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Por deliberação da camara dos senhores deputados, tomada em sessão de 27 de março passado, se publicam os seguintes documentos

(Continuado do numero antecedente)

Documento n.° 18

O naufragio da escuna ingleza, British Queen, de que hontem informámos os nossos leitores, é mais um facto par demonstrar a urgente necessidade da organisação do serviço de soccorros maritimos.

A imprensa tem instado muitas vezes por esta organisação, e não tem sido até hoje attendida. Esperâmos que seja agora.

E não bastam essas providencias, que nascem no gabinete de uma secretaria e morrem nas columnas do Diario As providencias, que o caso requer, devem ser promptas efficazes, energicas, porque interessa n'ellas a humanidade

Seria uma cruel zombaria deixar as cousas no estado vergonhoso em que se acham.

Ao governo compete pôr em execução o que lhe tem sido proposto, ou substituir os meios propostos por outros que lhe pareçam melhores.

Em todo o caso é urgente e indispensavel tomar as medidas convenientes, para que os navios em perigo sejam promptamente soccorridos.

Dos sete tripulantes da escuna, apenas escaparam dois ao naufragio. A escuna perdeu-se.

Temos á vista uma carta, firmada por um dos nossos assignantes, que descreve o acontecimento pelo modo seguinte:

«Ás sete e meia da manhã, do dia 24 do corrente, appareceu uma escuna ingleza a sotavento do Bugio; fez dois bordos, um para leste e outro para oeste, porém não conseguindo virar, em consequencia do grande mar e vento, encalhou no baixo do Alpeidão a oeste do Bugio. Apenas as torres fizeram o signal de soccorro, saíram de Paço de Arcos uma canoa de pesca e o escaler da alfandega. A canoa, por ser mais veleira, chegou muito antes do escaler; este veiu depois Juntar-se a ella; e em seguida veiu da Trafaria outro escaler da alfandega. Estiveram, durante tres horas, pouco mais ou menos, lutando com o mar, não podendo approximar-se da escuna, que viram, com horror, submergir-se. Pouco depois, avistando-se um homem agarrado a um pau, a tripulação da canoa, sem attender ao perigo, correu a salva-lo, o que conseguiu, e como o visse em mau estado, arriscou-se a leva-lo para o Bugio, a fim de lhe serem ali administrados os necessarios soccorros. Entretanto o escaler da alfandega, de Paço de Arcos, salvava, e conduzia para terra o capitão. A canoa voltou ainda em busca de algum naufrago, e avistando um vulto negro, correu a elle, arriscando-se muito, porque se encheu duas vezes de agua. O vulto era um cão, que foi transportado para o Bugio.»

Esta canoa, que já tem salvado muitas victimas, era commandada pelo proprio dono, o bem conhecido e benemerito patrão da falua do Bugio. Os escaleres, que acompanharam corajosamente a falua, prestaram tambem relevante serviço.

E para commover á heroicidade e caridosa dedicação do velho patrão da falua, o bravo Joaquim Lopes, prompto sempre a affrontar o perigo para salvar as victimas do mar. Foi elle quem salvou a escuna Primorose, foi elle quem conseguiu levar um dos seus homens a bordo do vapor inglez para o retirar do baixo do Bugio; a elle se devem muitos outros serviços que têem passado despercebidos.

As medalhas não se fizeram sómente para os marinheiros russos.

A este honrado octogenário, que tantas vezes tem arriscado a existencia, e que por seus relevantes serviços não teve ainda recompensa, nem ao menos concedem a reforma, que solicitou ha muito, e a que parece ter incontestavel direito!

(Diario mercantil n.° 45, de 26 de fevereiro de 1858.)

Documento n.° 19 O naufragio da escuna ingleza British Queen fez levantára costumada poeira dos soccorros maritimos do porto de Lisboa; isto é, os jornaes gritam que ha falta de soccorros, e que por tal falta houve estas e aquellas victimas; um ou dois paes da patria annunciam logo uma interpellação nas camaras ao respectivo ministro da marinha; este responde quatro palavrões esperançosos, como, por exemplo, confessa a verdade do miseravel estado dos soccorros da barra, e termina por dizer que = vae mandar saber quanto custará em Inglaterra os barcos salva vidas de Greatheed =; e deste modo põem peneira nos olhos ao povo, até que uma nova desgraça venha avivar este miseravel estado das nossas cousas!!

O que é notavel neste ultimo acontecimento é que, segundo diz o Jornal mercantil n.° 45, de 26 de fevereiro, a salvação dos dois homens da tripulação da escuna British Queen é devida á corajosa dedicação do velho ancião, patrão da falua da torre do Bugio, pois foi elle que primeiro saíu de Paço de Arcos com os seus filhos, e que ensinou aos escaleres da alfandega o caminho da barra e come se podiam salvar os naufragados; e sabe, mestre, apaga que o pobre do bom velho Joaquim Lopes teve? Eu lh'o digo: o sr. Mantas informou á direcção da alfandega que os dois homens da tripulação da British Queen, que unicamente se poderam salvar, foram salvos pelos escaleres da alfandega; e foi isto mesmo que o ministro informou á camara dos deputados; quero dizer, esqueceram de mencionar o patrão da falua!

Isto é uma miseria humana; pois o sr. conselheiro, commendador, pé-fresco, e o sr. Santos das Sete, ou, foram enganados, ou muito de proposito enganaram. O governo, pelo ministerio da guerra, era informado pelo governador do Bugio, que o patrão da falua, Joaquim Lopes, aos primeiros signaes de soccorro, logo correu ao perigo com

aquella audacia com que sempre corre a bater-se, com as ondas para lhe arrancar as prezas! Pelo ministerio da marinha é informado; que quando o vapor de guerra (que gastou seis horas a accender as machinas) chegou a Paço de Arcos, tres léguas de distancia!!! já lá não viu nada;, e pelo ministerio da fazenda é informado de que quem acudiu ao perigo foram os escaleres da alfandega, e a elles se deveu a salvação do capitão e um marinheiro;, e isto no mesmo dia em que no Jornal mercantil, no seu artigo de fundo, narrava circumstanciadamente, o naufragio da British Queen, e dizia que ao patrão da falua de Paço de Arcos se devia a salvação de parte da tripulação.

Mestre, o que eu vejo de tudo isto é que, se desgostam o velho Lopes do Bugio, podem os remadores do commendador Mantas ir bugiar, e mais os nossos marinheiros, que jamais serão capazes de salvar um desgraçado que naufrague na barra de Lisboa.

(O Braz Tisana n.º 68, de 12 de março de 1858.) Documento n.° 20 No dia 16 de fevereiro de 1856 naufragou na barra de Lisboa a escuna ingleza Primorose, e o patrão da falua do Bugio salvou a tripulação da escuna. Logo que chegou a Inglaterra noticia do facto, o governo inglez mandou condecorar o valente Joaquim Lopes, enviando-lhe uma medalha de oiro, com fita, e um diploma. Na orla da medalha está gravado o nome do agraciado, e o dia do heroico feito.

A sociedade humanitaria do Porto, logo que foi sabedora do serviço prestado á tripulação da escuna Primorose, condecorou o patrão da falua com a grande medalha de oiro.

Não fizeram impressão, no animo do governo nem o facto, nem as recompensas concedidas. O velho Joaquim Lopes é empregado do estado, fez um serviço relevante, que merecia honrosa menção, mas o governo guardou silencio, e só lhe occorreu que devia recompensar de algum modo o patrão da falua, quando a imprensa censurou severamente a injustiça, que se praticára, condecorando com a Torre e Espada um soldado, cujos serviços não podiam ser comparados com o acto de heroicidade que praticára o salvador da tripulação da escuna.

Para reparar injustiças, e galardoar serviços d'esta natureza, baixou em 18 de dezembro, dez mezes depois, uma portaria, mandando cunhar um medalhão de prata. Foi a portaria assignada pelo sr. Julio Gomes da Silva Sanches, então ministro do reino. A medalha pésa duas onças, não tem argola, nem fivella a que se possa prender fita, e veiu parar ás mãos dos condecorados, embrulhada em um pedaço de papel ordinario. De um lado tem a medalha a effigie da Senhora D. Maria II, e do outro a seguinte legenda: Philantropia, generosidade ao merito, instituida por S. M. F. a Senhora D. Maria II.

É o medalhão de taes dimensões e peso, que ficaram embaraçados, ao recebe-lo, os que foram condecorados.

Nenhum sabia como usar d'elle, até que a final se resolveu, por maioria, que seria bom grudalo ao fato, visto que não havia outro meio melhor.

Compare-se o procedimento do governo inglez e o da sociedade humanitaria do Porto, com o do nosso governo, e digam-nos se não é muito para louvar o acerto e a promptidão das suas resoluções.

(Jornal mercantil n.º 155, de 15 de julho de 1858.) Documento n.° 21 Um bravo maritimo. — O patrão da falua da torre do Bugio, Joaquim Lopes, póde dizer-se o heroe da barra de Lisboa. Tem figurado em muitos dos dramas tenebrosos passados n'aquellas paragens

N'este jornal temos commemorado alguns dos actos de generosa valentia praticados pelo bravo Joaquim Lopes.

Este maritimo, para quem as ondas embravecidas são como um brinco de creança, e que arremette com a furia dos temporaes n'um fragil barco, sem tremer nem hesitar, tem o peito coberto de honrosas medalhas.

Estas é que são bem conquistadas, só recordam as vidas arrancadas á morte; se provocaram lagrimas foram só, de alegria e de reconhecimento ao homem que se dedicou com tanta caridade a bem dos seus similhantes. As medalhas ganhas nos campos de batalha tem sempre uma face lutuosa, porque lembram o sangue derramado, a viuvez e a orphandade, e as saudades que deixam as victimas dos caprichos, das vaidades, e das ambições dos monarchas e dos povos.

Joaquim Lopes tem cinco medalhas, que lhe foram conferidas por actos de heroísmos. Duas da sociedade humanitaria do Porto, sendo uma de oiro e outra de prata. Duas do governo britannico, uma de oiro e outra de prata. É a medalha de merito civil dada pelo governo portuguez. Além d'isto é socio honorario da sociedade humanitaria. Eis-aqui um homem que todos devem respeitar. O intrepido patrão parece ser homem de mais de cincoenta annos, mas robusto, e ainda em 1856, deitando-se a nado, salvou um homem, que estava debaixo de uma canoa, que a braveza do mar fizera virar.

Joaquim Lopes tem companheiros nas suas arriscadissimas aventuras maritimas, mas elle é o chefe da campanha. E os companheiros tambem já têem recebido medalhas. (Jornal do commercio n.° 1447, de 23 de julho de 1858.) (Continua.)