O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1148

CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso que devia ser transcripto a pag. 918, col. 1.ª, lin. 49.ª do Diario de Lisboa, na sessão de 28 de março

O sr. Fontes Pereira de Mello: — Depois do largo intervallo que decorreu posteriormente ao discurso que tive a honra de proferir n'esta casa, difficilmente poderei hoje ligar as minhas idéas e encaminhar os meus raciocinios, de maneira que possa apresentar á assembléa, tão claramente como desejo, as conclusões que pretendo tirar. Pôde acreditar a camara, que se não fosse o imperioso dever que me obriga a continuar este debate, julgaria sufficiente o que já tive a honra de expor á assembléa, e não occuparia uma parte da sessão de hoje para continuar a minha tarefa.

Estou convencido porém que o projecto que nos occupa é altamente prejudicial aos interesses publicos, diminue consideravelmente a renda do thesouro, affecta os consumidores, e serve unicamente para acrescentar algumas fortunas particulares.

N'estes termos, sr. presidente, entendi eu que faltaria ao meu mais sagrado dever, se não levantasse a minha voz nesta casa, e não continuasse a apresentar á camara os fundamentos valiosos que me levam a rejeitar a proposta do governo.

Talvez a camara tenha notado que tanto da minha parte, como da dos illustres oradores que me precederem n'este debate, se tem mostrado empenho de evitar por todos os modos que se converta em questão politica o negocio de que tratámos.

V. ex.ª é testemunha e a camara igualmente o é, do que os oradores da opposição se têem limitado a apresentar raciocinios e argumentos que demonstram aos nossos olhos os inconvenientes administrativos e financeiros que devem resultar da approvação do projecto, sem termos adduzido uma só consideração politica em abono d'estas conclusões. E comtudo V. ex.ª observaria que dos bancos do ministerio o illustre secretario da fazenda, quando tomou parte n'este debate, seguindo caminho opposto, procurou dar á questão o caracter politico mais significativo, que é possivel, declarando-a tão abertamente ministerial, que a ella se acha vinculada a existencia do gabinete.

Se este auxilio da politica é necessario para fazer triumphar o projecto, comprehende-se bem o empenho com que o nobre ministro da fazenda lhe quiz dar este caracter. Se as rasões administrativas, economicas e fiscaes não são porém sufficientes para levar o convencimento ao seio da camara, não abona isso muito o merecimento intrinseco do projecto que discutimos; e permitta-me a maioria d'esta assembléa que tantas vezes tem censurado a opposição pelas rasões politica que faz valer, quando são inseparaveis da natureza do assumpto, que eu ponha em relevo esta declaração do governo, e responda com ella a tantas accusações injustas que por motivo similhante nos têem sido feitas.

Sr. presidente, eu não censuro o governo por dar a este importante negocio o caracter politico e ministerial que lhe foi attribuido. Está no seu direito, e já por vezes se tem feito o mesmo em casos analogos e em objectos talvez de menor importancia. Porém quando eu vejo que em assumpto tão grave, como era a reforma do exercito, que fez saír um ministro dos bancos do gabinete, e que tinha sido mencionado no discurso da corôa, não teve as honras de questão ministerial; quando vejo que na camara dos pares se acha empenhada uma questão gravissima, a respeito da qual todavia o sr. ministro da justiça declarou que a responsabilidade era exclusivamente sua; quando vejo que as suspeições politicas foram votadas n'esta casa, declarando se na outra o sr. presidente do conselho em manifesta contradicção com os seus collegas; quando vejo tudo isto, repito, não posso deixar de reconhecer que o nobre ministro da fazenda foi aconselhado pela experiencia a declarar peremptoriamente o gabinete compromettido todo n'este projecto, para escapar á sorte que teve o sr. visconde de Sã, e á que parece aguardar resignado o seu collega da justiça (apoiados).

Ainda bem, sr. presidente, que o negocio importante de que se trata, foi resolvido em conselho de ministros; porque assim a entidade governo, que até agora tem fugido constantemente ás questões, deixando-as á responsabilidade individual de cada um dos seus membros, vem apresentar-se constitucionalmente diante das casas do parlamento, tomando a responsabilidade dos seus actos e das suas propostas.

Entretanto se o nobre ministro teve em vista estreitar mais os laços que o ligaram á maioria que o apoia, annunciando-lhe que a este projecto está vinculada a existencia do gabinete, não creio que tenha conseguido muito, porque se eu tivesse a honra de ser membro da maioria, não me faria grande peso a declaração de s. ex.ª (Uma voz: — Apoiado.)

Eu digo a rasão d'isto ao nobre deputado, e talvez que depois me não apoie.

É porque este gabinete não obedece aos preceitos constitucionaes, é insensivel ás demonstrações parlamentares, e recebe com a maior indifferença do mundo a censura ou reprovação dos seus actos (muitos apoiados).

Pois que? Não vimos nós ainda na sessão passada o sr. presidente do conselho, que symbolisa o ministerio, e que tambem era ministro das obras publicas, perder na camara dos dignos pares a questão mais ministerial que é possivel apresentar se ao parlamento, a questão de um contrato feito por elle? (Apoiados.) E que aconteceu? Aconteceu que o governo continuou a permanecer á frente dos negocios, não obstante o contrato por elle feito e apresentado ao parlamento ficar reduzido a zero (apoiados). A responsabilidade ministerial desappareceu diante do pensamento unico, inalteravel, que tem manifestado este gabinete, de se sustentar a despeito de todas as considerações e de permanecer firme no seu posto, ainda que para isso seja preciso calcar aos pés os principios constitucionaes (apoiados). Esta é a resposta que eu dou aos apoiados do nobre deputado.

Quando isto se observa, quando isto se vê, quando isto se praticou ainda hontem, pôde a maioria estar socegada, porque, se o ministerio faz a fortuna d'este paiz, continuará do mesmo modo a sua gloriosa tarefa, ainda que o projecto seja rejeitado.

Mas deixando estas questões que são incidentes no assumpto de que se trata, e que não formam a essencia e natureza d'elle, permitta-me v. ex.ª eu passe agora a occupar-me especialmente de demonstrar á camara, quanto couber nas minhas forças, como são inexactos os calculos apresentados pelo governo ácerca do rendimento que o thesouro publico ha de auferir por este projecto, ácerca dos preços por que hão de ficar os generos, e das consequencias financeiras, economicas e administrativas que se hão de seguir para o paiz, se acaso o mesmo projecto for transformado em lei do estado.

Em primeiro logar, sr. presidente, occupar-me-hei de provar á camara qual é o desfalque que, na minha opinião, ha de resultar da approvação d'este projecto. E n'esta parte sigo não só o caminho encetado pelos meus illustres antecessores na tribuna, porém aquelle mesmo que deixou trilhado o nobre ministro da fazenda.

E permitta-me a camara que de passagem diga, que não respondo de modo algum pelos algarismos que servem de base aos argumentos que vou apresentar á assembléa. Não se surprehenda a camara com esta minha declaração.

Não respondo de modo algum pela exactidão dos algarismos, porque não são o resultado de esclarecimentos colhidos por mim em qualquer parte, que não fosse um documento official, que todos temos diante dos olhos. Querendo eu, sobretudo, mostrar á camara que eram inexactos os argumentos e as conclusões tiradas pelo nobre ministro da fazenda no seu relatorio, eu não podia fazer melhor do que adoptar todos os elementos sobre os quaes elle fundou os seus calculos, e mostrar com esses mesmos elementos, que as legitimas conclusões são inteiramente diversas. Se os dados são exactos ou não, responderá a isso o nobre ministro. Eu que não tenho meios particulares de informação, que não posso ir buscar a outra parte os fundamentos para os meus calculos, não tenho remedio senão aceitar aquelles, e parto do principio de que são exactos e averiguados, como devem ser os elementos que se apresentam em um documento official d'esta ordem.

Já na sessão passada eu tinha procurado mostrar á camara quaes eram os factos capitães em que differiam profundamente as apreciações do governo e as da opposição, porque á primeira vista não ha duvida que surprehende a todos, ver que em objecto tão simples e de tão pouca difficuldade, os calculos differem tão completamente, que emquanto o governo julga que ha de auferir uma somma de duzentos e mais contos, alem d'aquella que recebe na actualidade, a opposição tem procurado mostrar á camara que longe do projecto ser vantajoso ao estado, longe de produzir um augmento de receita, dará em resultado um deficit consideravel.

Procede isto, sr. presidente, de tres pontos capitaes. O primeiro é a exageração da importação dos tabacos adoptada como base pelo sr. ministro da fazenda. O segundo é a falta que o nobre ministro commetteu, quando tratou de examinar o preço por que ficavam os generos depois de ser convertido em lei o projecto que discutimos, não attendendo ás quebras, que o illustre ministro, mesmo no seu relatorio, declara que têem os tabacos em virtude da manipulação. Consiste finalmente o terceiro, em que o sr. ministro calculou empyricamente a importação de tabacos fabricados na importancia de 100:000 kilogrammas de charutos, e 48:000 kilogrammas de tabaco de cheiro, e outras especies, emquanto que a opposição reduz aos seus justos limites esta exagerada somma: procedendo assim se encontra de accordo com a verdade dos factos, e apoiando-se nos elementos fornecidos pelo proprio governo.

Já na sessão passada eu perguntei qual era o fundamento que tinha o sr. ministro da fazenda para dizer que a importação dos tabacos ha de ser de 1.468:800 kilogrammas. Porventura esta somma encontra-se na importação de algum dos annos que precedem o actual? Será ella o resultado de algum termo medio da importação nos anãos anteriores? Não, e se v. ex.ª e a camara consultarem o relatorio apresentado n'esta casa em 1857 e habilmente feito pelo sr. conde d'Avila, onde se descrevem as importações de muitos annos, e se depois d'isso as confrontarmos com as que se têem realisado desde então até hoje, terão de reconhecer que em nenhum d'elles chegou a importação a 100:000 arrobas de tabaco, ou 1.468:800 kilogrammas. Em que se funda pois esta hypothese de que a importação dos tabacos ha de ser de 1.468:800 kilogrammas? Funda-se apenas na vontade do sr. ministro, é um producto da sua imaginação, é empyrica, é arbitraria, é fallivel, e por con-