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N.º 61

SESSÃO DE 22 DE ABBIL DE 1902

Presidencia do Exmo. Sr. Matheus Teixeira de Azevedo

Secretarios - os Exmos. Srs.

José Joaquim Mendes Leal
José Maria de Oliveira Simões

SUMMARIO

Lê-se e approva-se a acta, seguindo-se o expediente. - Resolve a Camara permittir que o Sr Deputado Alberto Botelho vá depor, como testemunha, na 4.ª Vara de Lisboa. - Os Srs. Deputados Alberto Charula e José Beça pedem a palavra para negocio urgente. Nem a mesa, nem a Camara, reconhecem a urgencia. - Apresenta uma proposta de lei, por parte do Sr. Ministro das Obras Publicas, o Sr. Ministro da Marinha. - Manda para a mesa um parecer de commissão o Sr. Augusto Louza. - Apresenta uma representação da Associação Industrial do Porto o Sr. Petra Vianna, que desenvolvo e reforça ou fundamentos d'essa representação, em que se pede que uma linha de navegação ligue o norte do país com a Madeira e Açores.

Na ordem do dia continua em discussão o projecto de lei n.° 67 (conversão), usando em primeiro logar da palavra o Sr. Ministro da Fazenda, que responde detidamente ao discurso proferido na sessão anterior pelo Sr. Dias Ferreira. - Segue-se o Sr. Ressano Garcia, que largamente responde ao orador precedente e impugna o projecto, ficando ainda com a palavra reservada. - Por não estar presente, não deu o Sr. Fuschini as explicações para que havia pedido a palavra.

Primeira chamada. - Ás 10 horas e meia da manhã.

Presentes - 8 Srs. Deputados.

Segunda chamada - Ás 11 horas.

Abertura da sessão - Ás 11 horas e 25 minutos.

Presentes - 70 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Affonso Xavier Lopes Vieira, Agostinho Lucio e Silva, Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto de Castro Pereira do Almeida Navarro, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Cesar Brandão, Alvaro de Sousa Rego, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Belard da Fonseca, Antonio Centeno, Antonio José Boavida, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Sergio da Silva e Castro, Arthur da Costa Sonsa, Pinto Basto, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Belchior José Machado, Carlos Alberto Soares Cardoso, Carlos Malheiro Dias, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Castro e Solla, Domingos Eusebio da Fonseca, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Fernando Mattozo Santos, Francisco José Patricio, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Guilherme Augusto Santa Rita, Henrique Matheus dos Santos, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, Hypacio Frederico de Brion, João Alfredo de Faria, João Augusto Pereira, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Joaquim André de Freitas, João Marcellino Arrojo, João de Sousa Tavares, Joaquim Antonio de Sant'Anna, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, Joaquim Pereira Jardim, José Antonio Ferro de Madureira Beça, José Caetano Rebello, José Caetano de Sousa e Lacerda, José da Cunha Lima, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Joaquim Dias Gallas, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria de Oliveira Simões, José Mathias Nunes, José de Mattos Sobral Cid, José Nicolau Raposo Botelho, Julio Augusto Petra Vianna, Julio Ernesto de Lima Duque, Luiz Filippe de Castro (D.), Manuel Joaquim Fratel, Matheus Teixeira de Azevedo e Rodrigo Affonso Pequito.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alberto Botelho, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alipio Albano Camello, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio de Almeida Dias, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Antonio Tavares Festas, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Cesar da Rocha Louza, Augusto Fuschini, Augusto José da Cunha, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Carlos de Almeida Pessanha, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Paçô-Vieira, Conde de Penha Garcia, Eduardo Burnay, Filippe Leite de Barros e Moura, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico Ressano Garcia, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Monteiro Vieira de Castro, João Pinto Rodrigues dos Santos, José Adolpho de Mello e Sousa, José Coelho da Motta Prego, José Dias Ferreira, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Pereira de Lima, Julio Maria de Andrade e Sousa, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz Fisher Berquó Pôças Falcão, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz José Dias, Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Homem de Mello da Camara, Marianno José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Marquez de Reriz, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Ovidio do Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Paulo de Barros Pinto Osorio, Rodolpho Augusto de Sequeira, Visconde de Reguengo (Jorge) e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Amadeu Augusto Pinto da Silva, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Joaquim Ferreira Margarido, Antonio Roque da Silveira, Arthur Finto de Miranda Montenegro, Custodio Miguel de Borja, Frederico dos Santos Martins, Ignacio José Franco, Joaquim Faustino de Poças Leitão, José da Gama Lobo Lamare, Manuel Francisco de Vargas, Manuel do Sousa Avidos, Marianno Cyrillo de Carvalho e Visconde de Mangualde.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio da Justiça, pedindo a necessaria auctorisação da Camara dos Senhores Deputados para que possa depor como testemunha no dia 23 do corrente, pela uma hora da tarde, no Tribunal da 4.ª Vara de Lisboa, o Sr. Deputado Alberto Botelho.

Para a secretaria.

De D. Marianno Centazzi de Carvalho, agradecendo o voto de sentimento da Camara dos Senhores Deputados pelo fallecimento de seu marido o antigo Deputado Tito Augusto de Carvalho.

Para a secretaria.

O Sr. Presidente: - Consulto a Camara sobre se concede a permissão pedida no officio que acaba de ser lido, para que o Sr. Deputado Alberto Botelho possa ir, no dia 23, depor como testemunha no tribunal da 4.ª vara.

Foi concedida a permissão pedida.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Alberto Charula pediu a, palavra para um negocio urgente, mas a mesa não o considerou como tal.

O Sr. Alberto Charula: - Peço a V. Exa. a fineza do mandar ler a nota que mandei para a mesa e de consultar a Camara sobre se me deve ser concedida a palavra.

Leu-se. É a seguinte:

Nota de negocio urgente

Tendo lido no jornal Novidades, de hontem, um artigo em que se publica e accentua o boato de que ha todas as probabilidades da não approvação em Côrtes do projecto de lei destinado á confirmação do contrato para a construcções e exploração do caminho de ferro de Mirandella, a Bragança, em razão da falta de tempo, e sendo certo que para o encerramento d'aquellas faltam apenas algumas sessões, desejo interrogar e ouvir a opinião do Governo sobre o assumpto. = Alberto Charula.

Não foi considerada urgente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Beça pediu tambem a palavra para um negocio urgente, que a mesa igualmente não considerou como tal. Vae, por isso, ler-se a respectiva nota para a Camara resolver.

Leu-se. É a seguinte:

Nota de negocio urgente

Declaro que o negocio urgente para que pedi a palavra é para interrogar o Governo sobre a approvação do contrato para a construcção do caminho de ferro de Bragança. = José de Madureira Seca.

Não foi considerada urgente.

O Sr. Ministro da Fazenda e dos Negocios Estrangeiros (Mattozo Santos): - Mando para a mesa, por parte do Sr. Ministro das Obras Publicas, uma proposta de lei auctorizando o Governo a abrir no Ministerio da Fazenda, a favor do das Obras Publicas, um credito extraordinario do 10:000$000 réis para despesas de sanidade pecuaria.

Ás commissões de fazenda e de obras as publicas e mandada publicar no Diario do Governo.

Vae publicada no final da sessão.

O Sr. Augusto Louza. - Mando para a mesa o parecer das commissões de fazenda o de administração publica sobre o projecto do lei n.° 31-D, que tem por fim auctorizar o Governo a conceder á Camara Municipal de Aveiro o edificio e cerca do extincto convento de S. João Baptista, hoje denominado dos Carmelitas, na mesma cidade.

A imprimir.

O Sr. Petra Vianna: - Não é pelo prurido de falar que vem tomar alguns minutos á Camara, mas unicamente pela necessidade de dar cumprimento ao honroso encargo que pela Associação Industrial Portuense lhe foi commettido, por aliar á qualidade do seu socio consultivo a de representante dos Açores em Côrtes.

Como a Camara sabe, reside no Porto uma grande actividade de trabalho nacional. Por todo o norte do país se encontram disseminadas centenas de fabricas, cujos productos podem achar collocação nos nossos archipelagos da Madeira e Açores.

Os meios de communicação, é axiomatico, são o principal factor do fomento industrial, e nisso está a melhor justificação do pedido que muitos negociantes e industriaes do norte fazem para que um dos vapores da carreira bimensal entre Lisboa e os Açores vá receber carga ao porto de Leixões.

Se este pedido for attendido, a exportação muito se desenvolverá e os productos chegarão ao seu destino sem despesas desnecessarias de transportes, commissões, seguros, armazenagens, etc., que presentemente os sobrecarregam e de certo prejudicam a importação que nas ilhas se faz do muitos tecidos, de chapeus, de conservas e outros generos, principalmente do estrangeiro, por intermedio de navios que, com destino a outros portos, ali tocam.

Algumas das industrias a que acaba de referir-se, teem no norte importante desenvolvimento e grande perfeição; não podem por isso estar sujeitas a terem de mandar para Lisboa os seus productos ou a aproveitarem a carreira irregular e anormal dos vapores da casa Anderssen para a America do Norte, que costumam fazer escala por algumas das ilhas do archipelago açoriano.

O seu prezado amigo e collega, o Sr. Dr. José de Lacerda, mostrou brilhantemente, nesta casa do Parlamento, a necessidade de se olhar com muita attenção para os interesses dos Açores, que, concorrendo com quantia muito valiosa para a receita geral do Estado, se acham desprovidos de todos os melhoramentos materiaes.

Tratou esse illustre Deputado da ampliação de caes do Porto das Pipas em Angra, obra modesta no seu custo, mas muito valiosa por contribuir humanitariamente para o afastamento dos perigos que o movimento maritimo tem naquelle porto, e por ir desenvolver importantemente o commercio local.

Referiu-se S. Exa. tambem á elevação a lyceu central do estabelecimento de instrucção secundaria que ali existe e a outros melhoramentos na instrucção ministrada em Angra.

Elle, orador, aproveitando a opportunidade de estar no uso da palavra, chama a attenção do Sr. Presidente do Conselho para a necessidade da criação de um posto de desinfecção em Angra, melhoramento reclamado pela auctoridade administrativa e pela Camara Municipal.

Junta tambem a sua recommendação, perante o Sr. Ministro da Marinha, ás successivas e fundamentadas representações a respeito das escalas dos vapores que fazem a navegação entre Lisboa e as Ilhas da Madeira e dos Açores, a respeito dos preços excessivos das passagens, das elevadas tarifas dos fretes e da velocidade dos vapores,

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reclamações estas a que, está certo, o Sr. Ministro da Marinha, ha de attender, quando se realizar o novo contrato. Chama ainda a attenção do mesmo Sr. Ministro para a conveniencia de se melhorar a navegação entre a Ilha da Madeira e a do Porto Santo.

E, antes de concluir, já que não pôde tomar parte na discussão do projecto de lei sobre o regime de vinhos no ultramar, discussão em que entraram os mais brilhantes ornamentos de um e de outro lado da Camara, e na qual a collaboração da sua palavra desauctorizada seria modestissima, permitta-se-lhe que ouse lembrar ao Sr. Ministro da Marinha dois alvitres de ordem regulamentar.

A portaria de 21 de fevereiro de 1899 estabelece que a verificação da força alcoolica do vinho seja feita por meio de ebuliometros de Maligand ou Salleron, e elle, orador, pede que se ponha de parte e alambique de Salloron, porque sendo este apparelho aliás muito rigoroso, é no entanto pouco expedito, o que não succede com o ebulioscopio de Maligand, que, comquanto accuse uma variante de l ou 2 decimos de grau, isso é de nenhuma importancia para as analyses commerciaes, e a presteza da analyse torna-o mais recommendavel.

Convem observar que uma analyse feita pelo Salleron leva 20 minutos e com o Maligand apenas se despendem 5 minutos.

As morosidades e cuidados da operação analytica exigidas pelo Salleron são muito maiores do que as do Maligand, pois emquanto se pesa um vinho, pode-se fazer qualquer, outro serviço. Alem d'isso a Academia das Sciencias de Paris recommenda-o como o melhor para essas annalyses e ó o que está hoje adoptado em todas as estações officiaes francesas.

É ainda o Maligand o ebuliometro convencionado no tratado de commercio de Portugal com a Noruega.

O outro alvitre consiste, como estimulo ao commercio exportador de vinhos para as nossas colónias e como recompensa aos que se salientarem nessa exportação, na publicação de uma portaria de louvor a todo o exportador, negociante matriculado das praças de Lisboa, Porto e Figueira da Foz, que durante um anno provem, com documentos de embarque, haver exportado para a Africa Portuguesa 300 pipas de vinho, ou suas fracções, ou 3:000 caixas com vinho, sobre cujas genuidade e pureza não haja a menor contestação.

Ainda a proposito de regime no ultramar, não quer concluir sem chamar a attenção do Sr. Ministro da Marinha para a importação das aguas mineraes, pois não é admissivel que as aguas estrangeiras façam importante concorrencia ás nacionaes.

A importação, tanto de umas como de outras, é livre, mas sobre as nacionaes incide especialmente um imposto municipal, que, com as differenças e outros encargos, faz com que estas entrem no commercio por mais 15 reis, aproximadamente, em cada garrafa de um quarto de litro.

Consta-lhe que existe no Ministerio da Marinha e Ultramar, com parecer da Junta Consultiva do Ultramar, uma representação das empresas das aguas minoraes.

Voltando ao assumpto para que pedira a palavra, manda para a mesa a representação que lhe foi enviada pela Associação Industrial Portuense e pede ao Sr. Presidente se digne consultar a Camara sobre se permitte a sua publicação no Diario do Governo.

A Associação Industrial Portuense, cuja fundação se deve ao grande patriota Fradesso da Silveira, representa a aggremiação dos principaes industriaes do norte do país e tem contribuido poderosamente para o desenvolvimento do fomento industrial, e ainda no momento actual trabalha para a realização de uma exposição da industria nacional, solemnizando assim as suas bodas de ouro.

Termina, pedindo o valioso auxilio dos dois outros socios d'essa associação, os Srs. Mattozo Santos e Mello Sousa, junto do Sr. Ministro da Marinha, a fim de se conseguir a satisfação de tão justa aspiração.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. o restituir}.

Foi auctorizada a publicação.

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa, podem fazê-lo.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 87 que auctoriza o Governo a converter a actual divida publica externa

O Sr. Ministro da Fazenda (Mattozo Santos): - Não é presente o Sr. Dias Ferreira, a quem lhe cabe á honra de responder; mas como, no que vae dizer, se limitará á narração de factos a que, de Cresto, já hontem alludiu, e que hoje tem de repetir no que lhe for necessario para coordenar as suas ideias, não tem duvida em proseguir nas considerações iniciadas.

Disse hontem que, antes de apresentar as considerações que o discurso de S. Exa. lhe havia suggerido, precisava protestar contra a affirmação feita por S. Exa. de que no projecto em discussão figurava o controle, e disse mais que precisava examinar os factos anteriores, para poder apreciar até que ponto elles podem ter influido no projecto, hoje sujeito á discussão da Camara.

O illustre Deputado pintou a situação que encontrou, ao entrar para o Ministerio em 1892, e das phrases por S. Exa. então proferidas deduzia-se que um de dois caminhos havia a seguir-o da fallencia ou o da composição com os credores.

Vejamos qual d'elles S. Exa. seguiu e quaes as consequencias que derivaram do procedimento que adoptou.

Antes de proseguir, porem, quer declarar que vae simplesmente expor os factos, e não apreciá-los no que elles possam ter de bom ou de mau, porque o seu intento é simplesmente justificar a proposta em discussão, sem deixar de affirmar a sua convicção de que S. Exa. em tudo quanto fez, se inspirou apenas nas melhores intenções de bem servir o seu país.

Não duvida das intenções de ninguem, porque quer que tambem façam justiça ás suas. Pode-se ter errado, mas o desejo era, manifestamente, o de acertar.

Dito isto, e reatando as suas considerações, diz o orador que, das palavras do Sr. Dias Ferreira, deduz-se que só um de dois caminhos tinha S. Exa. a seguir-o da fallencia ou o da composição com os credores; e S. Exa. tentou o ultimo, mas optou pelo primeiro.

Na lei de 26 de fevereiro de 1892 havia duas disposições que convem relembrar, e que são as seguintes:

"Artigo 7.° Fica o Governo auctorizado a negociar com os portadores da divida publica externa um convenio de conversão pelo qual, garantindo-lhes o pagamento do juro em ouro e unificando os titulos num typo novo ou mantendo os typos actuaes, os mesmos portadores transformem até o maximo de metade do capital, ou acceitem o pagamento de até metade dos seus juros em cedulas do Thesouro, com ou sem juro, amortizaveis com ou sem premios, pela verba annual que para esse effeito for determinado e pelo modo que for estabelecido".

"Artigo 9.° Para assegurar aos credores tanto nacionaes como estrangeiros, o pagamento integral e regular dos juros e amortização, o Governo poderá consignar a esse fim, dos rendimentos nacionaes, aquelles que entender necessarios e preferiveis sem todavia alterar a forma ordinaria de percepção dos mesmos rendimentos, mas sim restaurando, pelo modo conveniente, o antigo regime da dotação da divida."

Pelo primeiro d'estes artigos concedia-se uma auctorização amplissima ao Governo para elle resolver, como en-

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tendesse, e no segundo está clara e nitidamente expressa a consignação do rendimentos.

Antes, porem, de publicada esta lei, e de se saber quaes eram as intenções do Governo, já, em 31 de janeiro de 1892, elle recebia uma nota do encarregado de negocios da Allemanha, sobre o assumpto.

Em consequencia o Governo entendeu que devia dirigir-se aos portadores da divida externa, e com elles combinou um accordo qualquer que obstasse á apresentação de reclamações mais tarde ou mais cedo, por parte dos mesmos portadores apoiados pelos seus Governos.

D'ahi resultou o convenio de 20 de março, feito em Lisboa, que o delegado do Governo Português levou para Paris para se entender com os portadores da nossa divida externa.

As negociações em Paris, segundo só deprehende de um telegramma de 17 de abril, o primeiro que se encontra sobre o assumpto, parece que se interromperam. Até então, parece ter havido a melhor harmonia entre os membros do Governo; mas um mês depois, em 13 de maio, começava a denunciar-se na atmosphera uma certa divergencia, pois que nessa data o Sr. Presidente do Conselho que, como só sabe, era o Sr. Dias Ferreira, dirigia um telegramma ao encarregado das negociações em Paris, dizendo-lha que, officialmente, sondasse a opinião do Governo, para o caso do futuras negociações.

Em seguida, o Ministerio do Sr. Dias Ferreira era substituido por outro da mesma presidencia, e o Presidente do Conselho declarava ao nosso Ministro em Paris, que carecia de quinze dias para resolver sobre o convenio.

Passava-se isto em 31 de maio, mas em 29, o nosso Ministro em Paris telegraphava, dizendo que se tinha feito a assignatura ad referendum do convenio.

Vejamos agora o que era esse convenio.

Como todos os documentos d'esta ordem, dividia-se elle em duas partes: uma financeira, que estabelecia os encargos que d'elle resultavam; outra, a das garantias d'esses encargos, garantia para o Estado, de que as exigencias dos portadores da divida não iriam mais longe, e garantias para estes, do que os encargos convencionados seriam cumpridos.

A parte financeira consistia na reducção do juro a 50 por cento, elevando-se de cinco em cinco annos até chegar a 80; a parte das garantias, no rendimento das alfandegas e na annuidade do emprestimo de 1891, chamado dos Tabacos, logo que ficasse livre e o mais tardar em 1926.

E note-se que neste convenio tambem figuravam as taes - outras despesas - que S. Exa., em relação ao actual projecto, diz não saber o que sejam.

Depois, em 7 de junho, communicava o Sr. Dias Ferreira ao nosso representante em Paris que o Governo não acceitava esse convenio. Assim se havia deliberado em Conselho de Ministros, como se deliberara tambem não realizar o emprestimo, e, no relatorio do decreto de 15 de junho, explicava que se o estado economico do país já era grave no primeiro periodo das negociações, peorara succesivamente, e d'ahi a profunda convicção de que as condições do convenio eram incomportaveis para as forças do Thesouro e para os proprios interesses dos credores.

D'aqui o quo claramente se conclue é que esse convenio era inacceitavel em attenção ás forças do Thesouro, e não porque se tomasse em consideração a dignidade do país.

Não foi, portanto, por causa das garantias o obrigações moraes, impostas ao Governo, que esse convenio não foi rectificado, mas unicamente por se entender que as forças do Thesouro não chegavam para os encargos.

O que se lê no relatorio do decreto dictatorial de 13 de junho de 1892, que foi presente ás Camaras para que ellas o ratificassem, é que o Governo se convenceu de que não podia integralmente cumprir esse convenio, e que, como pactuante de boa fé, não podia pôr a sua assignatura em um contrato que, antecipadamente, sabia que não podia cumprir.

Foi bom ou mau o decreto de 13 de junho? Não lhe cabe fazer essa apreciação; o que diz é que talvez fosse melhor ter começado pelo fim, do que estar a alimentar esperanças que depois se deviam traduzir em maiores exigencias.

Esse acto violento, depois de terminado e assignado o acordo, trouxe como consequencia a descrença por parte dos portadores da divida publica externa de poderem chegar a celebrar qualquer convenio, porque, diziam elles, os portugueses só usaram de processos de inacção para continuarem no mesmo regime.

Tanto assim foi, que as reclamações appareceram immediatamente, por diversas formas; já com caracter official, feitas pelos proprios Governos, já pelos portadores, directamente ao Governo Portugues; e mais tarde, quando constava que os decretos dictatoriaes haviam de ser presentes á Camara, veiu uma representação de todos os portadores, protestando contra a sancção d'essa lei.

O que tinha ficado, portanto, dos esforços tentados pelo Sr. Dias Ferreira, esforços em que elle, orador, vê as melhores intenções do bem servir a causa publica? Tinham ficado resultados graves, porque, alem de termos a nossa reputação perdida, tambem ficavamos com todas as resultantes desvantagens.

Nossa occasião perguntava um membro do Parlamento, que fora collega de S. Exa. no Ministerio, se tinha apparecido alguma reclamação, com referencia á apresentação da sua proposta ás Camaras; e S. Exa. respondia que, desde que o seu projecto do convenio fora entregue ao exame da Camara, nenhuma reclamação, de especie alguma, fora apresentada ao Governo; e que, se até o encerramento do debate alguma apparecesse, immediatamente a communicaria á Camara.

Na sessão de 22 de fevereiro de 1892, o Sr. Dias Ferreira, veiu dizer perante a Camara, alludindo ao que alguns jornaes de então diziam, que todos os que combateram a negociação do convenio, estavam advogando os interesses dos credores estrangeiros, contra os interesses dos credores portugueses; que duas graves difficuldades tinham surgido contra esse convenio; unia do ordem interna, outra de ordem externa; que esta ficara aplanada, mas quo o Governo fôra forçado a sossobrar diante da primeira.

Ora, citando estes factos, não quer elle, orador, dizer que S. Exa. fizesse uma affirmação menos consentanea com o que então se passou; o seu desejo é, apenas, mostrar qual a atitude em que, em 1893, se encontravam as cousas, quando o Ministerio, que succedeu ao Sr. Dias Ferreira, tomou conta dos negocios publicos.

A declaração, a que acaba de referir-se, foi feita, como já disse, na sessão de 7 de fevereiro de 1892; e recentemente, na sessão de 22 de fevereiro d'este anno, isto é, dez annos depois, S. Exa. veiu confirmá-la.

O orador, depois de ler varios telegrammas, então trocados entre o Sr. Dias Ferreira e o nosso representante em Paris, acêrca das negociações, refere-se á pergunta, feita hontem por aquelle illustre Deputado sobre os motivos que determinaram agora o Governo a proceder por forma differente da do S. Exa.

Responde que se fez o que aliás S. Exa. queria fazer em 1892.

Sobre este ponto não pode haver duvida.

O Governo, quo seguiu ao do S. Exa., em 1893, não foi para a solução, que então apresentou, por motu proprio, por sua livre vontade. Foi, porque as circunstancias o levaram a seguir um determinado caminho; e nessa occasião não podia seguir outro.

O Sr. Dias Ferreira: - Nota que o Sr. Ministro da Fazenda só tem discutido o projecto do convenio de 1892 que elle, orador, não acceitou, e pergunta se pode contar

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com a influencia do Sr. Ministro para poder obter a palavra mais uma vez.

O Orador: - Responde que não é isso comsigo, mas sim com a mesa e a Camara; pela sua parte, porem, pode responder-lhe affirmativamente.

Como ia dizendo, o Governo de 1893 - e esta é a conclusão a que queria chegar -como as situações que lhe succederam, comprehendeu perfeitamente que, emquanto não chegasse a uma intelligencia com os portadores da nossa divida externa; emquanto um mutuo acordo, de interesses nacionaes portugueses e de interesses estrangeiros, não se realizasse, havia do ter, sempre, uma vida amargurada.

Foi isso que comprehenderam, e que tentaram fazer todos os Governos, que se succederam; mas em todos os convenios que se seguiram, apparece, por assim dizer, como base do convenio, a consignação, o controla. Nelles é que appareceu, pela primeira vez, como clausula, e com assentimento tacito do Governo, ou a consignação ou o controle.

E, para que nada faltasse, então, veiu tambem um facto que S. Exa. hontem condemnou energicamente: o accrescimo da emissão fiduciária, até 72.000:000$000 réis. S. Exa. condemnou hontem esse accrescimo de emissão fiduciaria, como prejudicial á economia do país; mas, apesar d'isso, não teve duvida em 1893, de vir á Camara propor que se devia elevar essa emissão.

Era para nada faltar.

Poderão, pois, todos os Governos ter sido culpados, mas pertenço a S. Exa. o peccado original.

Começou hontem S. Exa. por ler uma das bases e, a proposito d'ella, fez varios commentarios, protestando contra tudo que seja consignações.

Poderá ser consignação o que actualmente se estabelece neste projecto de convenio; mas se consignação é, esta já existia na lei.

O que está no n.° 1.° da base 2.ª, é o que já existia.

Referia-se S. Exa., combatendo-a, á disposição na qual se determina que os thesoureiros das alfandegas entregarão, diariamente, uma determinada quantia em ouro, á Junta do Credito Publico. Se S. Exa. ler, porem, o artigo ll.° do actual regulamento da mesma Junta, facilmente verá que, o que está no projecto, é o que naquelle se encontra. Nem mais, nem menos; o statu que mantem-se.

Disse, tambem, o Sr. Dias Ferreira que, no projectado convenio, os credores já não se contentam com o rendimento das alfandegas, e vão procurar outras receitas.

Não é, porem, a actual proposta que o consigna; é o decreto que tem a data de 9 de dezembro do 1898, e que o orador lê á Camara. Nelle se estipulava que o rendimento do Thesouro fosse destinado ao preenchimento do que faltasse, para pagamento da divida.

Esta disposição, portanto, não é mais ainda do que a manutenção do statu quo.

Onde está, pois, no projecto a consignação ao estrangeiro, ou, antes, o contrôle?

Na disposição que o orador lê á Camara, diz-se que a Junta do Credito Publico deverá transferir para o estrangeiro as quantias que tiver em cofre, para amortização da divida; mas S. Exa. como do resto muita gente, quis ver, impensada ou apaixonadamente, que os estabelecimentos de que fala esta disposição, e que são estrangeiros, ficariam sendo, naturalmente, os verificadores, os inspectores, os fiscaes d'essa entrega de quantias. Ora, vejamos quaes hão de ser esses estabelecimentos: di-lo claramente a base 3.ª na qual S. Exa. não quis atentar, e em que são mantidas as disposições dos decretos de 1893 e de 8 de outubro de 1900; isto é, esses estabelecimentos são, simplesmente, as agencias do Thesouro Português, nos paises estrangeiros. Quem fará pois o que S. Exa. chama contrôle? As agencias do Thesouro Portugés!!

O paragrapho seguinte d'este artigo da base diz que todas as transferencias de fundos para as nossas agencias no estrangeiro serão recolhidas no Banco de Portugal, por conta da Junta do Credito Publico, e conforme as ordens recebidas da mesma Junta. Portanto, na remessa para fora não intervem senão a Junta do Credito Publico e o Banco de Portugal, que faz as transferencias para as agencias do Thesouro Português.

O que será então essa tal entidade, que ha de vir, e a que se referiu hontem o Sr. Dias Ferreira? Será o tal celeberrimo comité, do que já ali se falou?

Não lhe parece, em face do disposto na lei.

O Sr. Presidente: - Adverte o orador de que deu a hora, tendo S. Exa. mais 15 minutos para concluir o seu discurso.

O Orador: - Vae terminar, tanto mais que tem de se referir, unicamente, á ultima parte do discurso do Sr. Dias Ferreira, no que toca, principalmente, ao n.° 1.° da base que está discutindo.

Perguntou S. Exa. o motivo por que esta base se refere unicamente a um periodo restricto. Responde que foi por se considerar melhor que ella se referisse só ao periodo em que os certificados, de que ella trata, forem auctorizados; e, se se adoptou esta formula, foi porque nenhuma das outras, que até agora haviam sido propostas, fora acceite pelos portadores da divida.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. devolver as notas tachygraphicas).

O Sr. Fuschini: - Peço a palavra para explicações, antes de se encerrar a sessão.

O Sr. Ressano Garcia: - Até que emfim já o seu collega e nobre estadista Sr. Espregueira pôde ser citado, como uma auctoridade, no epilogo do discurso do Sr. Ministro da Fazenda! Até que emfim pode o partido progressista, sem sacrificar os sagrados interesses da nação, liquidar publicamente as suas responsabilidades neste grave e momentoso assumpto, qual é o do acordo a realizar com os nossos credores externos, tendo sido a isso provocado, na sessão de sabbado, pelo Sr. Presidente do Conselho, que, apresentando-se aqui, como novo Christo, procurou subir ao Calvario, para ahi remir os seus erros e os da sua grey; e, esquecendo-se da sua missão de paz e de concordia, permittiu-se confrontos e demonstrações tendentes a deprimir o que os progressistas fizeram o a exaltar a sua propria obra!

Até que emfim postas de parte todas e quaesquer reservas, que já não teem razão de ser, o partido progressista pode comparar, lealmente, perante o país que nos ouve e nos julga, a prudencia e correcção do seu procedimento, inspirado no mais acrisolado patriotismo, com os desmandos e incoherencias dos homens que estão hoje no poder, e que teem tido a singular coragem de sacrifical-as mais altas conveniencias publicas á sua desregrada administração, sua insaciavel ambição do poder!

Até que emfim pode hoje o partido progressista, de fronte erguida, repellir, de vez, todas essas accusações, mais do que apaixonadas, rancorosas, que lhe foram dirigidas insistentemente, dia a dia, e que os membros d'esse partido tinham do soffrer resignadamente, calando a sua justa indignação, e impondo-se o doloroso dever civico de aguardar, silenciosos e tranquillos, o momento do desabafo!

Soou, porem, a hora da justiça, e justiça ha de ser feita a todos.

E, assim como ha, poucos dias, dos bancos do poder, partiu o mais merecido elogio, ao papel que o partido progressista representou no Congresso de Bruxellas, e que tão malsinado foi, ao tempo, pelo partido regenerador, assim tambem são, agora, esses detractores, que vão vergar ao peso dos seus actos.

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6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O partido progressista não perturbou o Governo, durante as suas negociações; não lhe dirigiu uma pergunta que pudesse parecer, de longe, sequer, uma indiscreção; não quis imitar os tristes procedentes do Sr. Presidente do Conselho e do Sr. Ministro da Marinha, quando, um na Camara dos Pares, e outro na Camara dos Deputados, assaltavam, dia a dia, o Governo d'esse partido, com pedidos de explicações, que não podiam ser dadas sem prejudicar a causa publica, e com declarações importantes e temerarias, a que estão agora acorrentados, como a um pelourinho, os actuaes Ministros.

Mas, por isso mesmo, que o partido progressista foi prudente e cauteloso, tem agora o dever de ser severo para quem a tudo antepõe o estreito sentimento do facciosismo.

No mesmo logar que elle, orador, occupa, na Camara dos Pares, o Sr. Presidente do Conselho, num dos mais bellos discursos da sua brilhante carreira parlamentar, atacando, violentamente, a lei do 1898, disse, num formoso exordio, que vinha alquebrado na sua fé, mas não na sua caridade e nas suas crenças, porque, apesar de tudo, acreditava que a nacionalidade portuguesa não podia sossobrar.

Pois elle, orador, falará, tambem sem fé, porque não confia no valor e auctoridade da sua palavra, demasiado humilde, para poder ser escutada e apreciada; falará, sem esperança, porque não conta obter, do lado da maioria, um acto de energia para castigar o Governo; mas falará, tambem, sem caridade, embora d'ella precise o Governo, porque tem obrigação de ser severo para com os Ministros, que vê indifferentes ás reclamações da opinião publica, o que se vangloriam de impenitentes nos erros e inconsequencias com que prejudicaram os interesses publicos e arrastaram a dignidade da nação, que tinham obrigação de zelar o defender.

A lei de 26 de junho de 1898, a que elle, orador, tem o seu nome ligado, auctorisava o Governo a negociar um acordo com os portadores da divida externa, quanto ao capital, juro e amortização d'essa divida, consignando ao pagamento d'ella certos rendimentos aduaneiros, sob a condição, porem, de que os encargos do novo acordo nunca poderiam exceder aquillo que estava estabelecido na lei de 1892.

Pois apesar d'isso, o Sr. Hintze Ribeiro, num discurso inflammado do mais santo patriotismo, perguntava: Poderemos nós porventura, digna e honradamente, affirmar aos nossos credores que, em qualquer circunstancia, em qual quer vicissitude da nossa futura vida economica poderemos garantir a importancia de 1/3, estabelecido no artigo 3.º da lei de 1898?

Elle, orador, voltando-se agora para a maioria, dirige-lho igual pergunta e ainda com mais sobeja razão, porque alem de mais 50 por cento, consignam-se no novo convenio não apenas os rendimentos das alfandegas, mas todas as receitas do Estado. E o Sr. Presidente do Conselho tem obrigação de responder precisamente a esta pergunta para completa intelligencia da Camara e do país, para que se saiba como é que o Thesouro pode hoje com encargos de mais 50 por cento do que em 1898, e porque é que deixou de ser um perigo para a nossa autonomia a consignação de rendimentos.

Lê depois o orador trechos de um discurso do Sr. Teixeira de Sousa acêrca do projecto de 1898 e pede á Camara, especialmente aos seus collegas, conhecedores de genealogia e heraldica, lhe digam se o actual Ministro da Marinha será parente proximo ou remoto d'esse Deputado violento e irritante, homem de rija tempera, transmontano de antes quebrar que torcer, que dizia cousas tão terriveis da lei de 1898 e que segundo crê está reduzido ao estado do cadaver.

No dizer d'aquelle fallecido Deputado, a consignação de rendimentos era humilhante, e, todavia, ella existe no projecto que se discute.

Levava ata ao ultimo ultimo o dinheiro do Thesouro; e, no entanto, ainda puderam gastar-se centenas de contos com a transformação do couraçado Vasco da Gama!

Se sobejar algum, lembra elle, orador, que se applique á collocação sobre o tumulo de tão sincero e cohorente Deputado, de um epitaphio, enaltecendo a coherencia dos seus principios e a sinceridade das suas affirmações.

Faz ainda o orador outras leituras, e explica que, se se demora nellas, é para estabelecer o confronto entre o patriotismo de hontem e a inconsequencia de hoje.

Se a consignação era humilhante e ruinosa para o país, se abria as portas ao estrangeiro, se era uma odiosa gargalheira para a nação, se era attentatoria da nossa integridade e da soberania nacional, como S. Exa. chegaram a affirmar, em mais altas regiões, como pode explicar se a estulta ousadia, a extraordinaria inconsequencia de vir apresentar ao Parlamento, uma proposta em que apparece essa consignação?

Como é que S. Exa. teem auctoridade moral para pedir a approvação de um principio quo elles proprios desacreditaram e malsinaram em toda a parte?

É admirara-se de que a opinião publica se insurja contra os seus desmandos e imaginam amordaçar essa opinião, pondo de prevenção as tropas nos quarteis e apprehendendo jornaes que não fazem mais de que condemnar os condemnaveis erros do Governo?!

Mas nem sequer o Governo pode dizer que encontrou negociações pendentes que o levaram a conceder a consignação de rendimentos, porque o Sr. Presidente do Conselho declarou que tinha rompido as negociações.

E rompeu-as, porque quis ser coherente com a opposição violenta que tinha feito á lei de 1898, e com as declarações imprudentes que fez ao assumir o poder.

Mas, apertado, agora, por uma pergunta do Sr. Beirão, respondeu que tinha rompido as negociações porque os credores não acceitavam a estampilhagem e queriam titulos novos!

Pois para fazer uma conversão como a que está gisada, melhor era, entende elle, orador, não fazer nada.

Um dos outros motivos que S. Exa. teve para romper as negociações foi o não gostar das escalas ascendentes.

Mas a proposta de l 1/2 por cento teve-a, ha muito tempo, o Sr. Espregueira, dos comités estrangeiros e não a acceitou, por inconveniente.

Tambem não concordava S. Exa. com a representação estrangeira na Junta; mas d'essa exigencia já os comités tinham desistido ao tempo em que o Sr. Espregueira desempenhava o cargo de Ministro da Fazenda.

Outro motivo, finalmente, era o emprestimo, mas esse não existia.

Logo, nenhum d'estes motivos foi o verdadeiro e se elle, orador, appellar para o seu bom senso, encontra o verdadeiro motivo na coherencia que o Sr. Presidente do Conselho quis manter, com a attitude do seu partido e com as declarações que tinha feito perante o Parlamento, ao entrar no Governo.

Seja, porem, como for, o que é certo é que rompeu as negociações. Mas então para que as reatou?

A resposta é tambem curiosa e original. Reatou-as, porque pôde trazê-las a bases convenientes!

Quer dizer, antes das negociações reatadas, já sabia que as bases do futuro convenio eram convenientes. Faz-lhe isto lembrar o futuro para traz do Sr. Ministro da Fazenda.

Mas, ou para deante ou para traz, reatou-as, e elle, orador, tem o direito de perguntar a S. Exa. o motivo por que as reatou e a Camara tem o dever de inquirir o que pode ter determinado esta mudança no modo de pensar do Sr. Presidente do Conselho.

Deve dizer que no espaço que vae da subida ao poder do actual Governo até á organização do tal plano de julho de 1901, deu se o acontecimento, doloroso para o país,

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SESSÃO N.º 61 DE 22 DE ABRIL DE 1902 7

das graves asserções feitas pelo Sr. Delcassé, no Senado Francês, asserções que contendiam com as declarações formaes, feitas pelo Sr. Presidente do Conselho no nosso Parlamento.

Não quer traduzir nem apreciar essas asserções, por melindres faceis de comprehender, mas ha palavras no discurso do Sr. Delcassé que podem ser citadas na Camara.

Lê o orador essas palavras e as que foram pronunciadas em 20 de março de 1902 pelo mesmo Ministro, respondendo ao mesmo interpellante de 1901.

E nisto, observa o orador, consistem os bons officios dos Governos estrangeiros a que se referiu o Sr. Presidente do Conselho!

Doe, realmente, que o pais se veja exposto, sem culpa sua, a semelhante humilhação, simplesmente porque os seus Ministros sacrificaram os interesses publicos ao seu facciosismo partidario.

Posta a questão neste pé, o Governo não tinha, dignamente, senão dois caminhos a seguir: ou resistir ás exigencias dos credores, fossem quaes fossem as consequencias que d'ahi pudessem advir para a nação, que se é pequena, tem sabido mostrar, ainda nos mais apertados transes, que tem brio e que tem dignidade, ou devia sair do poder, entregando-o a quem, desligado de compromissos, pudesse dar satisfação ás reclamações dos credores, sem de leve parecer que obedecia a imposições estranhas.

Mas, em vez d'isto, apregoar aos quatro ventos que as disposições da lei de 1893 haviam de ser mantidas e depois dos acontecimentos de 1901, no Senado Francês, reatar as negociações com o tal plano de julho, é um verdadeiro cumulo de inconsequencia e de fraqueza.

Quando Pitt, o illustre chefe do partido tory, na lei relativa aos cereaes, teve de sacrificar o seu partido e as suas convicções ao quo entendia ser uma lei de salvação para a Inglaterra, fê-lo, e a lei votou-se; mas aquelle homem de Estado saiu do poder e retirou se á vida privada.

Ao despedir-se da Camara, porem, proferiu palavras que merecem ser meditadas pelos politicos de todos os paises.

Lê o orador essas palavras; e declarando depois que tem de entrar em nova ordem de considerações, pergunta ao Sr. Presidente até que horas pode usar da palavra.

O Sr. Presidente: - Responde que pode falar até ás duas horas e um quarto.

O Orador: - Pede então que lhe seja reservada a palavra, se a Camara assentir, porque se sente muito fatigado.

A Camara resolve affirmativamente.

O Sr. Presidente: - Peço á attenção da Camara.

O Sr. Deputado Fuschini pediu a palavra para explicações, antes de se encerrar a sessão.

Vou constatar a Camara.

A Camara resolveu affirmativamente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Fuschini.

Vozes: - Não está presente.

O Sr. Presidente: - Como S. Exa. não está presente, marco a seguinte sessão para ámanhã de manhã, sendo a ordem do dia a mesma que estava dada, e mais os projectos de lei n.ºs 66, 69, 71, 72, 73, 74, 76, 75, 77, 78, 79 e o pertence ao parecer n.º 53.

Está levantada a sessão.

Eram quasi 2 horas da tarde.

Documentos enviados para a mesa

Proposta de lei apresentada nesta sessão pelo Sr Ministro
da Fazenda em nome do seu collega das Obras Publicas

Proposta de lei n° 81-B

Senhores. - Vendo-se o Governo na absoluta necessidade de manter por mais tempo a adopção de providencias especiaes que libertem o país de epidemia da febre aphtosa que continua grassando no armentio, e não estando consignada no Orçamento Geral do Estado para o actual exercício de 1901-1902, verba com que possam ser satisfeitos os encargos a que dá logar o emprego de taes providencias, por isso tenho a honra de apresentar á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É auctorizado o Governo a abrir no Ministerio da Fazenda, a favor do das Obras Publicas, Commercio e Industria, um credito extraordinario de réis 10:000$000 para despesas de sanidade pecuaria.

Art. 2.° O referido credito será descripto na tabella da distribuição da despesa extraordinaria do exercício de 1901-1902, do citado Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, em capitulo especial, sobre a epigraphe "Sanidade pecuaria".

Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 22 de abril de 1202.= Manuel Francisco de Vargas.

Foi enviada ás commissões de fazenda e de obras publicas.

Representações

l.ª Da Associação Industrial Portuense, pedindo ser considerada como uma linha de navegação que ligue com determinada regularidade o norte do pais ás ilhas da Madeira e Açores.

Apresentada pelo Sr. Deputado Petra Vianna, enviada á commissão de commercio e mandada publicar no Diario do Governo.

2.ª De varios portugueses, residentes em Manaus, Brasil, pedindo que seja promulgada uma lei que auctorize a recolher na Igreja dos Jeronymos os restos mortaes do Visconde de Almeida Garrett.

Apresentada pelo Sr. Deputado Visconde da Torre, enviada á commissão de petições e mandada publicar no Diario do Governo.

3.ª Da Direcção da Associação Commercial e Industrial da cidade de Viseu, pedindo quo não seja approvada a base 1.ª da proposta de lei n.º 20-D acêrca da plantação e replantação da vinha.

Apresentada pelo Sr. Deputado Veiga Beirão, enviada á commissão de agricultura e mandada publicar no Diario do Governo.

O redactor = Afonso Lopes Vieira.

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