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6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O partido progressista não perturbou o Governo, durante as suas negociações; não lhe dirigiu uma pergunta que pudesse parecer, de longe, sequer, uma indiscreção; não quis imitar os tristes procedentes do Sr. Presidente do Conselho e do Sr. Ministro da Marinha, quando, um na Camara dos Pares, e outro na Camara dos Deputados, assaltavam, dia a dia, o Governo d'esse partido, com pedidos de explicações, que não podiam ser dadas sem prejudicar a causa publica, e com declarações importantes e temerarias, a que estão agora acorrentados, como a um pelourinho, os actuaes Ministros.

Mas, por isso mesmo, que o partido progressista foi prudente e cauteloso, tem agora o dever de ser severo para quem a tudo antepõe o estreito sentimento do facciosismo.

No mesmo logar que elle, orador, occupa, na Camara dos Pares, o Sr. Presidente do Conselho, num dos mais bellos discursos da sua brilhante carreira parlamentar, atacando, violentamente, a lei do 1898, disse, num formoso exordio, que vinha alquebrado na sua fé, mas não na sua caridade e nas suas crenças, porque, apesar de tudo, acreditava que a nacionalidade portuguesa não podia sossobrar.

Pois elle, orador, falará, tambem sem fé, porque não confia no valor e auctoridade da sua palavra, demasiado humilde, para poder ser escutada e apreciada; falará, sem esperança, porque não conta obter, do lado da maioria, um acto de energia para castigar o Governo; mas falará, tambem, sem caridade, embora d'ella precise o Governo, porque tem obrigação de ser severo para com os Ministros, que vê indifferentes ás reclamações da opinião publica, o que se vangloriam de impenitentes nos erros e inconsequencias com que prejudicaram os interesses publicos e arrastaram a dignidade da nação, que tinham obrigação de zelar o defender.

A lei de 26 de junho de 1898, a que elle, orador, tem o seu nome ligado, auctorisava o Governo a negociar um acordo com os portadores da divida externa, quanto ao capital, juro e amortização d'essa divida, consignando ao pagamento d'ella certos rendimentos aduaneiros, sob a condição, porem, de que os encargos do novo acordo nunca poderiam exceder aquillo que estava estabelecido na lei de 1892.

Pois apesar d'isso, o Sr. Hintze Ribeiro, num discurso inflammado do mais santo patriotismo, perguntava: Poderemos nós porventura, digna e honradamente, affirmar aos nossos credores que, em qualquer circunstancia, em qual quer vicissitude da nossa futura vida economica poderemos garantir a importancia de 1/3, estabelecido no artigo 3.º da lei de 1898?

Elle, orador, voltando-se agora para a maioria, dirige-lho igual pergunta e ainda com mais sobeja razão, porque alem de mais 50 por cento, consignam-se no novo convenio não apenas os rendimentos das alfandegas, mas todas as receitas do Estado. E o Sr. Presidente do Conselho tem obrigação de responder precisamente a esta pergunta para completa intelligencia da Camara e do país, para que se saiba como é que o Thesouro pode hoje com encargos de mais 50 por cento do que em 1898, e porque é que deixou de ser um perigo para a nossa autonomia a consignação de rendimentos.

Lê depois o orador trechos de um discurso do Sr. Teixeira de Sousa acêrca do projecto de 1898 e pede á Camara, especialmente aos seus collegas, conhecedores de genealogia e heraldica, lhe digam se o actual Ministro da Marinha será parente proximo ou remoto d'esse Deputado violento e irritante, homem de rija tempera, transmontano de antes quebrar que torcer, que dizia cousas tão terriveis da lei de 1898 e que segundo crê está reduzido ao estado do cadaver.

No dizer d'aquelle fallecido Deputado, a consignação de rendimentos era humilhante, e, todavia, ella existe no projecto que se discute.

Levava ata ao ultimo ultimo o dinheiro do Thesouro; e, no entanto, ainda puderam gastar-se centenas de contos com a transformação do couraçado Vasco da Gama!

Se sobejar algum, lembra elle, orador, que se applique á collocação sobre o tumulo de tão sincero e cohorente Deputado, de um epitaphio, enaltecendo a coherencia dos seus principios e a sinceridade das suas affirmações.

Faz ainda o orador outras leituras, e explica que, se se demora nellas, é para estabelecer o confronto entre o patriotismo de hontem e a inconsequencia de hoje.

Se a consignação era humilhante e ruinosa para o país, se abria as portas ao estrangeiro, se era uma odiosa gargalheira para a nação, se era attentatoria da nossa integridade e da soberania nacional, como S. Exa. chegaram a affirmar, em mais altas regiões, como pode explicar se a estulta ousadia, a extraordinaria inconsequencia de vir apresentar ao Parlamento, uma proposta em que apparece essa consignação?

Como é que S. Exa. teem auctoridade moral para pedir a approvação de um principio quo elles proprios desacreditaram e malsinaram em toda a parte?

É admirara-se de que a opinião publica se insurja contra os seus desmandos e imaginam amordaçar essa opinião, pondo de prevenção as tropas nos quarteis e apprehendendo jornaes que não fazem mais de que condemnar os condemnaveis erros do Governo?!

Mas nem sequer o Governo pode dizer que encontrou negociações pendentes que o levaram a conceder a consignação de rendimentos, porque o Sr. Presidente do Conselho declarou que tinha rompido as negociações.

E rompeu-as, porque quis ser coherente com a opposição violenta que tinha feito á lei de 1898, e com as declarações imprudentes que fez ao assumir o poder.

Mas, apertado, agora, por uma pergunta do Sr. Beirão, respondeu que tinha rompido as negociações porque os credores não acceitavam a estampilhagem e queriam titulos novos!

Pois para fazer uma conversão como a que está gisada, melhor era, entende elle, orador, não fazer nada.

Um dos outros motivos que S. Exa. teve para romper as negociações foi o não gostar das escalas ascendentes.

Mas a proposta de l 1/2 por cento teve-a, ha muito tempo, o Sr. Espregueira, dos comités estrangeiros e não a acceitou, por inconveniente.

Tambem não concordava S. Exa. com a representação estrangeira na Junta; mas d'essa exigencia já os comités tinham desistido ao tempo em que o Sr. Espregueira desempenhava o cargo de Ministro da Fazenda.

Outro motivo, finalmente, era o emprestimo, mas esse não existia.

Logo, nenhum d'estes motivos foi o verdadeiro e se elle, orador, appellar para o seu bom senso, encontra o verdadeiro motivo na coherencia que o Sr. Presidente do Conselho quis manter, com a attitude do seu partido e com as declarações que tinha feito perante o Parlamento, ao entrar no Governo.

Seja, porem, como for, o que é certo é que rompeu as negociações. Mas então para que as reatou?

A resposta é tambem curiosa e original. Reatou-as, porque pôde trazê-las a bases convenientes!

Quer dizer, antes das negociações reatadas, já sabia que as bases do futuro convenio eram convenientes. Faz-lhe isto lembrar o futuro para traz do Sr. Ministro da Fazenda.

Mas, ou para deante ou para traz, reatou-as, e elle, orador, tem o direito de perguntar a S. Exa. o motivo por que as reatou e a Camara tem o dever de inquirir o que pode ter determinado esta mudança no modo de pensar do Sr. Presidente do Conselho.

Deve dizer que no espaço que vae da subida ao poder do actual Governo até á organização do tal plano de julho de 1901, deu se o acontecimento, doloroso para o país,