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Por deliberação da camara dos senhores deputados, tomada em sessão de 27 de março corrente, se publicam os seguintes documentos

Senhores deputados da nação portugueza. — Joaquim Lopes, patrão do bote Salva Vidas, estabelecido em Paço de Arcos, vem perante os representantes da nação reclamar contra a injustiça com que o governo de Sua Magestade ha premiado os serviços relevantes que o supplicante, no exercicio do seu cargo, prestou não só ao paiz, mas aos estrangeiros.

O supplicante serviu, desde 1820 a 1833, como remador da falua do Bugio.

Em 1833, por eleição dos seus camaradas, foi nomeado patrão da mesma falua, e por portaria de 7 de novembro de 1856 foi igualmente encarregado do commando do bote Salva Vidas, estabelecido em Paço de Arcos (documentos n.° 8 1 e 2).

Pelos serviços que o supplicante prestou, tem recebido as seguintes distincções honorificas:

Em 24 demarco de 1856 — Foi condecorado pela sociedade humanitaria do Porto, com a medalha de oiro, e nomeado seu socio benemerito (documento n.° 3). — Pelo governo de Sua Magestade a Rainha Victoria, com a medalha de prata.

Em 15 de dezembro de 1856 — Por decreto de Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Pedro V. com a medalha de prata (documento n.° 4).

Em 7 de abril de 1857 — Pela real sociedade humanitaria, com a medalha de prata (documento n.° 5).

Em 1858 — Por Sua Magestade a Rainha Victoria, com a medalha de oiro.

Em 19 de janeiro de 1859 — Por Sua Magestade o Imperador Napoleão III, com a medalha de honra de prata (documento n.° 6).

Em 23 de maio de 1859 — Por deliberação do centro promotor:

1.° Que o seu retrato se collocasse na sala do centro;

2.° Que a inauguração se fizesse em sessão especial;

3.° Que lhe fôra conferido por acclamação o logar de socio (documento n.° 7).

Em 3 de março de 1862 — Pela propria mão de Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Luiz I, com o grau de cavalleiro da Torre e Espada (documento n.° 8).

Em 5 de abril de 1862 — Por Sua Magestade a Rainha de Hespanha, com a medalha de oiro (documento n.° 9).

A maneira por que o supplicante ganhou estas medalhas, a justiça com que ellas lhe foram conferidas, os riscos que correu para salvar tantas victimas, algumas das quaes arrancou ao Oceano semi-mortas, não é o supplicante que o ha de dizer, mas sim os documentos n.ºs 10 a 29, que constam de dois attestados e dezesete jornaes portuguezes, de todas as côres politicas, e que o supplicante offerece á vossa illustrada consideração.

Conta hoje o supplicante perto de sessenta e quatro annos de idade.

As fadigas, os perigos, os maus tratos que o mar lhe tem feito, e os annos começam a tornar-lhe difficil o serviço de que se acha encarregado, e no qual conta quarenta e tres annos dedicados ao estado.

Julgou o supplicante que, por taes serviços, tinha direito a uma retribuição, e a emprego menos violento e arriscado, senão a uma reforma, como acontece, e se dá, em todas as classes de servidores do estado.

Para isso, se o supplicante não tivesse o juizo de sua consciencia, e dos Soberanos que o condecoraram, e dos seus concidadãos, publicados, sem contradictor até hoje, pela imprensa do seu paiz, bastava-lhe a portaria com que o governo de Sua Magestade pretendeu remunerar estes serviços; diz ella:

«Inspecção do arsenal da marinha — 1.ª direcção, 2.ª repartição. — Sua Magestade El-Rei, querendo dar mais uma prova de consideração a Joaquim Lopes, patrão do barco Salva Vidas, pertencente á repartição da marinha, pelos relevantes serviços, que por vezes tem prestado; arrancando ao furor das ondas muitos naufragos, que infallivelmente seriam victimas se não fôra o denodo e valentia d'aquelle destemido maritimo, que por seu comportamento, essencialmente humanitario, merecera a munificencia de El-Rei, e de alguns outros Soberanos: manda, pela secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, participar ao conselheiro inspector geral do arsenal da marinha, para sua intelligencia e execução, que ha por bem conceder ao referido maritimo Joaquim Lopes a graduação de segundo mestre da armada, sem direito algum a entrar no quadro dos officiaes marinheiros da mesma armada nem ao vencimento respectivo.

«Paço, 27 de setembro de 1862. = José da Silva Mendes Leal.» (Documento n.° 29.)

O supplicante ganhava apenas 400 réis diarios, que lhe não bastavam para se uniformisar e vestir na classe a que esta portaria o elevára.

Requereu por isso ao governo, e foi-lhe mandado abonar mais 100 réis de gratificação, tendo actualmente o supplicante 500 réis diarios.

É pois contra esta mesquinha gratificação que o supplicante vem reclamar perante vós, senhores deputados da nação portugueza, que não querereis de certo, reconhecendo, como o governo reconheceu, os direitos do supplicante a uma recompensa, conferir-lhe honras que lhe augmentam a miseria; que não querereis, se reconhecerdes, como o governo reconheceu, os perigos e riscos a que o supplicante se expoz para salvar victimas naufragadas, negar-lhe meios para viver os ultimos dias de uma vida, que consagrou ao serviço publico, e durante o qual honrou o seu paiz, e bem mereceu da humanidade.

Pede portanto que, no respectivo orçamento, lhe seja votada uma pensão que julgardes de justiça. = E. R. M.ce

Lisboa, 3 do fevereiro de 1863. = Segundo mestre graduado, Joaquim. Lopes, patrão do Salva Vidas.

Documento n.° 1 Em consequencia da portaria que do ministerio da marinha me foi dirigida, em data de 7 do corrente, nomeio a Joaquim Lopes, patrão da falua da torre do Bugio, para igualmente servir como patrão do bote Salva Vidas, que o governo mandou vir de Inglaterra, destinado a soccorrer os navios em perigo na barra de Lisboa e salvar os naufragos; e n'este logar de patrão terá o vencimento de 400 réis diarios, com a obrigação de executar pontualmente as instrucções, que fazem parte da presente nomeação, e inclusas se lhe remettem.

Arsenal da marinha de Lisboa, em 22 de novembro de 1859. = Francisco Antonio Gonçalves Cardoso, inspector.

Documento n.° 2

Instrucções para regular as obrigações, responsabilidade e serviço do patrão da falua Bugio, Joaquim Lopes, que, em portaria do ministerio da marinha, datada de 7 de novembro de 1859, foi igualmente nomeado patrão do Salva Vidas, destinado a dar soccorro aos navios em perigo na barra d'este porto de Lisboa, e salvar os naufragos.

1.ª O patrão, logo que se conclua o barracão que provisoriamente se mandou fazer em Paço d'Arcos para arrecadação do bote Salva Vidas, tratará de remover o dito bote do telheiro das galeotas, onde se acha, para o barracão em Paço d'Arcos.

2.ª Receberá por inventario o mesmo Salva Vidas e seus pertences, que fica debaixo da sua guarda e responsabilidade, cujo inventario será feito (em duplicado) pelo escrivão do primeiro deposito d'este arsenal, ficando uma copia na mão do patrão e a outra no deposito competente, que será assignada pelo dito patrão, como prova de que recebeu todos os objectos descriptos no referido inventario.

3.ª E da obrigação do patrão tratar cuidadosamente da conservação do bote Salva Vidas e seus pertences, para que estes não só estejam sempre em estado de servirem, como para que se não estraguem por falta de cuidado e limpeza.

4.ª Para o coadjuvar n'este serviço terá uma pessoa competente, a quem se pagará pelo arsenal 200 réis diarios, dando-se ao patrão a garantia da escolha e de o poder substituir por outro, quando veja que o existente não desempenha cabalmente os seus deveres.

5.ª Ficando ao patrão a responsabilidade do Salva Vidas, é a elle que cumpre fazer quaesquer requisições ao arsenal dos objectos que precisar para a boa execução do serviço que tem a desempenhar, e mesmo renovar os que se damnifiquem pelo uso.

6.ª Quando se dê o caso de sinistro na barra fica á cargo do patrão, sem dependencia de ordem alguma, o engajar immeditamente a campanha que ha de tripular o bote Salva Vidas, e partir sem demora para o ponto onde for necessario o soccorro, o qual prestará da melhor fórma que for possivel, em vista das circumstancias que se apresentarem.

7.ª O patrão, logo que acabe o trabalho do soccorro que for dar, fará uma relação nominal da gente que engajou, declarando ao lado de cada nome a quantia que julga merecer pelo serviço que prestou, tendo a recommendar ao patrão toda a circumspecção e imparcialidade n'este arbitrio, visto que todos têem obrigação de zelar os interesses do estado.

Arsenal de marinha, 22 de dezembro de 1859. = Francisco Antonio Gonçalves Cardoso, inspector.

Documento n.° 3

Real sociedade humanitaria, instituida no Porto a 15 de abril de 1852, para a salvação de pessoas em naufragios, nas gostas ao norte e sul da barra do Porto, desde Caminha até Aveiro inclusivè, e no rio Douro, e em epidemias, incendios, inundações, e outras similhantes calamidades que sobrevierem n'esta cidade, e suas immediações, debaixo da protecção de Suas Magestades Fidelissimas, sendo presidentes perpetuos Sua Magestade El-Rei D. Pedro V. e Sua Alteza Serenissima o Senhor Infante D. Luiz, Duque do Porto; e vice-presidente nato s. ex.ª o bispo do Porto, na sessão dpi direcção, de 24 de março de 1856, sendo presidente o commendador Manuel de Clamouse Browne.

Foi resolvido unanimemente que, tendo dispertado a maior admiração da direcção d'esta real sociedade, a extraordinaria bravura, abnegação louvavel, perseverança, e heroica philanthropia do honrado ancião Joaquim Lopes, de Paço de Arcos, o qual, sabendo do desastroso naufragio no Alpeidão junto á torre do Bugio, da escuna ingleza Primrose, desprezou todos os perigos de um temporal desfeito, e de um mar pavoroso, e animou seus companheiros a dirigir-se ao perigoso sitio para salvar os naufragos que se achavam agarrados ás enxárcias, sendo o barco que governava o unico que a tanto se atrevesse; e vendo o heroico Joaquim Lopes, que a sua fragil embarcação não podia galgar os rochedos que a separavam do naufragio, voltou para Paço de Arcos em busca de um barco mais ligeiro, o que conseguiu para logo voltar em soccorro dos naufragos com uma coragem só inspirada de Deus, animando seus companheiros com palavras edificantes, e não desistindo da temeraria empreza, quando mesmo já nada mais se avistava do navio, que se havia despedaçado, e conseguindo por este modo salvar os tripulantes da dita escuna (ao cabo de muitas horas), e que a Divina Providencia protegera, agarrados ainda aos restos fluctuantes do naufragio; factos tão notaveis e extraordinarios deram pleno direito ao dito Joaquim Lopes, alem da nomeação de socio benemerito, á medalha honorifica de oiro, a maior distincção com que esta pia instituição galardoa os actos heroicos e virtuosos, praticados para salvação do nosso similhante, e que é hoje solemnemente entregue ao dito Joaquim Lopes, em sessão plena.

E eu Eduardo Moser, 1.° secretario da real sociedade humanitaria, o fiz, subscrevi e assignei.

Porto, aos 20 dias do mez de abril de 1856. = Antonio, bispo do Porto, vice-presidente = Manuel de Clamouse Browne, presidente da direcção = Barão de Massarellos, vice-presidente = Eduardo Moser = Antonio Augusto Soares de Sousa Cirne, 2.° secretario = J. de Amorim Braga, 3.° secretario = Francisco de Assis Sousa Vaz, 4.° secretario = Francisco de Assis da Silva e Amaral = Alvaro Ferreira Carneiro de Vasconcellos Girão = José Maria Rebello Valente = Joaquim José Gomes Monteiro = José Pereira Reis = Joaquim Velloso da Cruz = João Paulino Vieira = José do Azevedo Pereira e Silva.

Entregue em Lisboa, pelo ex.mo sr. conde da Ponte, governador civil do districto, com assistencia dos delegados da real sociedade humanitaria, em 26 de junho de 1856. = Conde da Ponte = Conde de Terena = Antonio Correia Caldeira = Conde do Bulhão = José Pedro de Barros Lima = D. Francisco de Paula Pimentel de Brito do Rio = M. A. Vianna Pedra = Francisco de Oliveira Chamiço, thesoureiro da real sociedade humanitaria = Ricardo Van Zeller Joaquim José Gomes Monteiro.

N.° 60. Registado. = Moser, secretario. (Continua.)