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SESSÃO DE 10 DE ABRIL DE 1878

Presidencia do ex.mo sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios - os srs.

Francico Augusto Florido da Monta e Vasconcellos

Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto

SUMMARIO

Depois do expediente, o ex.mo sr. presidente Mamede disse que tendo sido nomeado par do reino, agradecia á camara a maneira distincta como tinha sido tratado por todos os seus collegas, de quem se despedia com saudade; o sr. visconde de Sieuve de Menezes propoz que se lançasse na acta uma solemne manifestação da maneira sempre digna e respeitavel como s. ex.ª tinha dirigido os trabalhos da assembléa, pensamento que tambem manifestou o sr. Braamcamp. Em seguida o sr. vice-presidente tomou a presidencia, sendo o sr. Mamede acompanhado até á porta da sala por grande numero de srs. deputados. — Leu-se o decreto prorogando as côrtes até ao dia 16 do corrente. — Entrou em discussão o parecer sobre a proposição vinda da camara dos dignos pares a respeito da reforma do actor Santos, o qual foi approvado. — O sr. visconde de Sieuve de Menezes perguntou á commissão de fazenda se o projecto do real de agua, ultimamente votado, tinha applicação as ilhas dos Açores e Madeira, a que respondeu o sr. Carrilho, declarando que a mente da commissão é que só tivesse applicação ao continente do reino. — O projecto n.º 38, determinando que o beneficio concedido ás praças que desembarcaram no Mindello, seja contado da data da promulgação da carta de lei deli de abril de 1877, foi approvado. — Tambem foram approvados os seguintes projectos: n.º 85, de 1875, fixando em 360$000 réis o ordenado do escrivão interprete da estação de saude de Setubal; n.º 65, impondo multas ás pessoas que publicamente maltratarem os animaes; n.º 76, de 1876, determinando que passem ao monte pio das alfandegas do reino diversas quantias de differentes proveniências. — Apresentou-se uma proposta sobre o contrato da illuminação a gaz da cidade. — O projecto n.º 79, da sessão passada, auctorisando a camara municipal de Alcacer do Sal a levantar do cofre de viação municipal a quantia de 3:000$000 réis, foi approvado. — Entrou em discussão o projecto n.º 60, de 1876, sobre a questão Farrobo, que depois de alguma discussão não teve vencimento em votação nominal, ficando reservado para nova votação. — O projecto n.º 72, que veiu da camara dos dignos pares, sobre o codigo de justiça militar, foi adiado. — Sem discussão foi approvado o projecto n.º 31, sobre a collocação dos officiaes que vão servir no ultramar. — O projecto n.º 40, estabelecendo que as pensões do estado não inhibem o usofructo do monte pio militar, foi approvado depois de alguma discussão. — Tambem foi approvado o projecto n.º 42, organisando a escola de torpedos, depois de algum debate. — O sr. ministro da marinha apresentou uma proposta fixando o numero de recrutas para o serviço da armada.

Presentes á chamada 51 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Osorio de Vasconcellos, Rocha Peixoto (Alfredo), Braamcamp, Cardoso Avelino, A. J. d'Avila, A. J. Teixeira, Carrilho, Ferreira de Mesquita, Mello Gouveia, Neves Carneiro, Zeferino Rodrigues, Carlos Testa, Vieira da Mota, Conde da Foz, Custodio José Vieira, Forjaz de Sampaio, Eduardo Tavares, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Pinheiro Osorio, Mouta e Vasconcellos, Francisco Costa, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Jeronymo Pimentel, Barros e Cunha, J. M. de Magalhães, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Matos Correia, Correia de Oliveira, Pereira da Costa, Namorado, Pereira Rodrigues, Julio de Vilhena, Luiz de Campos, Camara Leme, Bivar, Faria e Mello, Manuel d'Assumpção, Pires de Lima, Mello e Simas, Pinheiro Chagas, Cunha Monteiro, Miguel Coutinho (D.), Pedro Jacome, Pedro Roberto,Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Sieuvo de Menezes.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Antunes Guerreiro, A. J. Boavida, Cunha Belem, Arrobas, Sousa Lobo, Conde de Bertiandos, Illidio do Valle, Jayme Moniz, Ferreira Braga, Dias Ferreira, Guilherme Pacheco, Figueiredo de Faria, José Luciano, Ferreira Freire, Moraes Rego, J. M. dos Santos, Pinto Basto, Sampaio e Mello, Luiz de Lencastre.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Adriano de Sampaio, Agostinho da Rocha, Alberto Garrido, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, A. J. de Seixas, Telles de Vasconcellos, Augusto Godinho, Barão de Ferreira dos Santos, Conde da Graciosa, Cardoso de Albuquerque, Francisco Mendes, Pinto Bessa, Van-Zeller, Palma, J. Perdigão, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Cardoso Klerck, José de Mello Gouveia, Nogueira, Mexia Salema, Freitas Branco, Rocha Peixoto (Manuel), Alves Passos, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Pedro Correia, Pedro Franco, Placido de Abreu, Julio Ferraz, Ricardo de Mello, Viscondo de Carregoso, Visconde de Guedes Teixeira, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Abertura — ás duas e meia horas da tarde.

Acta — approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio da guerra, devolvendo informado o requerimento em que o capitão do exercito em commissão na provincia de Moçambique, Miguel Vaz Guedes Bacellar, pede se lhe conte a antiguidade de tenente de 12 de dezembro de 1872.

Enviado á secretaria.

O sr. Presidente: — No Diario do governo de hoje, que ha pouco foi distribuido, vem publicada a carta regia, na qual Sua Magestade El-Rei, pela sua muita bondade e benevolencia para commigo, se dignou honrar-me com a nomeação de par do reino.

A honra feita ao presidente da camara dos senhores deputados compartilha-a tambem a mesma camara, que repetidas vezes me elegeu. (Muitos apoiados.)

Acceitando esta honrosa nomeação, e antes de deixar este logar, vou agradecer a todos os srs. deputados, de um e outro lado da camara, as repetidas demonstrações de muita deferencia e sympathia para commigo, que nunca esquecerei.

Quando subi a este logar prometti ser justo e imparcial; não me pertence a mim dizer se o fui; mas posso assegurar á camara, tranquillo com a rainha consciencia, que empreguei todas as diligencias para o ser. (Muitos apoiados.)

Aos srs. secretarios agradeço a cooperação, activa e muito intelligente, que me prestaram.

Convido o sr. vice-presidente, Francisco Costa, a occupar a cadeira da presidencia.

O sr. Visconde de Sieuve de Menezes: — A camara acaba de ouvir a communicação que v. ex.ª lhe fez de que, tendo sido nomeado por Sua Magestade par do reino, tem de nos deixar.

Por esse motivo mando para a mesa uma proposta, que não acompanho de quaesquer considerações, porque creio que ellas estão no animo de toda a camara. (Muitos apoiados.)

A proposta é a seguinte:

(Leu.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A camara resolve, que se lance na acta das suas sessões a solemne manifestação da maneira sempre digna e respeitavel por que s. ex.ª dirigiu os trabalhos d'esta assembléa na presente legislatura. = Visconde de tiienve de Meneses.

O sr. Braamcamp: — O illustre deputado, sr. visconde de Sieuve de Menezes, preveniu o meu proposito.

Eu desejava, em meu nome, e presumo que o possa fazer em nome de todos os membros da opposição d'esta casa, manifestar a v. ex.ª o nosso reconhecimento pela im-

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parcialidade com que sempre dirigiu os trabalhos d'esta camara (Apoiados da esquerda.); e assegurar a v. ex.ª que, felicitando-o pela alta prova de considerarão que recebeu da corôa, sentimos ao mesmo tempo o perdermos um membro tão digno d'esta camara (Muitos apoiados.), pelo qual sempre tivemos a maior consideração. (Muitos apoiados. Vozes: — Muito bem.)

O sr. Presidente: — A camara dispensa-me por certo de pôr á votação a proposta do sr. visconde de Sieuvo do Menezes, meu amigo.

Asseguro novamente á camara que me retiro d'este logar extremamente penhorado com tantas demonstrações de amisade que os meus collegas me quizeram dar.

(Em seguida occupou a cadeira, da presidencia, o sr. Francisco Costa, e o sr. presidente saíu da sala acompanhado de quasi todos os srs. deputados até aporta da camara).

O sr. Presidente (Francisco Costa): — Creio que interpreto bem os sentimentos de toda á camara, mandando lançar na acta a proposta do sr. visconde de Sieuve de Menezes, approvada unanimemente. (Muitos apoiados.)

Foram lidos na mesa os seguintes documentos:

Ill.mo e ex.mo sr. — Tenho a honra de passar ás mãos de v. ex.ª, para conhecimento da camara dos senhores deputados da nação portugueza, o incluso decreto authographo, datado de hoje, pelo qual Sua Magestade El-Rei houve por bem prorogar as côrtes geraes ordinarias da nação portugueza até ao dia 16 do corrente mez inclusivamente.

Deus guarde a v. ex.ª Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 9 de abril de 1878. — Ill.mo e ex.mo sr. presidente da camara dos senhores deputados da nação portuguesa. = Antonio Rodrigues Sampaio.

Usando da faculdade que me confere a carta constitucional da monarchia no artigo 74.°, § 4.°, depois de ter ouvido o conselho d'estado nos termos do artigo 110.º da mesma carta: hei por bem prorogar as côrtes geraes ordinarias da nação portugueza até ao dia 16 do corrente mez de abril inclusivamente.

O presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza assim o tenha entendido para os effeitos convenientes.

Paço da Ajuda, em 9 de abril de 1878. = REI. = Antonio Rodrigues Sampaio.

O sr. Visconde da Arriaga: — Mando para a mesa um projecto de lei, e peço a v. ex.ª que o mande publicar no Diario do governo.

Este projecto tem por fim fazer com que a estrada n.º 20, de Vinhaes a Mirandella, seja considerada estrada real.

V. ex.ª e a camara sabem que, pela lei de 28 de julho de 1862, as estradas do reino foram classificadas em reaes, districtaes e municipaes, mas mais tarde, em 1867, fui o governo auctorisado a construir os caminhos de ferro do Minho e Douro.

Se porventura estas estradas ainda não estivessem classificadas n'essa epocha, de certo que a sua sorte seria outra, porque hoje era toda a parte do mundo as estradas convergem sempre para os caminhos de ferro; e se os caminhos de ferro do Minho e Douro estivessem decretados, ou se ostivessem construidos antes da classificação das estradas, pelo menos n'aquella parte das provincias de Traz os Montes e do Minho as estradas não teriam as directrizes que hoje têem.

As de Traz os Montes, por exemplo, convergiriam todas sobre o caminho de ferro do Douro, conforme elle seguisse até ao Pinhão na actualidade, ou, até mais acima logo que se prolongue.

Provavelmente de futuro directrizes actuaes e legisladas hão de ser abandonadas, porque os caminhos de ferro é que hão de ser o ponto de partida para todas as estradas.

A estrada de Vinhaes a Mirandella por Dona Chama é uma estrada muito longa e difficil de construir e o districto de certo não a póde construir, porque está sobrecarregado com differentes emprestimos de que paga juro.

As estradas de Mirandella por via de Murça e Populo estão já concluidas; por conseguinte se nós decretassemos essa estrada, que o districto não póde fazer, e fosse construida por corita do estado, de certo que teriamos uma communicação mais facil com o caminho de ferro do Pinhão e por conseguinte com o Porto, que é o centro do commercio da provincia de Traz os Montes.

É a este fim que se dirige o meu projecto.

Poço a v. ex.ª que o faça remetter quanto antes á commissão de obras publicas, a fim de o tomar na devida consideração.

O sr. Presidente: — O sr. deputado pede a urgencia?

O sr. Visoonde da Arriaga: — Sim, senhor.

Consultada, a camara, foi julgado urgente; admittido á discussão e remettido á commissão de obras publicas o seguinte

Projecto de lei

Senhores. — Pela lei de 15 de julho de 1862 as estradas do reino foram classificadas em reaes, districtaes e municipaes, e pela lei de 2 de julho de 1867 foi auctorisado o governo a continuar o caminho de ferro de Minho e Douro.

Se porventura já estivessem começadas estas duas linhas ferreas antes de 1862, outra teria sido a classificação das estradas feita pela lei de 15 de julho d'aquelle anno, porque as linhas ferreas seriam, como são em toda a parte, a base para a classificação das mesmas em reaes, distristaes e municipaes.

A estrada districtal n.º 20, que de Vinhaes se dirige por D. Chama a Mirandella está n'este caso.

Esta estrada, que corta o districto de Bragança a meio por uma zona de difficil cunstruccão, mas muito povoada e rica em productos agricolas, deve ser considerada como estrada real. De Mirandella por via de Murça e Populo estradas já concluidas dirige-se ao caminho de ferro do Pinhão; e seria de grande vantagem para todo o districto esta communicação com a linha ferrea e cidade do Porto, centro de todo o movimento commercial da provincia de Traz os Montes.

A junta geral do districto de Bragança, o director das obras publicas e a camara municipal de Mirandella já têem representado, por differentes vezes, ao governo para aquella estrada ser classificada como estrada real. O actual ministro das obras publicas, na sessão legislativa 1872, apresentou n'esta casa, como deputado, um projecto de lei, para que todas as estradas de Traz os Montes que convergissem sobre o caminho de ferro do Douro fossem estrada reaes, sendo aquella das mais importantes.

Com a opinião de pessoas tão auctorisadas, tenho a honra de apresentar á camara o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º A estrada districtal n.º 20, que de Vinhaes se dirige a Mirandella por D. Chama, passa a ser considerada, para todos effeitos, como estrada real.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara, em 10 de abril de 1878. = Visconde da Arriaga, deputado por Mirandella.

Enviado á commissão de obras publicas.

O sr. Ferreira de Mesquita: — Tive hontem a honra de mandar para a mesa o parecer das commissões de instrucção publica e fasenda reunidas, ácerca de umas emendas feitas na camara dos dignos pares com relação ao projecto de reforma do actor José Carlos dos Santos.

N'essa occasião pedi ao sr. presidente que consultasse a camara sobre sepermittia que este parecer fosse posto immediatamente em discussão, dispensaudo-se o regimento.

O sr. presidente, porém, concordou commigo, ou, para melhor dizer, concordei eu com s. ex.ª, para mais regular andamento d'este negocio, que o parecer fosse impresso e depois distribuido. O parecer já foi impresso, e hoje mesmo distribuido, e a assembléa conhece perfeitamente o assumpto.

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Peco hoje novamente a v. ex.ª que consulte a camara sobre se dispensa o regimento, para desde já entrar em discussão o parecer a que se refere a emenda feita pela outra camara.

Consultada a camara resolveu affirmativamente, sendo em seguida approvado sem discussão o seguinte

Parecer n.º 75

Senhores. — As vossas commissões de instrucção publica e de fazenda são de opinião que seja recebida a emenda apresentada na camara dos dignos pares ao projecto de lei n.º 69-B, que tem por fim a reforma do actor Santos.

Sala das sessões, em 6 de abril de 1878. = Visconde da Azarujinha = Joaquim de Matos Correia = M. M. de Mello e Simas Antonio M. P. Carrilho = Jacinto A. Perdigão = A. C. Ferreira de Mesquita = Jayme Moniz = Antonio José Teixeira = Antonio Maria Barreiros Arrobas = M. Pinheiro Chagas = Lopo Vaz de Sampaio e Mello = A. A. Teixeira de Vasconcellos = José Maria dos Santos = Julio de Vilhena = Diogo P. Forjaz = Augusto de Sousa Lobo.

A camara dos pares envia á camara dos deputados a suia proposição de lei datada de 13 de fevereiro de 1878, que tem por fim conceder a reforma ao actor José Carlos dos Santos, com as alteraoõos juntas, e pensa que com ellas tem logar pedir-se ao Rei a sua sancção.

Palacio das côrtes, em 4 de abril de 1878 = Duque d'Avila e de Bolama = Visconde de Soares Franco, par do reino secretario = Eduardo Montufar Barreiros, par do reino secretario.

N.°09-B

Alterações feitas pela camara dos pares na proposição de lei da camara dos senhores deputados datada de 13 de fevereiro de 1878, que tem por fim conceder a reforma ao actor José Carlos dos Santos

Artigo 1.º Approvado.

Art. 2.° Approvado.

Art. 3.° Os direitos de aposentação e reforma concedidos aos ntitores pelo decreto de 4 do outubro de 1860, são mantidos nos termos do mesmo decreto, e não obstante quaesquer disposições em contrario do decreto de 10 de outubro de 1869, contando-lhes todo o tempo de serviço que tiverem em qualquer theatro nacional, embora não tenha sido administrado por conta do governo.

Ari: 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 4 de abril de 1878. = Duque d'Avila e de Bolama = Visconde de Soares Franco par do reino secretario = Eduardo Montufar Barreiros, par do reino secretario.

N.° 265

Artigo 1.° É concedida a reforma ao actor José Carlos dos Santos, tendo em consideração os valiosos serviços por elle prestados á arte dramatica, e attendehdo ás excepcionaes circumstancias em que este artista se encontra.

Art. 2.° O actor José Carlos dos Santos receberá pelo cofre especial das aposentações e reformas dos actores do theatro de D. Maria II o ordenado, que no § unlco do artigo 77.° do decreto de 4 de outubro de 1860 fóra arbitrado aos actores de 1.ª classe que n'aquelle theatro requeressem a reforma pelo facto de terem completado vinte annos de bom e effectivo serviço.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 13 do fevereiro de 1878 = Joaquim Gonçalves Mamede, presidente = Francisco Augusto Florido da Monta e Vasconcellos, deputado secretario = Barão de Ferreira dos Santos, deputado secretario.

O sr. Luciano de Castro: — Declaro a v. ex.ª que votei contra este parecer.

O sr. Presidente: — Tenha o sr. deputado a bondade de mandar a sua declaração por escripto.

O sr. Visconde de Sieuve de Menezes: — Tinha hontem pedido a palavra para quando estivessem presentes quaesquer dos srs. ministros, da fazenda ou obras publicas, mas como nenhum d'estes cavalheiros está presente e o objecto sobre que tenho que fallar póde ser tratado na sua ausencia, e as explicações me podem ser dadas pelo illustre membro da commissão de fazenda e meu particular amigo, o sr. Carrilho, vou hoje fazer poucas considerações sobre o assumpto a que pretendo referir-me, e peço a s. ex.ª que tenha a condescendencia de me responder, por ser de grande importancia.

Foi ultimamente discutida n'esta e na outra casa do parlamento uma proposta de lei, que tem por fim alterar a legislação relativa ao real de agua; Esta discussão levantou nas ilhas dos Açores e Madeira graves apprehensões sobre se o imposto do real de agua era tambem alterado n'aquellas possessões e applicada ali a lei então votada.

Os inimigos da situação que consideram a receita publica, que esta casa casa muitas vezes vota um pouco alem do que deve ser, alterando completamente a verdade dos factos, tom levantado n'quellas ilhas a questão de que o real de agua está alterado, e que a lei que nós votámos vae ali ter applicação, com grave prejuizo dos povos.

A lei de 27 de dezembro de 1870, que estabelece o real de agua, diz no artigo 1.°:

«O real de agua é estabelecido no continente do reino, etc. etc.»

Toda a legislação posterior áquella lei diz respeito a este assumpto, que são as leis de 13 de maio de 1872 e 24 de abril de 1873, as quaes ampliaram as tabellas do real de agua, não têem applicação ás ilhas dos Açores e Madeira; não alteraram em nada a qualidade do imposto; nem o districto onde tem de ser cobrado, e por isso a lei que ultimamente se votou n'esta e na outra casa do parlamento não tem applicação alguma ás ilhas dos Açores; portanto peço ao illustre membro da commissão que me declare a sua opinião e a do governo a tal respeito.

O nosso real de agua, ou imposto sobre os liquidos, é cobrado nas alfandegas das ilhas, pela lei de 13 de maio de 1872, para as camaras municipaes.

Peco, por consequencia, ao illustre membro da commissão de fazenda, que me declare francamente se a disposição da lei do real de agua, que ultimamente votámos, tem applicação ás ilhas dos Açores e Madeira, a fim de dissipar qualquer impressão menos justa que se faça, nas ilhas, da lei do real de agua votada para o continente do reino.

O sr. Luciano de Castro: — Creio que está dado para ordem do dia o parecer da commissão de fazenda, relativo a uma indemnisação que se pretende dar aos herdeiros do conde do Farrobo. Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara para este projecto entrar em discussão.

Não advogo a causa dos herdeiros do conde do Farrobo; mas estando dado para ordem do dia, é neeessario que a camara tome uma resolução a este respeito.

O sr. Presidente: — O sr. Luciario de Castro requereu que consultasse a camara sobre se Consente que entre já em discussão o parecer relativo aos herdeiros do conde do Farrobo; a camara ouviu, e eu vou consultal-a.

O sr. Eduardo Tavares: — Não comprehendo bem o pedido do illustre deputado. A camara já ha dias resolveu que fosse dado para ordem do dia este parecer; agora pergunto se o illustre deputado requereu que elle entrasse desde já em discussão au quando estivesse presente o governo.

Vozes: — Quando estiver presente o governo.

O sr. Presidente: — Então entrará em discussão hoje, se não houver algum inconveniente por cansa da discussão de outros pareceres.

O sr. Carrilho: — Respondendo á perguntar que acaba de fazer o meu illustre amigo, o sr. visconde de Sieuve de Menezes, tenho a declarar que na commissão de fazenda, quando se tratou do parecer n° 7 sobre o real de agua não se pousou, por fórma alguma, que este imposto fosse

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extensivo ás ilhas dos Açores e da Madeira. Não se tratava de alterar o imposto existente, mas sim o modo da sua arrecadação; e como elle se refere só ao continente, e não ás ilhas, a commissão e a camara não mudaram de maneira alguma a natureza do imposto, e por isso elle não póde ser extensivo ás ilhas adjacentes.

O sr. Visconde de Sieuve de Menezes: — É para agradecer ao illustre membro da commissão, o sr. Carrilho, a declaração franca e positiva de que o real de agua não tem applicação ás ilhas dos Açores e Madeira.

O sr. J. J. Alves: — Mando para a mesa um requerimento da sr.a D. Candida de Meirelles e Antas, no qual pede lhe sejam notados nove annos a que tem direito pela pensão mensal que, por lei de 1873, lhe foi concedida, por lhe terem sido apenas notados sete annos, no que se considera prejudicada.

Peço a v. ex.ª se digne enviar este requerimento á commissão competente, para sobre elle emittir parecer.

O sr. Conde da Foz: — Mando para a mesa uma declaração, justificando a minha não comparencia n'esta casa nas ultimas sessões.

ORDEM DO DIA

Entrou em discussão o projecto de lei n.º 38, que foi approvado por unanimidade.

Passou-se ao projecto de lei n.º 85 de 1875, que foi approvado sem discussão.

Passou-se ao projecto de lei n.º 65, que foi approvado sem discussão.

Os projectos votados são os seguintes:

Projecto de lei n.º 38

Senhores. — Á vossa commissão de fazenda foi presente o projecto de lei n.º

2-XX, do sr. deputado Paula Medeiros, tendente a interpretar a lei de 11 de abril de 1877, que concedeu a reforma ás praças de pret, que, lendo

pertencido ao exercito libertador, desembarcaram nas praias do Mindello;

Considerando que effectivamente duvidas se têem levantado sobre a epocha em que deve ser effectivo o beneficio da mesma lei, isto é, se o direito á reforma deve ser contado desde a data da lei, se da habilitação das mencionadas praças;

E sendo certo que a lei teve por fim conceder essa reforma desde a data da sua promulgação. É de parecer que deveis approvar o seguinte:

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° O beneficio concedido pela lei de 11 abril de 1877 ás praças de pret que, pertencendo ao exercito libertador, desembarcaram no Mindello, deve ser contado da data da promulgação da mesma lei.

Art. 2.° Fica assim interpretada a lei de 11 de abril de 1877 e revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 26 de março de 1878. = J. Dias Ferreira, = Illidio do Valle = Custodio José Vieira = A. C. Ferreira de Mesquita = José liaria dos Santos = A. J. de Seixas = Visconde da Azarujinha = Antonio M. P. Carrilho = Lopo Vaz de Sampaio e Mello, relator.

N.° 2-XX

Artigo 1.° A pensão decretada pela carta de lei de 11 de abril de 1877 ás praças de pret, que, pertencendo ao exercito libertador, desembarcaram nas praias do Mindello, começa a vigorar para aquelles infelizes servidores do estado desde a data da mesma lei que a concede, como se praticou com a pensão votada por esta camara á duqueza e duque de Saldanha.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 21 de janeiro de 1878. = O deputado, Paula Aíedeiros.

Projecto de lei n.º 85

Senhores. — A vossa commissão de saude examinou o projecto de lei, apresentado pelo sr. deputado pelo circulo n.º 74, para ser elevado a 360$000 réis o ordenado do escrivão interprete da estação de saude do porto de Setubal, que está dotado no orçamento com o vencimento de 222$000 réis.

A vossa commissão, considerando que por ser de grande movimento de entrada e saída de navios o porto de Setubal, e muito maior do que o de Ponta Delgada, em cuja estação de saude o escrivão intreprete tem 360$000 réis de ordenado;

Considerando que é de grande responsabilidade e trabalho o serviço do escrivão interprete da estação de saude de Setubal, e que não é justo nem conveniente que elle tenha retribuição inferior á que está estabelecida para identico serviço em Ponta Delgada, quando aliás a responsabilidade e o trabalho de tal serviço são muito maiores em Setubal do que n'este porto: é de parecer que seja approvado o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É fixado em 360$000 réis annuaes o ordenado do escrivão interprete da estação de saude de Setubal.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão de saude, 8 de março de 1875. = Fortunato Vieira das Neves = José Baptista Cardoso Klerck = José Pedro Antonio Nogueira = Pedro Augusto Franco = Joaquim José Alves = Filippe Augusto de Sousa, Carvalho = Manuel Joaquim Alves Passos.

A commissão de fazenda, de accordo com o governo, e em vista da receita propria proveniente dos direitos sanitarios, é de opinião que seja approvado o projecto de lei offerecido pela illustre commissão de saude, relativo á elevação do ordenado do escrivão interprete da estação de saude de Setubal a 360$000 réis.

Sala das sessões da commissão de fazenda, em 6 de março de 1875. — Antonio José de Seixas = José Dias Ferreira = Antonio Maria Pereira Carrilho = Joaquim José Gonçalves de Matos Correia = José Maria dos Santos = Antonio Maria Barreiros Arrobas = Antonio José Teixeira = Jacinto Antonio Perdigão = Manuel Maria de Mello Simas = Visconde de Guedes Teixeira = Visconde da Azarujinha.

N.º 73-L

Senhores. — O porto de Setubal é sem duvida o de maior movimento de entrada de navios depois dos de Lisboa e do Funchal, pois se approxima a 1:000 o numero d'essas entradas.

O mais pesado do serviço de saude é desempenhado nos porlos pelos escrivães interpretes, e não póde sem prejuizo da saude publica ser mal retribuido pela sua responsabilidade e difficuldade de desempenho.

Nem ha rasão para que os escrivães interpretes de portos, em que o movimento de navios entrados é menor, seja mais retribuido do que n'aquelles em que o trabalho e a responsabilidade são maiores.

Nota-se do mesmo modo que tambem se não justifica a igualdade de vencimento para os guardas mores em dois portos importantes, havendo ao mesmo tempo uma grande desigualdade na retribuição dos respectivos escrivães interpretes; assim, por exemplo, os guardas mores das estações de saude de Setubal e de Ponta Delgada têem ordenado igual de 500$000 réis cada um, emquanto o escrivão interpreto de Ponta Delgada tem 360$000 réis de ordenado, emquanto o de Setubal tem sómente 222$000 réis, isto é, menos de metade do que aquelle, não obstante o porto de Setubal apresentar maior movimento de entradas de navios.

Com o fim de remediar esta situação injusta e inconveniente para o escrivão interprete de Setubal, tenho a honra de propor-vos o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º fixado em 360$000 réis annuaes o orde-

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nado do escrivão interprete da estacão de saude de Setubal.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 26 de fevereiro de 1875. = Antonio Maria Barreiros Arrobas.

Projecto de lei n.º 65

Senhores. — A vossa commissão do legislação penal examinou com attenção o projecto de lei, apresentado na sessão do 21 de março do 1877, pelo sr. deputado Pinheiro Chagas, assignado por elle e pelos srs. deputados Carlos Testa, Paula Medeiros, Ferraz e Mariano de Carvalho, que tem por fim qualificar como crimes os maus tratos para com os animaes, em rasão do caracter de crueldade de que sejam revestidos e independentemente da rasão de offensas ou damnos á propriedade, e comminar penas contra aquelles que os commetterem; assim como lhe foi presente a representação, que á camara dos senhores deputados dirigiu a sociedade protectora dos animaes em Lisboa, com data de 15 do mesmo mez e anno, em que instantemente solicita, que seja confeccionada uma lei destinada a cohibir e corrigir os actos de crueldade praticados contra os animaes.

O bem elaborado e brilhante relatorio, que precede aquelle projecto de lei, explica sufficientemente o generoso, moral e sympathico pensamento, que guiou os seus illustres signatarios, e bem assim os benemeritos directores da sociedade protectora dos animaes em Lisboa, pensamento que a vossa commissão de legislação penal do melhor grado perfilha e adopta, porque o reputa firmado em sentimentos eminentemente humanitarios e civilisadores.

Julga por isso a vossa commissão, que esse pensamento é digno de ser traduzido em lei do paiz, tanto mais que será assim preenchida uma lacuna que existe na nossa legislação penal, sanccionando-se o preceito da protecção devida aos animaes, gravado no coração do homem, cuja inobservancia revela sempre perversão de costumes e instinctos ruins, contrarios á moral e á religião.

Não desconhece todavia a vossa commissão, que o assumpto offerece difficuldades de execução, que convem prevenir, para que não sejam desconsiderados e feridos interesses e direitos reconhecidos por lei e consagrados pelo uso.

No intuito, pois, de remover essas difficuldades e tornar excquivel a lei que se pretende confeccionar, sem que seja preciso fazer depender a sua execução e interpretação de regulamentos do governo, a vossa commissão fez inserir e declarar expressamente no artigo 1.° do projecto de lei, que tem a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação, todos os elementos essencialmente constitutivos da incriminação que se quer estabelecer, cujo conjuncto lhe parece ser sufficiente para circumserever essa incriminação dentro dos seus justos limites, e salvaguardar os direitos que ao homem legitimamente competem sobre os animaes.

Outras alterações de menor importancia julgou conveniente fazer no projecto de lei original, que facilmente se justificam, e têem por fim tornar a lei mais clara, efficaz e harmonica com as disposições geraes do codigo penal, e com as especiaes do mesmo codigo sobre damnos causados em animaes alheios; assim como eliminou a materia do artigo 4.º, por entender que não tem cabimento em uma lei meramente penal, como é a de que se trata.

E, portanto, a vossa commissão de legislação penal, sem se alongar mais em considerações, que estão no animo e no coração de todos, e que por isso reputa desnecessarias, é de parecer que merece a vossa approvação o seguinte

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° Serão punidos com a pena de multa, de 1$000 a 5$000 réis todos aquelles que voluntaria e publicamente maltratarem os animaes domesticos sem necessidade.

§ unico. No caso de reincidencia a pena será o maximo da multa, podendo aggravar-se com prisão de tres a quinze dias.

Art. 2.° As penas do artigo 1.º não serão applicadas quando os maus tratos para com os animaes importarem crime de damno, que deva ser punido em conformidade das disposições legaes em vigor.

§ unico. Nos crimes de damno voluntariamente causado em propriedade alheia semovente, os actos de crueldade contra os animaes, desnecessarios á consuminação d'esses crimes, serão sempre considerados circumstaiicias aggravantes, para o effeito de serem aggravadas as respectivas penas segundo as regras geraes.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão de legislação penal, em 3 de abril de 1878. = Antonio Cardoso Avelino = Carlos Vieira da Motta = Manuel Maria de Mello Simas = Visconde de Moreira de Rey = Jacinto Perdigão = Francisco Antonio Pinheiro da Fonseca Osorio, relator.

N.° 67-A

Senhores. — O progresso da civilisação moral, da civilisaçâo christã, tem trazido comsigo a brandura dos costumes, e procura em toda a parte apagar aquelles restos de ferocidade que sobrevivem no fundo da alma humana ás epochas barbaras que felizmente já vão longe. Tem sido longa essa evolução e ainda não chegou ao seu termo. O amor dos nossos similhantes, que é o fundo da doutrina de Jesus, só a pouco e pouco se tem ido infiltrando nos costumes e na legislação.

A pouco e pouco se foram apagando dos codigos penaes a tortura, as asperas punições physicas, e a pena de morte, já hoje proscripta da nossa legislação civil, macula ainda as paginas de um grande numero de codigos das nações civilisadas. Não admira, pois, que a caridade para com as especies inferiores, que existe instinctivamente em todas as almas bem formadas, não conseguisse ainda nem generalisar-se nos costumes, nem implantar-se nas leis. Ha comtudo actualmente em toda a Europa um grande movimento n'esse sentido. Formam-se sociedades que têem por fim exclusivo a protecção dos animaes, impõe-se á opinião, que sempre está primeiro disposta a recebel-as com ironico sorriso, e a final têem conseguido introduzir nas diversas legislações o principio do respeito da vida, não só restrictamente da vida humana, mas da vida de todos os entes, que a receberam, como nós, das mãos de Deus, que têem direito tambem ao seu logar ao sol, que não brilha exclusivamente para a especie humana, como se pensava nas epochas remotas, em que o orgulho da nossa raça fazia suppor que a terra, um dos infimos planetas, era o centro do universo, e que a existencia do homem, o seu bem estar, a sua felicidade, era o fim unico e exclusivo da creação.

As sociedades protectoras dos animaes são acolhidas no principio com um sorriso, porque a opinião publica suppõe sempre que ellas, desprezando o senso pratico, e comprazendo-se em sonhos de verdadeiros brahmanes, querem conduzir a humanidade ao regimen alimenlicio dos ascetas, ou querem desconhecer este principio indeclinavel da luta pela existencia, que leva o homem fatalmente a matar para viver. Conhece depois a opinião quanto errou nos seus juizos. O homem é obrigado a sacrificar á sua alimentação, a escravisar no seu serviço, a exterminar em proveito do seu bem estar milhões de entes vivos. As sociedades protectoras dos animaes não pensam nem por sombras em oppor-se a uma necessidade imperiosa, querem apenas banir todas as crueldades inuteis, circumserever nos justos limites esse exterminio indispensavel á existencia physica e social do homem. E, procedendo assim, ainda tem mais em vista a civilisaçâo humana, do que o zêlo pelas especies inferiores. Proscrevendo e punindo a crueldade com os animaes, perseguem no fundo da alma do homem essa fera que ali se aninha, que, desperta á mais leve excitação, e que conduz ao crime, combate esse elemento de bestialidade que palpita nos recessos mais obscuros do espirito humano, n'essa região tenebrosa onde, segundo a phrase brilhante de Victor Hugo, se podia inscrever como nas velhas car-

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tas geographicas nas regiões ignotas do centro da Africa, esta phrase terrivel: Hic sunt leones.

Protegendo os animaes, moralisam o homem, rasgam esse véu vermelho que desdobra a vista do sangue sobre as pupillas humanas, apagam essa excitação que desvaira os espiritos, ensinam ao coração humano a não contemplar insensivel os padecimentos do ente vivo. Quem tortura sem piedade um animal indefezo, póde torturar com a mesma frieza a creança que está ainda n'essa idade indecisa, em que o instincto é apenas o alvorecer da rasão, em que ainda não despertou a consciencia. O horror ao sangue é o mais seguro preservativo contra as excitações do crime. A sciencia conhece e descreve essa febre do sangue, que tem salteado n'um certo momento grandes criminosos. Essa febre é causada pela vista d'esse luzir vermelho tepido, que gira igualmente nas veias do homem e nas veias dos animaes inferiores. Arredar tanto quanto possivel esse excitante é um processo de hygiene moral, aconselhado pela sciencia, aconselhado pela rasão, aconselhado pelos dictames da consciencia christã.

Este principio não pretendemos nós eslabelecel-o como novidade na legislação patria. Fomos precedidos n'esse caminho por muitas nações civilisadas. A França tem a lei Grammont, que pune com severidade os maus tratos dados nos animaes; a Inglaterra tem ido tão longe n'esse caminho, que até está impondo limites á vivisecção, esse processo scientifico a que a medicina recorre para estudar in anima vili as alterações do organismo, e o modo de as remediar, e no nosso proprio codigo penal estão já comminadas penas contra os que maltratem os animaes. Ha porém entre essas disposições e a ampliação que propomos agora uma differença essencialissima. O nosso codigo penal considera esses maus tratos como offensa do direito de propriedade, considera os animaes como cousas pertencentes a qualquer cidadão, e que portanto não é permittido deteriorar. Pouco nos importaria o pensamento do legislador, desde o momento que estivesse conseguido o nosso fim, se essas disposições não deixassem ao proprietario direito absoluto sobre os animaes que lhe pertencem, e se não deixasse tambem desprotegidos os que não são propriedade de pessoa alguma. É, por isso que, modificando n'esse ponto o pensamento do legislador, propomos que as offensas contra os animaes sejam consideradas debaixo de um ponto de vista mais alto, e que sejam ampliadas a todos os easos que esse novo aspecto abrange, as disposições já existentes.

As sociedades protectoras dos animaes, que têem por fim auxiliar a lei, procurando por todos os modos introduzir nos costumes a caridade para com todas as creaturas vivas, proscrever as crueldades inuteis, alargar os dominios da bondade, não podem deixar de ser consideradas como sociedades de beneficencia. Aindaque a esta palavra se quizesse dar um sentido restricto, limitando-a á beneficencia para com a especie humana, ainda assim não se poderia contestar que estejam comprehendidos n'uma idéa os esforços d'aquelles que têem por fim moralisar o homem, inspirar-lhe o horror á crueldade, a repugnancia pelo derramamento do sangue, educar-lhe e desenvolver-lhe os bons instinctos, e suffocar-lhe os instinctos bestiaes que rugem no fundo das suas almas, illuminar-lhe a consciencia com essas irradiações supremas da bondade, que é o esplendor da civilisação christã, o seu nobre caracteristico, o sêllo divino que ella traz impresso desde o seu berço, e que lhe soube dar tão largos e tão maravilhosos destinos.

Pelos motivos expendidos, e attendendo ás rasões expostas na representação que ao parlamento dirigiu a sociedade protectora dos animaes, temos a honra de proppr á vossa approvação o seguinte

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° As disposições legaes que consideram crime o mau trato dos animaes, em rasão de respeito á propriedade, são applicaveis a esses actos, em rasão do caracter de crueldade de que sejam revestidos, e independentemente da rasão da offensa ou damno á propriedade.

Art. 2.° Serão punidos com a pena de 1$000 a 5$000 réis todos aquelles que praticarem maus tratos para com os animaes, podendo, em caso de reincidencia, a pena pecuniaria ser elevada ou aggravada com prisão de um a quinze dias.

§ unico. As penas serão applicadas nos limites marcados n'este artigo, segundo os maus tratos revelarem maior ou menor crueldade da parte dos delinquentes.

Art. 3.° O governo fará os regulamentos necessarios para a execução e boa interpretação d'esia lei.

§ unico. Emquanto não se elaborarem esses regulamentos terão vigor em todo o paiz as disposições do codigo de posturas da camara municipal de Lisboa, relativas a este assumpto.

Art. 4.° São consideradas sociedades de beneficencia as sociedades protectoras dos animaes, que se instituirem ou já estiverem constituidas, para velar pelo cumprimento d'esta lei.

Art. 5.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Lisboa, 20 do março de 1877. = Carlos Testa = Henrique F. de Paula Medeiros = Ricardo Julio Ferraz = Manuel Pinheiro Chagas = Mariano de Carvalho.

Á illustre commissão de legislação penal, por ser a compor tente, envia a commissão de legislação civil este projecto de lei.

Sala das sessões, 23 de março de 1817. = Luiz Bivar.

O sr. Carrilhos. — Pedi a palavra para mandar para a mesa a declaração de que votei contra todas as disposições d'este projecto n.º 65. Vae tambem assignada pelos srs. Jeronymo Pimentel, Manuel da Assumpção e Julio de Vilhena.

Entrou em discussão o projecto de lei n.º 76 de 1876, que foi approvado tanto na, generalidade como na, especialidade sem,discussão.

É o seguinte:

Projecto de lei n.° 76

Senhores. — A vossa commissão de fazenda examinou a proposta n.º 43-C, apresentada pelo sr. ministro da fazenda, com o fim de conceder um auxilio ao monte pio geral das alfandegas; e

Considerando que, não obstante a creação do monte pio official em 1867, aquella instituição havia já sido considerada pelos poderes publicos para o effeito de ser favorecida por modo indirecto, como se vê do § 1.° do artigo 63.º do decreto de 7 de dezembro de 1864; e

Vendo que não é avultada a prestação annual com que o governo pretende acudir ás precarias circumstancias em que actualmente se encontra aquelle monte pio, mas ao mesmo tempo se considera sufficiente para que este benefico instituto possa satisfazer os encargos dos seus estatutos:

É de parecer, á similhança do que se praticou em tempo com o monte pio da marinha, que a proposta do governo seja convertida no seguinte

PEOJECTO DE LEI

Artigo 1.° Passarão mensalmente para o cofre do monte pio das alfandegas do reino, com destino ao fundo disponivel d'esta instituição:

1.° Os emolumentos que pertenceriam aos tres logares de inspectores das alfandegas, supprimidos pela lei de 10 de junho de 1867;

2.° Dez por cento deduzidos no producto de todas as multas e tom adias liquidadas nas alfandegas, das quantias produzidas pela liquidação dos arrojos e achados no mar, quando nao appareçam donos, e do liquido da venda de fazendas demoradas, quando findos os prasos legges não forem reclamados.

Art. 2.º O governo apresentará ás côrtes na proxima

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sessão legislativa uma proposta para a reorganisação do monte pio das alfandegas.

Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, 15 de março de 1876. = José Dias Ferreira = Antonio Maria Pereira Carrilho = Visconde de Guedes Teixeira = Antonio Maria de Mello e Simas = Visconde da Azarujinha = José Maria dos Santos = Augusta Cesar Ferreira de Mesquita = Joaquim José Gonçalves de Matos Correia = Antonio José Teixeira.

N.° 43-C

Senhores. — A administração do monte pio das alfandegas do reino, crendo em 1840, e cujos ultimos estatutos organisados em harmonia com as deposições da lei de 17 de julho de 1855 e decreto de 16 de julho de 1956, foram approvados pelo alvará do 1.° de abril de 1868, expoz ao governo o estado do mesmo estabelecimento e as causas da sua decadencia, pedindo providencias que lhe possam dar vida em prol de muitas familias, as quaes de contrario ficarão reduzidas á miseria.

Tendo subscripto, pelo privilegio concedido aos socios fundadores, logo em 1840, muitos empregados de idade avançada, em pouco tempo se viu o cofre operado de tão crescido numero de pensões que o rateio não se deixou esperar, por isso que sendo a entrada facultativa escasseava a receita proveniente de joias e quotas, ao mesmo tempo que augmentava a despeza com as pensões.

A referida lei de 17 de julho de 1855, e respectivo regulamento, produziram muito menos beneficio do que se esperava, em consequencia dos varios meios a que se recorreu para sophismar as suas disposições, e até certo ponto desculpaveis, attendendo-se á exiguidade dos ordenados da maior parte dos empregados e ás nenhumas vantagens que o estabelecimento offerece. Succederá o contrario, e o monte pio das alfandegas será uma realidade, se for auxiliado sem gravame do thesouro, effectuando-se e por outro modo o que foi promettido no decreto n.º 1 de 7 de dezembro de 1864, com referencia á creação de uma caixa de pensões.

Não se podendo duvidar que os empregador fiscaes hão de fazer melhor e mais desvelado serviço, quando tiverem garantido o futuro de suas familias, em attenção ao que foi exposto ao governo, tenho a honra de vos apresentar a seguinte

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° Passarão mensalmente para o cofre do monte pio das alfandegas do reino:

1.° Os emolumentos que pertenceriam aos tres lugares de inspectores das alfandegas supprimidos pela lei de 10 de junho de 1867;

2.° Dez por cento, deduzidos do producto de todas as multas e tomadias liquidadas nas alfandegas, das quantias produzidas pela liquidação dos arrojos e achados no mar, quando não appareçam donos, e do liquido da venda de fazendas demoradas, quando findos os prasos legaes não forem reclamadas.

Art. 2.° Da receita proveniente das disposições do artigo antecedente serão deduzidos 30 por cento para se empregarem em fundos publicos para augmento do capital do monte pio.

Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio dos negocios da fazenda, em 7 de março de 1876. = Antonio de Serpa, Pimentel.

O sr. Ministro da Marinha (Thomás Ribeiro): — Na ausencia do sr. ministro do reino tenho a honra de mandar para a mesa uma proposta de lei, que diz respeito ao sei ministerio.

(Leu.)

É a seguinte:

Proposta de lei

Senhores. — A camara municipal de Lisboa desejando melhorar o serviço da illuminação publica, por fórma que o encargo que d’elle resulta se torne menos pesado, contratou com a companhia de illuminação a gaz lisbonense as bases de um futuro contrato, depois de detida e prolongada discussão.

Pela convenção ajustada diminue-se sensivelmente o preço do gaz, tanto na illuminação publica como na particular, obtem-se a cessão do previlegio da companhia de conservar a tubagem nas ruas ainda mesmo que não tenha a seu cargo a illuminação publica, e emfim tomam-se providencias para melhorar este serviço sem gravame antes com vantagem publica.

Parecendo, pois, acceitaveis as bases ajustadas entre a camara e a companhia, e prevendo-se até a hypothese de que diverso e melhor systema de illuminação venha a ser descoberto, tenho por isso a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É auctorisada a camara municipal de Lisboa para contratar a illuminação publica da cidade, nos termos das bases ajustadas entre ella e a companhia lisbonense de illuminação a gaz, que ficam fazendo parte d'esta lei.

Art. 2.° As bases acima mencionadas serão desenvolvidas no contrato definitivo, que será submettido á approvação do governo, sem a qual não terá validade.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio do reino, em 10 de abril de 1878. = Antonio Rodrigues Sampaio.

Senhor. — A camara municipal de Lisboa denunciou o actual contrato para o fornecimento da illuminação publica e particular, celebrado em 7 de março de 1870, com a companhia lisbonense de illuminação a gaz; e accordou com a direcção da mesma companhia, devidamente auctorisada pela assembléa geral dos accionistas, nas bases de um novo contrato, approvadas na sessão de hoje.

A camara, portanto, solicita do governo de Vossa Magestade haja de apresentar ás côrtes a proposta de lei que a auctorise a contratar com a companhia lisbonense de illuminação a gaz, sob as seguintes bases:

1.ª Exclusão da perpetuidade do direito conferido á companhia pela condição 17.ª do actual contrato de illuminação, celebrado em 7 de março de 1870.

2.ª O preço do gaz é reduzido a 25 réis por metro cubico, para a illuminação municipal, que será definida no contrato, e a 50 réis para a illuminação geral.

3.ª A reducção marcada na base 2.ª, para o preço da illuminação municipal vigora desde 1 de julho de 1878.

4.ª A illuminação é feita por meio de gaz extrahido do carvão de pedra.

Não póde empregar-se outro gaz sem auctorisação expressa da camara.

No caso de julgar-se conveniente o emprego de novos processos de fabrico, ou de outro gaz illuminante, a companhia deverá conformar-se com as indicações feitas pela camara n'este contido. Póde tambem a companhia tomar a iniciativa na applicação de novos processos.

Se, em virtude do emprego d’esses processou, ou de novo gaz illuminante baratear consideravelmente o custo da produção, haverá diminuição nas taxas marcadas na base 2.ª, conforme a maneira que equitativamente for convencionada, ficando o accordo sujeito a revisão em periodos de cinco annos.

Não havendo accordo quer no emprego de novos processos, ou de novo gaz, quer na reducção do preço, a questão é decidida pelo tribunal arbitral (base 24.ª).

Se a companhia não cumprir a decisão do tribunal, o contrato se haverá como rescindido, designando-se no contrato definitivo a devida indemnisação.

5.ª A camara reserva-se o direito de empregar qualquer outro systema de illuminação que não seja o de gaz, sem que a companhia possa pedir indemnisação por tal motivo; ficando, porém, em vigor o contrato em todo o mais.

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6.ª Se os lucros da companhia não permittirem que as suas acções tenham, pelo capital desembolsado, o dividendo annual de 8 por cento, póde o preço de gaz ser elevado até ao necessario para satisfazer este dividendo. Não será, porém, alterado o preço da illuminação municipal.

7.ª O contrato de illuminação é applicavel ao concelho de Lisboa, com a area que tem actualmente, ou que de futuro venha a ter, não se obrigando a camara aos contratos que, porventura existam, entre a companhia e qualquer entidade, com relação á illuminação da parte annexada.

8.ª A verificação da pureza do gaz e da sua força photometrica é feita pelo processo empregado em París, devendo a companhia ter á sua custa um posto de observação na fabrica, e podendo a camara estabelecer á sua custa o numero d'estes postos que julgar conveniente.

9.ª Os projectos das obras que a companhia pretenda fazer na rede da canalisação são previamente approvados pela camara, sendo igualmente indispensavel a licença d'esta para se abrirem trincheiras nas ruas.

No contraio se regulará a concessão d'estas approvações e licenças, de modo que em tudo sejam devidamente attendidas a conveniencia publica e o regular serviço da companhia.

10.ª A camara póde, havendo sensivel utilidade publica, exigir duas canalisações nas novas ruas, de largura superior a 14 metros, ou nas actuaes da mesma largura, em que a canalisação tenha de ser reformada.

A companhia é obrigada a remover a canalisação quando esta causa obstaculo ás obras da camara, e a fazer a drenagem na parte plantada á distancia que for designada no contrato.

11.ª A companhia compromette-se a illuminar as ruas que de novo se abrirem dentro da circumvallação, uma vez que se não colloque menos de um candieiro por 40 metros de canalisação.

12.ª A concessão é feita por sessenta annos, a contar da data da expiração do actual contrato (1 de abril de 1880); findo esse praso a camara adquirirá, pelo modo que for estipulado no contrato, todo o material e propriedades, moveis e immoveis, empregados no fabrico e distribuição do gaz, precedendo avaliação de peritos, feita controvertidamente.

13.ª Passados vinte e cinco annos de execução do contrato se se derem então circumstancias taes que realisem consideravel e permanente reducção no custo da producção do gaz, em relação á epocha actual, poderá ser revisto o contrato, para se accordar na equitativa diminuição das taxas marcadas na base 2.ª A reducção nas taxas durará emquanto persistirem as favoraveis condições que a motivaram.

Não havendo accordo na reducção recorre-se ao tribunal arbitral, e procede-se de modo analogo ao estatuido na base 4.ª

14.ª Não realisando a camara a acquisição de que trata a base 12.ª, o contrato considera-se prorogado por periodos de tres annos, no fim de cada um dos quaes, póde a camara usar do mesmo direito, e pela mesma fórma.

A camara com um anno, pelo menos de antecedencia, avisará a companhia se usa d'aquelle direito.

15.ª A companhia, durante o tempo do contrato e das suas prorogacões (base 12.ª), terá o direito e obrigação de conservar, substituir e reparar a sua canalisação ou tubagem.

16.ª A camara vende á companhia, pelo preço de réis 45:000$000, todos os terrenos da Abegoaria da cidade e as edificações, comprehendidos entre a rua Vinte e Quatro do Julho, e o predio que tem frente para a rua da Boa Vista, a fim de, com esses terrenos, se poder ampliar a fabrica.

A parte dos mesmos terrenos, que seja necessaria para o prolongamento da rua Vasco da Gama, e que no contrato se designará especialmente, póde em qualquer epocha ser readquirida pela camara, pelo preço de 3:000$00 réis, ficando a cargo d'esta a construcção das duas frentes da fabrica para essa nova rua. Para compensação d'esse encargo a companhia dará á camara a quantia de 10:000$000 réis; tanto esta somma como a precedentemente indicada de 45:000$000 réis serão pagas no acto da entrega dos terrenos.

17.ª A companhia durante o tempo da duração do contrato e das suas prorogacões (base 12.ª) terá o direito de collocar, dentro de todo o perimetro do terreno do seu estabelecimento (base 16.ª), a fabrica, gazometros e apparelhos que forem necessarios para a fabricação do gaz, nos termos da legislação em vigor.

18.ª Á companhia será garantido o uso do caes em toda a frente do seu estabelecimento, e o collocar n'elle guindastes para facilitar o desembarque dos generos de que a companhia carece.

19.ª A companhia fica sujeita aos regulamentos policiaes actualmente existentes, e aos que se publicarem para o futuro.

20.ª A fabrica será inteiramente isolada dos edificios circumvizinhos, e a companhia construirá, pelo lado do sul dos terrenos, a que se refere a base 16.ª, uma fachada sobre a rua 24 de Julho, dentro do praso de dois annos, contados da data em que estes terrenos lhe forem entregues.

21.ª Se durante o praso da concessão a companhia cessar a exploração do serviço da illuminação, a camara proverá a que o fornecimento continue, podendo para esse fim assumir a administração e posse de todo o material e propriedades, moveis e immoveis, empregados n'aquelle serviço, até que a companhia se mostre habilitada a continuar por si a exploração.

Em quanto por tal motivo durar a administração da camara, a perda que houver será a cargo da companhia, e o lucro reverterá a favor da camara.

Se dentro de um anno a companhia se não mostrar habilitada para continuar o fornecimento de gaz, entender-se-ha que abandonou a concessão, e o contraio se haverá como rescindido.

Cessa, porém, o direito á rescisão se o impedimento tiver procedido de força maior.

No contrato serão designados os termos e processo a seguir para a rescisão, a qual não se verificará em caso não previsto no mesmo contrato, e bem assim para regular a devida indemnisação.

22.ª É garantido á companhia, durante o praso designado para o contrato e suas prorogacões (base 12.ª) o direito do uso exclusivo de canalisação ou tubagem nas ruas, praças, largos, etc. para a conducção gaz extraindo do carvão de pedra ou de qualquer outro gaz adoptado com a annuencia da camara, cessando este direito sómente na hypothese de rescisão.

23.ª A camara compromette-se, durante o praso do contrato, a não estabelecer imposto algum exclussivamente lançado sobre a companhia.

24.ª As questões suscitadas, entre a camara e a companhia sobre a interpretação e execução do contrato, serão resolvidas por tribunal arbitral, composto pela fórma designada no mesmo contrato.

25.ª No novo contrato se designará qual a epocha em que começam a executar-se as suas diversas disposições.

Paços do concelho, 9 de abril de 1878.— O presidente, José Elias Garcia = José Gregorio da Rosa Araujo = Rodrigo Affonso Pequito = Victoriano Estrella Braga = José Maria Alves Branco Junior = Joaquim José Rodrigues da Camara = Luiz de Almeida Albuquerque = Zofimo Pedroso Gomes da Silva = José Carlos Nunes = Luiz Caetano Guerra Santos = José Tedeschi.

Entrou em discussão o projecto n.º 79 de 1877.

É o seguinte:

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Projecto de lei n.º 79

Senhores. — A vossa commissão de administração publica, vista a representação da camara municipal de Alcacer do Sal, e considerando que pela portaria de 14 de agosto de 1874 foi a mesma camara auctorisada a construir uma ponte de ferro e madeira para substituir a barca de passagem do porto denominado do Sant'Anna; considerando que é indispensavel que a camara fique habilitada a continuar á referida construcção; considerando alem d'isso, que as ultimas inundações arruinaram as azinhagas e caminhos municipaes tem a honra do submetter á vossa apreciação o seguinte

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.º É auctorisada a camara municipal de Alcacer do Sal a levantar do cofre da viação municipal a quantia de 3:000$000 réis, que será applicada á construcção da ponte do Sant'Anna; e a quantia de 500$000 réis, que será applicada á reparação das azinhagas e caminhos municipaes.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 22 de março de 1877. = A. R. Sampaio = Augusto Godinho = Jacinto A. Perdigão = E. Tavares = Julio de Vilhena = A. Telles de Vasconcellos = F. Van-Zeller = Tem voto do sr. Visconde de Moreira de Rey.

O sr. Eduardo Tavares: — Por parte da commissão de administração publica mando para a mesa a seguinte proposta:

(Leu.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho, por parte da commissão do administração publica, que do artigo 1.° do projecto n.º 79 se eliminem as palavras «e a quantia de 500$000 réis, que será applicada á reparação das azinhagas e caminhos municipaes.»

Sala das sessões da commissão de administração publica, em 8 de abril de 1878. = E. Tavares.

O sr. Carrilho: — Tenho apenas a fazer uma pergunta. Desejo saber, de algum dos srs. ministros, se o governo está de accordo com este projecto.

O sr. Ministro da Fazenda (Serpa Pimentel): — O governo está de accordo com este projecto.

Foi approvado o projecto n.º 79 de 1877 com a emenda proposta por parte da commissão de administração publica.

O sr. Presidente: — Em conformidade com a deliberação da camara vae entrar em discussão o projecto de lei n.º 60 de 1876.

É o seguinte:

Projecto de lei n.º 60

Senhores. — A commissão de fazenda, á qual foi presente a proposta de lei do governo n.º 35-M da sessão de 1875, tendo em conta as indicações parlamentares e as opiniões dos differentes funccionarios e estações publicas, chamados a intervir sobre o assumpto; e considerando que os serviços relevantes feitos pelo conde do Farrobo á patria e á liberdade, n'uma occasião em que as instituições e o paiz corriam gravissimo perigo, merecem que esses serviços sejam, até certo ponto, recompensados na pessoa de seus descendentes, que pelas suas circumstancias carecem da protecção dos poderes publicos, é de parecer, de accordo com o governo, que a proposta seja convertida no seguinte

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° São considerados relevantes o dignos de nacional consideração os serviços prestados pelo fallecido Joaquim Pedro Quintella, segundo barão de Quintella e primeiro conde do Farrobo, a favor da causa liberal, quando durante o cerco da invicta cidade do Porto auxiliou poderosamente, com o concurso generoso o patriotico dos seus capitães, o governo da regencia em nome da Rainha a Senhora Dona Maria II.

Art. 2.º Como recompensa o reconhecimento d'esses serviços é concedida a cada um dos seguintes filhos do mesmo fallecido conde do Farrobo: visconde da Charruada, D. Maria Carlota Quintella de Sá e D. Maria Palmira Quintella de Sampaio, uma pensão annual e vitalicia de 1:200$000 réis, independentemente de cabimento e livre de quaesquer impostos.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, em 3 de março de 1876. = José Dias Ferreira = Antonio José Teixeira = Joaquim José Gonçalves de Matos Correia = Visconde da Azarujinha = Manuel Maria de Mello e Simas = Visconde de Guedes Teixeira = Augusto Cesar Ferreira de Mesquita = Antonio José de Seixas = Antonio Maria Barreiros Arrobas = Antonio Maria Pereira Carrilho, relator.

N.º 35-M

Senhores. — Os filhos do fallecido conde do Farrobo dirigiram á camara dos senhores deputados, na sessão legislativa de 1873, uma representação, na qual, historiando a origem, seguimento e final desenlace da pendencia pleiteada entre seu pae e os sublocatarios do contrato do tabaco nos doze annos, expondo a deploravel situação em que se encontram perante a execução da sentença obtida pela parte adversa, e allegando as principaes circumstancias d'esta celebre questão desde os serviços prestados por seu pae á causa liberal até á insensibilidade com que por parte dos poderes do estado dizem ter sido presenciado o progresso da acção dos sublocatarios, até ao julgamento e A execução viva; pedem por ultimo a contemplação do parlamento para com elles, na qualidade de filhos de um cidadão que prestou relevantes serviços ao paiz, de herdeiros de uma herança absorvida por divida de responsabilidade alheia, e de cidadãos que estão soffrendo o confisco dos seus haveres.

Os factos allegados pelos peticionarios e as ponderações que fazem em abono da justiça que julgam lhes assiste, mereceram das commissões de legislação e de fazenda d'aquella epocha especial consideração. Aquella foi de porecer que, a em vista dos principios de equidade e sob o aspecto da boa fé e lealdade com que devem ser mantidos e observados os contratos, e em attenção aos relevantissimos serviços prestados pelo pae dos supplicantes deviam estes ser de algum modo, e pela fórma que se julgasse mais conveniente, alliviados da angustiosa e precaria situação a que os reduziu o infortunio, honrando-se d'esta maneira a nação com o reconhecimento d'esses incontestaveis serviços, á custa dos quaes, em horas de suprema afflicção, se salvou talvez a dynastia e as instituições constitucionaes». A commissão de fazenda propoz, que, «possuida esta camara dos sentimentos de justiça absoluta d'esta causa, e da gratidão nacional por esses serviços extraordinariamente eminentes, em resultado e consequencia ultima dos quaes terão os filhos do barão de Quintella de esmolar o pão de cada dia, resolvesseis reconhecer como relevantes taes serviços, bem como os prejuizos soffridos, e convidar o governo a examinar este assumpto para vos apresentar na seguinte sessão legislativa uma proposta de lei tendente a remunerar os serviços do conde do Farrobo, em prol da causa liberal, nas pessoas de seus filhos por modo equitativo e em harmonia com as circumstancias do thesouro».

A approvação d'esta proposta impoz ao governo o dever de que hoje sómente póde desempenhar-se.

O governo, senhores, examinou o assumpto com toda a attenção que a sua gravidade reclama, e com toda a consideração que a elevada recommendação dos representantes do paiz lhe merece, e desde já tomo a liberdade de vos lembrar que, tanto o meu illustre antecessor na pasta da fazenda como eu proprio, tivemos occasião de declarar n'esta casa, que esta questão era pelo menos de altissima equidade, que ás difficuldades financeiras com que têem lutado os differentes governos se deve attribuir o não ter ella sido ainda resolvida, sendo esta uma questão em cuja solução se acha empenhada a grando familia liberal.

Hoje o mais reflectido exame do assumpto não me demoveu de lai opinião.

Sessão de 10 de abril de 1878

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Os adiantamentos de dinheiro feitos pelo conde do Farrobo ao governo do Imperador e Regente foram, por mais de um titulo, serviços relevantes para a causa d'esse governo; relevantes pela occasião em que foram feitos, pelo desinteresse e dedicação com que foram prestados, e pejo problematico exito da causa a que foram offerecidos. É fóra de duvida que se não fosse o patriotico concurso do barão de Quintella, subministrando os meios precisos para a continuação da guerra e conservação da esquadra, na qual se concentravam todas as esperanças dos heroicos defensores do Porto, nem estes talvez teriam podido resistir o mais tarde vencer, nem a luta poderia ter continuado nas condições vantajosas que a tal concurso se seguiram. Dão d'isto testemunho insuspeito os que presenciaram e acompanharam os acontecimentos, desde o augusto chefe d'essa heroica empreza até o mais humilde dos seus soldados.

Do dinheiro assim prestado, dizia o Imperador na sessão real de 15 do agosto de 1834: «ter sido obtido por um singular contrato em que a fortuna da empreza foi a unica hypotheca, a minha firma o unico fiador, o zêlo e a confiança de quem dava e recebia igualmente franca e illimitada».

Aos serviços, por esta e outras não menos solemnes formas reconhecidas e authenticadas, seguiram-se, não ha duvida, quando a causa vingou, não só o pagamento das sommas adiantadas, mas tambem as recompensas honorificas com que mais tarde o prestimoso cidadão veiu a ser agraciado. Nem então se cogitava em recompensar com bens ou dinheiro aquelle cujos haveres proprios eram, e por muito tempo foram, depois, dos mais abastados do paiz. As circumstancias, porém, fizeram que da fórma pela qual se effectuou o pagamento dos emprestimos feitos pelo conde do Farrobo, mais tarde se originasse a quasi inteira ruina da sua fortuna.

Escusado é apontar-vos o como e por que assim succedeu. Todos mais ou menos conhecem a natureza da questão que o fallecido conde por tantos annos pleiteou com os sublocatarios do contrato do tabaco pelos dois triennios de 1837 a 1843.

Nos documentos juntos encontrareis a minuciosa narração o a apreciação dos factos traçada pela mão de alguns dos nossos mais habeis jurisconsultos.

Com fortuna varia o processo chegou ao ponto de transitar em julgado a sentença pela qual o conde do Farrobo foi condemnado a indemnisar os seus sublocatarios pelo agio do papel moeda, que devia ter entrado em metade do pagamento das mezadas do contrato. A importancia d'esse agio montava a uma consideravel somma, e hoje com os juros acrescidos sobe á enorme cifra pela qual corre a execução da dita sentença com penhora e adjudicação real a real de todos os direitos e acções de herança do fallecido conde.

Sabeis, senhores, que depois da lei do 1.° de setembro de 1834, emquanto fixou o dia 1.° de janeiro de 1838 para a total extincção da moeda do papel, e ordenou que todas as obrigações fossem pagas até esse dia na moeda estipulada, nasceu a celebre questão de regular o agio da dita moeda quanto aos contratos de rendas publicas que estivessem estipulados para alem d'aquelle praso.

Prevenindo o caso, declara o artigo 3.° da lei, que o governo remediaria por accordos especiaes com os contratadores, por fórma a conciliar a boa fé dos contratos com os reciprocos interesses das duas partes contratantes.

Allega-se por parte dos peticionarios, e parece ter effectivamente succedido, que os sublocatarios do contrato arrematado por seu pae chegaram a ter accordado com o governo d'aquella epocha a indemnisação pelo agio do papel. O accordo, porém, se existiu, rompeu-se antes de approvado pelo parlamento, e os sublocatarios, tendo previamente tentado o abandonado a acção da indemnisação contra a fazenda, foram demandar o sublocador para lhes fazer boa a sublocação, na qual havia, entre outras, a clausula de ficar pertencendo aos sublocatarios, por cedencia do sublocador, o direito áquella indemnisação. D'esta fórma a questão, que á face da lei citada era para ser resolvida por puro e amigavel accordo dos interessados, tornou-se uma questão contenciosa e de exclusiva competencia do poder judicial.

É assim que a auctorisação da lei de 1834 se póde reputar hoje cassada, e para assim dizer letra morta em vista da feição contenciosa que a questão tomou.

Outra, porém, é a posição que os peticionarios tomaram perante o parlamento com a sua actual representação.

O que dizem elles e que pedem? Dizem:

«Nós somos os filhos do conde do Farrobo, que prestou grandes serviços a favor do regimen que vigora no paiz; em resultado d'esses serviços caiu na nossa casa o contrato do tabaco como fórma do pagamento de emprestimos feitos ao governo; d'esse contrato provém exclusivamente a posição de primeiros obrigados que temos para com os sublocatarios do mesmo contrato: estes têem por si as sentenças que nos obrigam a entregar-lhes a indemnisação d'aquelle agio que nós não temos em nós; por virtude d'essas sentenças o nosso casal está irremessivelinente perdido, e nós ficâmos reduzidos á miseria.»

Pedem que «sendo o estado, e não elles quem lucrou a importancia do agio do papel moeda, seja o estado quem lhes ponha a salvo o valor da herança paterna, e os livre da completa ruina em que se encontram». Debaixo d'este aspecto, senhores, a questão é, como as vossas commissões reconheceram, da mais alta equidade e ainda de brio e honra para a nação.

Compenetrado, pois, de todas estas circumstancias;

Considerando que os serviços prestados pelo fallecido barão de Quintella e primeiro conde do Farrobo foram effectivamente relevantes e tiveram o maior alcance para o definitivo estabelecimento das instituições liberaes que nos regem;

Considerando que taes serviços devem merecer a mais especial consideração dos poderes publicos;

Considerando que taes serviços, se não foram remunerados pecuniariamente na pessoa de quem os prestou, que d'isso não carecia, não é rasão para que deixem de o ser nas pessoas dos seus filhos, quando reduzidos a circumstancias precarias;

Considerando que o infortunio d'esta familia teve origem immediata no contrato feito para pagamento dos dinheiros adiantados pelo conde do Farrobo, e portanto nos proprios serviços por elle prestados;

E tendo na maior consideração o convite que a camara dos senhores deputados dirigiu ao governo para que, estudando a questão, apresentasse ás côrtes uma proposta tendente a remunerar os serviços do conde do Farrobo em favor da liberdade, nas pessoas dos seus filhos, por modo equitativo o em harmonia com as circumstancias do thesouro;

Tenho a honra de offerecer á vossa consideração a seguinte:

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° São declarados relevantes e dignos de nacional consideração os serviços prestados pelo fallecido Joaquim Pedro Quintella, segundo barão de Quintella, e primeiro conde do Farrobo, a favor da causa liberal, quando durante o cerco da invicta cidade do Porto auxiliou poderosamente, com o concurso generoso o patriotico dos seus capitães, o governo da regencia em nome da Rainha a Senhora Dona Maria II.

Art. 2.° Como reconhecimento d'aquelles serviços e para recompensa nacional dos mesmos é concedida a somma de 300:000$000 réis nominaes em inscripções da junta do credito publico de 3 por cento aos descendentes do fallecido conde do Farrobo.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio da fazenda, gabinete do ministro, em 15 de fevereiro de 1875. = Antonio de Serpa Pimentel.

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Senhores. — A commissão de fazenda examinou com a devida attenção o requerimento que á camara dos deputados foi apresentado pelos filhos do fallecido conde do Farrobo, pedindo providencias que os libertem da imminente execução que, em resultado da soblocação do contrato do tabaco nos triennios de maio de 1837 a abril de 1843, lhes vae absorver todos os bens que deviam constituir a herança de seu pae, deixando-os abandonados á tristeza da miseria e da fome.

De ninguem é desconhecida a historia da locação do contrato do tabaco, por doze annos, feita ao fallecido barão de Quintella em 1832, e a da sua sublocação nos triennios de 1837 a 1843, feita a Lino da Silveira e a Manuel Joaquim Pimenta; mas nem por isso a vossa commissão póde dispensar se de trazer á memoria os factos e pontos principaes d'essa historia, que muito resumidamente passa a indicar.

No anno de 1832, quando os intrepidos, mas poucos defensores da causa da Rainha, de saudosa memoria, a Senhora Dona Maria II, e da liberdade constitucional estavam encerrados na cidade do Porto, apertados pelo lado da terra por um cinto de ferro, e prestes a serem completamente bloqueados pelo lado do mar, reduzidos quasi pela fome e pela carencia de munições de guerra á extremidade ultima de abandonarem o terreno que possuiam, ou de se deixarem degolar nas trincheiras da invicta cidade, o barão de Quintella, animado dos sentimentos de mais elevado patriotismo e dedicação pela causa santa da justiça e da liberdade, emprestou ao governo do Imperador o Regente sommas avultadas, que abrangiam consideravel parte da sua fortuna patrimonial, proporcionando assim meios para que a esquadra constitucional levantasse ferro, e saíndo ao mar, garantisse o accesso á barra do Porto, por onde unicamente podiam chegar viveres, armas e munições abrindo caminho para as ousadas e gloriosas emprezas que depois se succederam — a expedição ao Algarve, o aprisionamento da esquadra inimiga, a tomada de Lisboa e o triumpho final da causa constitucional.

Este ousado rasgo de generosidade verdadeiramente portugueza foi considerado n'aquella epocha por todos os que conheciam e sentiam as angustiosas circumstancias com que lutava a causa da liberdade, como um dos maiores serviços, e dos mais ferteis em resultados felizes d'entre todos quantos foram praticados pelos seus heroicos defensores; e o proprio Imperador, agradecendo ao barão de Quintella, em carta autographa de 18 de fevereiro de 1833, o considerou e qualificou «como um entre os muitos e importantes serviços por elle prestados á nobre e justa causa que defendia, digno de passar á posteridade».

Não carece, por certo, este authentico testemunho do Imperador de ser corroborado por algum outro, por mais auctorisado que ser possa; mas não deve esquecer que o bravo soldado, o honrado e prestante cidadão Bernardo de Sá Nogueira, hoje marquez de Sá da Bandeira, e então ministro da marinha, testemunha presencial de tantos feitos heroicos, o juiz competente para os apreciar, qualificou então, e ainda hoje considera o serviço prestado pelo barão de Quintella, como «extraordinariamente eminente».

Para pagamento e reembolso das quantias em taes circumstancias emprestadas, foi adjudicado ao barão de Quintella o contrato do tabaco em 10 de dezembro de 1832, pelo tempo de doze annos e preço de 1.200:000$000 réis annuaes, que, na conformidade do alvará de 25 de fevereiro de 1801, deviam ser pagos metade em papel e metade em metal, e com faculdade de o sublocar a pessoa ou pessoas da approvação do governo.

Sublocou com effeito o barão de Quintella, já então conde do Farrobo, a Lino da Silveira e a Manuel Joaquim Pimenta o contraio do tabaco pelos dois triennios de 1837 a 1843, e entre as condições da sublocação, que foram approvadas pelo governo por decreto de 20 de janeiro de 1836, encontra-se a 7.ª, pela qual o sublocante «cede e trespassa para os sublocatarios o direito de indemnisação que lhe compete pela extincção do papel moeda, para a qual o governo estava auctorisado pelo artigo 3.° da lei do 1.° de setembro de 1834».

Nunca os sublocatarios poderam obter dos poderes publicos tal indemnisação, e por isso recorreram aos tribunaes contra o sublocante e originario contratador, pedindo que os indemnisasse elle do agio do papel moeda ou da differença de preço entre tal moeda e o dinheiro metal correspondente ás mezadas do primeiro triennio da sublocação, desde o 1.° de janeiro de 1838 a 30 de abril de 1840, fazendo ao mesmo tempo encampação de sublocação pelo segundo triennio de 1840 a 1843.

A fazenda nacional, que foi chamada a autoria pelo conde do Farrobo, e que havia recebido integralmente em metal as mezadas pelo preço do contrato, não acceitou a defeza da causa, antes a repelliu expressamente, deixando que o sublocante e sublocatarios disputassem entro si, como por largos annos disputaram com varia fortuna, até que finalmente os sublocatarios obtiveram sentença definitiva e ultima contra o sublocante, que ficou condemnado a indemnisal-os dos lucros cessantes e prejuizos que lhes resultaram do não goso dos interesses do agio do papel moeda no pagamento do preço do contrato.

A sentença condemnatoria passou em julgado e está irrevogavel; e é em consequencia do seu preceito e decreto judicial que estão hoje penhorados, proximos a serem vendidos em praça todos, absolutamente todos, os bens hereditarios, que ficaram do fallecido conde do Farrobo, e os filhos d'este condemnados á pobreza, á infeliz e penosa situação de esmolarem o pão de cada dia!!! Isto em consequencia de um grande serviço generosa e desinteressadamente prestado á patria, do qual em grande parte resultou o triumpho e salvação da liberdade!!!

É n'estas circumstancias extremas de amargura e do afflicção que os filhos do conde do Farrobo recorrem aos representantes da nação, invocando os sentimentos da honra e gratidão nacional, e pedindo, não já a restituição integral das sommas que o thesouro publico recebeu dos sublocatarios, que ainda retem e conserva em si, e das quaes os supplicantes (que nada receberam nem gosaram) estão condemnados a fazer inteira restituição aos mesmos sublocatarios; não já a indemnisação de todas as perdas, damnos e lucros cessantes que lhes resultaram da extincção do papel moeda e da falta do cumprimento da disposição do artigo 3.° da lei de 1 de setembro de 1834; mas só sim, pedindo que os alliviem da enormidade da desgraça que os persegue, libertando-os da violenta execução que os opprime e suffoca e lhes arrebata todos os meios de alimentação para si e seus numerosos filhos, netos do barão de Quintella, do prestante cidadão, que tudo arriscou por devoção civica para salvar a liberdade da patria e as instituições constitucionaes, sob a protecção das quaes nós hoje aqui nos encontrâmos constituidos em assembléa da nação!!!

A vossa commissão, penetrada da grandeza do assumpto, ganhou a convicção de que não lhe pertencia, porque não é da competencia da camara nem do corpo legislativo entrar na apreciação juridica das condições dos contratos, e do modo por que pelos tribunaes de justiça foram entendidas e applicadas as leis correlativas. O principio da independencia e separação dos poderes politicos não permitte que a camara tome conhecimento do assumpto sob tal aspecto; mas nem por isso se segue que os representantes da nação devam escusar-se á apreciação da causa nas suas relações com a justiça absoluta, que é eterna e immutavel, superior e anterior ás leis escriptas e ás formalidades forenses; nas suas relações com a moral universal que é a base de todas as leis, e não permitte que o estado ou o individuo se locuplete com jactura alheia; e nas suas relações com a gratidão nacional, que não póde consentir que os filhos do barão de Quintella esmolem o pão de cada dia em resultado e consequencia ultima de um serviço extraordinariamente eminente, feito á patria e á liberdade.

Sessão de 10 de abril de 1878

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

A vossa commissão de fazenda, pois, convencida d'estes principios, e possuida de taes sentimentos, no que é acompanhada pela illustre commissão de legislação, é de parecer que a camara, reconhecendo os serviços relevantes prestados ao paiz pelo fallecido conde do Farrobo, e os prejuizos que soffreu, convide o governo a examinar este assumpto, e a trazer ao parlamento na proxima sessão legislativa uma proposta de lei tendente a remunerar taes serviços nas pessoas de seus filhos por modo equitativo e em harmonia com as circumstancias do thesouro.

Sala da commissão, em 2 de abril de 1873. = Jayme Constantino de Freitas Moniz = Antonio Maria Barreiros Arrolas = Placido Antonio da Cunha e Abreu = Joaquim Gonçalves Mamede = Joaquim José Gonçalves de Matos Correia = Antonio José Teixeira = Antonio José de Barros e Sá, relator.

A commissão de legislação examinou o requerimento que os filhos do conde do Farrobo dirigiram a esta camara, pedindo providencias que os possam alliviar da triste e dolorosa situação a que se acham reduzidos em virtude das decisões judiciaes proferidas nos processos instaurados por causa da sublocação do contrato do tabaco feita por seu fallecido pae pelos triennios de 1837 a 1843.

Estando a questão do direito pendente de resolução dos tribunaes judiciaes, parece á commissão que não deve o poder legislativo intervir em tal assumpto antes de pronunciada aquella resolução. Só depois de condemnada a fazenda a dar aos supplicantes a indemnisação que ali lhes foi exigida, pertenceria ás côrtes habilitar o governo a satisfazer áquelle encargo.

Considerada, porém, a questão á luz dos principios de equidade, e sob o aspecto da boa fé e lealdade com que devem ser mantidos e observados os contratos, o attendendo aos revelantissimos prestados pelo pae dos supplicantes á causa da restauração da liberdade e do throno constitucional, entende a commissão que os filhos do conde do Farrobo deveriam ser de algum modo, e pela fórma que se julgasse mais conveniente, alliviados da angustiosa e precaria situação a que os reduziu o infortunio. Honrar-se-ía a nação reconhecendo a lisura e sinceridade com que em seu nome pactuaram os poderes publicos, e os incontestaveis e levantados serviços, á custa dos quaes em horas de suprema afflicção se salvou talvez a dynastia e as instituições constitucionaes.

Sala da commissão, em 12 demarco de 1873. = Augusto Saraiva de Carvalho = Visconde de Moreira de Rey = José de Sande Magalhães Mexia Salema = João Vasco Ferreira Leão = João Ribeiro dos Santos = Antonio José de Barros e Sá = João Antonio Franco Frazão = Ignacio Francisco Silveira da Mota = José Luciano de Castro.

O sr. Eduardo Tavares: — Afigura-se-me que a questão de que se trata é bastante delicada, e que não faço injuria aos meus illustres collegas, asseverando que nem todos estarão bem elucidados para poderem dar um voto consciencioso a respeito d'ella.

Parecia-me por consequencia conveniente que se levantasse alguma voz bastante auctorisada para dizer á camara o que ha de justo ou injusto na pretensão de que se trata.

A camara sabe perfeitamente que esta questão foi aqui trazida em 1872 pelo illustre chefe da opposição, o sr. conselheiro Braamcamp, o qual convidou o governo a apresentar na sessão seguinte uma proposta de lei no sentido de resolver por uma vez esta antiga pendencia.

O sr. ministro da fazenda, que era então o mesmo que é actualmente, o sr. conselheiro Antonio de Serpa, trouxe effectivamente á camara em 1873 uma proposta de lei n'esse sentido; essa proposta foi submettida á apreciação da commissão de fazenda, e por ella convertida n'um projecto de lei, que é o que n'este momento se está discutindo.

Julgo, pois, de grande vantagem que a questão seja bastante elucidada, para que não só a camara, mas tambem o paiz fiquem sabendo claramente e existe ou não existe justiça no sentido de favorecer as pessoas a quem este assumpto respeita.

Não posso ter a pretensão de esclarecer a camara melhor do que o poderá fazer um cavalheiro que na actualidade é ministro da corôa, e que era simples deputado em 1876, quando n'esta camara se tratou por incidente d'esta questão. Quero referir-me ao nobre ministro da marinha o sr. Thomás Ribeiro.

S. ex.ª, na sessão de 31 de março de 1876, disse o seguinte:

«Não sei se o projecto, cuja discussão desejo, é popular ou impopular. Já ha muito disse a v. ex.ª, e repito que venho aqui advogar o que me parece de justiça, sem querer saber se é ou não do agrado dos outros a causa que a consciencia me manda advogar.

«Tenho a convicção intima e profunda, e hei de mostral-o á camara, de que o que se deve dar aos herdeiros do sr. conde de Farrobo não é um favor, mas o pagamento de uma divida sacratissima.

«Quando olho para estas cadeiras, e quando faço uso da liberdade da palavra que a constituição me confere, lembra-me que é a elle, conde do Farrobo, em grande parto que devo esta garantia.» (Apoiados.)

Peço, pois, ao illustre ministro, que é baslante cavalheiro para não faltar ao cumprimento da sua promessa, que nos diga quanto sabe sobre o assumpto.

Se fosse preciso mais algum testemunho em favor d'esta causa, diria que tambem o sr. ministro da fazenda, o sr. ministro das obras publicas e o sr. presidente do conselho do ministros fizeram n'esta casa em diversas occasiões as declarações mais solemnes no sentido favoravel a esta pretensão.

Em conclusão, proferi estas poucas palavras unicamente com o fim de me habilitar a votar conscienciosamente, e declaro que não poderia prescindir, para me collocar n'essa situação, das judiciosas explicações que seguramente o nobre ministro da marinha se apressará a dar á camara.

O sr. Ministro da Marinha: — Eu não costumo dizer hoje e desdizer ámanhã. Foi sempre, é, e espero em Deus que ha de continuar a ser do meu caracter sustentar as minhas convicções seja qual for a situação em que me encontre.

É minha opinião antiga que a camara dos senhores deputados da nação portugueza tem necessidade, e urgencia mesmo, de dar o seu parecer a respeito de uma questão de tanto momento e que ha tantos annos jaz sem decisão.

A minha opinião era, e é ainda, que o governo, por causa de um contrato antigo celebrado no Porto pelo governo liberal e o defunto conde do Farrobo, contrato cujos prós e contras foram depois transmittidos a outros capitalistas que não sei quem são, tem em seu poder sommas, e sommas valiosas, que por mandado do poder judicial ou por deliberação do parlamento devem ser entregues a esses interessados, porque não pertencem ao estado.

A camara deve ter conhecimento do uma proposta que lhe foi apresentada pelo governo, creio que sendo ministro da fazenda o sr. Antonio de Serpa. Essa proposta não foi acceita pela illustre commissão de fazenda, a qual a transformou no projecto que vae discutir-se. Esta é a questão de fórma. Na essencia convem saber se é ou não urgente pagar esta divida nacional. A camara está constituida em jury, desde que entendeu que devia discutir já este parecer: e eu congratulo-me com a camara por haver deliberado decidir uma questão, que parecia estar condemnada a nunca ser resolvida no parlamento portuguez.

Eu não tenho actualmente a honra de ser deputado; mas como ministro declaro que mantenho plenamente as palavras que proferi quando deputado, e a que se referiu o sr. Eduardo Tavares.

Nada mais tenho a dizer.

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr: Camara Leme: — Pedi a palavra, não para impugnar o projecto, mas para saber se n'elle se comprehendem todos os filhos do primeiro matrimonio do conde do Farrobo, cujos serviços A causa da liberdade ninguem póde contestar. Como eu entendo que isso seria uma desigualdade, chamo para este ponto a attenção do governo e da illustre commissão de fazenda, porque o meu desejo é que se faça justiça a todos.

Depois de ouvir as explicações do governo e da commissão do fazenda, não terei duvida de mandar para a mesa uma proposta no sentido da justa causa que defendo.

O sr. Ministro da Fazenda: — O illustre deputado dirigiu-se ao governo, tendo aliás na mão o projecto que diz quaes são os filhos do conde do Farrobo a que o mesmo projecto se refere.

O governo tinha apresentado uma proposta de lei em outro sentido, e a illustre commisão de fazenda é que transformou essa proposta no presente projecto. A camara decidirá como deseja resolver este negocio. Por parte do governo não tenho a acrescentar mais nada.

Na questão de serem comprehendidos ou não todos os filhos do conde do Farrobo, a illustre commissão entendeu que, não sendo este projecto a resolução completa da questão, e apenas uma questão de equidade, a de dar uma pensão aos filhos de um homem que tinha feito serviços importantissimos ao paiz, e pendendo uma questão gravissima em virtude da qual esses filhos estão privados dos seus bens que estão adjudicados a uma execução judicial em virtude de um processo por causa de um pagamento que o governo não fez; a illustre commissão entendeu, digo, que n'estas circumstancias era mais equitativo dar uma pensão aquelles dos filhos do conde do Farrobo, que se acham em mais precarias circumstancias.

O sr. Eduardo Tavares: — Pedi a palavra simplesmente para dizer á camara e ao sr. ministro da marinha, que me dou por plenamente satisfeito com o que acabou de expor, e que eu sabia que havia de ser coherente com as palavras por s. ex.ª aqui proferidas em 1876.

Creio que depois do que ouvimos, a camara não póde ter duvida nenhuma em se pronunciar no sentido da approvação do projecto. Eu tive sempre a coragem das minhas opiniões, e isto não é fazer nenhuma insinuação aos meus collegas, que têem tambem a mesma coragem; mas entendo que é dever nosso tomar uma resolução sobre este assumpto, e folgo que a camara se estejaoecupando d'elle. Cada um votará como entender, mas na presença do que disseram os srs. ministros da marinha e da fazenda, não tenho duvida nenhuma em me associar a este projecto, votando pela pretensão de que se trata.

Se com effeito o estado retem em si sommas que pertenciam ao conde do Farrobo, como asseverou o illustre ministro da marinha, seria uma grande iniquidade deixar os seus herdeiros morrer á fome.

O sr. Carrilho: — Tenho a fazer uma simples declaração.

A commissão, quando redigiu este projecto, teve em vista attender só aos filhos do primeiro matrimonio do sr. conde do Farrobo, filhos que se achavam em circumstancias um pouco precarias; aquelles filhos que tinham mostrado, havia pouco, que estavam habilitados com uma certa somma de recursos, como o primogenito, que tinha rendimentos para viver com um certo desafogo, esses não podem ser considerados.

São essas as declarações que tenho a fazer por parte da commissão.

O sr. José Guilherme: — Requeiro a v. ex.ª consulte a camara sobre se quer que haja votação nominal sobre este projecto (Apoiados.)

O sr. Presidente: — A discussão na generalidade ainda não terminou, e por consequencia consultarei a esse respeito a camara logo que ella finde.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Estava no proposito de não tomar parte em nenhuma das discussões d'esta camara, pois, tendo tornado bem evidente que voto contra todos os augmentos de despeza, não é menos evidente que o meu voto e a minha voz nada podem contra a torrente que nos domina.

O projecto que se discute nas circumstancias actuaes das nossas finanças e depois dos augmentos de despeza, que esta camara, sem o meu voto, tem approvado, pareceme difficil de comprehender, o impossivel de justificar.

Eu, protestando contra esta votação, como tenho protestado contra outras despezas, não estou em disposição de espirito para dar grande desenvolvimento ás minhas observações. Farei, porém, notar a v. ex.ª e á camara, que o projecto em discussão, fundando-se nos serviços relevantes do fallecido conde do Farrobo, reconhecendo em seus descendentes direito para reclamarem ou receberem uma recompensa, invocando nas premissas estes principios, na conclusão parece contrarial-os, porque não resolve a questão que reconhece, e não attende aos principios que proclama.

Sr. presidente, não é com uma pensão, maior ou menor, a um ou outro dos herdeiros de um homem que se diz ter direito a reclamar uma divida do paiz; não é com pensões que se resolve a obrigação nacional, quando se reconhece, de pagar aos descendentes as dividas contrahidas para com um ascendente illustre.

Alem d'isso, sr. presidente, parece-me que a explicação dada ha pouco pelo sr. relator da commissão, vem estabelecer uma doutrina nova, que eu pela minha parte nunca poderia acceitar, ainda que votasse este projecto. Ir escolher entre os diversos filhos do mesmo individuo aquelles que devem receber e aquelles que devem ser excluidos de participar do beneficio que se concedo aos serviços do pae, de que todos são filhos, é um arbitrio tão extraordinario que eu prescindo de o classificar.

Esta theoria n'um paiz em que pela, legislação vigente todos os filhos de qualquer individuo têem direito igual aos bens ou á herança de seu pae, é a tal ponto extraordinaria, que não acho argumento para a defender, nem mesmo explicação para disfarçar a injustiça que se pratica.

Estimaria mais que a camara e o governo não escolhessem esta occasião para augmentar no orçamento do estado encargos a descoberto, aggravando uma responsabilidade, que já é grande. Mas vendo que a opposição n'esta casa toma a iniciativa de augmentar a despeza, e, não podendo oppor-me ás sabias resoluções do governo e da maioria d'esta camara, exponho estas simples considerações, para que no caso de se resolver fazer a despeza, ao menos a façam, sempre sem o meu voto, de um modo definitivo que ponha termo ás reclamações cuja justiça reconhecem, e ao mesmo tempo insisto em que nem a camara nem o governo introduzam n'este paiz o systema unico de escolher entre os filhos do mesmo pae aquelles que devem ter direito á recompensa que aos serviços paternos é concedida, beneficiando uns e excluindo outros. (Apoiados)

Termino as minhas reflexões, declarando a v. ex.ª que voto contra o projecto, prescindindo de avaliar n'este momento a justiça ou injustiça das reclamações em que elle se funda. Todo o augmento de despeza, n'esta occasião, reputo-o, não só inconveniente, mas altamente imprudente.

O sr. Ministro da Fazenda: — Pedi a palavra, porque pareceu-me que o illustre deputado se dirigiu ao governo. Não ha duvida que por este projecto se não resolve a questão. O governo tinha trazido um projecto, que me parece que tendia mais a esse fim; a illustre commisão de fazenda, porém, julgou que devia resolver a questão por esta fórma. Entendeu ella, que estando na desgraça os filhos de um homem que tinha prestado relevantes serviços ao paiz, não podiamos protelar eternamente a resolução de um negocio que podia levar dezenas de annos a resolver, deixando morrer á fome esses individuos.

Não tenho a honra de ser jurisconsulto, portanto não posso responder ás observações do illustre deputado, quanto

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á parte technica e scientifica, no entretanto lembrarei que o projecto está assignado por jurisconsultos que toda a camara respeita, como é, por exemplo, o sr. presidente da commissão o sr. Dias Ferreira, e alguns outros. Não me parece, portanto, que seja um absurdo de tal ordem, como pretendeu asseverar o illustre deputado. Eram estas as observações que tinha a fazer, porque como disse, este negocio é puramente da camara.

O sr. Pinheiro Chagas: — V. ex.ª vê que a consideração que fez ha pouco o sr. ministro da marinha está em contradicção com o relatorio da commissão. (Apoiados.)

O sr. ministro da marinha declarou que sustentava ainda hoje a sua opinião, de que havia n'este ponto uma divida sagrada, e que o estado tinha em si dinheiro que pertencia a outro.

Ora, como diz o sr. visconde de Moreira de Reis, o projecto não resolve essa questão.

Eu suppunha que o projecto da commissão e do governo tendia simplesmente a trazer á camara o accordo de paiz com aquelles credores do estado, pelo qual se evitasse a contingencia de uma solução judicial contra o estado, e por conseguinte se chegaesse a um d'estes accordos que muitas vezes se fazem entre credores e devedores com o concurso de ambas as partes.

Essa era a proposta do governo, mas vejo que o governo abandonou essa proposta e a substituiu pelo projecto da commissão.

(Ápartes.)

A commissão substituiu a proposta do governo por um projecto seu; e, portanto, o governo abandonou completamente a sua proposta. Se a não abandonasse, tinha-a sustentado e não declarava que estava de accordo com a commissão.

E isso é o que eu desejava saber do sr. ministro da fazenda. Esse ponto é essencial. O que eu desejo saber e se a proposta do governo fica subsistindo; desejo saber se o governo sustenta ainda a sua proposta ou se essa proposta fica completamente abandonada depois de votado o projecto que está em discussão.

(O sr. deputado não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro da Fazenda: — O governo não faz questão da sua proposta, não póde fazel-a, e declara que não a faz.

O governo apresentou aquella proposta em virtude de uma resolução da camara. (Apoiados.)

A commissão entendeu que não era possivel nem conveniente resolver desde já esta questão pela maneira que o governo tinha proposto; mas, entendendo que se devia fazer alguma cousa, apresentou o seu projecto.

O governo, apesar de estar convencido de que a sua proposta era mais radical e mais de accordo com a decisão da camara, todavia concordou com a commissão em relação ao seu projecto, e como sendo melhor este expediente do que cousa nenhuma.

O sr. Luciano de Castro: — A questão que se discute pareceme que póde ser encarada por dois lados: pelo lado da justiça e pelo lado da opportunidade.

Emquanto á justiça, creio que estão todos concordes em que os pretendentes, a quem se quer dar uma tal ou qual indemnisação, têem algum direito a recebel-a do estado. Só quanto á fórma de se pagar essa indemnisação é que vejo que ha divergencias, porquanto o governo apresentou uma proposta para se resolver a questão de um modo, e a illustre commissão de fazenda apresentou um projecto para a resolver de outro modo.

Emquanto á questão da opportunidade, é indispensavel que o sr. ministro da fazenda diga francamente á camara qual é a sua opinião sobre esse ponto.

A questão da opportunidade é a questão financeira, e eu declaro que tenho muitos escrupulos em votar este e outros projectos que tendam a aggravar a situação do thesouro, em consequencia do estado da nossa fazenda.

Portanto se o sr. ministro da fazenda entendo que este projecto deve ser adiado por aggravar a nossa situação, e em attenção ás circumstancias financeiras do paiz, eu não recusarei o meu voto a esse adiamento.

Se s. ex.ª entende que o nosso thesouro não é aggravado por modo que não possa supportar esse aggravamento, se a nossa situação financeira não é consideravelmente peiorada com a votação d'este projecto, eu não tenho duvida em declarar que votarei a respeito d'elle do modo que voto a respeito de todos os projectos que augmentam as despezas publicas, mas que são necessarios, urgentes e inadiaveis.

Se a questão é de justiça, como se diz, parece-me que o parlamento se honra em pagar uma divida. Se a questão é de equidade, se a camara dos senhores deputados reconhece que ha rasões especiaes e ponderosas para não deixar agonisar na miseria os representantes de um homem illustre que fez grandes serviços á liberdade e ao paiz, parece-me que o parlamento não se honra menos resolvendo o assumpto com a maior brevidade possivel. (Apoiados.)

Foi para isso que se requereu que este projecto entrasse em discussão. Adie-se, se as nossas circumstancias financeiras não permittem estas despezas. Resolva-se contra, ou resolva-se a favor. Resolva-se segundo a proposta primitiva do sr. ministro da fazenda, ou conforme o projecto da illustre commissão. Em todo o caso o que é necessario é tomar uma resolução. (Apoiados.)

Se o sr. ministro da fazenda declara que a situação da fazenda publica não consente a approvação do projecto, apesar de abonado por todas as considerações de equidade, eu não tenho duvida em votar o adiamento d'elle. Se s. ex.ª declara que este projecto não vae peiorar sensivelmente a situação da fazenda publica, e entende que as circumstancias do thesouro comportam o pagamento d'esta divida nacional, eu não tenho duvida em votar o projecto.

O que é preciso é que se resolva este negocio. Se se póde pagar, pague-se hoje. Se se não póde pagar hoje, pague-se ámanhã. Pague-se este anno ou para o anno, mas pague-se. (Apoiados.) O que quero é que haja uma resolução da camara. É do seu dever; é sua rigorosa obrigação tomar uma resolução definitiva sobre este assumpto. É o que tinha a dizer.

Agora antes de me sentar, notarei ao sr. ministro da fazenda que o sr. Pinheiro Chagas desejava saber, e eu tambem desejo saber, se a questão Farrobo fica morta com a approvação d'este projecto.

Parece-me que seria conveniente, e preciso até, haver uma declaração a este respeito. É preciso, a camara tem direito de saber se, votado este projecto no sentido proposto, isso importa acabar de vez esta questão.

Espero alguma declaração da parte do sr. ministro da fazenda a este respeito.

O sr. Ministro da Fazenda: — Pela maneira por que estava redigida a proposta primitiva do governo ficava a questão morta se os herdeiros do conde do Farrobo viessem a um accordo.

Votava-se-lhes e entregava-se-lhes uma certa somma no caso d'elles fazerem uma declaração de que cediam de todos os seus direitos.

N'este caso ficava a questão morta.

Quanto á primeira pergunta que me dirigiu o illustre deputado, digo que se a camara julga de justiça votar estas pensões, não é a verba de 2:000$000 ou 3:000$000 réis mais de despeza, approvando-se o projecto, que a situação da fazenda peiora.

Se a camara entende que é um acto de justiça, os actos d'esta ordem de certo não prejudicam o estado das nossas finanças. (Apoiados.)

O sr. Paula Medeiros: — Se o projecto de lei, que se acha em discussão, importa o pagamento de uma divida sagrada de que a nação é responsavel, o meu voto é que seja integralmente paga; se são serviços que têem de remune-

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rar-se, para isso e que serve o cofre das graças; se é apenas uma questão de equidade, isso corresponde a uma esmola, e não é ao parlamento a quem se deve pedir.

Alem de que ha n'este projecto uma disposição com que não me conformo, que é o contemplar-se apenas tres parentes do conde do Farrobo, quando todos os outros descendentes têem um direito de que esta camara não os póde esbulhar, pois não devemos entrar em uma questão d'esta natureza, qual a de saber quem são, ou não, os seus parentes necessitados; por estas considerações não posso dar o meu voto ao projecto em discussão.

O sr. Braamcamp: — Não pedi a palavra para impugnar o projecto em discussão, mas unicamente para lembrar que talvez se possa fazer um additamento ao projecto, que me parece que vae de accordo com as opiniões que se têem manifestado na camara e mesmo com a opinião do sr. ministro da fazenda; e vem a ser: que é condição expressa que as disposições que elle contém se não realisarão senão quando os herdeiros do sr. conde do Farrobo, a quem ellas aproveitam, cedam dos seus direitos em relação á questão com o thesouro.

Entendo que seria muito preferivel um accordo que pozesse termo a esta questão e evitasse quaesquer reclamações para o futuro; no entanto para alcançar quanto seja possivel esse fim, e para que não se dê o facto pouco justificavel do thesouro subsidiar os herdeiros do conde do Farrobo, emquanto estes pela sua parte proseguirem na questão que está pendente, lembro este additamento.

Não insisto n'elle, mas se a commissão o acceitar, não terei duvida em mandar para a mesa uma proposta n'esse sentido.

O sr. Secretario (Mouta o Vasconcellos): — A commissão de redacção não fez alteração alguma aos projectos n.ºs 38, 79 e 85, que ha pouco foram approvados.

Vão ser expedidos para a outra camara.

O sr. Carrilho: — Parece-me que a proposta do sr. Braamcamp não póde ser acceita, porque se a questão ficaria morta com relação a dois herdeiros do que se trata, como ha mais herdeiros não terminaria; e o pleito ficava assim no mesmo pé perfeitamente e no mesmo estado.

O sr. Eduardo Tavares: — Não desejo protrahir este debate, mas unicamente dizer algumas palavras em resposta ao illustre deputado e meu amigo o, sr. Luciano do Castro, ácerca da questão da opportimidade.

Peço, pois, licença para me dirigir a s. ex.ª com o respeito e consideração que por todos os motivos lhe são devidos.

Sabe muito bem s. ex.ª, e do certo muito melhor do que eu, que foi o sr. conselheiro Braamcamp quem em 1872, quando as nossas circumstancias financeiras não eram seguramente mais favoraveis do que são hoje, trouxe á camara esta questão, convidando por essa occasião o governo a apresentar na seguinte sessão uma proposta no sentido de resolver a questão Farrobo.

Se isto não fosse uma cousa justa, de certo que a não praticaria o illustre chefe da opposição.

Se, pois, as nossas circumstancias financeiras não eram em 1872 melhores do que são hoje, e se a questão é justa nas proporções exiguas com que o thesouro vae ser onerado por causa d'ella, não posso hesitar em dar ao projecto que se discute, o meu voto favoravel sem me prender com a questão da opportunidado.

É sempre opportuno fazer justiça aquem se deve. (Apoiados.)

Já que estou com a palavra, responderei tambem ao meu collega e amigo o sr. Paula Medeiros.

Causou-me um certo mau effeito o dilemma que s. ex.ª apresentou quando disse que, se a questão era justa, a votassemos; mas se era uma esmola que se pedia, o parlamento não dava esmolas!

Eu não sei se o parlamento dá ou não esmolas, mas o que posso dizer é que as pessoas de quem se trata são bastante dignas, para não receberem como esmola o que já foi aqui classificado como um acto de justiça, com o assentimento de toda a camara.

Ainda ha pouco votámos (no que tive muita satisfação e honra) um parco subsidio aos velhos e heróicos soldados do Mindello, como uma mesquinha compensação de muito que fizeram pela causa liberal; votámos já uma pensão á sr.ª duqueza de Saldanha, honrando os serviços de seu fallecido esposo; depois d'isso não deve haver duvida em votar as pensões aos representantes do conde do Farrobo, ainda que não seja senão como uma exigua recompensa dos altos serviços prestados á liberdade por esse prestante cidadão já fallecido. E nada d'isto póde ser considerado como uma esmola. (Apoiados.)

O sr. Paula Medeiros: — Eu retiro a palavra esmola.

O Orador: — Sou o primeiro a reconhecer as boas intenções do sr. deputado Paula Medeiros, porque ninguem mais do que eu faz justiça ao seu patriotismo e elevados sentimentos; mas peço licença para dizer a s. ex.ª, que se estas pensões de que nos occupâmos podessem ser classificadas como esmola, como esmola teriamos então de considerar as que se tem dado a muitos individuos, que, no que respeita a serviços relevantes, não sei se estarão em igualdade de circumstancias. (Apoiados.)

O sr. Pinheiro Chagas: — Depois do que tenho ouvido, o melhor é collocar a questão, tal qual se apresentou á camara, desde que a commissão a precedeu de um relatorio, que ha pouco acabou de ser lido na mesa, e não se fallar mais em questão de justiça, de equidade, nem de relações entre o governo e o conde do Farrobo.

A questão de justiça, de equidade e de indemnisação que se tem levantado na camara, e que o governo não está resolvido a acceitar, acabou desde que votámos uma pensão á sr.ª duqueza de Saldanha pelos serviços prestados pelo seu fallecido marido; e desde que votámos ainda hoje uma pensão aos soldados do Mindello podemos votar tambem uma pensão aos descendentes do sr. conde do Farrobo pelos altos serviços que prestou á liberdade.

Se o sr. ministro da fazenda entende que não estamos em circumstancias de a poder votar n'esta occasião, perfeitamente de accordo, a camara vota n'este sentido.

Não levanto a questão da indemnisação, porque me parece que o governo a poz completamente de parte; apesar da declaração que o sr. Thomás Ribeiro n'outro tempo se prestou a dar, e agora a sustenta.

(O sr. deputado não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara sobre o requerimento do sr. José Guilherme Pacheco, para que seja votada nominalmente a generalidade do projecto.

Approvado o requerimento.

Procedendo-se á votação

Disseram approvo os srs.: — Braamcamp, A. J. Teixeira, Cunha Belem, Arrobas, Carrilho, Neves Carneiro, Forjaz de, Sampaio, Eduardo Tavares, Filippe de Carvalho, Jayme Moniz, Namorado, José Luciano, Luiz de Campos, Camara Leme, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Pedro Roberto, Visconde de Sieuve de Menezes, Mouta e Vasconcellos e Rocha Peixoto (Alfredo).

Disseram rejeito os srs.: — Osorio de Vasconcellos, Antunes Guerreiro, A. J. d'Avila, Augusto de Mello Gouveia, Zeferino Rodrigues, Vieira da Mota, Conde da Foz, Vieira das Neves, Pinheiro Osorio, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Illidio do Valle, Jeronymo Pimentel, Frederico da Costa, José Guilherme, Figueiredo de Faria, Ferreira Freire, Bivar, Faria e Mello, Cunha Monteiro, D. Miguel Coutinho, Pedro Jacome, Visconde de Moreira de Rey, e Francisco Costa.

O sr. Presidente: — Disseram approvo 20 srs. deputados e rejeito 24.

Em virtude do artigo 162.° do regimento não ha numero sufficiente para a approvação ou rejeição. Por consequencia, em conformidade do que determina o artigo 155.°, fica a vo-

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tacão para se renovar na primeira sessão; porque é precisa a quarta parte do numero total dos deputados marcado na lei eleitoral e a maioria dos presentes. A quarta parte são 27 votos conformes, e este numero é que não houve. Fica pendente a votação d'este projecto.

O sr. Eduardo Tavares (para um requerimento): — Requeiro que v. ex.ª renove a votação do projecto, porque vejo que depois d'ella tem entrado um certo numero de deputados que não estavam presentes á chamada. É provavel que agora haja vencimento por um ou outro lado.

O sr. Presidente: — A votação deste parecer fica pendente. Não me parece rasoavel seguir-se já outra votação, até porque é contra o regimento. Entretanto se a camara assim o determinar, eu cumprirei a sua resolução. Se o sr. deputado insiste no seu requerimento, ponho-o á votação.

O sr. Eduardo Tavares: — Desde o momento em que, na conformidade do regimento e da declaração de v. ex.ª a votação fica pendente para a sessão immediata, não insisto no meu requerimento.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o projecto n.º 72.

É o seguinte:

Projecto de lei n.º 72

Senhores. — As vossas commissões de legislação penal e de guerra tendo examinado com a devida attenção a proposição de lei que altera alguns artigos do codigo de justiça militar, e que foi enviada a esta camara pela camara dos dignos pares;

Considerando que estas alterações têem principalmente por fim abaixar os minimos das penas estabelecidas no codigo de justiça militar, que a experiencia tem mostrado que são muito elevados;

E conformando-se com os outros fundamentos lucidamente expostos no relatorio do projecto de lei approvado pela camara dos dignos pares do reino, são de parecer, de accordo com o governo, que deve ser submettido á vossa consideração o seguinte

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° Fica substituido e additado pela seguinte fórma o n.º 3.° do artigo 29.° e seus §§ do codigo de justiça militar:

«... A duração das penas temporarias poderá ser abreviada, reduzindo-se até metade do minimo correspondente a cada crime, comtanto que as penas resultantes não sejam inferiores aos minimos designados no capitulo 2.° do titulo 1.° do presente livro.

«... Poderão tambem os tribunaes militares, considerando o numero e importancia das circumstancias attenuantes, substituir pela immediata as penas a que se referem os n.ºs 2.°, 3.° e 7.° do artigo 9.° do presente codigo.

«§ 3.° Nos crimes militares a embriaguez não attenua a culpabilidade do criminoso.»

Art. 2.º Ficam eliminadas as seguintes palavras do § unico do artigo 42.° do mencionado codigo:

«... impondo-se n'este caso por cada um anno de presidio dois annos de deportação, comtanto que a condemnação não exceda ao todo o maximo da pena de deportação.»

Art. 3.° Fica substituido do seguinte modo o n.º 2.° do artigo 142.° do referido codigo:

«Dos directores e chefes de repartição da secretaria da guerra, officiaes dos estados maiores das divisões territoriaes e de todos os ajudantes de campo e officiaes ás ordens que não excedam o quadro legal.»

Art. 4.° Fica additado pela seguinte fórma o artigo 154.° do supracitado codigo:

«4.° Dirigir no quartel general o serviço relativo a assumptos de disciplina e justiça criminal.

«§ unico. Nas divisões em que houver mais de um conselho de guerra o respectivo general nomeará o promotor que houver de exercer as funcções a que a anterior disposição se refere.»

Art. 5.° Fica substituido pela seguinte fórma o § unico do artigo 160.° do referido codigo:

«Os secretarios dos conselhos de guerra preferirão, em igualdade de circumstancias, a quaesquer outros candidatos no provimento dos logares de archivistas das divisões militares territoriaes, e nos de aspirantes na direcção da administração militar.»

Art. 6.° É considerada commissão activa, nos termos do artigo 7.° do titulo 1.° do regulamento de 12 de fevereiro de 1812, a do logar de promotor de justiça nos tribunaes militares, qualquer que seja a arma a que pertença o official que o exercer.

Art. 7.° O governo, nas futuras edições do codigo de justiça militar, fará inserir estas substituições e additamentos nos logares competentes.

Art. 8.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das commissões, em 6 de abril de 1878. = João Maria de Magalhães. = A. Cardoso Avelino. = Francisco Antonio Pinheiro da Fonseca Osorio. = Carlos Vieira da Motta. = Antonio Maria Barreiros Arrobas. = Osorio de Vasconcellos. = José Joaquim Namorado. = Jacinto A. Perdigão. = José Maria de Moraes Rego. = José Frederico Pereira da Costa. = A. M. da Cunha Belem. = D. Luiz da Camara Leme. = Antonio José d'Avila. = Julio de Vilhena, relator.

A camara dos pares envia á camara dos senhores deputados a proposição junta, e pensa que tem logar pedir-se ao Rei a sua sancção.

Palacio das côrtes, em 5 de abril de 1878. = Duque d'Avila e de Bolama, presidente = Visconde de Soares Franco, par do reino, secretario = Eduardo Montufar Barreiros, par do reino, secretario.

N.°71-A

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° Fica substituido o additado pela seguinte fórma o n.º 3.º do artigo 29.° e seus §§ do codigo de justiça militar:

«... A duração das penas temporarias poderá ser abreviada, reduzindo-se até metade do minimo correspondente a cada crime, comtanto que as penas resultantes não sejam inferiores aos minimos designados no capitulo 2.° do titulo 1.° do presente livro.

«... Poderão tambem os tribunaes militares, considerando o numero, e importancia das circumstancias attenuantes, substituir pela immediata as penas a que se referem os n.ºs 2.º, 3.º e 7.° do artigo 9.° do presente codigo..

«§ 3.° Nos crimes militares a embriaguez não attenua a culpabilidade do criminoso.»

Art. 2.° Ficam eliminadas as seguintes palavras do § unico do artigo 42.º do mencionado codigo:

«... impondo-se n'este caso por cada um anno de presidio dois annos de deportação, comtanto que a condemnação não exceda ao todo o maximo da pena de deportação.»

Art. 3.° Fica substituido do seguinte modo o n.º 2.° do artigo 142.º do referido codigo:

«Dos directores e chefes de repartição da secretaria da guerra, officiaes dos estados maiores das divisões territoriaes e de todos os ajudantes de campo e officiaes ás ordens que não excedam o quadro legal.»

Art. 4.° Fica additado pela seguinte fórma o artigo 154.° do supracitado codigo:

«4.º Dirigir no quartel general o serviço relativo a assumptos de disciplina e justiça criminal.

«§ unico. Nas divisões em que houver mais de um conselho de guerra o respectivo general nomeará o promotor que houver de exercer as funcções a que a anterior disposição se refere.»

Art. 5.° Fica substituido pela seguinte fórma o § unico do artigo 160.º do referido codigo:

« Os secretarios dos conselhos de guerra preferirão, em igualdade de circumstancias, a quaesquer outros candidatos

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no provimento dos logares de archivistas das divisões militares territoriaes, e nos de aspirantes na direcção da administração militar.»

Art. 6.º É considerada commissão activa, nos termos do artigo 7.º do titulo 1.° do regulamento de 12 de fevereiro de 1812, a do logar de promotor de justiça nos tribunaes militares, qualquer que seja a arma a que pertença o official que o exercer.

Art. 7.° O governo, nas futuras edições do codigo de justiça militar, fará inserir estas substituições e additamentos nos logares competentes.

Art. 8.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 5 de abril de 1878. = Duque d’Avila e de Bolama, presidente = Visconde de Soares Franco, par do reino, secretario = Eduardo Montufar Barreiros, par do reino, secretario.

O sr. Luciano de Castro: — Preciso da presença do sr. ministro da guerra, e n'este momento vejo que está occupado n'outro assumpto. O que posso é começar a fazer algumas observações sobre o projecto até que s. ex.ª possa vir occupar o seu logar. Se v. ex.ª quer que eu espere por elle, eu espero.

(O sr. presidente do conselho e ministro da guerra occupou o seu logar.)

O Orador: — Este projecto vem desacompanhado de todos os esclarecimentos e informações, para que a camara possa dar sobre elle um voto esclarecido.

O relatorio da commissão é por tal fórma laconico, que não nos dá idéa do que se pretende. Em regra são assim n'este anno todos os relatorios das commissões. São de uma concisão assombrosa.

N'este projecto a commissão de mais a mais refere-se, n'um dos considerandos do seu parecer ao relatorio de um projecto que foi approvado na camara dos dignos pares. Mas esse relatorio não acompanha o projecto em discussão, e portanto nada podemos saber.

O considerando a que me refiro é o terceiro, que diz o seguinte.

(Leu.)

Este relatorio não foi apresentado á camara, não acompanha o parecer da commissão, e portanto não podemos ajuizar dos fundamentos do projecto...

O sr. Avila: — V. ex.ª dá licença que faça uma observação?

O Orador: — Com muito gosto.

O sr. Avila: — Mandou-se para a imprensa este parecer da commissão de guerra acompanhando o relatorio da commissão de guerra da camara dos dignos pares, que acompanhou a proposição de lei; na imprensa deviam ter composto os dois relatorios, mas não compozeram senão um. Tambem ali pozeram que o sr. Julio de Vilhena é o relator, quando s. ex.ª não é o relator.

O Orador: — Então parecia-me melhor adiar este projecto até que viesse da imprensa o relatorio, visto como não temos conhecimento bastante do assumpto a que se refere. O sr. Avila acaba de declarar que a commissão de guerra juntou esse relatorio e mandou-o para a imprensa, e então parecia-me conveniente adiar o projecto até que esteja presente aquelle trabalho. Não se sabem os motivos que levaram a camara dos dignos pares a fazer as alterações propostas no codigo penal de justiça militar, e convem sabel-os.

Portanto, se o sr. ministro da guerra concordasse, podia adiar-se o projecto para ámanhã...

O sr. Ministro da Guerra (Fontes Pereira de Mello): — Estou de accordo.

O Orador: — Agora se s. ex.ª não concordar, verme-hei forçado a discutil-o desde já.

O sr. Ministro da Guerra: — Sr. presidente, este projecto não é de iniciativa do governo, como se sabe, mas o governo concordou com elle na outra camara. O illustre relator acaba de dizer que está na imprensa o relatorio que serve de esclarecimento, e eu pela minha parte não tenho duvida em que se espere que esse relatorio venha para a camara poder fazer juizo completo a este respeito.

O sr. Avila: — Por parte da commissão declaro que ella está de accordo em que se adie o projecto até que venha o relatorio que foi apresentado na camara dos dignos pares.

O sr. Presidente: — Fica o projecto adiado até que venha da imprensa o relatorio.

Agora passa-se ao projecto n.º 31.

Foi approvado sem discussão.

É o seguinte:

Projecto de lei n.º 31

Senhores. — As vossas commissões de guerra e de fazenda examinaram cuidadosamente a proposta de lei n.º 30-E, apresentada pelo governo, com o fim de garantir aos officiaes das tropas do ultramar, e que ali são coroneis, a sua passagem para o exercito da metropele, sem prejudicar o accesso aos officiaes do mesmo exercito; e

Considerando o quanto é justo o disposto no artigo 29.° do decreto de 2 de dezembro de 1869, que manda passar ao exercito do continente os officiaes que no serviço do ultramar conseguiram alcançar o posto de coronel;

Considerando que bem poucos são aquelles que logram vencer o dito posto de coronel nas provincias ultramarinas, fazendo toda a sua carreira militar desde o posto de alferes debaixo das influencias deleterias d'aquelles climas, e ainda expostos sempre aos perigos e riscos inherentes ao serviço do ultramar;

Considerando que esses officiaes, quando são passados ao exercito do continente, vem de algum modo alterar a escala das antiguidades, prejudicando a promoção dos tenentes coroneis que já se julgavam com direitos adquiridos;

Considerando mais que a proposta do governo vem obviar aos inconvenientes apontados:

Por todas estas considerações e ainda por aquellas que a vossa illustração facilmente poderá supprir, são as vossas commissões de parecer que deve ser approvado e convertido em lei o seguinte

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° Os coroneis das tropas do ultramar, a quem, por effeito do artigo 29.° do decreto de 2 de dezembro de 1869, tem sido ou for concedida transferencia para o exercito do continente, ficarão addidos ao quadro da arma de infanteria.

Art. 2.° Os officiaes de que trata o artigo antecedente poderão ser empregados nas commissões proprias da arma de infanteria na effectividade do serviço, e terão accesso parallelamente aos do quadro da mesma arma, conforme a antiguidade do posto de coronel, contada desde a data da transferencia.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão de guerra, 23 de março de 1878. = J. Dias Ferreira = Antonio M. P. Carrilho = Custodio José Vieira = D. Luiz da Camara Leme = A. C. Ferreira de Mesquiia = Lopo Vaz de Sampaio e Mello = Visconde de Guedes Teixeira = José Joaquim Namorado = José Maria dos Santos = José Maria de Moraes Rego = Visconde da Azarujinha = A. M. da Cunha Belem = José Frederico Pereira da Costa = Antonio José d'Avila = A. J. de Seixas = Placido de Abreu = Miguel Maxímo da Cunha Monteiro = Joaquim de Matos Correia = Visconde de Villa Nova da Rainha = João Maria de Magalhães, relator.

N.° 30—E

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° Os coroneis das tropas do ultramar a quem, por effeito do artigo 29.° do decreto de 2 de dezembro de 1869, tem sido ou for concedida transferencia para o exercito do continente, ficarão addidos ao quadro da arma de infanteria.

Sessão de 10 de abril de 1878

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Art. 2.º Os officiaes de que trata o artigo antecedente poderão ser empregados nas commissões proprias da arma de infanteria na effectividade do serviço, e terão accesso parallelamente aos do quadro da mesma arma, conforme a antiguidade do posto de coronel, contada desde a data da transferencia.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 22 de março de 1878. = Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello.

Entrou em discussão o projecto n.º 40.

É o seguinte:

Projecto de lei n.º 40

Senhores. — As vossas commissões de guerra e de fazenda ponderaram devidamente a proposta de lei n.º 30-D, offerecida á consideração da camara pelos srs. ministros da guerra e da marinha na sessão de 22 do corrento; e

Considerando que se trata unicamente de dar a verdadeira interpretação á lei de 11 de junho de 1867, que regulou a concessão de pensões;

Considerando ainda que as mensalidades do monte pio do exercito e da marinha são propriedade particular, e não devem ser reputadas pensões pagas pelo thesouro, mas sim o benefico resultado da contribuição de todos os associados para um cofre commum em favor das familias que lhes sobrevivam:

Têem a honra de submetter á vossa apreciação o seguinte

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° As pensões decretadas conforme a lei de 11 de junho de 1867 podem ser accumuladas com as pensões do monte pio do exercito e da marinha, pagas por effeito da contribuição dos associados, nos termos da lei de 28 de junho de 1843 e mais legislação a que ella se refere.

Art. 2.° Fica assim declarado e interpretado o artigo 8.° da citada lei de 11 de junho de 1867, e revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões das commissões de guerra e fazenda, 26 de março de 1878. = J. Dias Ferreira = José Maria de Moraes Rego = Placido de Abreu = José Frederico Pereira da Costa = Antonio M. P. Carrilho = Antonio José d’Avila. = Visconde de Guedes Teixeira = D. Luiz da Camara Leme = Antonio José Teixeira = Miguel Maximo da Cunha, Monteiro = A. M. da Cunha Belem = João Maria de Magalhães = Custodio José Vieira = Lopo Vaz de Sampaio e Mello = Joaquim de Matos Correia = José Maria dos Santos = A. Osorio de Vasconcellos = A. C. Ferreira de Mesquita = José Joaquim Namorado, relator.

N.° 30-D

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° As pensões decretadas conforme a lei de 11 de junho de 1867 podem ser accumuladas com as pensões do monte pio do exercito e marinha, pagas por effeito de contribuição dos associados, nos termos da lei de 28 de junho de 1843 e mais legislação a que ella se refere.

Art. 2.° Fica assim declarado e interpretado o artigo 8.° da citada lei de 11 de junho de 1867, e revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 22 de março de 1878. = Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello = Thomás Antonio Ribeiro Ferreira.

O sr. Luciano de Castro: — Sr. presidente, eu desejo que por parte do governo algum dos seus membros declare quaes são as pessoas a quem aproveita esta providencia que apparece aqui na ausencia da reclamação dos interessados, que se não sabe quem são. E parece-me que, sem se reconhecer a justiça que assiste ás pessoas a quem a lei vae beneficiar, nós não devemos alterar a legislação vigente.

Não tive tempo de ler o relatorio do projecto, e não sei se se diz que esta medida é de accordo com o governo.

Uma voz: — É proposta do governo.

O Orador: — Desejo saber, para me esclarecer, qual o numero de individuos a quem aproveita esta disposição.

Desejava tambem que o sr. ministro da guerra me desse alguns esclarecimentos sobre os motivos que tornam necessaria a approvação d'esta proposta.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro da Guerra: — A lei de 11 de junho de 1867, que regula os casos em que podem ser concedidas pensões, e o modo por que ha de ser feita a concessão d'ellas foi resultado de uma proposta apresentada n'esta camara por mim, discutida, approvada e convertida em lei n'essa occasião.

Eu não entendo nunca que a disposição do artigo 8.° da carta de lei de 31 de junho de 1867 podesse, no caso da legislação vigente, quando ha serviços relevantes, obstar á accumulação de uma pensão que se decrete com o monte pio que tivesse a pessoa a quem fosse concedida a pensão.

O illustre deputado sabe que a legislação vigente auctorisa esta accumulação, uma vez que a pensão recaia em pessoa que represente serviços considerados como relevantes.

Votou-se uma pensão á sr.ª duqueza de Saldanha, viuva do marechal duque de Saldanha. Não estava eu então no governo.

O parlamento votou uma pensão de 4:400$000 réis, dos quaes foram réis 2:400$000 para a sr.ª duqueza, e réis 2:000$000 para seu enteado, o filho do marechal.

Quando tive a honra de tomar novamente conta da pasta da guerra, encontrei uma pretensão da sr.ª duqueza, pretensão já entregue ao meu antecessor, na qual s. ex.ª solicitava que, na conformidade da legislação vigente, lhe fosse permittido accumular o monte pio militar, a que tinha direito como viuva do marechal, com a pensão que lhe tinha sido votada; e confesso que, se não tivesse achado esta questão já formulada de uma maneira clara, se este pedido não tivesse sido feito ao meu antecessor, mas fosse feito a mim antes de estar resolvido negativamente, não teria deixado de, dentro dos limites da lei, e com as faculdades do poder executivo, conceder a accumulação, porque entendo que as disposições do artigo 8.° da lei de 11 de junho de 1867 não comprehendo o monte pio militar, que eu considero propriedade do official que contribuo para elle longos annos; e se houve alguem, que tivesse contribuido largamente para elle, foi o sr. duque de Saldanha, que mais de quarenta annos foi marechal do exercito.

N'esta conformidade, parecendo-me que era justo, uma vez que eu não podia resolver este negocio com auctoridade propria, apresentar ás côrtes uma proposta de lei interpretativa para de futuro, e, no caso actual, para que a sr.ª duqueza de Saldanha podesse receber o monte pio de seu marido, e para o qual elle concorrera perto de setenta annos, n'esta conformidade apresentei ás côrtes essa proposta, e a commissão approvou-a em vista dos documentos que tivemos presentes.

A camara decidirá na sua alta sabedoria se acha justo, e se teve na sua mente, quando votou a pensão, excluir a sr.ª duqueza de Saldanha do direito que tinha ao monte pio de seu marido, e para o qual elle tinha contribuido durante tantos annos de serviço.

O sr. Luciano de Castro: — Folgo de ter provocado as explicações que o sr. ministro da guerra acaba de dar á camara, porque hão de esclarecel-a e prestar um subsidio valioso a todos os que podiam ter algumas duvidas ácerca da utilidade da medida que se propõe.

O projecto concede a accumulação de uma pensão, que é valiosa, que é de 2:400$000 réis annuaes, com outra do monto pio militar, que é, como o sr. presidente do conselho disse, propriedade particular.

Só tenho um reparo a fazer.

Parecia-me que quando o parlamento votou a pensão de 2:400$000 réis á sr.ª duqueza de Saldanha, se persuadíra de que ella estava desamparada de quaesquer outros meios de viver. (Apoiados.) Estou intimamente convencido de que o parlamento votou esta pensão na idéa de que a sr.ª

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duqueza de Saldanha carecia da protecção, do amparo, deixe-se-me dizer, da caridade do estado.

Era então justo que o parlamento não deixasse a viuva de um valente general, a quem a liberdade e o paiz deviam tão largos serviços, ao abandono, na miseria, sem meios de poder alimentar-se.; mas desde que soubesse que a sr.ª duqueza de Saldanha tinha meios proprios ou grangeados pela previdencia e economia de seu marido, certamente não abusaria da penuria do thesouro publico votando uma pensão tão avultada como esta. (Apoiados.)

Agora vem propor-se que essa pensão de 2:400$000 réis se possa accumular com o monte pio a que a sr.ª duqueza de Saldanha tem direito.

Não trato de apreciar este facto.

Tenho grande repugnancia em entrar em questões pessoaes; por consequencia desde que se proferiu o nome da sr.ª duqueza de Saldanha não devo proferir mais uma palavra a similhante respeito.

Direi só que me repugna muito votar o principio consignado no projecto, porque me parece que o corpo legislativo, não digo que fosse illudido, mas estava persuadido, quando votou aquella pensão, de que a sr.ª duqueza de Saldanha não tinha outros meios de que viver.

O sr. Camara Leme: — Pedi a palavra unicamente para dar um esclarecimento ao illustre deputado.

As pensões concedidas ás viuvas de militares que fizeram serviços relevantes ao paiz podiam, antes da lei que citou o sr. presidente do conselho, accumular-se com o monte pio.

Assim a sr.ª duqueza da Terceira que teve uma pensão de 4:400$000 réis, e outras viuvas de militares distinctos, accumulavam as suas pensões com o monte pio de seus maridos.

Não acontecia o mesmo á sr.ª duqueza de Saldanha, por isso que a sua pensão foi posterior áquella lei, e apesar dos serviços do marechal Saldanha não serem inferiores aos do sr. duque da Terceira, a sua viuva ficou collocada n'uma posição inferior á da sr.ª duqueza da Terceira, da sr.ª condessa de Avillez, da sr.ª condessa de Lumiares e de outras senhoras distinctas, viuvas de valentes militares, que accumulavam as suas pensões com o monte pio de seus maridos, que não era mais do que uma contribuição que elles tinham pago.

O sr. presidente do conselho, querendo remediar este estado, apresentou á camara este projecto de lei, para que as viuvas a quem fossem concedidas pensões, em virtude de serviços relevantes prestados por militares distinctos, as podessem accumular com o monte pio de seus maridos.

Aqui tem a camara o fim do projecto, que a commissão de guerra approvou juntamente com a illustre commissão de fazenda.

Foi approvado o projecto na generalidade e especialidade.

Entrou em discussão o projecto n.º 42.

É o seguinte:

Projecto de lei n.º 42

Senhores. — Á vossa commissão de guerra foi presente a proposta de lei n.º 30-A, sobre a organisação de uma escola e serviço de torpedos.

A vossa commissão, considerando:

Que os torpedos são hoje reputados como accessorios da maior efficacia na defeza dos portos e costas;

Que todas as nações, principalmente desde a guerra da secessão da America, têem tratado da invenção, aperfeiçoamento, estudo theorico-pratico e applicação d'estas terriveis machinas de guerra sub-marinas;

Que dos resultados praticos obtidos e conhecidos publicamente pouco ou nada é licito concluir que se possa applicar a um rio como o Tejo, cuja largura de barras, profundidades, amplitude de marés, variedades e velocidades de correntes o fazem excepcional no emprego de taes machinas;

Que o uso e applicação dos torpedos na defensa demanda grande numero de conhecimentos theoricos e praticos, que sómente se poderão adquirir por um ensino methodico e experiencias por assim dizer quotidianas;

Que o emprego d'estas machinas, se é de um effeito fulminador para o atacante, não deixa comtudo de ser perigosissimo trabalho para o defensor;

Que é de esperar que o governo siga o methodo mais economico e proficuo no estabelecimento e regularisação da escolas de torpedos, evitando-se quanto possivel grandes e dispendiosas construcções terrestres, servindo se para tal fim de duas ou mais embarcações de guerra incapazes de navegar barra fóra, como fazem os inglezes na sua bem organisada escola de torpedos de Chatam;

Que a defensa do porto de Lisboa deve ser o principal fim, que importa ter em mira na creação da escola e serviço de torpedos:

Por todas estas considerações julga da maxima conveniencia transformar a referida proposta no seguinte

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É o governo auctorisado a organisar a escola e serviço de torpedos, comprehendendo:

1.° A defeza dos portos e costas por meio de torpedos fixos e moveis;

2.° A defeza das linhas de torpedos;

3.° A instrucção theorica e pratica do pessoal da companhia de torpedeiros e dos officiaes e praças da armada, quando n'esta se adoptar o emprego de torpedos moveis;

4.° A inspecção, guarda e conservação do material distribuido;

5.° A acquisição, fabrico e reparação de todo o material, sua armazenagem e distribuição.

Ari. 2.º A escola e serviço de torpedos estarão sob as ordens do ministerio da guerra, e farão parte integrante da commissão de defeza de Lisboa e seu porto.

Art. 3.° A superintendencia e inspecção da escola e serviço dos torpedos ficarão a cargo immediato do presidente da commissão de defeza de Lisboa e seu porto, o qual é responsavel directamente para com o ministerio da guerra por tudo o que diz respeito á dita escola e serviço.

Art. 4.° A escola e serviço de torpedos comprehenderão: um estado maior, uma companhia de torpedeiros e o pessoal das officinas pela fórma estabelecida na tabella A, que faz parte d'esta lei.

§ unico. A composição da companhia de torpedeiros, designada na tabella A, poderá ser ampliada, quando as necessidades do serviço o exigirem.

Art. 5.° Os officiaes da armada, e os de engenheria e artilheria empregados na escola e serviço de torpedos, serão considerados addidos aos quadros das respectivas armas.

Art. 6.° A escola terá uma bibliotheca apropriada ao seu fim, uma collecção de material de torpedos, e os instrumentos de physica e chimica necessarios para o ensino.

Art. 7.° Junto á escola haverá uma officina geral, uma officina para reparação de torpedos e uma officina pyrotechnica.

Art. 8.° Por cada uma embarcação movida a vapor, que a escola possuir, haverá um fogueiro, que accumulará o seu serviço especial com o de serralheiro da officina.

Art. 9.º Os vencimentos dos officiaes de marinha, empregados na escola e serviço de torpedos, serão os correspondentes aos de suas patentes quando embarcadas fóra da barra; os vencimentos dos officiaes de engenheria ou artilheria, os que correspondem aos de suas patentes em commissão activa; e os das praças da armada e exercito, operarios e serventes tambem empregados na dita escola e serviço de torpedos, os designados na tabella B, que faz parte da presente lei.

Art. 10.° Ao guardião e mais praças da companhia de torpedeiros serão applicaveis as vantagens concedidas ás

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praças da armada, pelo decreto de 17 de dezembro de 1868 § carta de lei de 18 de março de 1875.

Art. 11.° O guardião, os officiaes inferiores e cabos da companhia de torpedeiro?, quando contarem quinze annos de bom serviço, dos quaes tres, pelo menos no serviço dos torpedos, vencerão mais dois quintos das respectivas, soldadas. Dez annos depois d'esta concessão será o augmenfo elevado a tres quintos, se durante este praso tiverem permanecido no referido serviço com bom comportamento,

Art. 12.° Ao primeiro sargento da companhia de torpedeiros, quando completar trinta annos de bom serviço, dos quaes vinte, pelo menos, na effectividade da companhia, será applicavel o disposto no artigo 9.° do decreto de 26 de dezembro de 1868.

Art. 13.° O mestre, operarios e serventes das officinas gosarão das vantagens concedidas nos artigqs 38.° a 43..° do decreto de 26 de dezembro de 1868, sendo-lhes para este effeito contado o tempo que tenham servido em estabelecimentos do ministerio da guerra ou do da marinha.

Art. 14.° A dotação annual da escola, para as despezas do expediente, compra de livros, pequenas reparações e illuminação de casernas, communieaoões e officinas, é fixada em l:200$000 réis,

Art. 15.° Fica, o governo auctorisado a fazer as despezas de estabelecimento da escola e serviço de torpedos e a organisar os devidos regulamentos,

Art. 16.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da çommissão, 26 de março de 1878. = José Maria de Morais Rego = José Frederico Pereira da Costa = Miguel Marimo da Cunha Monteiro = D. Luiz da Camara Leme = José Joaquim Namorado = A. M. da Cinha Belem = João Maria de Mngalhães = A. Osorio de Vasconcellos, relator.

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Tabella A a que se refere o artigo 4.° d'esta lei

[Ver Diário Original]

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Tabella B a que se refere o artigo 9.º d'esta lei

[Ver Diário Original]

Sala da commissão, em 26 de março de 1878. = José Maria de Morais Reg = D. Luis da Camara Leme = José Frederico Pereira da Costa = João Maria de Magalhães = José Joaquim Namorado = Miguel Maximo da Cunha Monteiro = A. M. Da Cunha Belem = A. Osorio de Vasconcellos.

Sobre a proposta de lei n.º 30-A, a commissão de fazenda, na parte em que é chamada a dar sobre ella a sua opinião é de parecer, em vista das explicações do governo, que a mesma proposta deve ser approvada.

Sala da commissão, em 23 de março de 1878. = J. Dias Ferreira = Visconde de Guedes Teixeira = A. J. de Seixas = Lopo Vaz de Sampaio e Mello = Antonio M. P. Carrilho = A. C. Ferreira de Mesquita = Custodio José Vieira = José Maria dos Santos = V. da Azarujinha.

N.° 30-A

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.º É o governo auctorisado a organisar a escola e serviço de torpedos, comprehendendo:

1.° A defeza de portos e costa por meio de torpedos fixos e moveis;

2.° A defeza das linhas de torpedos;

3.° A instrucção theorica e pratica do pessoal da companhia de torpedeiros, e dos officiaes e praças da armada, quando n'esta se adoptar o emprego de torpedos moveis;

4.° A inspecção, guarda e conservação do material distribuido;

5.° A acquisiçâo, fabrico e reparação de todo o material, sua armazenagem e distribuição.

Art. 2.° A escola e serviço de torpedos estarão sob as immediatas ordens do ministerio da guerra.

Art. 3.° A escola será especialmente destinada ao ensino theorico e pratico das defezas submarinas por meio de torpedos, tanto fixos como moveis.

§ unico. O ensino de que trata este artigo será ministrado pela fórma que o regulamento determinar.

Art. 4.° A escola e serviço de torpedeiros comprehenderão: um estado maior, uma companhia de torpedeiros e o pessoal das officinas, pela fórma estabelecida na tabella A, que faz parte d'esta lei.

§ unico. A composição da companhia de torpedeiros, designada na tabella A, poderá ser ampliada quando as necessidades do serviço o exigirem.

Art. 5.º Os officiaes da armada e os de artilheria, empregados na escola e serviço de torpedos, serão considerados addidos aos quadros das respectivas armas.

Art. 6.º A escola terá uma bibliotheca, uma collecção de material de torpedos, e os instrumentos de physica e chimica necessarios para o ensino.

Art. 7.° Junto á escola haverá:

Uma officina geral;

Uma officina para reparação de torpedos;

Uma officina pyrotechnica.

Art. 8.° Por cada embarcação movida a vapor que a escola possuir, haverá um fogueteiro, que accumulará o seu serviço especial com o de serralheiro na officina.

Art. 9.° Os vencimentos dos officiaes e praças do exercito da armada empregados na escola e serviço de torpedos, serão os designados na tabella B, que faz parte d'esta lei.

Art. 10.° Ao guardião e mais praças da companhia de torpedeiros serão applicaveis as vantagens concedidas ás praças da armada pelo decreto de 17 de dezembro de 1868 e carta de lei de 18 de março de 1875.

Art. 11.º guardião, os officiaes inferiores e cabos da companhia de torpedeiros quando coutarem quinze annos de bom serviço, dos quaes tres, pelo menos, no serviço de torpedos, vencerão mais dois quintos das respectivas soldadas. Dez annos depois d'esta concessão, será o augmento elevado a tres quintos, se durante este praso tiverem permanecido no referido serviço com bom comportamento.

Art. 12.° Ao primeiro sargento da companhia de torpedeiros, quando completar trinta annos de bom serviço, dos quaes vinte, pelo menos, na effectividade da companhia, será applicavel o disposto no artigo 9.° do decreto de 26 de dezembro de 1868.

Art. 13.° O mestre, operarios e serventes das officinas gosarão das vantagens concedidas nos artigos 38.° a 43.º do decreto de 26de dezembro de 1868; sendo-lhes para este effeito contado o tempo que tenham servido em estabelecimentos dependentes do ministerio da guerra ou do da marinha.

Art. 14.° A dotação annual da escola, para entretenimento das despezas de expediente, compra de livros, pequenas preparações e illuminação de casernas e communicações, é fixada em 1:200$000 réis.

Art. 15.° Fica o governo auctorisado a fazer as despezas de installaçâo da escola e serviço de torpedos.

Art. 16.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 22 de março de 1878. = Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello = Thomas Antonio Ribeiro Ferreira.

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Tabella A a que se refere o artigo 4.° da lei d'esta data

[Ver Diário Original]

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O sr. Luciano de Castro: — Eu não me levanto para combater este projecto. Penso que n'elle se auctorisa uma despeza que, sendo utilmente applicada, póde ser de grande proveito para a defeza do paiz; mas eu levantei-me só para fazer uma pergunta ao sr. ministro da guerra.

Eu vejo que no artigo 15.° se pede auctorisação para se fazerem as despezas de estabelecimento da escola e serviço de torpedos, e organisar os devidos regulamentos.

Ora isto é uma auctorisação illimitada; ao mesmo tempo no artigo anterior se fixa em l:200$000 réis a dotação annual da escola. Assim como se fixa a dotação annual da escola, parece-me que se devia fixar pelo menos o maximo, da despeza a fazer com a dotação da escola de torpedos.

O governo havia de mandar fazer no estrangeiro alguns trabalhos sobre a organisação das escolas de torpedos, e se mandou alguem estudar este assumpto, eu sinto que o sr. ministro da guerra não tenha apresentado ao parlamento esses trabalhos, para habilitar os representantes do paiz a darem o seu voto seguro sobre uma materia tão grave.

Como disse ha pouco, os relatorios das commissões e do governo são cada vez mais escassos; não admira por isso que eu importune o sr. ministro da guerra, pedindo-lhe que dê alguns esclarecimentos para sabermos como votâmos.

Pede-se uma auctorisação illimitada para fazer despezas para a instituição d'esta escola. Pergunto: não tem o sr. ministro da guerra os estudos, os trabalhos necessarios para dizer á camara pouco mais ou menos qual será a despeza em que importa a fundação d'esta escola de torpedos? Não poderia na lei fixar-se o maximo da despeza a fazer? Eu creio que sim; Podia fixar-se o maximo, e quando a despeza fosse excedida, o governo na proxima sessão viria pedir auctorisação para gastar o mais que fosse preciso.

Esta é a pergunta que tenho a fazer a este respeito.

Quero aproveitar a occasião para mostrar ao sr. ministro da guerra com quanta rasão fallava hontem n'esta casa a proposito d'aquelles 350 soldados que pertencem ao quadro da escola de cavallaria.

O projecto que se discute traz uma tabella, a tabella A, na qual figura uma companhia de torpedeiros, e no fim d'essa tabella lê-se a nota seguinte: «a companhia será constituida com praças para ella transferidas do corpo de marinheiros da armada e dos corpos do exercito».

Assim esta proposta de lei expressamente declara que o pessoal, que compõe a companhia de torpedeiros e officiaes empregados na nova escola, é transferido do corpo de marinheiros da armada e dos do exercito, e ficam pertencendo a esse quadro.

Porque não se fez essa declaração para a escola de cavallaria que hontem se discutiu?

Não se fez essa declaração, porque ali tratava-se de crear um quadro especial, como eu hontem dizia.

Não citei este facto senão para mostrar ao sr. ministro da guerra, que com rasão argumentava quando dizia que os 350 soldados da escola de cavallaria ficavam pertencendo ao quadro da nova escola e não aos actuaes regimentos. Trouxe só isto para mostrar que s. ex.ª, pelas suas proprias palavras e pela sua assignatura n'este projecto, mostra que eu tinha rasão quando hontem argumentei pelo modo por que o fiz.

Ouvirei as explicações do sr. ministro da guerra.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — O illustre deputado não combateu o projecto, limitou-se unicamente a dizer que desejava que se fixasse na lei a somma que ficava o governo auctorisado a despender para a instituição d'esta escola.

Eu confesso ao illustre deputado, que os elementos que tenho não são sufficientes para fixar de uma maneira positiva essa somma. E o illustre deputado foi, comtudo, muito latitudinario indicando ao governo que propozesse uma somma qualquer: e o governo depois, se julgasse indispensavel gastar mais, viesse para o anno á camara legalisar a despeza a maior que fizesse.

Isto equivale a não fixar somma nenhuma.

Eu hão tenho duvida em fazer o que o illustre deputado deseja. Se a camara entende que é melhor fixar 5:000$000 ou 6:000$000 réis para o estabelecimento d'essa escola, e se depois for necessario fazer despeza a maior, porque está claro que á camara votando a lei quer que ella se execute, que o governo venha pedir um bill de indemnidade, eu não tenho duvida nenhuma n'isso; mas parece-me mais regular, que uma vez que não se póde fixar de uma maneira positiva a despeza, porque não temos elementos para isso, ficar o governo auctorisado a despender o que for indispensavel, embora depois venha dar conta ás camaras do que tiver feito.

A camara em sua sabedoria resolve o que melhor lhe apraz.

O sr. Luciano de Castro: — Ou eu não fui bem comprehendido pelo sr. presidente do conselho, ou não me expliquei bem.

Eu não pedi que se fixasse na lei o maximo da despeza que havia de se fazer, e que o sr. ministro da guerra gastasse sem auctorisação parlamentar as quantias que fossam indispensaveis, vindo depois pedir um bill de indemnizado. Não era essa a minha intenção.

A minha idéa, pouco mais ou menos, era que, segundo as informações ou subsidios que s. ex.ª tivesse, se fixasse a quantia que o governo podia gastar com a fundação d'esta escola, e que no caso de gastar mais, quando as camaras se abrissem, pedisse auctorisação para essa despeza.

Não me admira, porém, de que o sr. presidente do conselho interpretasse assim as minhas palavras.

Tão habituado anda o sr. ministro da guerra a gastar sem auctorisação do parlamento todas quantas despezas que lhe apraz, que não me admira que entendesse que eu queria que se fixasse na lei uma certa quantia, dando-lhe desde logo auctorisação para poder excedel-a á sua vontade!

Eu não fallei em bill de indemnidade. O que disse foi, que se a quantia votada não chegasse, viesse depois o governo pedir á camara, por meio de uma proposta, auctorisação para fazer a despeza a mais que fosse precisa.

Dada esta explicação, não quero demorar a discussão, e peço a s. ex.ª, ou ao sr. relator da commissão que me diga se ha alguns estudos feitos no estrangeiro, por ordem do governo, sobre a organisação d'esta escola; e se é possivel, sem prejuizo do paiz, que esses estudos possam ser entregues á publicidade, para conhecimento de nós todos, e para elucidação d’aquelles que, porventura, se queiram dar ao exame d'esses trabalhos.

Eu vejo que lá fóra, nos paizes estrangeiros, se apresentam ás camaras todos esses trabalhos, e se distribuem pelos deputados, para seu esclarecimento e illustração.

Parece-me que com a publicidade n'este caso não se prejudicava ninguem.

Afígura-se-me que haveria grande vantagem em esclarecer a opinião publica, e em ir fazendo a pouco e pouco propaganda a respeito d'estes melhoramentos, e preparando o paiz para acceitar, sem violencia, estas despezas. E, emfim, creio que o governo não tinha senão a lucrar com essa publicidade.

Se o sr. ministro da guerra declarar que ha inconveniente em se fazer essa publicação, eu sou bastante amigo do meu paiz para insistir n'este pedido. Pelo contrario, desistirei d'elle.

O que desejo saber é se ha trabalhos a este respeito, e se ha duvida em que elles sejam publicados.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Estimo muito que o illustre deputado que me precedeu não faça d'este projecto uma questão de politica partidaria, porque foi exactamente sob este ponto de vista que eu o considerei quando acceitei ser relator da commissão.

Seja-me permittido dizer a v. ex.ª e á camara, que eu,

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

nestas questões ácerca da defeza do paiz, desde que tenho assento n'esta casa, e já vae em oito annos que tenho a honra de ser representante do paiz, nunca levantei difficuldades ao ministro da guerra, fosse elle qual fosse, antes sempre votei as despezas que se tem exigido para o acrescentamento e melhoramento das forças defensivas da nação.

Ainda mesmo quando eu era opposição franca e categorica á administração a que anteriormente presidia o sr. Fontes, sempre fiz uma selecção á favor dos projectos relativos ao ministerio da guerra.

No anno passado, pertencendo eu á commissão de guerra, o antecessor do sr. Fontes, o sr. general Sousa Pinto, pediu-me para ser relator de algumas das suas propostas de lei, e eu não tive difficuldade em acceder aos desejos de s. ex.ª, apesar de estar em opposição com o governo de que elle fazia parte.

Portanto, arredando esta questão do terreno politico, no que não faço mais do que imitar o exemplo que me acaba de dar o illustre deputado que me precedeu vou dar a s. ex.ª as explicações que me é licito dar, porque; apesar de ser relator, não tenho a pretensão de conhecer o assumpto profundamente, e muito menos de dar lições seja a quem for.

Ácerca da primeira pergunta formulada pelo Sr. José Luciano de Castro, e a que respondeu o sr. ministro da guerra, não tenho a acrescentar senão que seria talvez possivel ampliar este artigo 15.°, que suscitou os reparos de s. ex.ª, declarando se que o governo dará conta ás côrtes das despezas que tiver feito para o estabelecimento d'esta escola.

O illustre deputado deseja que sejam perfixadas de antemão as despezas para o estabelecimento da escola.

Não me parece facil a perfixação d'estas despezas, e direi porquê.

No estabelecimento da escola ha despezas impreteriveis, despezas sem as quaes a escola não poderá subsistir. Até onde chegarão essas despezas?

Para responder a esta pergunta é necessario termos os orçamentos. São trabalhos puramente technicos que é necessario ter á vista para se saber qual a despeza; e muitas vezes, s. ex.ª sabe muito bem, depois de feitos os orçamentos, não ficâmos por isso mais adiantados.

O que posso assegurar é que os engenheiros a quem estão incumbidos estes trabalhos hão de desempenhar-se d'elles com aquella sciencia e conhecimento do assumpto que são caracteristicos d'esses funccionarios.

Creio que o illustre deputado perguntou se ha algum trabalho no ministerio da guerra sobre o assumpto, se ha algum relatorio, se o sr. ministro terá difficuldade em dar publicidade a esse relatorio e aos resultados das experiencias que cá se façam.

Não sei se ha alguns relatorios, o que sei é que o sr. ministro comprou o segredo do torpedo Withedo com a clausula, de que esse segredo havia de ser respeitado, e portanto tudo o que se referir a este torpedo e ás experiencias com elle feitas não póde ser entregue á publicidade.

Mas não é só isso. As circumstancias de uma barra são especialissimas; ha correntes contra correntes, estaques de agua e outras muitas circumstancias que não quero agora especificar, e para as quaes é necessario proceder a experiencias, porque em minha opinião muito pouco do que se tem feito lá fóra se póde applicar ás nossas costas e portos sem correctivo.

Em relação aos trabalhos para a organisação technica d'esse serviço, para o estabelecimento da escola, eu creio que o sr. ministro da guerra ha de ter em seu poder trabalhos feitos pelos officiaes que foram mandados ao estrangeiro. Esses officiaes são muito distinctos (Apoiados.) e muito dignos de desempenhar honrosamente as missões que lhes forem incumbidas.

Com relação, por fim, ao estabelecimento da escola, não sei bem qual é a resposta que o illustre deputado deseja. Não sei se e com relação ao local, á quantidade de paioes, á natureza dos mixtos explosivos, ao numero de soldados e artifices que hão de compor essa escola ou ainda a respeito de outro ponto.

Com referencia á parte puramente technica não me é possivel responder sem que o illustre deputado precise bem as suas perguntas; e a respeito do pessoal da escola, pedirei a s. ex.ª que leia a tabella annexa ao projecto.

Formuladas, portanto, as perguntas de um modo geral, não posso deixar de dar uma resposta igualmente geral; mas, repito, que para mim tenho por muito conveniente não especificar esta pergunta pelas rasões que já ponderei. (Apoiados.)

Nada mais tenho a acrescentar.

Posta á votação a generalidade do projecto foi approvada.

Passou-se á especialidade, sendo approvados todos os artigos, bem como as tabellas A e B.

O sr. Ministro da Marinha: — Mando para a mesa a seguinte proposta de lei.

(Leu.)

Proposta de lei n.º 75-C

No intuito de harmonisar os serviços do recrutamento da guerra e marinha segundo o que dispõe, a carta de lei de 22 de fevereiro de 1876, e tendo em vista que as operações do recrutamento não podem já retrotrahir-se ao anno de 1877, anno a que se referia a primitiva proposta do governo apresentada n'esta camara, tenho a honra de offerecer á vossa consideração a seguinte proposta de lei:

Art. 1.° É fixado em 1:000 o numero de recrutas para o serviço da armada relativamente aos annos de 1877-1878, sendo 400 relativos ao anno de 1877 e 600 ao anno de 1878.

Art. 2.° O contingente de 1878 será, distribuido conjunctamente e proporcionalmente ao votado para o exercito, e nos mesmos termos da carta de lei de 22 de fevereiro de 1866.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 10 de abril de 1878. = Thomás Antonio Ribeiro Ferreira.

[Ver Diário Original]

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, 10 de abril de 1878. = Thomás Antonio Ribeiro Ferreira.

Sessão de 10 de abril de 1878

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Tebella da destribuição do contigente de 600 recrutas de marinhagem,a que se refere a proposta de lei d´sta data para 1878

[Ver Diário Original]

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, 10 de abril de 1818. = Thomás Antonio Ribeiro Ferreira.

O sr. Presidente: — Esta proposta é mandada publicar no Diario do governo e remettida á commissão de marinha. A ordem do dia para ámanhã é trabalhos em commissões, e para sexta feira a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e meia da tarde.

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