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Em virtude de resolução da camara dos senhores deputados se publica o seguinte

Senhores deputados da nação portugueza. — No Diario de Lisboa n.° 16, d'este anno, vem publicado um projecto de lei apresentado em sessão de 9 de janeiro pelo illustre deputado por Taboaço, o ex.mo conselheiro Antonio Roberto de Oliveira Lopes Branco, o qual tem por fim impor a esta camara um emprestimo de 15:000$000 réis para esgoto de pantanos que, na opinião de s. ex.ª, existem dentro da propria villa.

As palavras de benevolencia e interesse por este concelho, que s. ex.ª se dignou proferir então e escrever no relatorio que precede o projecto, mereçam por certo que a camara municipal não tratasse do assumpto senão para dar um publico testemunho de reconhecimento e consideração ao illustre deputado. E esse era em verdade o seu desejo.

Mas os deveres que, como corpo de eleição popular, contrahiu com os povos que representa, impõe-lhe a obrigação de apreciar o trabalho do nobre deputado em relação ás conveniencias dos mesmos povos; e esta apreciação obriga-a, mau grado seu, a vir perante a camara dos senhores deputados pedir a nao approvação de similhante projecto que é contrario aos interesses municipaes, e inutil para o fim que o seu digno auctor declarou ter em vista.

O nobre conselheiro, movido talvez por convicção que tinha da innocencia das searas de arroz, ás quaes, diz elle no relatorio, era sabido que havia de attribuir-se o mal que poz em consternação a villa (Montemor o Velho), acrescenta que = cumpre indagar se a molestia que ceifou ali as vidas de familias inteiras terá outra causa maior que os arrozaes, ainda attribuindo lhes o mal que em toda áparte lhes attribuem sem exame das condições, etc. = E em seguida o illustre deputado, sem esperar o exame nem a indagação, tratou logo de absolver os arrozaes, e culpar como homicidas da população montemorense a valla, que diz s. ex.ª córta perpendicularmente a villa, e os charcos do Campo da Feira, da ponte de Quinhendros e da Cal! Como a prevenção faz ás vezes caír em contradicção, mesmo uma intelligencia robusta como a do nobre deputado!!

Ao que s. ex.ª não faltou foi á justiça. Como bom juiz, que é, onde viu o crime tirou logo a rigorosa conclusão de que devia applicar-se-lhe a pena. E n'este sentido decretou que as causas de tanta desgraça fossem immediatamente arrasadas!

Sobre isto era talvez sufficiente dizer que, se nas localidades a que s. ex.ª allude, ha pantanos, as condições d'esse terreno não foram melhores ha muito tempo, e todavia esta terra era sempre a villa de ares puríssimos, de campos fertilissimos e de um paiz summamente delicioso, como lhe chamava o Senhor D. José I.

Só, ha dois annos, depois que se lhe approximaram os taes innocentes arrozaes, é que os seus ares se tornaram impuríssimos; os seus campos charcos asquerosos e repugnantes á vista e ao olfato, e o seu paiz summamente incommodo e insalubre.

Mas o dever, esse cruel dever, que pésa sobre a vereação municipal, obriga a a demonstrar cabalmente que o projecto de s. ex.ª, summamente gravoso para o concelho, é inutil para melhorar as condições sanitarias da villa, porque nos pontos que s. ex.ª indica não ha fócos de infecção.

A valia que s. ex.ª, por menos informado, affirma que córta perpendicularmente a villa, corre-lhe ao lado e separa a do Campo da Feira e outros. D'essa parte apenas ha quatro casas, uma das quaes é um celeiro deshabitado, outra da misericordia, outra uma hospedaria, e a ultima uns casebres ordinarios. E do lado da povoação só quatorze predios confinam com a valia. Portanto a grande povoação da villa fica toda a distancia da valla.

Perto porém que demorasse, em cousa alguma poderia esta influir para a insalubridade da povoação. Sem a valia é que a villa se tornaria um grande charco; porque não teria saída para o rio esse immenso volume de aguas que se precipitam no inverno dos montes contíguos e as que todo o anno correm do importante manancial, ao norte da villa, as quaes, conduzidas por um aqueducto, vão encher os chafarizes da terra, levando a commodidade e a fertilidade ás casas particulares e quintaes que atravessam, e a limpeza á cadeia publica, d'onde um outro aqueducto as conduz á valla.

Alem d'este manancial importante, que alimenta dois grandes chafarizes, mandados construir por El-Rei D. Pedro I, quando habitou aqui nos seus paços do castello; ainda ha n'esta terra, que ao illustre deputado, sempre mal informado, se figurou tão secca, que não tinha um chafariz ou fonte...; ainda ha outros mananciaes menos abundantes, como são o da quinta do Pina, o dos Pombaes, o da fonte das Bruxas, e o da fonte das Escadinhas; dos quaes tambem corre muita agua para os predios inferiores até se precipitar na valia.

Se esta pois não existisse, todas as referidas aguas pluviaes e mineraes se agglomerariam dentro da villa, ou nos campos existentes entre ella e o rio; e em qualquer dos casos é que haveria grandes fócos de infecção.

Foi para os evitar, e não, como pretende o sabio auctor do projecto, para desviar do rio em occasiões de cheia, a agua que todo o campo entre os rios não é capaz de conter, que se abriu a valia, ha mais de cinco seculos.

Não se sabe ao certo quando foi aberta, mas sabe se que as quatro pontes de cantaria que facilitam a paisagem por cima d'ella, foram mandadas construir pelo Senhor Rei D. Pedro I, quando aqui esteve.

E mais tarde, tendo havido desleixo em a limpar regularmente, entulhou-se de todo, com grave detrimento da salubridade da terra, para acudir á qual El-Rei D. José, por provisão de 7 de janeiro de 1765, foi servido crear um tributo especial para ser applicado á sua abertura e conservação, o qual ainda hoje a camara cobra e applica. Isto é, mandou-se abrir de novo e cuidar regularmente da sua limpeza, pelos mesmos motivos por que o nobre deputado por Taboaço quer agora que se entulhe!

E certo que, quando os ardentes calores do estio fazem diminuir as aguas do rio, menor se torna tambem o volume das aguas que correm na valia de Montemór. Mas não é menos certo que, sendo o alveo d'esta infinitamente mais estreito e desobstruído de areias, sempre a corrente se conserva, ao passo que no rio em alguns pontos a agua desapparece de todo.

No anno passado, o mais secco de que ha memoria n'estas paragens, chegou a interromper-se a navegação do rio por ter de todo desapparecido a agua em alguns pontos, filtrada por baixo de enormes bancos de areia, e na valla nunca cessou de correr.

Assim succederá emquanto as camaras forem sollicitas na limpeza da valla, desobstruindo as todos os annos dos grossos volumes de areia que as enchentes para ali arrojam no inverno.

Mas alem da corrente constante, ainda duas vezes em cada vinte e quatro horas a valia é banhada pelas marés que a limpam perfeitamente de qualquer objecto mais pesado, que a corrente não tivesse a força de arrastar.

Não é portanto a valia prejudicial á salubridade da terra.

Não é por ella que as cheias invadem a villa; porque

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são pontos muito mais baixos as quebradas do rio a S. Sebastião e ao Bico do campo da Feira.

Ao contrario, a sua conservação é util para o commercio e habitantes, pelas rasões expostas e por que permitte a approximação de barcos que vem carregar cereaes ao rico mercado e abundantes celeiros, abordando aos bellos caes mandados construir modernamente pela camara na Alagoa e nas Ameixoarias.

E é util á povoação, porque quando o campo da Feira se inunda recebe um grande volume de aguas, que se ella não fôra se espalhariam logo pela villa.

Portanto o interesse publico não exige que seja entulhada.

Agora os charcos..

O campo da Feira inunda-se com effeito algumas vezes, graças á inactividade, talvez forçada, da junta administrativa das obras do Mondego, que não repara fortemente a margem do rio que lhe fica contigua. N'esta parte está o nobre deputado bem informado; mas não o está, quando diz que na retirada das cheias ficam ali depositos de agua em putrefacção =; porque o terreno da Feira é de superficie igual e tem prompto esgoto para a valla, logo que o volume das aguas desça. Alem d'isso a camara todos os annos applica o rendimento dos logares da Feira em levantar o mesmo campo, assim como tem applicado boas sommas em levantar e calçar de novo todas as ruas da villa, de modo que é preciso que seja extraordinaria a cheia para as invadir hoje. E se se fizesse o resguardo dito na margem do rio, dentro em pouco nenhuma a invadiria.

Emquanto á ponte da Cal, chama s. ex.ª charcos á detenção que ali tem as aguas da valia do norte, que vão incorporar se com o rio á Ladroeira.

É certo que n'aquelle ponto se tem agglomerado enormes montes de areia, que obstam a que as aguas tenham a corrente regular que conviria a bem da cultura dos campos, mas não obstam absolutamente a que corram.

Charco porém que realmente fosse o deposito das aguas n'aquelle ponto, não era á camara que cumpria esgota lo, assim como lhe não cumpre melhorar ali a corrente das aguas. A lei de 12 de agosto de 1856 creou auctoridades especiaes e meios proprios para o encanamento do rio, seus affluentes e valias, e melhoramento dos campos, e quando assim não fosse, só o governo ou a nação podia ser obrigada a fazer taes obras, porque da nação são os leitos e alveos dos rios publicos.

Resta o chamado pantano da ponte de Quinhendros. Reduz se elle a um pequeno baixo de curta extensão, onde se juntam as aguas fluviaes o as das enchentes, e se conservam por algum tempo. L inconveniente ainda assim, e se dera em caminho municipal, ha muito teria sido entulhado. Mas dá-se n'uma parte da estrada de Coimbra á Figueira, cujos reparos não pertencem á camara. Por isso se, como diz o sr. Lopes Branco, ha incuria pasmosa, não é local como s. ex.ª affirma, mas de quem não tem apressado a construcção de uma estrada tão urgente, tantas vezes requerida, e ha tantos annos decretada.

Mas este é o menor charco que offerece a estrada da Figueira, porque aqui passa-se sempre bem, de pé, por cima das cortinas da ponte, que são seguras, e longos passeios, e no centro, na curta extensão que tem o referido baixo, pouco tempo se conservam as aguas. Mas nas pontes de Maiorca, já concelho da Figueira!

Não haverá ali lagos immensos, produzidos por grandes depositos de agua, no proprio leito da ponte e aos lados; e não será o seu transito o mais incommodo e perigoso? E em Maiorca, na propria naturalidade de s. ex.ª, não serão as estradas vizinhas continuos charcos, e as proprias entradas da terra ao norte e sul, atoleiros immundos, que nunca se esgotam nem enxugam?

Mas d'isto não curou s. ex.ª, assim como se esqueceu do paul de Foja, tambem proximo de Maiorca, famoso pantano de 10 kilometros de circumferencia, que ceifa annualmente muitas vidas do logar de Revelles até á Figueira.

Nada; o illustre deputado só se interessou por Montemór. A camara agradece-lhe em nome do municipio, mas d'esta vez julga infeliz a sua lembrança, desnecessario o emprestimo, e por isso supplica á camara dos senhores deputados a graça de não a auctorisar.

Se vós, srs. deputados, quereis acabar os fócos de infecções n'este concelho, attendei ao que vos representámos em sessão de 30 de janeiro findo; prohibi a cultura do arroz, e tereis bem merecido d'estes povos e da humanidade.

Camara municipal de Montemór o Velho, em sessão de 19 de fevereiro de 1864. = O presidente, Maximiano de Freitas Mascarenhas Leal =Os vereadores, Antonio Pedro Pimentel Pereira Carneiro = Miguel Martins Alves = Joaquim Maria Correia Soares de Brito = Manuel Joaquim de Macedo Sotto Maior = Joaquim Maria S. Thiago— Abilio Abdónio Pinheiro.

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