O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1067

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Senhores. — A commissão de fazenda examinou com a devida attenção o requerimento que á camara dos deputados foi apresentado pelos filhos do fallecido conde do Farrobo, pedindo providencias que os libertem da imminente execução que, em resultado da soblocação do contrato do tabaco nos triennios de maio de 1837 a abril de 1843, lhes vae absorver todos os bens que deviam constituir a herança de seu pae, deixando-os abandonados á tristeza da miseria e da fome.

De ninguem é desconhecida a historia da locação do contrato do tabaco, por doze annos, feita ao fallecido barão de Quintella em 1832, e a da sua sublocação nos triennios de 1837 a 1843, feita a Lino da Silveira e a Manuel Joaquim Pimenta; mas nem por isso a vossa commissão póde dispensar se de trazer á memoria os factos e pontos principaes d'essa historia, que muito resumidamente passa a indicar.

No anno de 1832, quando os intrepidos, mas poucos defensores da causa da Rainha, de saudosa memoria, a Senhora Dona Maria II, e da liberdade constitucional estavam encerrados na cidade do Porto, apertados pelo lado da terra por um cinto de ferro, e prestes a serem completamente bloqueados pelo lado do mar, reduzidos quasi pela fome e pela carencia de munições de guerra á extremidade ultima de abandonarem o terreno que possuiam, ou de se deixarem degolar nas trincheiras da invicta cidade, o barão de Quintella, animado dos sentimentos de mais elevado patriotismo e dedicação pela causa santa da justiça e da liberdade, emprestou ao governo do Imperador o Regente sommas avultadas, que abrangiam consideravel parte da sua fortuna patrimonial, proporcionando assim meios para que a esquadra constitucional levantasse ferro, e saíndo ao mar, garantisse o accesso á barra do Porto, por onde unicamente podiam chegar viveres, armas e munições abrindo caminho para as ousadas e gloriosas emprezas que depois se succederam — a expedição ao Algarve, o aprisionamento da esquadra inimiga, a tomada de Lisboa e o triumpho final da causa constitucional.

Este ousado rasgo de generosidade verdadeiramente portugueza foi considerado n'aquella epocha por todos os que conheciam e sentiam as angustiosas circumstancias com que lutava a causa da liberdade, como um dos maiores serviços, e dos mais ferteis em resultados felizes d'entre todos quantos foram praticados pelos seus heroicos defensores; e o proprio Imperador, agradecendo ao barão de Quintella, em carta autographa de 18 de fevereiro de 1833, o considerou e qualificou «como um entre os muitos e importantes serviços por elle prestados á nobre e justa causa que defendia, digno de passar á posteridade».

Não carece, por certo, este authentico testemunho do Imperador de ser corroborado por algum outro, por mais auctorisado que ser possa; mas não deve esquecer que o bravo soldado, o honrado e prestante cidadão Bernardo de Sá Nogueira, hoje marquez de Sá da Bandeira, e então ministro da marinha, testemunha presencial de tantos feitos heroicos, o juiz competente para os apreciar, qualificou então, e ainda hoje considera o serviço prestado pelo barão de Quintella, como «extraordinariamente eminente».

Para pagamento e reembolso das quantias em taes circumstancias emprestadas, foi adjudicado ao barão de Quintella o contrato do tabaco em 10 de dezembro de 1832, pelo tempo de doze annos e preço de 1.200:000$000 réis annuaes, que, na conformidade do alvará de 25 de fevereiro de 1801, deviam ser pagos metade em papel e metade em metal, e com faculdade de o sublocar a pessoa ou pessoas da approvação do governo.

Sublocou com effeito o barão de Quintella, já então conde do Farrobo, a Lino da Silveira e a Manuel Joaquim Pimenta o contraio do tabaco pelos dois triennios de 1837 a 1843, e entre as condições da sublocação, que foram approvadas pelo governo por decreto de 20 de janeiro de 1836, encontra-se a 7.ª, pela qual o sublocante «cede e trespassa para os sublocatarios o direito de indemnisação que lhe compete pela extincção do papel moeda, para a qual o governo estava auctorisado pelo artigo 3.° da lei do 1.° de setembro de 1834».

Nunca os sublocatarios poderam obter dos poderes publicos tal indemnisação, e por isso recorreram aos tribunaes contra o sublocante e originario contratador, pedindo que os indemnisasse elle do agio do papel moeda ou da differença de preço entre tal moeda e o dinheiro metal correspondente ás mezadas do primeiro triennio da sublocação, desde o 1.° de janeiro de 1838 a 30 de abril de 1840, fazendo ao mesmo tempo encampação de sublocação pelo segundo triennio de 1840 a 1843.

A fazenda nacional, que foi chamada a autoria pelo conde do Farrobo, e que havia recebido integralmente em metal as mezadas pelo preço do contrato, não acceitou a defeza da causa, antes a repelliu expressamente, deixando que o sublocante e sublocatarios disputassem entro si, como por largos annos disputaram com varia fortuna, até que finalmente os sublocatarios obtiveram sentença definitiva e ultima contra o sublocante, que ficou condemnado a indemnisal-os dos lucros cessantes e prejuizos que lhes resultaram do não goso dos interesses do agio do papel moeda no pagamento do preço do contrato.

A sentença condemnatoria passou em julgado e está irrevogavel; e é em consequencia do seu preceito e decreto judicial que estão hoje penhorados, proximos a serem vendidos em praça todos, absolutamente todos, os bens hereditarios, que ficaram do fallecido conde do Farrobo, e os filhos d'este condemnados á pobreza, á infeliz e penosa situação de esmolarem o pão de cada dia!!! Isto em consequencia de um grande serviço generosa e desinteressadamente prestado á patria, do qual em grande parte resultou o triumpho e salvação da liberdade!!!

É n'estas circumstancias extremas de amargura e do afflicção que os filhos do conde do Farrobo recorrem aos representantes da nação, invocando os sentimentos da honra e gratidão nacional, e pedindo, não já a restituição integral das sommas que o thesouro publico recebeu dos sublocatarios, que ainda retem e conserva em si, e das quaes os supplicantes (que nada receberam nem gosaram) estão condemnados a fazer inteira restituição aos mesmos sublocatarios; não já a indemnisação de todas as perdas, damnos e lucros cessantes que lhes resultaram da extincção do papel moeda e da falta do cumprimento da disposição do artigo 3.° da lei de 1 de setembro de 1834; mas só sim, pedindo que os alliviem da enormidade da desgraça que os persegue, libertando-os da violenta execução que os opprime e suffoca e lhes arrebata todos os meios de alimentação para si e seus numerosos filhos, netos do barão de Quintella, do prestante cidadão, que tudo arriscou por devoção civica para salvar a liberdade da patria e as instituições constitucionaes, sob a protecção das quaes nós hoje aqui nos encontrâmos constituidos em assembléa da nação!!!

A vossa commissão, penetrada da grandeza do assumpto, ganhou a convicção de que não lhe pertencia, porque não é da competencia da camara nem do corpo legislativo entrar na apreciação juridica das condições dos contratos, e do modo por que pelos tribunaes de justiça foram entendidas e applicadas as leis correlativas. O principio da independencia e separação dos poderes politicos não permitte que a camara tome conhecimento do assumpto sob tal aspecto; mas nem por isso se segue que os representantes da nação devam escusar-se á apreciação da causa nas suas relações com a justiça absoluta, que é eterna e immutavel, superior e anterior ás leis escriptas e ás formalidades forenses; nas suas relações com a moral universal que é a base de todas as leis, e não permitte que o estado ou o individuo se locuplete com jactura alheia; e nas suas relações com a gratidão nacional, que não póde consentir que os filhos do barão de Quintella esmolem o pão de cada dia em resultado e consequencia ultima de um serviço extraordinariamente eminente, feito á patria e á liberdade.

Sessão de 10 de abril de 1878