, e isso é que é a suprema vergonha porque os chefes, das nações onde vivem esses individuos lhes não permittem o uso das insignias! Mostram assim, prezar mais as
nossas ordens e os nossos titulos que nós proprios! (Apoiados.)
Ainda hontem um dos nossos mais distinctos diplomatas casualmente me contou que quando esteve em missão no Brazil; precisando uma vez de um dentista para tirar um dente, escolheu um á quem o governo portuguez tinha, agraciado pouco antes com o titulo de barão. (Riso.)
Devo dizer a v. exa. sr. presidente, que não estranhei nada este facto porque conheço muitos outros identicos e peiores, desde o da commenda do Christo dada a um barbeiro em Paris até esse despejar diario e constante de habitos de S. Thiago, de Christo e da Conceição á escolha dos agraciados, sobre todos os cantores, actores, musicos, prestidigitadores e caixeiros estrangeiros que vem a Portugal. (Muitos apoiados.)
Mas se não estranhei, nem por isso deixo de sentir e deveras que assim seja.
E para que v. exa. veja quanto tem descido de valor e de apreço as nossas condecorações, bastará notar que até já a propria Torre e Espada, a mais considerada condecoração portugueza, para hoje ser ambicionada e apetecida,
preciso que venha acompanhada de uma pensão pecuniaria. (Muitos apoiados.) E se os estrangeiros podem linda todos os dias fitas portuguezas é porque as cores das nossas ordens se confundem com as de outros paizes! Apoiados.) É uma vergonha para nós; mas é a verdade. Se todas as semanas o Diario do governo publica ainda decretos sobre decretos concedendo commendas e habitos das nossas ordens militares, é porque a fita da Conceição se confunde com a de Carlos III de Hespanha e a de Christo é igual á de Legião de Honra de França! (Muitos apoiados.)
Lamento e envergonho-me como portuguez que assim aconteça, e ouso pedir ao governo que d'aqui por diante seja mais cuidadoso na escolha dos agraciados o haja mais parcimonia na distribuição de condecorações e de titulos, sobretudo a estrangeiros. (Apoiados.)
Sr. presidente, lerei agora alguns trechos dos documentos, á que ha pouco me referi, e que são copia dos que pedi com urgencia na sessão passada, mas que até agora me não foram ainda e creio não serão nunca remettidos. Em compensação, porém, vou eu mandar estes ao sr. ministro da fazenda para elle os poder examinar e estudar, querendo.
(Leu.)
E agora, sr. presidente, que v. exa. e a camara ouviram o que estes documentos referem, só me resta dar, por intermedio do sr. ministro da fazenda, um conselho ao sr. ministro do reino. E dou-lh'o fundado na opinião de um notavel escriptor allemão que sustenta que verdadeiramente sinceros no que dizem só o são os inimigos e que portanto devemos acceitar a sua critica como um remedio amargo.
E é por isso mesmo que eu, inimigo politico de. s. exa., lhe digo com toda a lealdade e com toda a sinceridade que rasgue este decreto que envergonha o governo e envergonha o Rei. (Muitos apoiados.)
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - Devo dizer ao illustre deputado que me encontro deveras embaraçado para responder a s. exa. Uma questão de tanta gravidade deveria ser precedida de aviso previo, para que o governo se habilitasse a vir dar aqui a resposta.
O sr. Conde de Paçô Vieira: - Eu mandei para a mesa em 8 de julho de 1897 um aviso previo ao sr. presidente do conselho, mas s. exa. nunca veiu á camara antes da ordem do dia, apesar de, na sessão de 2 de julho
Página 1114
Lll4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
e n'outras, ter eu pedido a comparencia de s. exa. para tratar d'esse assumpto.
O Orador: - É possivel que o illustre deputado o anno passado tivesse feito o aviso previo, e que o sr. presidente do conselho não podesse comparecer na camara antes da ordem do dia para lhe responder; mas n'esta sessão, que já tem quatro mezes de duração, se o sr. presidente do conselho não tem vindo responder, é porque s. exa. tambem não tem vindo á camara. Só ha dois dias compareceu aqui este anno. A culpa não é, portanto, do governo, mas do illustre deputado.
O sr. Conde de Paçó Vieira: - Não vim, porque não pôde.
O Orador: - Então não se queixe do sr. presidente do conselho, queixe-se de si proprio. Em todo o caso o illustre deputado podia, hoje ou hontem, apenas chegou, ter formulado o seu aviso previo.
O sr. Conde de Paçó Vieira: - Eu só hontem é que li a noticia no jornal.
O Orador: - Mas então diga-me o illustre deputado: a honra de um funccionario é cousa de tão pouca importancia que não valesse a pena espaçar por um dia a sua interpellação?
O sr. Conde de Paçó Vieira: - Quiz evitar a publicação do decreto no Diario do governo.
O Orador: - O illustre deputado fallou e eu não o interrompi; o procedimento do illustre deputado, á boa paz o digo, seria mais correcto, se tratando-se da honra e probidade de um funccionario, ou ainda mesmo de um simples cidadão, uso procedesse com tanta precipitação e fizesse o seu aviso previo. No emtanto eu transmittirei as considerações de s. exa. ao sr. presidente do conselho e prometto ao illustre deputado que s. exa. ha de vir responder-lhe.
Quanto ao resto, pouco tenho que dizer. Os processos de contrabandos seguem os tramites legaes, sem intervir n'elles o ministro, senão para confirmar os accordãos, e, portanto, não tenho nada com taes processos. Note-se, porém; que a informação apresentada pelo illustre deputado e que é extensa, é informação de um funccionario da alfandega demittido. S. exa. leu a parte que se refere com desfavor ao governador civil; mas não leu toda. Ora no principio diz elle o seguinte:
«Eu fui demittido de commandante da guarda fiscal...»
Comprehende-se. E eu não quero entrar na discussão d'este periodo...
O sr. Conde de Paçó Vieira: - Peço a palavra.
O Orador: - Agora ha uma nova fórma de interromper; é pedir a palavra. Não me embaraçam com isso.
Sr. presidente, quando se trata da honra de qualquer dos nossos concidadãos e quando se baseia o ataque sobre documentos, é necessario lel-os todos. Ora, este documento começa por estas palavras: seu fui demittido de comandante da guarda fiscal. O seguimento não sei qual é, porque s. exa. nem sequer se dignou dirigir-me um aviso previo, e portanto não posso estar habilitado para responder á sua interpellação.
O sr. Conde de Paçó Vieira: - Não é uma interpellação é uma prevenção.
O Orador: - Como prevenção eu direi a v. exa. que tenho o sr. Miguel Antonio da Silveira, que foi nosso collega n'esta camara, na conta de um homem honesto. (Apoiados.)
(S. exa. não reviu.)
O sr. Catanho de Menezes: - Mando para a mesa uma representação da associação commercial dos lojistas de Lisboa, pedindo modificação nas propostas de fazenda apresentadas pelo actual governo.
Á commissão de fazenda.
Vae por extracto no fim da sessão.
O sr. Presidente: - Consulto a camara sobre se considera urgente a proposta mandada para a mesa pelo sr. Cabral Moncada.
Resolveu-se negativamente.
O sr. Presidente: - Fica a proposta para segunda leitura.
O sr. José de Alpoim: - Mando para a mesa, para ser additada a essa, a seguinte
Proposta
Propomos que a mesma commissão examine, e sobre elles dê parecer para os fins competentes, todos os contratos de qualquer natureza feitos em igual periodo, pelo mesmo ministerio e que ainda não hajam sido publicados. = Antonio Eduardo Villaça = José de Alpoim = Luiz José Dias.
Ficou para segunda leitura.
O sr. Alexandre Cabral: - Mando para a mesa o parecer da commissão de administração publica sobre o projecto de lei n.° 127-B, no anno de 1893, alterando a divisão eleitoral do concelho de Vagos, que faz parte do circulo eleitoral n.° 37, Anadia.
Foi mandado imprimir.
O sr. Presidente: - Participo á camara que a commissão de redacção não fez alteração alguma aos projectos de lei n.ºs 43, 49 e 55, que vão ser remettidos para a outra camara.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do capitulo I do projecto de lei n.º 54, orçamento de receita
O sr. Teixeira de Sousa: - Cabe-me a honra de mais uma vez fazer uso da palavra em seguida ao meu amigo o sr. Eduardo Villaça, e faço-o tão gostosamente quanto é certo que tenho pelo illustre deputado uma grandissima sympathia, que me é imposta pelos suas excellentes qualidades de talento e de caracter.
Reune o illustre deputado as melhores qualidades parlamentares e tanto bastaria para que eu em outras circumstancias me visse seriamente embaraçado na resposta que tivesse de dar-lhe; hoje não, porque o illustre deputado, ou porque tenha o seu espirito mortificado, por se convencei de que o governo está soffrendo uma grave enfermidade, ou por qualquer outra rasão, o que é certo é que o illustre deputado deu uma resposta pallida ao discurso proferido pelo sr. Mello e Sousa, se é que alguma resposta deu a este notavel discurso, e tão notavel que o sr. Eduardo Villaça, com o espirito de justiça que o distingue, não se esqueceu de dizer que o discurso pronunciado por aquelle meu illustre amigo, honra o parlamento. (Apoiados.)
Apesar d'isso, porém, o sr. Eduardo Villaça limitou-se a exhibir uma estatistica, que traduz a nossa melhoria economica e a fazer a demonstração das vantagens do equilibrio do orçamento, vantagens que d'este lado da camara tantas vezes se têem reconhecido e que nos levaram a mandar para a mesa um grande numero de propostas de reducção de despeza, propostas que por signal apenas foram acceitas n'uma pequenissima parte, segundo informações que tenho.
Não se esqueceu o illustre deputado de sustentar a conveniencia de se persistir na discussão do orçamento de receita, a despeito das considerações que em contrario foram feitas por este lado da camara, não se esquecendo tambem, de fazer, por seu turno, a citação de um nome illustre nas finanças francezas, Leon Say, que sustenta a doutrina de que a discussão do orçamento da despeza deve preceder a do orçamento da receita, o que não é novo, porque acontece em todos os paizes. Mas porque o sr. Villaça tem a opinião de que a discussão do orçamento da des-
Página 1115
SESSÃO N.º 61 DE 7 DE MAIO DE 1898 1115
peza deve preceder a do orçamento da receita é exactamente por isso que se fez o contrario.
Não ha duvida nenhuma que o sr. presidente abriu uma discussão para o orçamento de despeza, tambem não ha duvida de que elle foi aqui discutido; mas o que é certo é que elle não está ainda completamente discutido e approvado. Este era o nosso argumento.
O sr. Villaça, com a citação que fez da grande auctoridade de Leon Say, mais uma vez veiu demonstrar que nós tinhamos rasgo. D'este lado da camara mandaram-se para a mesa dezenas de propostas representando uma reducção de despeza na importancia aproximadamente de 1:200 contos de réis; essas propostas foram á commissão do orçamento, a commissão apreciou-as, o parecer está distribuido, mas ainda não está approvado pela maioria da camara. Como havemos, pois, de saber que receita temos a talhar para fazer face á despeza? (Apoiados.)
O facto de se discutir o orçamento de receita sem a camara ter approvado o parecer sobre as emendas ao orçamento da despeza, equivale exactamente ao contrario do que s. exa. nos affirmou, de que o orçamento da despeza se discutia aqui antes do orçamento da receita.
E depois, continuando nas citações, lia-nos s. exa. um trecho do sr. Luzatti, membro do governo italiano, para mostrar as vantagens que para ás finanças do thesouro resultam do equilibrio do orçamento, o que não era uma novidade para nós. O que eu não me dispenso de dizer é que, posto achasse muito legitima e justificada a leitura que o sr. Villaça fez do referido relatorio, é que o sr. Luzatti é tambem um romantico, organisa os seus orçamentos, elabora os seus relatorios nas circunstancias em que o sr. ministro da fazenda e o sr. Villaça elaboram tambem os seus orçamentos e relatorios que os precedem, pois está evidentemente demonstrado que elles são obra de dois.
Exactamente lá, como cá, relatorios brilhantes, muito bem escriptos, graphicos, coloridos, espaventosos, e lá, como cá; grandes deficits nos orçamentos, tributação de 20 por cento nos titulos da divida publica, e, para nada faltar, o facto do recente emprestimo de 600.000:000 liras para acabar com o agio do oiro, e a Italia já tem o agio do oiro a 8 por cento.
E por aqui fóra o sr. Eduardo Villaça, deixando sem resposta o notavel discurso e notavel estudo que sobre o orçamento fez o meu amigo sr. Mello e Sousa, s. exa. fazia-nos a exhibição de um pequeno quadro estatistico ácerca das nossas circumstancias economicas.
Eu não tenho duvida em me convencer de que as nossas circumstancias economicas têem melhorado notavelmente desde 1891 para cá.
Mas, pergunto eu: A que é isso devido? O que significa este facto?
Este facto significa que o paiz se administra muito melhor do que o governo que está a administrar a fazenda publica. (Apoiados.)
O paiz estará mais rico? Não contesto; mas o que é fóra de duvida é que o thesouro está mais pobre, o thesouro está arrumado, e por maneira tal, que para o sr. ministro da fazenda obter oiro para pagar o ultimo coupon, teve de fazer um contrato em circumstancias taes, que se vê na necessidade, talvez por amor proprio, de o sonegar á apreciação do parlamento. (Apoiados.)
Mas dizia-nos o illustre deputado: o thesouro está pobre, o thesouro não está feliz, o governo tem-se visto em graves difficuldades; mas, dizia s. exa. com voz enternecida, é preciso que todos saibamos que á responsabilidade não é d'este governo, a herança é que foi má.
O sr. presidente! tantas vezes tenho ouvido isto n'esta casa, e tantas vezes temos demonstrado que as circumstancias de hoje são muito mais graves do que ás circumstancias que o actual governo encontrou quando subiu aos conselhos da corôa! (Apoiados.)
Póde s. exa. dizer que a herança foi má, mas do que s. exa. póde estar certo é de que é paiz attribue ao actual governo uma grandissima responsabilidade, (Apoiados.) porque o que é um facto incontestavel é que a opinião unanime do paiz, republicanos, progressistas, homens de todos os partidos, lançam sobre o actual governo uma grandissima responsabilidade. (Apoiados.)
Eu não venho agora discutir á obra do governo, mas não me esqueço de mais uma vez dizer que o actual governo, quando tomou conta do poder, encontrou recursos, que hoje não tem. (Apoiados.)
Todos nós sabemos que encontrou creditos no banco de Portugal, no Crédit Lyonnais e na casa Bahring, e que estes creditos estão esgotados. (Apoiados.)
Todos sabemos que o ministerio actual encontrou o fundo interno a 34 e hoje está a 30. (Apoiados.) Todos sabemos que elle encontrou o fundo externo a 22 e que hoje está a 17,21. (Apoiados.) Todos. nós sabemos qué até 31 de dezembro temos um desequilibrio na fazenda publica de 10:000 contos de réis approximadamente. (Apoiados.)
E mais do que isto, que o actual governo encontrou em, fevereiro de 1897 o cambio a 37 1/4 e hoje a cambio, está a 30.
Sabemos mais que o governo actual encontrou £ 967:000 de titulos de divida externa, que vendeu, {Apoiados.) e que encontrou acções da companhia dos caminhos de ferro, e que se desfez, em circumstancias taes, que, por maiores esforços que se façam d'este lado da camara, o contrato, que teve por base as obrigações, continúa a ser sonegado.
Eu não quero continuar a apreciar á obra do governo;, eu hei de ter occasião de cortar a monotonia das cifras da discussão do orçamento com um innocente commentario ácerca da famosa administração actual.
Vamos ao caso em questão, a discussão do orçamento que, tal como está organisado, é uma burla; não passa de um apontoado de inexactidões, ou golpes vibrados á lei da contabilidade publica; o orçamento, tal qual está organisado longe de accusar o saldo que n'elle se apresenta, ha pelo contrario um grande deficit por tal maneira que não póde ser coberto nem pelo imposto addicional de 5 por cento, nem pelo que a mais póde render o sêllo.
Pedir novos impostos ao paiz, n'esta occasião em que os generos de primeira necessidade estão carissimos, quando nem sequer com isso se vae equilibrar o orçamento; alem de ser em erro grave, é um verdadeiro crime. (Apoiados.)
Nós temos diante de nós ao estudar este orçamento dois balanços. O balanço feito pelo sr. ministro da fazenda e o balanço feito pela commissão. No balanço do sr. ministro da fazenda encontrámos um saldo de 150 contos de réis, e no balanço feito pela illustre commissão houve um saldo de 1:905 contos de réis.
N'este ponto só ha motivo para dar parabens á commissão do orçamento. Mesquinho o sr. ministro da fazenda, larga e generosa a commissão do orçamento. Pergunto: quando, com os seus olhos de ver, v. exa. que de mais a mais tem competencia especialissima sobre este assumpto, vê isto, póde convencer-se de que é a serio que se vem dizer ao paiz que o orçamento tem um saldo de 1:905 contos de réis? Eu chego mesmo a pensar que este orçamento não passa de uma extravagancia orçamentologa.
D'antes quando no orçamento se deixava de incluir qualquer verba que correspondia a despeza certa, desapparecia logo a difficuldade - pague-se pelos exercicios findos - quando, porventura, a verba destinada ao serviço da divida publica apparecia reduzida, não havia difficuldade. A differença correspondia a titulos na posse da fazenda. Lembro-me d'essa epocha - com exercicios findos com os titulos na posse da fazenda, com as compensações de despeza e com as classes inactivas - tudo se explicava; hoje ha melhor. O caso é outro, é novo, e de maneira a
Página 1116
1116 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
fazer honra á nunca assás celebrada competencia financeira do sr. ministro da fazenda.
O regimen de mistificação em que vivemos exige que no orçamento se descreva um saldo? É simples, sr. presidente; excluem-se do orçamento as verbas que correspondam a despesas determinadas e apparece um saldo.
Eu acho extraordinario que o saldo seja tão pequeno, porque, se o sr. ministro da fazenda e a commissão do orçamento se têem lembrado de tirar toda a despeza, tinham um saldo de 51:000 contos de réis! (Apoiados.)
Mas digo, exclue-se do orçamento a verba de despezas determinadas e de certo apparece um saldo.
Mas para que imaginam v. exas. que foi o saldo? Para pagar as despezas das verbas cortadas no orçamento!
Já viram cousa mais extraordinaria do que esta?!
Póde-se lá exigir mais de um ministro da fazenda!
Mas então é caso para se voltar as costas ao povo, por ingratidão, e recolher-se a penates!
Que é que v. exa. vê, sr. presidente?
Se v. exa. abrir o orçamento e ler o respectivo relatorio da commissão encontra, a pagina 30, o seguinte.
(Leu.}
Quer dizer, que a commissão do orçamento, como já tinha feito o sr. ministro da fazenda, cortou 1:600 contos de réis, evidentemente porque queria avolumar esta cousa que se chama saldo!
Mas o mais extravagante encontra-se no artigo 8.° da lei da receita e despeza, que diz (cousa curiosa!) o seguinte.
(Leu.)
Aqui vê v. exa., sr. presidente, que a commissão do orçamento, com o sr. ministro da fazenda por outro lado, arranjaram approximadamente um saldo de 1:600 contos de réis. E para que? Para gastar nas despezas cortadas do orçamento!
Eu tenho muita consideração ainda por uma velharia que se chama «syetema parlamentar«, com todos os seus defeitos, que são muito grandes, que são enormes, porque, se não fosse isso, sr. presidente, eu diria a v. exa. que isto não se faz, que isto não é serio!
Mas o que foi então que se fez? A commissão do orçamento eliminou da despeza 100 contos de réis destinados a material para laboração das officinas do arsenal de marinha!
Oh! sr. presidente, eu tenho porventura alguma duvida de que essa despeza se ha de fazer? Nenhuma. (Apoiados.)
Basta-me só a circumstancia de que a propria commissão do orçamento, assim como o sr. ministro da fazenda, resolvem na sua alta sabedoria que esta despeza continúa a pagar-se pelo saldo, o como ha já um saldo positivo de 1:900 contos de réis, é claro que essa despeza continúa a fazer-se, e continúa porque ha trabalhos no arsenal de marinha que se mantêem e d'ahi a necessidade do mesmo despendio do material.
A mesma cousa se póde dizer com relação á verba de 55 contos de réis destinados á continuação dos trabalhos de transformação do arsenal. Estes trabalhos continuam e consequentemente a despeza continúa tambem a fazer-se.
Ha só uma cousa a fazer, se é que ha alguma seriedade na organisação do orçamento, é passar para a despeza essas verbas de 100 e 55 contos de réis.
Da mesma fórma, relativamente ás missões e limitações de fronteiras, 45 contos de réis.
Pois as missões e delimitações de fronteiras não continuam? Não estamos nós tendo todos os dias noticia de que Pedro, Paulo, Sancho, Martinho foram em commissão para a provincia de Moçambique, para a Lunda em trabalhos de delimitação?
A verdade é que as despezas se mantêem, e á face dos verdadeiros principios de contabilidade publica não ha rasão nenhuma para que esta verba não venha para o respectivo capitulo de despesa. (Apoiados.}
Vamos ao deficit das provincias ultramarinas.
Eu estou fallando com a maior sinceridade e boa fé. As propostas de reducção de despeza que eu mandei para a mesa, embora partissem de um modestissimo soldado do meu partido, do mais modesto membro d'esta camara, affirmo-o a v. exa., trouxeram-me grandissimo desgosto.
Com a sinceridade e vivo desejo de que o orçamento fosse organisado de maneira que deixasse de ser uma burla como até aqui, apresentei um grande numero de propostas de redacção de despeza, e com essa mesma sinceridade estou faltando n'esta occasião em que aprecio o parecer da illustre commissão do orçamento.
Pergunto eu: é ou não um facto que as provincias ultramarinas apresentam, um deficit que vae de 700 a 800 contos de réis? Ha alguma duvida a tal respeito? Tem-na alguém? Ha alguem que tenha a coragem de fazer n'esta casa a affirmação de que as provincias ultramarinas não tenham um deficit que deva oscillar entre essas duas verbas? Disse-o o sr. Villaça.
Ao tocar hontem n'este ponto dizia-nos s. exa. que o sr. ministro da marinha está revendo o orçamento das provincias ultramarinas e que ha de empregar todos os esforços para que o deficit d'essas provincias seja reduzido.
Se não o fôr, é claro que não tem outro remedio senão pagal-o.
Mas estão reduzidas as despezas hoje? Que me importa a mim que ellas se reduzam no papel, que o sr. ministro esteja com um ou outro funccionario estudando a maneira de reduzir essas despezas, se, como nós todos bem sabemos, as despezas nas provincias ultramarinas estão a augmentar de dia para dia?
Ainda hontem aqui se apresentou um parecer, auctorisando o governo a contrahir um emprestimo de 400 contos de réis para caminhos de ferro no ultramar, de que se ha de pagar juros e creio bem que esses juros hão de ser pagos pelos cofres das provincias ultramarinas.
Não ha duvida de que o orçamento das provincias ultramarinas acusa um deficit de 700 contos de réis, e só para nos illudirmos uns aos outros é que poderemos ir tirar á despeza essa verba de 700 contos de réis, porque de contrario ella tem necessariamente de ser mantida.
Construcção e grandes reparações de estradas. Elimina-se a verba de 700 contos de réis!
Em primeiro logar deixe-me dizer a v. exa. que eu por modo nenhum concordaria em que esta verba se eliminasse, e note v. exa. que o meu campanario não traz nenhuma estrada em construcção; mas entendo eu que a eliminação d'essa verba representa uma desigualdade que não se póde justificar.
Dentro da area do municipio de Lisboa gastam-se centenas e centenas de contos de réis em obras inuteis, e v. exas. querem que nas provincias nem um unico real se gaste em estradas; v. exa. querem que aos operarios de Lisboa não falte trabalho e para os operarios da provincia querem o desprezo e a fome!
Isso não póde ser.
Se ha circumstancias de ordem publica que fazem com que se garanta o trabalho aos operarios em Lisboa, as mesmas circumstancias devem prevalecer com os operarios das provincias.
Não ha rasão nenhuma para esta desigualdade, e eu, sr. presidente, francamente o declaro, nunca darei o meu voto para a eliminação d'esta verba, não só porque é de toda a conveniencia dar trabalho aos operarios, como porque, na occasião em que todos reconhecemos que é necessario fomentar a riqueza agricola do paiz, não se póde por no desenvolvimento das vias de communicação.
Pois então acredita alguem que se cortarão no orça-
Página 1117
SESSÃO N.º 61 DE 7 DE MAIO DE 1898 1117
mento de despeza estas verbas, que ellas se não gastarão, que o governo se póde dispensar de as gastar?!
Ha empreitadas geraes de que os empreiteiros não quizeram rescindir os seus contratos, e, portanto; esses trabalhos continuam. Como é então que o governo vae tirar essa verba ao orçamenta? Só se quer fazer uma cousa, sob o falso pretexto de economias: tirar do orçamento a verba para estradas e viver no regimen do calote. Ora, eu acho, sr. presidente, que entre uma cousa e outra não ha que hesitar.
O facto é mais saliente pelo que diz respeito á verba para edificios publicos. Cortou-se da despeza extraordinaria a verba de 600 contos destinados a edificios publicos. Em primeiro logar devo dizer a v. exa. que eu, na minha modestia, tenho uma opinião assente, definida, ácerca do regimen dos operarios em Lisboa. Eu não comprehendo, sr. presidente, como, sob pretexto de manter a ordem publica, o thesouro paga em cada anno, em salarios e materiaes, mais de 2:000 contos. Já tive o outro dia occasião de mostrar quaes são as minhas idéas e opiniões ácerca d'este assumpto. Eu tenho a opinião arreigada, firme, inabalavel, de que não se deve dar trabalho dentro da area do municipio de Lisboa senão aos operarios de Lisboa; de resto, o que é da provincia vá para a provincia, e se d'ali regressarem novamente a Lisboa e ameaçarem perturbar a ordem publica, não é com trabalho que se conjura a difficuldade.
Este é o meu ponto de vista, mas o ponto de vista do governo é inteiramente diverso. O governo entende que, para seu socego e tranquillidade, precisa continuar a consentir que em Lisboa se agglomere uma grande quantidade de operarios e á dar-lhe trabalho sem nenhum proveito, mas com manifesto e grande prejuizo para o thesouro; e porque o governo continúa n'este systema, que não é só da sua responsabilidade, que já vem de longe, não vejo rasão nenhuma para eliminar do orçamento, a verba de 600 contos destinada a edificios publicos.
Na despeza ordinaria está incluida a verba de 650 contos. Se bem me recordo, no orçamento de 1897-1898 estava incluida a verba de 650 contos para construcção e reparação de edificios publicos na despeza ordinaria e 600 contos na extraordinaria. Vem agora o governo e a commissão do orçamento eliminar essa verba de 600 contos que estava nas despezas extraordinarias, com o seguinte fundamento:
(Leu.)
Ora, sr. presidente, isto, salvo o devido respeito, salva a muita consideração que tenho pelo illustre relator, é absolutamente inexequivel. Não h duvida nenhuma que a lei de 20 de setembro de 1897 auctorisou o governo a fazer, por empreitada, varias obras. Nós votámos aqui a continuação para o governo fazer, por empreitadas, as obras dos esgotos de Lisboa e de varios edificios de diversa natureza; mas todos. v. exa. sabem o que aconteceu: abriu-se o concurso e ficou deserto.
A que pretexto, portanto, é que se cita a lei de 20 de setembro de 1897 para reduzir a verba destinada a operarios?
Não ha duvida de que a lei obrigava o empreiteiro a admittir nas obras que tomasse por empreitada, um certo numero de operarios empregados nas obras do estado; mas o que é certo é que o concurso ficou deserto, e que, portanto, não foram aproveitados esses operarios.
O sr. Villaça: - Abre-se outro.
O Orador: - Abre-se outro! Podem abrir trezentos que os concursos hão de continuar a ficar desertos; e quer v.exa. saber porque? Primeiro, porque não ha confiança nenhuma nos poderes do estado. Segundo, e principalmente, porque não ha nenhum arrematante, com mediano bom senso e juizo, que se sujeite á clausula de ter como obrigação o receber operarios do estado. Mais molecula menos molecula, mais phosphoro menos phosphoro, é certo que os nossos cerebros não divergem profundamente uns dos outros. Assim, se v. exa. me perguntasse se eu concorreria a uma empreitada com obrigação de receber para o meu serviço todos, os operarios vadios que o governo entendesse dever obrigar-me a metter em casa, eu respondia que não ia lá.
Eis-aqui a rasão por que o concurso ficou deserto, e ha de continuar a ficar amanhã depois, emfim, todas as vezes que seja aberto.
Dizia a illustre commissão: «Demais, por motivo das disposições ultimamente adoptadas tem diminuido, de modo sensivel, o numero de operarios ao serviço da direcção especial dos edificios publicos».
Eu não sei bem o que deva dizer n'este ponto, porque me custa muito contradictar uma affirmação de facto, sobretudo quando essa affirmação é feita por um collega meu que eu muito considero e respeito.
Sem lhe pedir venia especial não me atrevo a contestar a sua affirmação. Quiz s. exa. dizer n'essas palavras que tem diminuido a despeza? O que nós pretendemos saber é se a verba de 650 contos de réis votada para edificios publicos no orçamento ordinario chega paradas despezas a que o governo pelo systema que segue, se obriga. Não chega, e não chega porque é inteira e absolutamente inexacta a affirmação da illustre commissão do orçamento. Eu não quero que a illustre commissão venha sophismar á minha affirmação; e por isso vou já explicar que não quero dizer que em abril não houvesse menos operarios do que em março; tanto podia ter havido menos como mais; o que quero é significar que as medidas adoptadas pelo governo tiveram como consequencia não diminuição na despeza com edificios publicos, mas sim um augmento consideravel.
(Interrupção do sr. Villaça.)
Eu digo já a v. exa.
Os decretos do sr. ministro, das obras publicas relativamente a operarios e edificios publicos são de fevereiro e abril. Pois eu vou mostrar, uma nota de todas as despesas feitas com operarios no districto de Lisboa abrangendo a epocha de fevereiro e abril, e a data das disposições empregadas pelo governo e que a camara indicou, para dizer que o numero de operarios tem diminuido sensivelmente.
É sobretudo um grande incommodo para quem falla e sobretudo mal como eu, o ter de ler uma nota com algarismos. Sei que estes assumptos são fastidiosos, um todo nada massadores; mas v. exa. comprehende que, quando se faz uma affirmação d'esta natureza, ha obrigação de arrostar com a má vontade dos collegas e insistir pela leitura.
As despezas feitas com os operarios no districto de Lisboa, segundo uma nota mandada pelo ministerio das obras publicas para a camara dos dignos pares, é a seguinte:
Janeiro, 55:970$000 réis; fevereiro, 66:542$000 réis.
Aqui tem v. exa. Chegámos a fevereiro.
Dizia eu que o primeiro decreto é de fevereiro de 1897; a primeira medida, a que se referiu o sr. Villaça, medida de que resultou uma reducção sensivel no numero dos operarios é de fevereiro; pois eu leio na nota das despezas feitas com os operarios o seguinte: janeiro, 55:970$000 réis, fevereiro, 56:542$000 réis; março, 69:876$000 réis; abril, 62:090$000 réis; maio, 63:095$000 réis.
Em abril appareceu a segunda e decantada providencia do sr. ministro das obras publicas, pela qual havia de ser reduzida sensivelmente a despeza com edificios publicos, porque d'esta medida havia necessariamente de resultar uma redacção sensivel no numero de operarios. Pois em junho a despeza feita com operarios em Lisboa foi de 72:206$000 réis; em julho 62:102$000 réis; em agosto 94:612$000 réis, etc.
D'esta nota podia eu tirar duas especies de argumentos. Primeiro é que a verba de 650 contos de réis inscripta no orçamento da despeza como despeza ordinaria não chega
Página 1118
1118 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
para pagar aos operarios emquanto o governo se mantiver n'este regimen; (Apoiados.) e segundo é que é absolutamente inexacto que o actual governo tenha reduzido a despeza com operarios. (Apoiados.)
Senão veja v. exa.: o governo anterior demittiu-se em 7 de fevereiro de 1897. A despeza com operarios foi em janeiro de 55 contos, em fevereiro de 56 contos de réis. Mas vamos aos dois ultimos mezes a que está nota se refere, novembro e dezembro. Em novembro a despeza foi de 82 contos de réis, em dezembro 62 contos de réis. Aqui tem v. exa. o que resultou das providencias adoptadas pelo sr. ministro das obras publicas para diminuir de modo sensivel o numero do operarios, e como consequencia diminuir tambem a despeza com edificios publicos. Durante estes doze mezes a despeza total com operarios unicamente no districto de Lisboa foi de 791:300$000 réis. No orçamento de despeza inscreveu-se a verba de 650 contos de réis; gastaram-se 791 contos de réis, faltam ainda 141 contos de réis. Os 791 contos de réis gastos com operarios, a que se refere a nota que eu acabei de ler, dizem unicamente respeito aos operarios do districto de Lisboa. Só esses levaram a mais 141 contos de réis do que a verba de 600 contos de réis inscripta como despeza ordinaria no respectivo orçamento.
Mas, pergunto eu, fóra de Lisboa não ha edificios publicos? Fóra do districto de Lisboa não ha operarios a que, segundo a opinião do governo, se deve dar trabalho?
Será de estranhar que emquanto em Lisboa se gastam 791 contos de réis em edificios publicos, no resto do paiz se gastem 409 contos de réis?
Digo mais, a verba de 409 contos de réis, differença entre a que foi votada o anno passado e a que foi gasta no districto de Lisboa não chega para as despezas com edificios publicos no resto do paiz. N'este ponto não quero cansar a camara, e por isso me limito a dizer, que por ser assim a minha opinião, é que a verba de 650 contos de réis se deve manter como despeza extraordinaria, porque essa despeza faz-se, e desde que só faz não é legitimo nem serio que ella seja cortada ao orçamento de despeza. (Apoiados.}
Mas não ficâmos por aqui.
Vamos á divida publica. Como v. exa. vê, até aqui temos necessidade de augmentar o orçamento de despeza com 1:600 contos de réis, que taes são as despezas que necessariamente se hão de fazer e que o governo e a commissão do orçamento tiraram para fazer o saldo para a seu turno pegarem n'elle para pagar as verbas a que essas despezas se referem. Ha, portanto, a fazer uma correcção na despeza na importancia de 1:600 contos de réis. Mas isto não é o mais importante.
Na proposta do governo figura a verba de 5.244:032$420 réis para fazer face ás despezas da divida externa. Quando digo isto, é claro que não quero referir-me aos emprestimos da camara municipal de Lisboa, nem aos dos tabacos, porque os respectivos encargos são pagos pela verba de juros a cargo do thesouro.
O que é notavel é que a illustre commissão se não deu ao trabalho de o explicar ao parlamento! Na proposta do orçamento apresentada pelo governo vem inscripta, como disse, a verba de 5.244:032$000 réis para encargos da divida externa e discutiu-se aqui oito dias o orçamento da despeza em que vinha esta verba para fazer face ás despezas da divida externa, o que v. exa. póde verificar, vem hoje o orçamento da receita e com elle vem os respectivos mappas de receita e despeza; mas na despeza com a divida publica externa vem apenas a verba de réis 4.965:432$120 destinados á divida publica externai... Isto tem uma naturalissima explicação: é que entre os calculos feitos pelo governo e os calculos feitos pela commissão, quando se trata do orçamento da despeza, ha uma differença de 287:600$000 réis!
Sr. presidente, o illustre relator da commissão ou quem me der a honra de me responder, explicará este facto, que de certo ha de ter cabal explicação.
O que para mim isto significa, é que ha uma diminuição na participação do rendimento das alfandegas; mas n'esta alteração da verba destinada á partilha do rendimento das alfandegas é que a commissão do orçamento procede por um modo absolutamente arbitrario, não lendo rasão nem fundamento nenhum para diminuir 276:600$000 réis, como vou ter occasião de demonstrar á camara.
O orçamento é uma estroinice. (Apoiados.}
A lei de 1893 obriga a dar aos credores da divida externa metade do excesso do rendimento das alfandegas sobre 11.400 contos de réis, e o sr. ministro da fazenda, para se dar cumprimento a esta parte da lei, propoz o seguinte:
(Leu.}
Quer dizer, que o sr. ministro da fazenda propoz a verba de 696:500$000 réis representando metade do excesso do rendimento das alfandegas sobre os 11:400 contos de réis destinados aos credores da divida externa; mas como é que a commissão do orçamento diminue a verba destinada aos encargos da divida publica externa na importancia de 278:600$000 réu?
Sr. presidente, ou disse que a commissão do orçamento procedeu de um modo absoluto e arbitrario e vou ter occasião de o demonstrar.
A partilha deu em 1893-1894 aos credores externos 401 contos de réis; em 1894-1895, 564 contos de réis; em 1895-1896, 1:251. contos de réis; em 1896-1897, 228 contos do réis. É preciso saber quaes são as bases de que a commissão se serviu para chegar a fixar a verba de 317:900$000 réis, com destino á partilha com os credores externos.
O melhor meio para saber até onde póde ir essa partilha é compulsar os elementos estatisticos por onde conheçamos quaes foram os rendimentos aduaneiros em que os credores têem a referida partilha. Esses rendimentos foram, durante os nove mezes que acabaram em 31 de março, em 1893-1894, 9:211 contos de réis; em 1894-1895, 9:136 contos de réis; em 1895-1896, 10:552 contos de réis; em 1896-1897, 9:049 contos de réis.
Este anno havia já no dia 31 de março de receitas sobre que incide a partilha, 9:107 contos de réis; quer dizer que, segundo todas as probabilidades, as receitas de importação e exportação sobre o excesso relativamente aos 11:400 contos de réis em que os credores têem partilha, com excepção dos cereaes e tabaco, em 1897-1898, serão sensivelmente as de 1894-1895, e como em 1894-1895 os credores externos tiveram na partilha a verba de 564 contos de réis, é naturalissimo suppor que a parte que este anno lhes ha de pertencer será tambem de 564 contos de réis; mas como a commissão de orçamento apenas destinou para essa partilha 317 contos de réis, é claro que falta inscrever na despeza a verba de 247 contos de réis. Isto é o que se conclue da apreciação dos elementos estatisticos referentes ao rendimento aduaneiro que eu acabei de ler, e ainda pouquissimo mais, pouco menos o que se conclue do que o sr. ministro da fazenda suppõe ser rendimento da importação e exportação de varios generos e mercadorias.
Os direitos de exportação calculados no orçamento para 1897-1898 são na importancia de 339:700$000 réis; os de importação de varios generos e mercadorias, excluidos cereaes e tabacos, calculados pelo sr. ministro da fazenda no respectivo orçamento, são 12.415:500$000 réis. Quer dizer, as receitas a que se refere a lei de 20 de maio de 1893, se é exacto o calculo do sr. ministro da fazenda, serão 12.755:200$000 réis. Como, porém, a partilha a fazer é sobre o excesso de rendimento alem dos 11:400 contos de réis, vamos procurar a differença entre o rendimento provavel de varios generos e mercadorias e esse minimo dos 11:400 contos de réis, o que dá 1.355:200$000
Página 1119
SESSÃO N.º 61 DE 7 DE MAIO DE 1898 1119
réis. Como pela lei de 20 de maio de 1893 os credores têem apenas metade do excesso sobre 11:400 contos de réis, metade d'aquella quantia são, em numeros redondos, 677:600$000 réis. A commissão inscreveu apenas 317 contos de réis, como eu mostrei ha pouco.
Logo, tem de inscrever, sem duvida nenhuma, mais 360:6000$000 réis.
Ha, portanto, a fazer mais esta correcção no ornamento da despeza.
Vamos á verba de cambios. V. exa. vê que eu posso estar a fazer um discurso incommodo para a camara, mas o que não estou é a fazer um discurso faccioso, e, portanto, se v. exa. mo permitte, pedir-lhe-hei que se digne consultar a camara sobre se consente que, alem da hora, falle alguns minutos, porque, se não o consentir, eu terei de dar ordem differente ás minhas considerações, ainda que sem proveito, absolutamente nenhum, para ninguem.
(Pausa.}
Esta discussão é de uma grandissima importancia; e todas as vezes que alguem tem a paciencia de pegar em papel e tinta, e se resolve afazer calculos de orçamento, v. exa., que é muito lido n'estes assumptos, sabe bem que isso representa algumas horas de trabalho; e se assim procedi, fazendo um trabalho, que de certo não tem valor nenhum, devo dizer que o fiz com a maior sinceridade e boa fé, e que tinha muito desejo em continuar a expol-o á camara.
Vamos á verba de cambios. O sr. ministro da fazenda calculou o agio em 50 por cento, o que representa um cambio de 35 9/16. Eu dispenso-me de procurar argumentos rhetoricos para demonstrar que ha necessidade urgentissima de reformar a tabella. Pois o sr. ministro tem o cambio de 30, correspondente ao agio de 77, e quer calcular o agio ao cambio de 35 9/16! Não póde ser.
Á hora a que eu entrei n'esta casa o cambio estava a 30,8 sobre Londres, hontem estava a 30. O meu amigo o sr. Villaça, que respondeu ao nosso collega o sr. Mello e Sousa, dizia: precisámos de um saldo, do imposto addicional, do sêllo, porque ninguem nos diz que os cambios se não aggravarão.
Isto era hontem. Quando o cambio estava a 30, ainda s. exa. suppunha que os cambios se podiam aggravar; pois se os cambios podem ainda descer da divisa de 30, v. exa. comprehende que não podemos manter um calculo que tem a divisa de 35 9/16 e que toda a differença entre o agio de 50 por cento, que está no orçamento, e o de 77, relativa aos encargos da divida, publica, representa um enorme augmento de encargos.
O sr. Presidente: - V. exa. tem mais um quarto de hora; para concluir o seu discurso,
O Orador: - Muito obrigado. Eu sei bem quanto v. exa. é generoso para commigo.
Os cambios foram calculados pelo sr. ministro da fazenda e pela commissão da seguinte maneira:
(Leu.)
Se v. exa. fizer a operação e passar o agio do oiro de 60 para 77 por cento, v. exa. reconhecerá que os cambios, relativamente aos encargos da divida publica externa, com excepção dos emprestimos da camara municipal e dos tabacos, se elevam á verba de 2:332 contos, mas o governo e a commissão do orçamento calcularam réis 1.516:144$000; logo, tem de inscrever a mais 815:656$000 réis.
Isto não é um artificio de discussão, não tem por fim crear difficuldades a ninguem; é expor com toda a singeleza e em prosa chã factos sobre que não póde haver discussão.
O sr. ministro calculou o agio a 50, está a 77; e tudo faz crer que se aggravará. Os manejos de que o sr. ministro da fazenda se serviu para manter o cambio a 37 1/4 fizeram é seu tempo.
No capitulo de juros e amortisações a cargo do thesouro está inscripta a verba de 229:570$000 réis destinada ao agio do oiro para pagamento dos encargos do emprestimo da camara municipal de Lisboa; se v. exa. passar dê 35 9/16 para 30, a que hoje está, terá de fazer uma correcção, e correcção importante, porque, ao cambio de 30, corresponde o agio de 77 por cento.
Os emprestimos da camara municipal levam-nos reis 353:533$000, mas o sr. ministro da fazenda e a commissão calcularam apenas 229 contos; logo, tem de inscrever a mais 123:963$000 réis.
V. exa. sabe que ha dois emprestimos dos tabacos, o de 1891 e o de 1896. O emprestimo dos tabacos de 1891 tem o encargo effectivo em oiro do 2:575:279$000 réis, o de 1896 de 220:189$095 réis: encargos dos dois, 2:785 contos. O agio foi calculado a 35 9/10, isto é, em 50 por cento. Mas se v. exa. fizer o calculo a 30 ou 77 por cento de agio, essa importancia eleva-se a 2.144:600$000 réis.
Tendo o governo calculado 1.392:600$000 réis, e sendo a despeza real 2.144:600$000 réis, é evidente que se tem a inscrever a mais 752:000$000 réis.
O augmento total, na verba de cambios destinados a encargos da divida publica externa tem de augmentar os encargos do cambio destinados ao serviço de toda a divida, publica externa na importancia de 1.691:819$000 réis.
Estas são as correcções que ha a fazer na despesa. Mas temos tambem correcções importantes a fazer na receita. Abrindo o orçamento da receita encontra-se a verba de 24.749:380$000 réis, como representando o producto total dos impostos indirectos. No parecer da commissão do orçamento está calculada exactamente a mesma quantia. É curioso! Isto mostra a segurança, a precisão com que se fazem os calculos dos orçamentos. Isto mostra que apesar da intervenção do meu illustre collega e intelligentissimo amigo o sr. Villaça, o orçamento continúa a ser como até aqui, uma burla. (Apoiados.}
Pergunto eu - pois a illustre commissão do orçamento entendeu que na receita das alfandegas os credores externos terão este anno uma redacção de 228 contos de réis e todavia mantêem-se os mesmos rendimentos?
Não comprehendo. Não sei se consegui fazer-me entender.
Os impostos indirectos estão computados - em réis 24.7490380$000 na proposta do orçamento apresentada pelo sr. ministro da fazenda, e pela commissão está calculada a mesma quantia. N'estes impostos indirectos estão calculados os rendimentos de importação e exportação de varios generos e mercadorias.
O governo calculou a participação na receita das alfandegas em 500 e tantos contos de réis. A commissão entende que os direitos de importação e exportação de varios generos e mercadorias diminuiram por maneira que metade do excesso sobre os 11:400 contos de réis trarão para o credor externo um decrescimento de rendimento no valor de 228 contos de réis. Como se comprehende isto? Então conservam-se na proposta do governo e no parecer da commissão os mesmos direitos de importação e exportação de varios generos e mercadorias, devendo, por consequencia, presumir-se que tanto n'um como n'outro caso a verba para os credores externos é a mesma e todavia a commissão calcula em menos 228 contos de réis a parte que lhes pertence em cumprimento da lei de 20 de maio de 1893! .
Eu não insisto sobre este ponto; mas o que é certo é que na receita se póde fazer desde, logo uma correcção.
Para os credores terem uma participação de 228 contos de réis, isto corresponde ao decrescimento dos direitos de importação e exportação no dobro, visto que os credores têem como partilha metade do excesso de rendimento das alfandegas. (Apoiados.}
Pelo menos tem de se fazer já n'este ponto uma correcção de diminuição consideravel de receita avolumando o (Apoiados.)
Página 1120
1120 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Vamos a outro ponto importantissimo, para o qual chamo a attenção do governo e da commissão.
É para a verba que diz respeito aos direitos de importação de cereaes.
A commissão do orçamento fixou o producto da importação dos cereaes em 1:833 contos de réis.
Sr. presidente, se não fosse o muito respeito que tenho por isto que ainda se chama parlamento, eu diria que tanto o sr. ministro, como a commissão, estiveram a mangar comnosco. (Apoiados.)
Isto chega a parecer troça! (Apoiados.)
Pois então, quando o governo decreta a livre importação de cereaes, é que no orçamento vem a verba de 1:833 contos de réis de direitos de importação de cereaes!! (Apoiados.)
Isto é phantastico e unico! Isto não se dá senão n'este paiz, que já por muita parte é chamado um paiz de opereta, (Apoiados.)
O governo tendo permittido por decreto de abril ultimo a importação de 60.000:000 kilogrammas de trigo com o direito de 4 réis por kilogramma, imaginou que eram precisos estes 60.000:000 kilogrammas, e não eram; (Apoiados.) imaginem que se mantinha este direito de 7 réis. O que é que renderam n'este anno os cereaes? 420 contou de réis.
Como é que, rendendo n'este anno os cereaes 420 contos de réis, se póde calcular que para o anno immediato rendam 1:833 contos de réis? (Apoiados.)
Como é que se póde pensar que para o anno economico de 1898-1899 o producto do direito dos cereaes seja superior ao d'este anno? (Apoiados.)
É facto averiguado que havia de ser notavelmente inferior, se porventura n'esse anno fosse algum. (Apoiados.)
É certo que em farinha e cereal houve uma importação que determinou até 30 de março o pagamento de 301 contos de réis de imposto. Conheço bem este facto; mas o que é certo é que os 60.000:000 kilogrammas de trigo, que estão já a entrar, não pagam para o estado um unico real. (Apoiados.)
Como se poderá, pois, sustentar que o estado receberá d'este imposto, em 1898-1899, 1:833 contos de réis?
De mais a mais tudo faz prever que em 1898-1899, tomando o mesmo principio que o actual governo tomou, ha de haver uma necessidade de importação muito inferior; e eu não reconheço essa necessidade, porque já aqui disse que se eu tivesse o infortunio de me sentar n'aquellas cadeiras não permittia a importação de um unico grão de trigo; mas dizia eu que tudo fax prever que para o anno ha de haver uma necessidade de importação muito inferior, porque todas as informações são unanimes em affirmar que a colheita do trigo este anno é soberba. Isto por um lado e por outro lado qual foi rasão que mais poderosamente imperou no do governo para fazer desapparecer o direito de 7 réis por kilogramma? Foi o agio do oiro. Tem alguem no seu espirito uma sombra sequer de argugumento que o faça convencer de que é em 1898 que o cambio ha de melhorar?
Bem o desejavamos nós todos; mas infelizmente não acontecerá assim, nem saberemos aonde irá. Infelizmente para nós chegará a perder a cotação. Que rasão ha, pois, para manter a verba de 1:883 contos de réis?
Nenhuma, absolutamente nenhuma. Sou absolutamente contrario á importação de trigo. Mas supponhamos que falta trigo para dois, para tres mezes - supponhamos que se não dão as mesmas circumstancias que imperam este anno para que não haja direito de importação de trigo - s. exa. fica com a liberdade para permittir a importação de 60.000:000 kilogrammas com 10 réis do imposto por kilogramma, desde que no orçamento se fixa a verba de 600 contos de réis. Quer o imposto superior a 10 réis?
Ninguem o poderá dizer. Póde alguem suppor que o paiz poderá comprar mais 60.000:000 kilogrammas?
Poderá alguem acreditar que dadas as circunstancias em que se encontram as searas, nós necessitaremos de 60.000:000 kilogrammas de trigo?
Então desgraçados de nós, perdidos todos por completo, se as circumstancias fossem por maneira a termos de aproveitar mais 60.000:000 kilogrammas.
Pois eu deixo-lhe verba para 60.000:000 kilogrammas a 10 réis, e desde que deixo esta verba é preciso eliminar da receita a verba de 1:233 contos de réis, differença entre 1:833 contos de réis que estão descriptos e a de 600 contos de réis.
O sr. Presidente: - V. exa. terminou o quarto de hora.
O Orador: - Não quero abusar da paciencia da camara e estou muito cansado. Eu cedi a v. exa. ha pouco, que consultasse a camara se permittia que eu fatiasse mais alguns minutos. V. exa. não quiz fazer-me esse favor. Eu tenho concluido.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado.)
O sr. Lourenço Cayolla: - Levanto-me para responder ao illustre deputado regenerador o sr. Teixeira de Sousa. S. exa. tem conquistado, principalmente nos ultimos tempos, os fóros de um orador distincto, de um parlamentar valioso, que se póde deixar dominar por vezes, e agora mesmo incorreu n'esse defeito, pela suggestão de uma exagerada paixão partidaria, mas que mantem sempre nas suas palavras o respeito devido aos seus adversarios, o respeito devido ao parlamento, o respeito devido á propria consciencia. (Apoiados.)
N'esta epocha de abstenções passivas, em que tantos dos mais energicos luctadores se furtam ao combate, não duvido affirmar a minha sympathia pela attitude tomada por s. exa., conservando-se firme no seu posto, na defeza das crenças politicas, que constituem o seu credo, evidenciando, nos debates mais difficeis, verdadeiras qualidades de valor, de energia e de competencia. (Apoiados.)
O discurso que acaba de proferir constituiu uma nova confirmação d'esses dotes, e a camara comprehenderá por isso mesmo o receio com que eu, recruta bisonho nas lides das palavras, me defronto com um orador já tão experimentado como s. exa.!
Sr. presidente, a opposição parlamentar aproveitou a discussão do orçamento das receitas, como antes d'ella aproveitára a discussão do orçamento da despega, para provocar um debate, com todos os caracteres de um debate politico.
A maioria não tem licença de tomar uma deliberação, de exprimir um voto, de dizer sequer uma palavra, que os seus adversarios não a considere logo n'um caminho errado e merecendo ser combatida a todo o transe!... (Apoiados.)
Quando s. exas. viram que a maioria parlamentar adoptava o preceito de discutir primeiro o orçamento das despezas e depois o da receita, insurgiram-se immediatamente contra esta deliberação!
Agora, suppondo que este lado da camara hesita e muda nas suas anteriores resoluções, começam já a condemnar o que antes preconisavam. (Apoiados.)
E não é só com as deliberações que se tomam, ou se esboçam, é tambem com as simples palavras que se pronunciam.
Hontem o meu querido amigo e distinctissimo orador, o sr. Eduardo Villaça, referiu-se ás opiniões de Luzatti, um financeiro de auctoridade incontestavel, admirado era toda a Europa; pois tanto bastou para que o sr. Teixeira de Sousa considerasse esse notavel publicista como um romantico, e apreciasse as suas theorias por uma fórma tão cruel como ironica. (Apoiados.) Taes theorias não são, porém, perfilhadas apenas pelo financeiro italiano.
Constituem tambem a opinião de um economista de reputação consagrada, do sr. White, que durante tantos annos tem sido ministro das finanças da Russia. (Apoiados.)
Página 1121
SESSÃO N.º 61 DE 7 DE MAIO DE 1898 1121
No proposito accintoso de redicularisar as opiniões da maioria, o sr. Teixeira de Sousa foi até ao ponto de, ao atacar as theorias de Luzatti, descrever com côres exageradas a situação das finanças da Italia, da nação a que nos prendem tantos laços de confraternidade e amor, e que, apesar de ter atravessado dias bem amargos, privações bem difficeis, tem na sua frente um futuro ridentissimo! (Apoiados.)
Sr. presidente, nas considerações que vou fazer procurarei demonstrar que as criticas feitas pela opposição ao orçamento da receita se inspiraram todas ellas n'um accentuado sentimento politico. (Apoiados.}
Quando o sr. Teixeira de Sousa aqui apreciou o orçamento das despezas, disse que essa discussão deveria ser um campo neutro para todos os partidos. Assim o entendo tambem, e estou convencido que nas minhas considerações (permitta-me v. exa. a immodestia, se póde haver immodestia n'estas minhas palavras) hei de demonstrar, melhor do que s. exa. o fez, a sinceridade d'essa convicção. (Apoiados.)
Eu considero á discussão do orçamenta uma das mais importantes que se podem tratar aqui, e foi por isso que me magoou sinceramente ouvir, a um orador de tantas responsabilidades como é o sr. Mello e Sousa, dizer que a reputava uma discussão para rir!...
Em toda a parte a prerogativa, que têem os parlamentos de discutirem o orçamento do estado e de o tornarem valido só pelo seu voto, é considerada a mais nobre e elevada que elles possuem e a que, melhor do que nenhuma outra, justifica e garante a benefica influencia do regimen representativo no bom governo dos povos. (Apoiados.}
Em toda a parte a discussão do orçamento é das mais cuidadas e reflectidas, a que mais exige a attenção dos corpos legislativos. Essa discussão é como que o balanço da vida de um povo e n'ella se enxertam naturalmente todas as considerações sobre a organisação dos diversos serviços e, sem paixões partidarias, sem retaliações politicas, se congregam os esforços mais intelligentes para que o mechanismo do estado satisfaça pela maneira mais economica e completa ás necessidades da administração publica. (Apoiados.) Entre nós nem sempre ella tem tomado um caracter do elevado. Se conseguissemos tomar estavel o regimen da se calcularem rigorosamente as receitas, conforme está preceituado na lei da contabilidade publica, e que a despesa, a dotação necessaria, mas parcimoniosa fosse dos serviços do estado, e ao mesmo tempo tornassemos cada vez mais severas ás normas já estabelecidas pelo actual governo, para que a acção do tribunal de contas seja prompta e efficaz, teriamos dado um passo decisivo para o resurgimento das nossas finanças. (Apoiados.)
Para se provar a inutilidade d'esta discussão repetiu-se o que na apreciação do orçamento da despeza já affirmára um dos mais eloquentes oradores da minoria, e disse-se, com verdadeira surpreza da minha parte, que os resultados apurados no decorrer do anno economico não se harmonisarão ceitil a ceitil com os calculos á que chegaremos no fim d'este debate. Effectivamente, desde que o orçamento geral do estado é baseado em parte sobre verbas de previsão, só por um phenomeno muito excepcional é que as suas conclusões poderão condizer matematicamente com o calculo que lhe serve de base. (Apoiados.)
Mas no orçamento de receita que estamos discutindo ao nobre ministro da fazenda e á respectiva commissão cumpria apenas avaliarem as verbas da receita em harmonia com o preceituado na lei de contabilidade publica.
Digam os illustres deputados da minoria, se o podem fazer, quaes os preceitos d'essa lei que foram infringidos. É esse o seu direito, é esse o seu dever, mas nunca o de deprimirem uma discussão que, entre os povos mais ciosos das prerogativas parlamentares, é considerada como a melhor e a mais solida garantia da regularidade da administração publica.
O sr. Mello e Sousa ainda quiz tentar esse caminho, mas; ou elle era muito escabroso, ou os resultados obtidos não foram muito lisonjeiros, e tanto que o sr. Teixeira de Sousa fugiu, completamente d'essa esteira e não apreciou sequer uma unica verba da receita, provando que ella estivesse calculada com infracção da lei de contabilidade publica. (Apoiados.)
O sr. Teixeira de Sousa: - É que não cheguei lá.
O Orador: - Tenho com isso verdadeira pena, porque era por ahi que deveria ter começado. (Apoiados.)
Mas se a critica de que a discussão do orçamento é inutil podia ter cabimento em qualquer dos annos anteriores com o fundamento, - e a verdade deve dizer-se toda, da a quem doer, - de que repetidas vezes o orçamento tem saldo da camara mais aggravado do que a respectiva proposta ministerial, agora essa critica é inteiramente descabida, visto que a discussão parlamentar d'este documento já trouxe um importante beneficio para os interesses publicos. (Apoiados.)
As despezas apuradas no anno economico de 1896-1897, e eu cito este anno por ser precisamente o ultimo em que ellas estão completamente liquidadas, subiram a 57:516 contos de réis. O nobre ministro da fazenda ao apresentar o seu orçamento para o anno economico de 1898-1899, avalia as despezas em 52:655 contos de réis. Nota-se portanto, desde logo, pela comparação do orçamento para o futuro anno economico, com as contas apuradas no anno de 1896-1897, uma economia de 4:861 contos de réis.
A commissão do orçamento apreciou esse documento, e de accordo com governo, lealmente empenhado na possivel e equitativa reducção das despezas publicas, introduziu n'elle economias no valor de 327 contos de réis. Veiu á discussão da camara e os illustres deputados da minoria collaboraram com boa vontade n'essa discussão e apresentaram muitas e valiosas propostas para a reducção das despezas. Não foram ellas desattendidas. A prova é que, segundo se vê no mappa definitivo das despezas, que acompanha o projecto que estamos discutindo, a commissão fez novas reducções na importancia de 755 contos de réis.
Portanto, desde que o sr. ministro da fazenda apresentou o seu orçamento á camara, apuraram-se ainda economias no valor total de 1:082 contos de réis, que juntos aos 4:861 contos de réis de reducções nas despezas pelo projecto ministerial, faz com que as despezas publicas sejam avaliadas em menos 5:943 contos de réis, do que a verba que ellas attingiram no anno economico de 1896-1897. (Apoiados.) Este resultado, que é importantissimo, deriva da maneira por que tem corrido a administração do estado, desde, que se constituiu o actual gabinete. (Apoiados.) A verdade é que, desde fevereiro do anno passado, as despezas publicas diminuiram de uma maneira consideravel.
Os illustres deputados da minoria têem accusado mais de uma vez os actuaes ministros de haverem commettido esbanjamentos. Mas quando d'este lado da camara lhes dirigimos um verdadeiro repto, lhes exigimos que nos dêem a prova ou a rasão de ser das suas revoltas, e os intimamos a que digam onde e em que recairam esses esbanjamentos, elles apenas, como prova decisiva e unica, como synthese de um libello esmagador, citam o acrescimo de despeza proveniente da restauração de alguns concelhos, violentamente supprimidos pelo ministerio regenerador, acrescimo de despeza determinado pelo comprimento de um elevado principio de administração e que não chega a attingir a importancia de 10 contos de réis. (Apoiados.) Isto prova, mais do que o podiam fazer as minhas palavras, que a administração publica nos ultimos tempos se orientou por processos normaes, desprezados durante quatro longos annos. (Apoiados.)
Attestam-n'o os factos. Attesta-o a demonstração aqui feita pelo nobre ministro da fazenda no seu monumental
Página 1122
1122 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
discurso sobre a conversão. Vê-se ali bem o valor das economias realisadas.
Desejo repetir agora essa demonstração porque é com numeros que melhor poderemos responder aos que todos os dias apresentam a nossa administração como perdularia e allucinada, parecendo que só visam a espalhar o descredito e o panico. (Apoiados.)
O nobre ministro da fazenda mostrou que a despeza effectiva, nos primeirosc cinco mezes da actual administração, foi de 25:262 contos de réis.
Fazendo n'esta verba a correcção derivada das despesas anteriores, já feitas mas ainda não pagas, e outras já pagas, mas ainda não escripturadas, ellas reduzem-se a 22:376 contos de réis, o que estabelece uma media mensal de 4:475 contos de réis.
Nos sete mezes que completaram com estes o anno economico, mezes que são da responsabilidade do governo anterior, as desposas devidamente corrigidas, como as anteriores, foram de 82:681 contos de réis, o que dá uma media mensal de 4:668 contos de réis, ou mais 193 contos de réis do que a media a que ha pouco alludi, o que representa nos cinco mezes da actual administração uma economia de 765 contos de réis.
O orçamento, que estamos apreciando, é uma nova confirmação d'este calculo, porque a verdade, como já tive occasião de o dizer, é que, tendo sido as despezas publicas em 1896-1897 no valor de 57:516 contos de réis, o orçamento de despeza, que faz parte do orçamento geral para 1898-1899, depois de approvadas as emendas propostas, fixa a despeza para esse anno economico em réis 52:328 contos, determinando assim uma diminuição de encargos na importancia de 5:188 contos de réis. (Apoiados.)
Eu bem sei que não catão aqui comprehendidas, e isso tem sido um dos principaes pontos de ataque dos oradores de minoria, despezas importantes, que montam a 1:600 contos de réis.
Os illustres deputados, a que me refiro, não têem, porém uma opinião assente a respeito d'estas despezas. O sr. Teixeira de Sousa fez uma analyse circumstanciada, verba por verba, das quantias que a constituem, querendo provar que eram todas necessarias; eu sustento uma opinião opposta. Entendo que são convenientes, que devem ser dotadas quando o thesouro tenha recursos para isso, mas que são adiaveis, e portanto que o nobre ministro da fazenda procedeu muito bem apresentando um orçamento equilibrado sem inclusão d'essas despezas, visto que não são absolutamente indispensaveis, e esperando que o parlamento lhe crie recursos, para opportunamente os poder attender, na proporção d'esses recursos. (Apoiados.}
A que se referem essas despezas?
Em primeiro logar, ao material para a laboração das officinas do arsenal do marinha, 100 contos de réis, e á continuação dos trabalhos das officinas do mesmo arsenal, 60 contos de réis. Ninguem nega, nem discute, a utilidade do nosso arsenal se desenvolver. (Apoiados.}
N'uma nação colonial como a nossa essas despezas têem uma applicação pratica, muito proveitosa, são uteis e productivas, mas não são inteiramente inadiaveis. (Apoiados.}
As despezas de limitação de fronteiras podem adiar-se?
Podem, o tanto assim que v. exas. estiveram quatro annos no poder o ficaram absolutamente no mysterio os trabalhos feitos n'esse periodo para a delimitação das fronteiras ultramarinas. (Apoiados.}
As despezas para a construcção e grandes reparações das estradas são de uma exigencia absoluta? Não são, e a prova é que o sr. João Franco, quando ministro das obras publicas, mandou cessar essas construcções e reparações, dando uma ordem geral, sem attender a excepções que circumstancias especiaes deviam admittir, o usando da maior violencia, de firma que as obras já iniciadas se paralysaram tambem, do que resultou que uma medida que podia ser benefica e devia ser transitoria, se tornou immensamente prejudicial. (Apoiados.} Portanto, dos famosos 1:600 contos de réis, restam acenas os 700 contos de réis para despezas geraes das provincias ultramarinas.
Evidentemente, cingindo-nos ao que se apurou nos annos anteriores e mesmo no corrente, essa, despeza é a unica das que tenho mencionado, que, a meu ver, não póde deixar de ser votada, mas o que não póde é estabelecer-se desde já o seu quantum. (Apoiados.) O sr. ministro da marinha, com uma boa vontade e uma dedicação nunca sufficientemente encarecida, tem feito uma administração austerissima e está tratando de reorganisar os orçamentos das provincias ultramarinas. Emquanto esse serviço não estiver feito não se póde calcular qual será a despeza que o estado terá de saldar. (Apoiados.}
E n'este mesmo momento me occorre um argumento para justificar a these. Se estas despezas são necessarias, se são indispensaveis, então justificam-se as propostas apresentadas pelo governo para o augmento de recursos financeiros.
O governo apresentou um orçamento com um saldo pequeno, não contando com essas despezas; é necessario dotal-as; mas como se hão-de dotar?
Recorrendo a deficits orçamentaes de modo nenhum; com as receitas normaes do estado tambem não se póde fazer. (Apoiados.}
O que se deduz das considerações do illustre deputado o sr. Teixeira de Sousa é que a vida normal do estado não póde continuar com os meios de que elle actualmente dispõe e que portanto é necessario proporcionar-lhe recursos novos. (Apoiados.}
Sr. presidente, se tenho falado com a maior serenidade n'uma discussão tão importante como esta, e porque tenho a convicção de que estou, discutindo um assumpto serio, que deve ser a base, o fundamento da nossa regeneração, a prova decisiva de honestidade do nosso modo de proceder. Nós precisamos demonstrar fronteiras a dentro e talvez ainda mais fronteiras a fóra que estamos resolvidas a equilibrar as receitas com as despezas, que forcejâmos mesmo por chegar a um saldo positivo, que sirva de desafogo para qualquer eventualidade futura, para qualquer agravamento nesperado na situação do situação. Procurando readquirir o credito perdido e os fóros do nação que sabe honrar os seus compromissos, fóros que tantos annos merecemos, a primeira necessidade é mostrarmos que sabemos cercear as despezas publicas e crear recursos financeiros, de modo a sairmos do velho systema de apurarmos com successivos deficit os successivos annos economicos. (Apoiados.} A desconfiança dos mercados externos manter-se-ha alerta emquanto não provarmos de um modo decisivo que medimos em toda a grandeza a crise a que chegámos. (Apoiados.}
O governo tem envidado todos os esforços para conseguir esse desideratum, e fazer vingar o pensamento de realisar o equilibrio das finanças portuguezas, procedendo por fórma a transformar, os que lá fóra mais se têem accentuado na lucta contra o nosso credito, em cooperadores do nosso restabelecimento financeiro. Era um problema difficil, em cuja solução o governo sabia antecipadamente que havia de encontrar a lucta das paixões e que havia de provocar a guerra dos interesses a perturbal-o no desempenho da sua altissima missão. (Apoiados.} Mas dedicou-se a ella e para isso partia da convicção de que o primeiro passo que lhe cumpria dar era apresentar um orçamento equilibrado, sem mystificações, tão verdadeiro como um documento d'esta ordem póde ser.
Illiminou as despezas illegaes ou inuteis, fez todas as economias possiveis, simplificou varios serviços e evitando novas nomeações e interessando-se só pelo bem do paiz tem ido diminuindo consideravelmente esse enorme exercito de addidos, que tanto se avolumára durante a situação transacta.
Página 1123
SESSÃO N.º 61 DE 7 DE MAIO DE 1898 1123
(Apoiados.) E ao apresentar o orçamento á camara declarou com absoluta sinceridade que o sujeitava á apreciação liberrima do parlamento, que estava disposto a acceitar a collaboração de todos, amigos e adversarios, e a concordar com mais redacções desde que ellas não vissem perturbar a boa organisação dos serviços. (Apoiadas.)
Não era uma promessa desleal, não era uma promessa vã, e a prova que ella era filha do sincero desejo de bem servir o paiz, deduz-se da boa vontade com que concordou nas economias, superiores a 1:000 contos do réis, que a commissão do orçamento introduziu nas despezas publicas.
Com o seu consentimento foram as despezas assim fixadas de maneira, que os serviços do estado poderão funcionar sem luxo, sem desperdicios, mas tambem sem desorganisação. (Apoiados.)
Quer isto, porém, dizer que para o anno, d'aqui a dois ou tres annos, novas economias não se poderão fazer?
O nobre relator ainda hontem affirmou, com a autoridade que lhe vem do seu caracter, da sua intelligencia e dos conhecimentos especiaes que tem do assumpto, que effectivamente, no momento actual, reputa inconveniente fazer novas reducções; mas que, com o decorrer do tempo, desde que a obra do governo continue no mesmo pé e portanto se consolide, desde que o numero de addidos diminua e outros serviços se possam simplificar, nos annos futuros, a reducção das despezas publicas só deve ir accentuando cada vez mais (Apoiados.)
Em relação ás receitas, foram ellas calculadas segundo o que está determinado na lei de contabilidade publica. E, a proprosito, intercalarei aqui uma consideração, que não posso deixar de fazer.
O illustre deputado que me precedeu censurava ainda ha pouco, e foi até esta uma das bases principaes do seu ataque ao projecto era discussão, o facto de se ter diminuido a partilha para os credores externos e não se calcular essa diminuição direitos alfandegarios.
O illustre deputado labora, porém, n'um estranho equivoco. A partilha é a do anno anterior ao que está correndo, o calculo para as receitas é o que se deve prever para o anno de 1898-1899. (Apoiados.)
O sr. Teixeira de Sousa: - Eu não quero que a camara fique sob a impressão de eu ter dito uma cousa d'essas, nem o illustre deputado quer dizer o que saiu dos seus labios. Pois no orçamento não se fixam os encargos da divida publica para o anno de 1898-1899? E os impostos que vem ali calculados não são os de 1898-1899? É a mesma cousa.
O Orador: - Perdôe-me v. exa., mas o seu equivoco persiste.
A lei de contabilidade publica diz que os calculos dos impostos se regulem, não pelos do ultimo anno, mas pela media do triennio anterior.
No caso a que me refiro a verba das receitas da alfanfandega para 1898-1899 deve ser a media dos tres annos de 1894-1895, 1895-1896 e 1896-1897, visto que a de 1897-1898 ainda não está apurada. Portanto, é claro que n'este calcula não póde influir a reducção dos rendimentos occorridos no actual anno economico. (Apoiados.)
Isto é para responder ao illustre deputado e ao mesmo tempo para sustentar que as receitas foram calculadas segundo os preceitos expressos da lei. (Apoiados.)
Essas receitas têem felizmente accentuado uma progressão crescente, e tanto a têem accentuado, que, não obstante a verba proveniente da importação de cereaes não ter podido arrecadar-se este anno, não só porque a colheita do anno passado foi das melhores, mas ainda porque rasões de ordem economica, de todos conhecidas, tornaram impossivel essa receita para as quantidades a importar, no mez de março a receita das alfandegas foi de tal ordem, que excederam as receitas arrecadadas em igual periodo do anno findo, incluindo os importantes recursos então obtidos com a importação do trigo, e no mez de fevereiro, não contando a verba d'esta natureza, tambem os direitos alfandegarios foram muito superiores no actual anno economico ao que haviam sido no anno anterior. (Apoiados.)
N'este ponto devo acrescentar que o decreto ultimamente publicado, dispensando a entrada dos trigos de direitos de importação, se refere unicamente ao anno corrente e não ao futuro; não ha, portanto, motivo para deixar de se contar com a receita d'essa natureza para o orçamento de 1898-1899; (Apoiados.)
Sr. presidente, parece-me que está a dar a hora e como ainda tenho algumas considerações a fazer em resposta a alguns pontos do discurso do illustre deputado sr. Teixeira de Sousa, eu peço a v. exa. que me permitta ficar com a palavra reservada.
Vozes: - Muito bem.
(O orador fui muito cumprimentado.)
O sr. Presidente: - Esta noite haverá sessão
A ordem da noite é a continuação da que estava dada, tratando-se unicamente da discussão do projecto n.° 54.
Está fechada a sessão.
Eram seis horas da tarde.
Representação apresentada n'esta sessão
Da associação commercial de lojistas de Lisboa, pedindo modificação nas propostas de fazenda apresentadas pelo actual governo.
Apresentada pelo sr. Catanho de Meneses e enviada á commissão de fazenda.
O redactor = Lopes Vieira.
Página 1124
Página 1125
J
EM 7 DE MAIO DE 1898 (NOITE)
Presidencia do exmo. sr. Manuel Afonso de Espregueira
Secretários - os exmos. srs.
Frederico Alexandrino Garcia Ramires
Carlos Augusto Ferreira
Fez-se a chamada.
O sr. Presidente: - Estão presentes apenas 35 srs. deputados. Não póde, portanto, haver sessão.
Na proxima segunda feira, 9 do corrente, haverá sessão nocturna, fazendo se a chamada ás oito e meia horas, e sendo a ordem da noite, na primeira parte, a discuto do parecer que vão hoje ser distribuido, nobre as emendas ao orçamento da despedi, e na segunda parte a continuação da que estava dada para hoje.
Relação nominal dos srs. deputados que faltaram á chamada
Adolpho Alves do Oliveira Guimarães, Adriano Anthero de Soasa Pinto, Albano do Mello Ribeiro Pinto, Alfredo Cesar do Oliveira, Alvaro do Castellões, Anselmo de Andrade, Antonio Carneiro do Oliveira Pacheco, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti Antonio Maximo Lopes do Carvalho, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Antonio Simões dos Reis, Arnaldo Novaes Guedes Rebello, Arthur Alberto de Campos Henriques, Bernardo Homem Machado, Carlos José de Oliveira, Conde de Burnay, Conde de Idanha a Mova, Conde de Paço Vieira, Condo da Serra de Touroga, Conde de Silves, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Furtado do Mello, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Possanha Vilhegas do Casal, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcelos, Guilherme Augusto Pereira do Carvalho de Abreu, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jacinto Candido da Silva, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, Jeronymo Barbosa Pereira Cabral Abreu o Lima, João Abel da Silva Fonseca, João Antonio de Sepulveda, João Baptista Ribeiro Coelho, João Catanho de Menezes, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Joaquim Izidro dos Reis, João Lobo do Santiago Gouveia, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Ornellas de Matos, Joaquim Paes de Abranches, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Adolpho de Mello e Sousa, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Benedicto de Almeida Pessanha, José Bento Ferreira de Almeida, José Capello Franco Franco, José Dias Ferreira, José Eduardo Simões Baião, José Estevão de Moraes Sarmento, José da Fonseca Abreu Castello Branco, José Gil de Borja Macedo e Menezes (D.), José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Joaquim da Silva Amado, José Luiz Ferreira Freire, José Malheiro Reymão, José Maria do Alpoim do Cerqueira Borges Cabral, José Maria Barbosa de Magalhães, José Maria de Oliveira Matos, José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nunes, Leopoldo José de Oliveira Mourão, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, Luiz Osorio da Cunha Pereira do Castro, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Telles de Vasconcellos, Marianno Cyrillo de Carvalho, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Sertorio do Monte Pereira, Visconde de Melicio, Visconde da Ribeira Brava.
O redactor = Barbosa Colen.