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Por deliberação da camara dos senhores deputados, tomada em sessão de 27 de março corrente, se publicam os seguintes documentos

(Continuado do numero antecedente)

Documento n.° 14

ACTO DE HEROISMO

No dia 27 de março, pelas seis horas da tarde, uma canoa das que servem as muletas approximou-se, tripulada com dois homens, ao caes da Saude em Paço de Arcos. Uma grande onda virou-a de quilha para o ar, e os dois desgraçados ficaram debaixo d'ella. Poucos momentos depois um dos naufragos veiu ao de cima e conseguiu salvar-se sobre um rochedo denominado da praia da Sardinha. Como o segundo não apparecesse, o pratico da falua do Bugio, Joaquim Lopes, conhecendo o perigo em que elle estava, determinou acudir-lhe e lançou-se para isso de uma muralha de quasi 30 palmos; a pressa só lhe deu tempo para tirar a japona.

Nadando, conseguiu este homem, generoso e dedicado, chegar ao pé da canoa que andava embrulhada nas ondas, e pôde salvar de debaixo d'ella o miseravel que já estava quasi morto.

Dirigindo-se depois para o rochedo onde o primeiro se salvara, rebentou uma onda tão forte que o arremessou contra o rochedo, a elle e ao naufrago que elle acabava de salvar, e ambos aqui teriam sido victimas, se José Lopes, um dos remadores da falua, cujo patrão elle era, e Manuel Fernandes e João da Cruz, mestres de barcos de carregar pedra, se não arrojassem logo ao mar em seu soccorro. Estes poderam lançar-lhe a mão e facilitar-lhe a subida para o rochedo, onde emfim pôde surgir com o naufrago que tinha ido salvar e que em nenhum lanço desamparou.

Este honrado patrão da falua do Bugio é o mesmo que, inspirado de iguaes sentimentos de humanidade, se aventurou ha pouco a ir salvar a tripulação da escuna Primorose.

O naufrago não deu accordo de si senão ás dez horas da noite. (Jornal do commercio n.° 762, de 1856.)

Documento n.° 15

O seu a seu anno. — Alguem vendo as honrarias conferidas ao anspeçada do 1.° regimento de artilheria, João José Lourenço, pelos serviços prestados á tripulação da escuna ingleza Howard Primorose, quando naufragou na barra d'este porto, estranhou que ao valente anspeçada se desse um tão solemne testemunho de reconhecimento, emquanto que se deixa esquecida a gente da falua da torre do Bugio que tantos perigos arrostou, e conseguiu salvar os naufragos; e desejando tornar bem patentes os valiosos serviços dos corajosos maritimos, remetteu-nos os documento: que abaixo publicamos, pedindo-nos que lhe demos publicidade, ao que annuimos gostosos. Cumpre-nos declarar que a pessoa que nos enviou os documentos nenhum conhecimento tem com os maritimos cuja causa advoga. Eis aqui os documentos:

1.° Extracto do protesto feito no consulado britannico no dia 18 de fevereiro por John Cantwell mestre, e pela tripulação da escuna ingleza Howard Primorose, que naufragou no cachopo do sul, na foz do rio Tejo, no dia 16 do mesmo mez de 1856:

«Que sendo muito rapida a corrente com as aguas do rio arremessou o mencionado navio sobre o cachopo do sul, ou de permaneceu até ás sete horas da manhã; então elles (a tripulação) cortaram os mastros para alliviar o navio; avistaram n'essa occasião uma falua, porém havendo muito mar não pôde prestar soccorro algum; pouco depois o navio despedaçou-se; um dos homens da tripulação vendo que não havia esperança alguma de salvação, agarrou-se a uma peça do casco despedaçado, a qual foi levada á praia á distancia de tres milhas; pelas onze horas e meia viu-se um vapor de guerra portuguez, o qual sem prestar soccorro algum voltou para Lisboa; desde então conservando-se numa mui pequena porção do casco, continuava no maior perigo até ás quatro horas da tarde, quando avistaram uma embarcação que se approximava, e se reconheceu que era tripula da pela mesma gente, que se esforçara por dar-lhes soe corro da primeira vez e com grande risco das suas proprias vidas, chegaram a tempo para salvar os restos da tripulação da sua angustiosa situação; e se não fóra a opportuna chegada d'este soccorro todos teriam infallivelmente perecido.»

(Assignado pelo mestre e pela tripulação do Howard Primorose.)

2.º (Copia) Relação dos individuos que salvaram a tri pulação da escuna ingleza Howard Primorose no dia 16 de fevereiro de 1856:

Joaquim Lopes, patrão da embarcação da torre de S. Lourenço da Barra; Querino Antonio, remador da dita; José Lopes, dito; Bento Luiz, dito; - Eusébio Lopes, dito; Francisco Lima, dito; Antonio das Neves e Carlos Augusto. (Estes dois não pertencem á referida tripulação.)

Bordo da corveta Oito de Julho, surta em frente de Belem, 21 de fevereiro de 1856. = Antonio Rafael Rodrigues Sette, primeiro tenente commandante.

Jeremias Meagher, vice-consul de sua magestade britannica em Lisboa.

Certifico que o extracto acima foi extrahido fielmente do original protesto, feito pelo mestre e tripulação da escuna ingleza Howard Primorose, registado n'este consulado, e que a relação dos nomes dos nove marinheiros que salvara mas vidas dos mencionados mestre e tripulação, junta ao supradito extracto, é copia fiel da relação original, assignada pelo commandante da corveta Oito de Julho, estacionada em Belem e que foi enviada a este consulado pela maioria general da armada.

Por mim feita e sellada com o sêllo d'este consulado, em 17 de abril de 1856. = Logar do sêllo. = Jeremias Meagher, vice-consul.

Isto é authentico, e já n'este jornal estava consignado nos n.ºs 738 e 756. No primeiro vem extensamente narrada a historia d'este successo, e no segundo, n'uma correspondencia do sr. Guilhermino Quintino Lopes de Macedo, igualmente se mencionam os serviços do patrão Joaquim Lopes e tripulação da falua. Foi n'esta correspondencia que pela primeira vez se fallou, na imprensa, na cooperação do anspeçada João José Lourenço n'este acto heroico, dizendo-se ahi que fóra elle que, mettendo-se ao mar e encontrando a falua, indicara o logar onde estavam os naufragos, que a gente da falua perdêra de vista.

Sem diminuir por fórma alguma a gloria que cabe ao valente anspeçada n'este heroico feito, prestando a devida homenagem ao valor que elle mostrou, arrojando-se impavido ás vagas temerosas, não podemos deixar de reconhecer que houve injustiça com o patrão Joaquim Lopes e a sua gente, não lhe dando um testemunho publico de reconhecimento, não galardoando a coragem e a impavidez com que se houveram n'esta arriscadissima conjunctura.

Estamos certos que o governo de Sua Magestade ha de remediar esta falta que é grave, porque é uma injustiça, premiando um benemerito, e deixando no esquecimento outros em identicas ou mais vantajosas condições.

É de certo que a mingua de informações officiaes que têem contribuido para que o governo não haja recompensado, como merecem, os valentes marinheiros da falua do Bugio.

O governo inglez sendo informado pelo seu digno consul do modo por que se houveram os falueiros, mandou que a cada um d'elles se dessem cinco libras, as quaes já receberam; e brevemente o mesmo governo enviará as medalhas com que resolveu condecorar aquelles benemeritos maritimos.

O governo portuguez não deve, nem pôde ser menos brioso do que o governo britannico.

(Jornal do commercio n.° 781, de 20 de abril de 1856.) Documento n.° 16

RECOMPENSA Á DEDICAÇÃO

Sabemos que o governo inglez mandou dezeseis medalhas de prata para a campanha de duas lanchas que salvaram a

tripulação do navio inglez Active, que naufragou na barra de Vianna; bem como já mandára distribuir duas libras a cada um dos homens d'aquellas companhas, as quaes lhes foram entregues pelo consul britannico no Porto.

Igualmente vieram as medalhas de prata para a gente da catraia que salvou a equipagem da escuna Howard Primorose, que naufragou na barra d'esta cidade; já noticiámos que cada um dos valentes catraeiros recebêra cinco libras, que lhes foram dadas pelo consul britannico em Lisboa, por ordem do seu governo.

As medalhas são do tamanho de meia corôa, na face tem o retrato da rainha Victoria, com a legenda Victoria D. G. Britanniarum Regina F. D. (Victoria pela graça de Deus rainha das ilhas britannicas, defensora da fé), e no reverso, uma grinalda com a corôa das armas de Inglaterra sobreposta, e no centro o seguinte dístico: Presented by the British Governement (offerecido pelo governo britannico) e em redor a legenda: For saving the lives of British subjects (por ter salvado as vidas de subditos inglezes).

O governo da rainha Victoria procedeu desta fórma com os valentes que salvaram as vidas dos naufragos, seus subditos, e o governo portuguez deixará no esquecimento acções tão generosas?

Não o podemos acreditar. Confiamos que o governo ha de fazer justiça á coragem dos nossos compatriotas: o seu proprio pundonor lhe aconselha que recompense aquelles que prestaram maior serviço, tendo pomposamente gratificado um que se houve com denodo e galhardia, é verdade.

Repetimos, estamos certos que o governo de El-Rei o Senhor D. Pedro V não será menos brioso que o da rainha Victoria. (Jornal do commercio n.° 794, de 1856.)

Documento n.° 17

HONRAS CONQUISTADAS

O sr. Joaquim Lopes, patrão da falua da torre do Bugio, socio honorario da real sociedade humanitaria do Porto, e por ella já condecorado com a medalha de oiro, pelos serviços prestados á tripulação da escuna ingleza Primorose, acaba de ser novamente condecorado pela mesma real sociedade com a medalha de prata, pelos novos serviços que este intrepido e generoso ancião prestou ultimamente, salvando um homem que ficára debaixo de uma canoa, em Paço de Arcos, que morreria se não fóra soccorrido pelo destemido Lopes.

(Continua.) (Jornal do commercio n.º 1073, de 1857.)