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SESSÃO DE 14 DE ABRIL DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os exmos. srs.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Dá-se conta do um officio do ministerio da marinha satisfazendo a um requerimento do sr. Santos Viegas. - Tem segunda leitura um projecto do sr. Arthur Hintze Ribeiro, assignado por outros srs. deputados. - Apresentam representações: o sr. José Borges, uma do provedor e mesarios da irmandade de Santa Cruz da cidade de Braga, e outra dos escrivães da comarca de Loanda: o sr. Eduardo Coelho, aos empregados do lyceu de Bragança. - Manda o sr. conde de Thomar para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro das obras publicas. - Apresenta o sr. Elvino de Brito um requerimento pedindo esclarecimentos pelo ministerio do ultramar. - Apresentam o sr. Avellar Machado um projecto de lei, o sr. Sebastião Centeno, outro e o sr. Lamare uma nota renovando a iniciativa do um projecto apresentado em 1880 pelo sr. Luiz Jardim. - Apresentam pareceres os srs. Luciano Cordeiro, Franco Castello Branco, Poppe e Carrilho. - O sr. Eduardo Coelho, dirigindo-se ao sr. ministro do reino, fez algumas considerações, tanto sobre as occorrencias de Villa Flor. do dia 7, e o incendio de Mogadouro, como sobre um ponto de doutrina da lei eleitoral. - Responde-lhe o sr. ministro do reino - Antes da ordem do dia é approvado o parecer, declarando vagos os circulos de Mertola e Chaves. - É tambem approvada uma proposta apresentada pelo sr. presidente do conselho e ministro da guerra, para o sr. deputado Roma du Bocage poder accumular as funcções legislativas com as que exerce n'aquelle ministerio. - Mandam se publicar no Diario do governo os esclarecimentos pedidos pelo sr. Ennes, enviados pelo ministerio da marinha.
Na ordem do dia continua a discussão do projecto de lei n.° 13 (reforma de alguns artigos da carta constitucional). - Dissertam o sr. Dias Ferreira, concluindo o seu discurso; responde-lhe o sr. ministro do reino. - Falla o sr. Consiglieri Pedroso sobre a ordem, e fica com a palavra reservada.

Abertura - Ás duas e meia horas da tarde.

Presentes á chamada - 59 srs. deputados.

São os seguintes: - Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, Albino Montenegro, A. da Rocha Peixoto, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Antonio Centeno, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Sousa Pavão, Augusto Barjona de Freitas, Augusto Poppe, Ferreira de Mesquita, Fuschini, Avelino Calixto, Sanches de Castro, Carlos Ruína du Bocage, Conde de Thomar, Conde de Villa Real, E. Coelho, Elvino de Brito, Estevão de Oliveira, Fernando Geraldes, Firmino Lopes, Mouta e Vasconcellos, Franco Frazão, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arroyo, J. Alves Matheus, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Avellar Machado, Azevedo Castello Branco, Ferreira do Almeida, José Borges, Elias Garcia, José Frederico, Lobo Lamare, Pinto de Mascarenhas, Luciano Cordeiro, Luiz Ferreira, Bivar, Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, M. J. Vieira, Miguel Dantas, Rodrigo Pequito, Sebastião Centeno, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a Sessão os srs.: - Adriano Cavalheiro, Anselmo Braamcamp, Sousa e Silva, Antonio Candido, A. J. d'Avila, Lopes Navarro, Pereira Borges, Cunha Bellem, Jalles, Carrilho, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Seguier, A. Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Pereira Leite, Barão de Ramalho, Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Conde da Praia da Victoria, Cypriano Jardim, Ribeiro Cabral, Emygdio Navarro, Francisco Beirão, Mártens Ferrão, Wanzeller, Guilhermino de Barros, Matos de Mendia, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Motta, Baima de Bastos, J. C. Valente, Scarnichia, Teixeira de Vasconcellos, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado, Ponces de Carvalho, Coelho de Carvalho, Dias Ferreira, Laranjo, Pereira dos Santos, José Luciano, Simões Dias, Julio de Vilhena, Reis Torgal, Luiz Dias, Luiz Osorio, Manuel de Medeiros, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Martinho Montenegro, Pedro de Carvalho, Santos Diniz, Gonçalves de Freitas, Pedro Coberto, Pereira Bastos, Tito de Carvalho, Vicente Pinheiro, Visconde de Reguengos e Visconde de Rio Sado.

Não comparecem á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, Garcia de Lima, Silva Cardoso, Pereira Côrte Real, Garcia Lobo, A. J. da Fonseca, Antonio Ennes, Fontes Ganhado, Moraes Machado, Neves Carneiro, Barão de Viamente, Lobo d'Avila, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, E. Hintze Ribeiro, Fillipe de Carvalho, Vieira das Neves, Correia Barata, Francisco de Campos,Castro Mattoso, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Barros Gomes, Costa Pinto, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, Melicio, Ribeiro dos Santos, J. A. Neves, Correia de Barros, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, Oliveira Peixoto, J. M. dos Santos, Lopo Vaz, Lourenço Malheiro, Luiz de Lencastre, Luiz Jardim, M. da Rocha Peixoto, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Mariano de Carvalho, Guimarães Camões, Miguel Tudella, Pedro Correia, Pedro Franco, Dantas Baracho, Visconde de Alentem e Visconde de Balsemão.

Acta - Approvado.

EXPEDIENTE

Officios

1.º Do ministerio da marinha, satisfazendo ao requerimento feito pelo sr. deputado Santos Veigas, na sessão de 28 de março ultimo.
Á secretaria.

2.º Officio do mesmo ministerio enviando os esclarecimentos pedidos pelo sr. Antonio Ennes, quanto á suspensão imposta ao major Chaves d'Aguiar, do cargo de governador de Lourenço Marques.
Mandaram-se publicar ao Diario do governo.

Segundas leituras

Projecto de lei

O decreto de 16 de maio de 1882, creando tres tribunaes judiciaes de 2.ª instancia, dois no continente e um nos Açores, equiparou-se em graduação, e aos seus juizes e empregados de secretaria em graduações e vantagens.
A tabella dos ordenados dos empregados de justiça, que faz parte do decreto de 26 de setembro de 1836, reduzindo os ordenados então estabelecidos, respeitou ainda assim a igualdade dos vencimentos nos tres tribunaes.
Finalmente a tabella n.º 2, que acompanha o decreto de 13 de janeiro de 1837, augmentando ainda as reducções nos ordenados a que me refiro, deixou os comtudo equiparados nas tres relações.
Succedeu, porém, que em junho de 1888, por uma simples lei de orçamento, foram admittidos os vencimentos dos empregados da secretaria do tribunal da relação dos Açores, deixando os assim em desigualdade de condições com os seus collegas de categoria identica, nos tribunaes de 2.ª onstancia do continente.

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Começando, portanto, a existir em 1838, sem rasão de ser, uma desigualdade revoltante, entre os ordenados dos empregados da secretaria da relação dos Açores, e os dos de igual categoria das relações de Lisboa e Porto, mais veiu ainda aggravar essa desigualdade a carta do lei de 20 de março do anno findo, concedendo a estes ultimos a vantagem de aposentação, e outras que não se tornaram extensivas aos primeiros.
Por mais que se apresente, não é possível encontrar rasão de ser para taes desigualdades, maximo não existindo ellas nos vencimentos dos juizes dos tres tribunaes, nem nas suas attribuições, e se attentarmos em que a um menor movimento de causas para julgar, corresponde tambem no tribunal da relação dos Açores menor numero de juizes e do empregados, destruído ficará o argumento unico e para mim de nenhum valor, de deverem ser menos retribuídos os empregados da secretaria d'esta relação.
Confiado portanto na justiça que assista aos empregados a quem, me refiro, tenho a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Os empregados da secretaria da relação dos Açores continuam, como antes de junho de 1838, a ser equiparados aos de igual categoria das relações de Lisboa e Porto, tornando-se-lhes por isso extensivas as disposições da carta de lei de 20 de março de 1884.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario. Camara dos srs. deputados, 13 de abril de 1885. = Arthur Hintze Ribeiro = Pedro Augusto de Carvalho = Visconde das Laranjeiras (Manuel) = Antonio Augusto de Sousa e Silva.
Foi enviado á commissão de legislação civil e criminal, ouvida a de fazenda.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Do provedor e mesarios da irmandade de Santa Cruz da cidade de Braga, pedindo para ser approvado o projecto de lei, apresentado pelo sr. deputado José Borges, sujeitando ao lançamento de decima de juros os rendimentos dos capitães das irmandades, confrarias, etc., que não tenham privilegio especial de isenção.
Apresentada pelo sr. deputado José Borges e enviada á commissão de fazenda.

2.ª Dos escrivães da comarca de Loanda, pedindo melhoria de situação e de vencimento.
Apresentada, pelo sr. deputado José Borges e enviada á commissão do ultramar, ouvida a de legislação civil e criminal.

3.ª Dos empregados do lyceu de Bragança, pedindo que, por meio de uma medida legislativa, se garanta aos empregados de todos os lyceus a aposentação.
Apresentada pelo sr. deputado Eduardo Coelho, enviada á commissão de instrucção primaria e secundaria, e mandada publicar no Diario da camara.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministerio do ultramar, sejam com a maior urgencia enviadas a esta camara copias de telegrammas ou officios do governador geral da India, que motivassem o telegramma do governo, auctorisando aquelle funccionario a alterar as taxas do imposto do sêllo. = Elvino de Brito.
Mandou-se expedir.

NOTA DE INTERPELLAÇÃO

Desejo interpellar o sr. ministro das obras publicas, sobre a interpellação dada pela companhia das aguas de Lisboa, ao artigo 70.° do regulamento approvado por decreto de 30 de outubro de 1880, para os encanamentos particulares de consumo de agua. = O deputado, Conde de Thomar.
Mandou-se expedir.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTA

Declaro a v. exa. e á camara que tenho faltado a algumas sessões d'esta camara por motivo justificado. = O deputado, José Borges Pacheco Pereira de Faria.
Para a acta.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

1.° De Margarida Rosa de Brito Maia, pedindo uma pensão.
Apresentado pelo sr. deputado Barbosa Centena e enviado á commissão de fazenda, ouvidas as de guerra e de obras publicas.

2.° De Filppe Roberto da Silva Stockler, segundo official aposentado da secretaria d'estado doo negocios da marinha e ultramar, pedindo melhoria de aposentação.
Enviado á commissão de fazenda.

O sr. Luciano Cordeiro: - Por parte da commissão dos negocios externos mando para a mesa o projecto sobre a proposta de lei do governo, relativa ao vencimento e attribuições dos chancelleres de consulados.
Por parte da commissão de fazenda mando para a mesa o parecer ácerca da reforma da academia polytechnica do Porto.
Visto estar com a palavra peço a v. exa. me diga se já vieram os documentos que pedi ha dias, pelo ministerio da marinha.
O sr. Secretario: - Os documentos a que v. exa. se refere foram pedidos em officio de 9 de abril e ainda não vieram.
O Orador: - Eu peço a v. exa. que inste pela sua remessa. Um d'estes documentos foi pedido ha tres annos e ainda não veiu. Eu sei que elle deu entrada no ministerio da marinha e que está lá.
Como preciso d'elles, eu peço, pois, a v. exa. que inste pela sua remessa com a brevidade possível.
O sr. Franco Castello Branco: - Mando para a mesa o parecer da commissão de legislação civil sobre o projecto de lei n.° 14-D.
O sr. Augusto Poppe: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, concordando com o das obras publicas, sobre o contrato provisoria celebrado em 9 de março de 1885 entre o governo e Frederico Combemale, Jules Michelou e Arthur Maury, para a construcção de um molhe entre a Pontinha e o Ilhéu, na enseada do Funchal.
A imprimir.
O sr. Centeno: - Mando para a mesa um projecto de lei.
Mando tambem para a mesa urna representação de Margarida de Brito Maia, em que pede uma pensão.
Esta representação parece de justiça porque o funccionario, para cujos filhos se pede uma pensão, prestou relevantissimos serviços como director das obras publicas de Moçambique e de Angola, e prestou tambem serviços como presidente da camara d'aquella localidade.
Espero que a commissão respectiva tomará em consideração este pedido.
O sr. Conde de Thomar: - Mando para a mesa a seguinte nota de interpellação. (Leu.)
Peço a v. exa. a bondade de fazer chegar ao conhecimento do sr. ministro de obras publicas esta nota de interpellação.
O sr. José Borges: - Mando para a mesa uma justificação de faltas.

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Mando igualmente duas representações.
Uma dos escrivães da comarca de Loanda, em que pedem que se pratique com elles o que se pratica com outros magistrados e empregados, isto é, que o exercício do seu emprego por um certo numero de annos lhes dê o direito serem collocados da fórma que elles requerem.
E outra do provedor e mesarios da irmandade de Santa Cruz da cidade de Braga, pedindo a approvação do projecto de lei aqui apresentado pelo sr. José Borges Pacheco de Faria.
O sr. Eduardo Coelho: - Na sessão de sabbado tinha perguntado ao governo, representado n'esta casa pelo sr. presidente do conselho, se havia alguma noticia official sobre as ultimas occorrencias que tiveram locar no concelho de Villa Flôr, em um dos dias do mez corrente, e ao mesmo tempo perguntar ao governo o que havia com respeito ao incendio que devorou as repartições publicas do Mogadouro.
Vi que o sr. presidente do conselho não tinha informação alguma a este respeito, e julguei n'aquelle momento, que, ou os factos não eram verdadeiros, ou as auctoridades não o tinham, communicado ao governo.
Qualquer outro ministro poderia ignorar as occorrencias mais particularmente pertencentes a outro ministerio, mas uma occorrencia, que é uma alteração de ordem publica, mais ou menos grave, não póde ignoral-a o presidente do conselho, chefe do gabinete. Ou os factos não são verdadeiros, ou o governo não se preocupa com factos de verdadeira importancia, ou então os agentes do governo faltaram ao seu dever, informando-o devidamente. (Apoiados.)
Como agora está presente o sr. ministro do reino, s. exa. dará á camara os esclarecimentos que lhe peço, procurando restabelecer a verdade dos factos.
O sr. presidente recommendou-me brevidade n'estas considerações, e sem querer de modo algum desattender ás indicações da presidencia, que summanente respeito, desejava tambem ouvir a opinião do sr. ministro do reino em relação a um ponto de doutrina, que se refere á ultima lei eleitoral, porque isso é importante em relação ao circulo de Chaves, onde a eleição tem de repetir-se. E a proposito pedia a v. exa., sr. presidente, que se dignasse dar quanto antes para ordem do dia o parecer relativo áquella eleição.
O sr. Presidente: - Já está dado para ordem do dia.
O Orador: - Desejaria que, pelo menos, na sessão de ámanhã, v. exa. sujeitasse este parecer á deliberação da camara, pois estou convencido que a sua discussão não levará muito tempo.
O sr. Presidente: - Se houver tempo antes de se passar á ordem do dia, consultarei a camara a este respeito.
O Orador: - Agradeço a v. exa.
A eleição de Chaves ha de repetir-se inevitavelmente antes do dia 30 de junho.
A ultima lei eleitoral, nas suas disposições diversas, deu a faculdade ás commissões recenseadoras de alterar a séde das assembléas, de maneira que nenhuma d'ellas podesse ter menos de 500 eleitores, nem mais de 1:000.
A commissão recenseadora do concelho de Chaves, que progressista, alterou as antigas assembléas, em harmonia com a lei, cumprindo assim um dever que a mesma lhe impunha.
Levantam-se duvidas sobre se, repetindo-se a eleição, ella se deve fazer pelas assembléas antigas ou pelas modernas.
Devo desde já declarar ao sr. ministro do reino que, n'este ponto, o partido progressista de Chaves promette ser ministerialissimo, acceitará a opinião do governo, qualquer que ella seja.
Se o sr. ministro do reino entender que deve mandar proceder á eleição pelas assembléas antigas, far-se-ha a sua vontade, e o mesmo succederá só s. exa. entender que a eleição deve ser feita pelas novas assembléas.
O partido progressista, n'aquelle circulo, pretende afastar de si toda a suspeita, de que procede á divisão das assembléas por motivos verdadeiramente occasionaes, e ao mesmo tempo para não dar logar a protestos sobre a legalidade da eleição a que vae proceder-se.
Ambas as opiniões têem por si rasões de algum valor. Interpretada a lei ultima, no artigo 37.°, litteralmente, a questão está resolvida a favor das antigas assembléas; e, todavia, a opinião contraria não me parece a menos favorecida de rasões valiosas.
Todas as leis, ou pelo menos as ultimas leis eleitoraes, nas suas disposições transitorias, dão faculdade de serem alteradas as assembléas eleitoraes, que, esgotados os recursos competentes, ficam sendo fixas e permanentes.
É certo, porém, que todas essas leis dizem e legislam que o recenseamento revisto vigorará de junho a junho, o que durante este período todas as eleições se farão pelo recenseamento assim alterado e revisto todos os annos.
A disposição, pois, do artigo 37.º da ultima lei eleitoral não contém materia nova.
Refere-se evidentemente áquella parte do recenseamento que todos os annos póde alterar-se, e rever-se, mas não póde referir-se ás assembléas eleitoraes; que por disposição de todas as leis têem caracter permanente.
Mas eu não quero entrar na questão, porque a minha intenção é apenas provocar a opinião do governo, para não haver duvidas quanto á legalidade da eleição de Chaves.
Para não ser desagradavel a v. exa., não me alongarei em mais considerações, e espero a resposta do sr. ministro.
Estando, porém, com a palavra, não posso deixar do dizer ao sr. ministro do reino, que tenho, sem que possa ser arguido de impaciente, absoluta necessidade de liquidar as responsabilidades dos agentes do governo em relação aos negocios de Chaves.
São muitos e variados os factos de que espero occupar-me successivamente, e de certo isso levará mais de uma sessão; mas, por agora, cumpre-me declarar ao sr. ministro, que em especial desejo interpellal-o sobre a dissolução da mesa da misericordia, e sobre os factos praticados pela auctoridade administrativa na noite de 4 de janeiro, e sobre todos os factos que com estes têem relação.
Não posso espaçar para mais tarde esta interpellação, e da dignidade do governo fio em que não pretenderá eximir-se ao dever de se dar prompto para me responder.
Tenho em meu poder os documentos. O sr. ministro do reino, em questões de doutrina, não precisa estudar os documentos que dizem respeito a esta questão. Desejo proceder neste assumpto com toda a lealdade; e se s. exa. precisar ver esses documentos, espero me indique aonde, e quando os devo pôr á sua disposição.
Desejava que o sr. ministro do reino tomasse aqui o compromisso de quanto antes liquidarmos esta questão; parecia-me que talvez na sexta feira houvesse occasião opportuna para isso. Mas se v. exa. entende que este dia não é o mais azado, acceito qualquer indicação de v. exa., esperando da lealdade do nobre ministro, que será o primeiro a reconhecer que esta interpellação não póde demorar-se, e que urge realisal-a.
E, obedecendo ás indicações de v. exa., que olha para o relogio, como querendo indicar que está impaciente para passar á ordem do dia, ponho termo ás minhas considerações. (Apoiados.)
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Vou responder ao illustre deputado que acaba de me interpellar.
S. exa. sabe que os ministros nem sempre podem estar aqui a tempo de responder a todas as interpellações dos illustres deputados; mas s. exa. sabe tambem, que no re-

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gimento ha a faculdade de se poder annunciar qualquer interpelação ao ministro, e o ministro declarar-se-ha habilitado logo que possa.
Entretanto, independentemente de todas estas formalidade do regimento, é claro que o illustre deputado, e todos os que fazem parte d'esta assembléa, podem, quando entenderem conveniente, prevenir particularmente o ministro, e eu estou sempre prompto a responder ás interpellações que se me possam dirigir pobre qualquer assumpto.
Quanto ao negocio de Villa Flor, de que fallou o illustre deputado, eu sei per participação telegraphica do governo, civil de Bragança, que houve essa desordem, a que se referia o illustre deputado, e que teve logar depois de um jantar dado a uma philarmonica, que tinha ido a Villa Flor por occasião da semana santa.
Mais tarde na terça ou quarta feira, foi força armada para lá, mas já tudo estava socegado e não teve nada a fazer na localidade.
Está-se levantando um auto de investigação sobre os factos e não posso dar por ora mais esclarecimentos ao illustre deputado.
Emquanto ao incendio de Mogadouro, parece que se queimaram differentes papeis, ardeu o edifício e já se deram providencias sobre o modo de remediar a falta que faz o recenseamento para o recrutamento e eleitoral.
Pelo que diz respeito á divisão das assembléas eleitoraes já examinei esse assumpto e tomei providencias a esse respeito: assim como tambem para ajudar a camara municipal nas providencias que têm a pôr em pratica para occorrer a esse incendio, já tambem mandei pelo ministerio do reino abonar 700$000 réis, como compensação.
Pelo que respeita a esse facto, é claro que resta saber-se se o incendio tinha sido occasional ou o resultado de um crime.
A todas essas investigações se está procedendo e por ora não posso dar mais informações.
Quando as tiver, não tenho duvida em as apresentar á camara.
Tambem s. exa. fallou relativamente ás assembléas eleitoraes de Chaves, deseja do saber se a nova eleição devia ser feita com as novas assembléas eleitoraes ou se devia ser feita, pelas antigas.
Eu sigo ao illustre deputado que não posso de repente dar-lhe uma resposta.
Tenho diante de mim o artigo 37.º da lei eleitoral, que diz que as eleições se hão de trazer pelo ultimo recenseamento; e o artigo 42.° diz:
«Artigo 42.º As commissões de recenseamento que tiverem de reunir-se em janeiro de 1855, procederão á divisão das assembléas eleitoraes do respectivo circulo, nos termos da legislação vigente, etc.»
Parece-me, por consequencia que, segundo a lei, esta divisão de novas assembléas deve ser feita pela commissão de recenseamento de 1855; e que emquanto ao facto de regular-se pela legislação anterior vigoram as assembléas anteriores, que são permanentes. É o que me parece á vista da lei.
Eu sigo uma regra quando me parece Ter a certeza, examino segunda vez, e por isso s. exa. não deve estranhar que eu volte de novo ao assumpto para examinal-o melhor. Por emquanto a minha opinião é esta.
Visto que o illustre deputado, representante do partido progressista n'esta casa, declara que esse partido em Chaves fica d'esta vez contente com qualquer resolução que eu tome, a minha consciencia fica tranquilla, porque essaresolução não ha de desagradar ao illustre deputado.
Pelo que respeita á interpellação que s, exa. me annunciou a respeito dos negocios de Chaves, s. exa. declarou que tenho documentos originaes na sua mão.
Para não levar tempo a tirar espias e para que viessem mais depressa esses documentos, ordenei, na secretaria do ministerio a meu cargo, que viessem os originaes.
O sr. Eduardo José Coelho: - Eu tenho tambem copia da maior parte d'elles.
O Orador: - Creio que tambem terá alguns documentos originaes; e se os tiver faz-me muito favor em mandal-os para a mesa, ou para a secretaria, ou deixar-me vel-os em sua casa, ou emfim, em sitio onde eu os possa examinar, a fim de poder responder a s. exa.
Se o illustre deputado não acha muito longo o adiamento até segunda feira, o que me dá um intervallo para poder examinar esses documentos, estimaria muito que condescendesse com isso; e no caso contrario, ámanhã, ou no outro dia, quando s. exa. quizer e a mesa acceder a esse pedido, estou prompto para lhe responder.
O sr. Eduardo José Coelho: - Agradeço á presidencia o conceder-me a palavra n'esta occasião, e ao sr. ministro as explicações que me deu.
Da melhor vontade accedo á indicação de s. exa. para na segunda feira, e antes da ordem do dia liquidarmos a questão de Chaves.
Não posso mandar hoje os documentos porque os tenho em casa, mas envial-os-hei ámanhã para a mesa.
O sr. Presidente: - Pedia aos srs. deputados que com parecessem mais cedo na camara para se poder abrir a sessão ás duas horas, a fim de haver tempo de se realisar a interpellação e poder-se entrar na ordem do dia ás tres horas da tarde.
O sr. Eduardo José Coelho: - Ás duas horas tenciono cá estar, mesmo porque é esse o meu costume.
O sr. Presidente: - O sr. Eduardo José Coelho pediu que entrasse em discussão o parecer relativo á eleição pelo circulo de Chaves.
Não ha inconveniente em se fazer na mesa a leitura d'esse parecer; mas no, caso de soffrer discussão, fica adiado a fim de se poder entrar ás tres horas na ordem do dia.
Leu-se na mesa o parecer, sendo seguidamente approvado sem discussão.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 13 na sua generalidade

O sr. Presidente: - Tem a palavra para continuar o seu discurso o sr. Dias Ferreira.
O sr. Dias Ferreira: - Discutindo a proposta sobre reformas políticas, não apreciarei na generalidade todos os capítulos importantes que formam a base do parecer da illustre commissão. Ha sobre tudo um ponto tambem para mim fundamental, que todavia não tocarei na generalidade porque me levaria muito longe, e eu estou sentindo necessidade de terminar o meu discurso.
Refiro-me ao privilegio de fêro dos pares e dos deputado; em maioria crime, e aos termos em que este assumpto é tratado na reforma em discussão.
Por agora occupar-me-hei apenas de dois objectos, ambos de maior alcance, que vem a ser a organisação da camara dos dignos pares do reino e a disposição que prohibo novas reformas na constituição, emquanto não decorrem quatro annos.
Não vou, porém, apreciar o parecer da illustre commissão á luz dos princípios rasgadamente liberaes que tenho exposto á camara, porque o trabalho sujeito ao nosso exame foi baseado sobre outros moldes, e seria assim impertinente e sem interesse para os debates parlamentares gastar tempo em demonstrar mais uma vez á assembléa que no parecer não foram reconhecidos os princípios o direito publico constitucional moderno, que formam o meu credo publico.
Limito-me, pois, no interesse de todos, e no interesse da simplicidade dos debates, a averiguar se a reforma proposta significa um melhoramento na constituição do estado ou se deixa a constituição política do paiz na mesma, ou ainda em peiores circumstancias.

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Sr. Presidente, se as alterações introduzidas na constituição pela proposta do governo, acceite pelo parecer da concessão, importassem algum melhoramento á constituição do estado, comquanto não representassem as minhas opiniões lançadas sobre a reforma do pacto fundamental, eu não teria duvida em abraçar essas alterações depois de ter empenhado todos os meus esforços para fazer vingar os meus principios e as minhas convicções.
Repito assim uma declaração, que já tive a honra de fazer n'esta casa, quando pela primeira vez se annunciou por parte do governo um projecto da reforma da carta.
Tratando porém deexaminar os artigos comprehendidos no relatorio do governo, e no parecer da commissão, e sobretudo o artigo que todos com rasão consideram como fosse fundamental da reforma, que é o artigo relativo á organisação da camara dos pares, noto que esse artigo, urge de representar um melhoramento, representa um retrocesso, e importa fatalmente a desorganisação da constituição do estado.
É como eu considero as alterações propostas para a constituição da camara dos dignos pares.
Pelo parecer em discussão ficará esta camara com 150 membros, 50 de eleição popular, e 100 de nomeação da corôa.
A este numero acrescem os pares de direito proprio, que pelo menos, que hão de mais facilmente fazer coro com os collegas vitalicios, do que com os eleitos pelo povo. Vae portanto ámanhã sair da camara popular um ministerio, e lealmente representante o pensamento da mesma camara, como pedem os bons principios, ainda que este ministerio tenha por si o voto unanime da camara popular, o voto dos 50 pares electivos, e mesmo a opinião do paiz, não póde navegar, se os 100 pares da prerogativa da camara resolverem pôr embaraço á sua marcha governativa. É um ministerio energico e patriota, como reclamam as circumstancias do paiz, submetter ao exame das côrtes reformas largas e radicaes, ou para reconstruir o codigo politico, ou para alterar as condições administrativas, economicas e financeiras do paiz, e tiver por si a unanimidade da camara dos deputados, a toda a parte electiva da camara alta, e alem d'isso o apoio decidido e aberto do paiz, póde todavia naufragar diante de uma oligarchia organisada contra si na outra casa do parlamento!
E o pior ainda não é isto, o peior é que o mal é sem remedio!
Pela constituição vigente, que dá ao soberano o direito de nomear pares sem numero fixo, havia meio de quebrar de inutilisar as maiorias facciosas que se organisassem na outra casa do parlamento.
Pela reforma o ministerio mais popular e adequado ás necessidades publicas, e mais bafejado pela opinião, póde ser-se obrigado a ceder o seu posto de honra, em presença de uma oligarchia triumphante na camara alta!
Por isso um digno par, que é adversario intransigente das reformas politicas, declara o anno passado na outra casa do parlamento, que introduzido similhante pensamento no projecto de reforma da constituição, circumstancia possam verificar-se em que não fosse alcançar o assumpto da opinião publica sem uma revolução armada. Ora, as reformas no pacto social fazem-se exactamente fóra n'elle caber o maior numero dos membros da sociedade politica constituida debaixo da mesma bandeira nacional, e para se resolverem sem perturbações nem transtornos os conflictos levantados estre os diversos poderes do estado e entre as differentes forças sociaes, uma constituição que deixa o campo aberto á revolução para a resolução de conflictos politicos, não póde ser acceite em nenhum paiz que tenha aspirações a ser bem governado.
N'um paiz livre em que a opinião é a primeira força politica em ambas as casas do parlamento, se os não favorece a opinião do paiz, não póde prestar-se homenagem a artigos constitucionaes, que tambem á organisação de uma oligarchia em qualquer das assembléas politicas.
Poderia acceitar-se, talvez, este systema sem perigo para a causa publica n'um paiz em que a camara se constitui-se de novo; e assim acontecera ha poucos annos em Hespanha. Mas para uma camara já cheia de elementos politicos, e que se move na sua maioria só por muitos partidarios, é de rejeitar in limite similhante proposta.
No anno passado dizia um membro d'aquella casa do parlamento, orador distincto, pertencente ao partido regenerador, um dos homens mais competente que eu conheço, o sr. Antonio Serpa, que a constituição da camara dos dignos pares estava pedindo reforma por si mesma, porque os nomeados nas fornadas, inspirados por principios politicos, julgavam que lhes ficava mal não acompanharem os governos e os partidos, que lhes deram os arminhos de pares e a entrada n'aquella casa.
As fornadas sucessivas na camara alta o que significam é que vivemos em divorcio aberto com os bons principios constitucionaes.
Em todos os paizes que se governam segundo os verdadeiros principios liberaes, a ultima cousa em que tocam os chefes do estado é na constituição das assembléas politicas.
Cáem ministerios sobre ministerios, organisam-se ministerios, uns após os outros, passam-se dias e dias para se poderem vencer as difficuldades da constituição dos gabinetes.
Mas a ultima cousa que póde lembrar ao chefe do estado é attentar contra a magestade popular representada pelos membros do parlamento n'uma e n'outra assembléa.
Quando um paiz chega á triste situação de considerar como acto de expediente a dissolução da camara dos deputados, e a fornada na camara alta, é porque o systema constitucional está moribundo, ou pelo menos muito doente. As nossas circumstancias n'esta parte, são cada vez mais tristes e desgraçadas, e por isso está já consagrada a expressão popular, de que temos systema constitucional ou representativo unicamente por fóra.
Estava agora na nossa mão restabelecer o prestigio do systema representativo, que de nada nos serve estando exautorado.
Quando todos desejavamos uma reforma que acabasse com o predominio politicoda outra casa do parlamento, quando os veradedeiros principios por que se regem os governos liberalmente nos aconselhavam, ao rever a constituição, a dar á camara alta unicamente o caracter de camara ponderadora, e a augmentar o prestigio e a força da camara popular, entregâmos á assembléa de nomeação regia todas as prerogativas, collocando-a n'uma situação que, d'aqui por diante todos os poderes do estado ficam na dependencia d'ella!
Desde que se congresse a maioria dos pares vitalicios quasquer que sejam as forças representadas na camara popular, e por mais decisiva que seja a opinião do paiz, fica sempre na mão dos pares não electivos, o direito absoluto de embaraçar o entorpecer a marcha da administração.
Não ha meio legal de fazer triumphar a opinião publica contra os pares da prerogativa reagia. O governo do paiz ha de ser entregue a uma oligarchia organisada, porque não ha dentro da constituição forças para destruir estes conluios e conjurações.
Não seria defficil evitar estes conluios na França, na Italia, na Inglaterra, ou na Belgica, onde o temperamento ardente dos seus habitantes não deixaria sossobrar a força da opinião. Mas podem formar-se impunentemente n'um paiz como o nosso, onde a audacia dos governantes se mede pela paciencia dos governados, e onde as convulsões populares são rerissimas, e só se manifestam em circumstancias extraordinarias, tendo por causa immediata e occasional, menos a necessidade de reformas politicas, do que uma

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angustiosa situação economica. Mas no fundo o instincto popular procura o remedio para as tristes circumstancias economicas e financeiras, que o affligem, tambem na remodelação do codigo politico.
O nosso movimento politico, conhecido pela regeneração de 1820, que nos deu uma constituição que nada tem que invejar, nem sequer á dos Estados Unidos da America, nasceu, não só da oppressão em que se achavam as liberdades populares, mas tambem do abatimento de todos os elementos da vida social.
Estavam definhados o commercio e a industria, por terra a agricultura, enfranquecidas todas as manifestações da actividade social, e os povos julgaram que as reformas políticas, mas profundas e radicaes, eram o primeiro passo para desenvolver todos estes elementos que constituiam a sua prosperidade.
Hoje a coragem dos reformadores serve-lhes apenas para apresentarem uma proposta de reforma de constituição, em que o reformado fica peior que o reformando.
Até aqui ainda havia meio sair de qualquer difficuldade, facciosamente levantada na outra assembléa. Diante de uma grande necessidade publica, diante da vontade pronunciada de paiz, e diante das manifestações da camara dos deputados, como na outra casa do parlamento não havia numero fixo, podiam as nomeações feitas pelo poder moderador o abafar e asphixiar qualquer oligarchia que ali se organisasse.
Pela reforma proposta, longe de se remediar o mal, aggrava-se, e aggrava-se tem remedio.
Pela legislação vigente, coroo para o facciosismo exagerado daquella assembléa, e para o seu pronunciamento contrario á vontade do paiz, ainda havia o remedio das forçadas, cedia ella ás vezes das suas opiniões para evitar a eirada de novos membros na constituição daquelle corpo politico.
Mas hoje que ella tem a certeza de que, qualquer que seja o seu procedimento, todos os poderes do estado Lao de inclinar a cabeça diante da sua vontade ou entrar num caminho revolucioario, que é incompativel com as instituições, e com os interesses do povo, difficilmente se resignará a abdicar dos seus propositos diante das manifestações da opinião.
Portanto o projecto estabeleço exactamente os principies contrarios áquelles que são reclamados por todos os homens liberaes.
Os que marcham á conquista dos princípios liberaes mais avançados, desejam o governo do paiz pelo paiz. O projecto, pelo contrario, reformando o elemento aristocratico ou immovel da outra casa do parlamento, erige a camara da prerogativa regia em principio absoluto de governo da nação.
A nossa camara póde ser dissolvida, a parte electiva da outra camara póde ser dissolvida tambem. Mas os que têem assento no corpo legislativo, em nome da regia prerogativa, em nome de um direito proprio, que nada póde justificar, esses são superiores às oscilações do tempo, ás subordinações da opinião, e às variações da política. Esses representam um principio de immobilidade, que nos paizes liberaes só é admissivel na pessoa do monarcha!
Ou eu me engano muito, ou o governo e o parlamento, hão de ainda reconsiderar sobre este projecto que eu reputo verdadeiramente liberticida.
A reforma constitucional sujeita á nossa apreciação não tem precedente nem exemplo em parte alguma do mundo; nem póde justificar-se, mesmo em presença das rasões escriptas no relatório que o governo primitivamente apresentou ás côrtes, acompanhando a proposta para se reconhecer a necessidade da reforma da carta.
N'esse relatorio declarava-se que se havia de harmonisar o principio da prerogativa regia com o principio electivo, em rascáveis proporções. Estarão porventura conciliados no projecto era discussão estes dois elementos em
rasoaveis proporções? Não será porventura aqui sacrificada a prerogativa regia a magestade popular?
Pois não é o povo o senhor dos seus destinos?
Que proporções rasoaveis são essas, em que ao paiz, a quem pertence o direito de governar, se dá a faculdade de escolher apenas um terço, e menos que um terço dos seus representantes, na camara alta!? É preciso pôr o Rei a reinar e o povo a governar.
Esta é a formula dos governos verdadeiramente liberaes, a unica admissivel num paiz civilisado.
Não fallo sobre a questão de principios, porque não venho aqui fazer prelecções de direito publico constitucional. Limito-me a examinar o projecto sujeito á discussão parlamentar. Se mais largas considerações desenvolvi nas sessões anteriores, foi para mostrar que, as reclamações populares a favor das reformas politicas tinham por intuito não exigir unicamente uma pequena modificação no pacto fundamental, mas sim a reconstrução em bases largas do nosso código politico, como meio indispensavel para resolver as graves e gravissimas dificuldades, que assoberbam a situação financeira e economica do paiz.
Foi-me necessario apreciar a situação financeira e economica da nação para mostrar que não é com meias medidas que se conjuram as difficuldades com que luctâmos; e expuz as circumstancias politicas que precederam a discussão deste projecto para mostrar ao paiz que vem de mais longe o pensamento de não entregar aos povos os direitos que lhes pertencem.
Tambem não repito as considerações que no anno passado aqui desenvolvi a respeito da constituição das assembleas políticas em vários paizes da Europa. Devo apenas recordar á camará, que os paizes mais pequenos da Europa, e que estão em circumstancias politicas iguaes ás nossas, como a Bélgica, a Hollanda, a Suecia, a Noruega, a Servia, a Bulgaria, a Grecia, a Dinamarca e a Roumania, não têem assembléas parlamentares que não sejam electivas.
Portugal não merece ficar aquém destes povos.
Pelo contrario, como eu já tive occasião de dizer nesta casa, nós somos a nação parlamentar mais antiga da Europa.
A França reunia os seus estados geraes, compostos das tres ordens do reino, pela primeira vez, em 1303.
A Inglaterra reunia pela primeira vez a camara dos communs em 1265, comquanto a sua magna carta tenha a data de 1215.
E nós já tinhamos tido a primeira reunião de côrtes, em Coimbra, no anno de 1211, para não fallar nas cortes de Lamego, cuja authenticidade é com rasão posta em duvida.
Se o systema parlamentar tem declinado na nação portugueza a culpa não é dos povos, mas sim dos governos, que a si tem assumido funcções, que aos eleitores, e só aos eleitores, pertencem.
Deixem ao povo todas as suas liberdades, deixem-lhe escolher quem mais confiança lhe mereça para defender-lhe os seus interesses e elle ha de sempre escolher o melhor.
O nivel parlamentar era muito elevado, emquanto a escolha dos representantes da nação vinha do bom senso popular, e não das indicações officiaes dos ministros.
Mas, como eu disse, em todos os paizes mais pequenos da Europa, em que ha duas camaras, o senado é electivo.
A Servia, como a Bulgaria, e a Grecia, têem uma só camara, e na constituição da camara Servia, como na constituição da camara alta da Dinamarca, exerce o Rei intervenção.
Mas que intervenção tem o soberano na organisação destas assembléas?
Na Servia é escolhida pelo Rei a quarta parte dos membros da camara, e eleitas pelo povo as outras tres quartas partes.
Em Portugal, pela reforma que estamos discutindo, o

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Rei escolhe duas terças partes, e o povo apenas um terço!
Pois o governo e a camara não podiam ao menos adoptar o systema da Servia para a constituição da nossa camara alta, deixando ao Rei a escolha da quarta parte apenas, e entregando ao povo a eleição das tres quartas partes restantes?
Na Dinamarca, onde ha duas camaras, quantos membros póde o Rei escolher para a camara alta?
Doze.
A nomeação de doze membros escolhidos para a camara alta na Dinamarca pelo Rei, ainda poderá explicar-se pela necessidade e conveniencia para o paiz de dar entrada na representação nacional a algum homem eminente, que não queira ou não possa aproveitar o suffragio popular.
Modelo da reforma proposta pelo governo, e adoptada no parecer da commissão, nem em Hespanha!
A Hespanha fazia a sua constituição vigente, a sua constituição de 1876, não em condições de uma paz octaviana, como a que nós actualmente desfructâmos, mas como complemento de um restauração dynastica, restauração em que tomara a principal parte o elemento militar.
Tinha sido desthronada a Rainha, mãe do actual soberano hespanhol, em 1868, e em seguida os homens politicos mais avançados d'aquelle paiz fizeram a constituição de 1869, que, se não é tão radical como a nossa constituição de 1822, tem grandes analogias com a nossa constituição de 1838.
Restaurada a monarchia dos Bourbons, o collocado El-Rei D. Affonso XII no throno hespanhol, tratou-se de organisar, como se organisou em 1876, uma nova constituição.
Fazia-se esta constituição, não já no meio da guerra, mas depois de alcançada a victoria.
Não era de estranhar que á restauração da antiga dynastia correspondesse a restauração da antiga constituição, em virtude da qual era toda da corôa a escolha do senado.
Presidia de mais a mais ao governo o cheio illustre do partido conservador; e a - politica por toda a parte reclamava a restauração completa do velho pacto fundamental.
Tinham a monarchia restaurada e os seus partidarios força sufficiente para fazer vingar por inteiro a restauração da constituição de 1845.
Pois não se prevaleceram do direito da força, e ao contrario fizeram uma constituição, que, se não prima pelo liberalismo, não tem parecenças, nem póde admittir, confrontos com a reforma da carta que está sujeita ao exame do parlamento portuguez.
O governo ainda teve a coragem de no seu relatório se referir á constituição hespanhola, quando elle com similhante projecto devia ter desviado os olhos de todas as constituições do mundo, uma vez que queria uma constituição só para seu uso particular.
Nem com a ultima constituição hespanhola o projecto tem analogia. Senão vejamos.
O senado hespanhol compõe-se de 360 membros. D'estes 360, a metade, 180, ha de dal-os a eleição. E a outra metade fica porventura á escolha do coroa? Não. A corôa nomeia apenas os que forem precisos para com os pares de direito proprio se completar a outra metade.
O que é decidido e claramente consignado na lei é que nunca menos de metade do senado hespanhol deixará de ser de eleição. A corôa nomeará apenas os que forem necessarios para completar a outra metade depois de contados os senadores por direito proprio. E os senadores em Hespanha por direito proprio são muitos.
Em Hespanha são senadores por direito proprio, primeiro os filhos do Rei e do immediato successor da corôa que tenham chegado á maioridade; segundo, os grandes de Hespanha, que o forem por si, e que não sejam subditos de outra potencia, logo que possuam a renda annual de 60:000 pesetas proveniente de bens immobiliarios.
Portanto, se em Hespanha houvesse 180 nobres com o rendimento annual de 60:000 pesetas, o soberano da nação hespanhola não tinha a nomear nem um senador.
O direito, pois, que a consideração hespanhola confere ao chefe do estado de nomear legisladores é puramente eventual.
A prerogativa da corôa em Hespanha serve para se completar o numero de 180 senadores, quando esse numero não seja preenchido poios senadores de direito proprio.
Em Hespanha é do povo a escolha de 180 senadores, isto é, do metade do numero total.
A outra ametade é constituida pelos senadores do direito proprio, que são todos os que estiverem nas condições marcadas na lei.
A corôa só póde nomear o senadores precisos para com os de direito proprio completarem os 180 que formam a metade do numero total.
Os senadores de direito proprio são, alem dos membros da familia real, e dos grandes de Hespanha com o rendimento annual de 60:000 pesetas em bens immobiliarios, os seguintes:
3.° Os capitães generaes do exercito e o almirante da armada:
4.° O patriarcha das Indias e os arcebispos;
5.° Os presidentes do conselho d'estado, do supremo tribunal de justiça, do tribunal de contas do reino, do supremo conselho de guerra, e do supremo tribunal da armada, com dois annos de exercicio.
Só quando os senadores de direito proprio não forem em numero sufficiente para completarem 180 é que o soberano exerce o direito do escolher até ao numero preciso para perfazer aquelle algarismo.
N'estas circumstancias que comparação póde ter a reforma da constituição portugueza com a constituição hespanhola, a que o governo tantas vezes se refere sem rasão nem fundamento?
Havemos de passar pelo desaire, se o governo e a maioria não recuarem nos seus propositos, de ficarmos com uma constituição mais retrograda do que a feita em Hespanha em 1876, quando se achava á frente dos negocios o illustrado chefe do partido conservador daquella nação, quando acabava de realisar-se a restauração dynastica, e quando os triumphadores, com a altivez propria do povo hespanhol, pediam revanche completa, querendo a abolição total da constituição de 1869!
Pois havemos de ficar áquem da nação vizinha nas questões de liberdades politicas, em que lhe temos sempre tomado a dianteira?
A Hespanha admira-nos, e applaude-nos, porque já temos a codificação civil, porque abolimos a pena de morte nos crimes politicos e nos crimes civis, e porque desfructâmos outros melhoramentos de que ella ainda está privada.
Se não tivessemos entrado no caminho da reforma da carta, ninguém podaria estranhar que mantivessemos uma constituição mais retrograda do que a de Hespanha, ou do que qualquer outra nação, pois que em muitos paizes liberaes os costumes publicos dispensam ás vezes durante largos annos a revogação das leis.
A reforma não encerra senão as idéas do partido regenerador, ou do seu illustre chefe, o que eu julgo fatal para as instituições reformadas.
Pois o governo e o partido regenerador quererão deixar formuladas e accentuadas na reforma da constituição politica da nação portugueza unicamente as idéas do seu partido?
Pois o governo e o parlamento já pensaram seriamente na responsabilidade que lhes advém de moldarem a reforma da constituição unicamente pelas idéas de um partido de modo que o pacto fundamental, que é para todos, fique

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com o caracter de exclusivismo e de individualismo, que é contrario aos principios por que se regem todas as situações do mundo?
A idéa que ha de sempre sobrelevar a todos diante da qual se hão de esconder os pequenos inc.os, que a historia ha de registar com mais larguesa, é que se [...] uma reforma de constituição com todos os caracteres de intransigencia, por que ella representa só as idéas e as opiniões de um partido, sem contemplação de especie alguma com as manifestações dos outros partidos militantes.
Nem a reforma constitucional, nem o governo nem o parlamento, perdiam um apice do seu valor, artes lucrariam, se os preceitos politicos que vão subsistir o actual pacto fundamental, deixassem do ser o exclusivo de um partido, e representassem uma satisfação real e verdadeira ás necessidades publicas.
Quem nos havia de dizer que a nossa reforma constitucional havia de ficar áquem da constituição hespanhola; feita sob os auspicios de um governo profndamente conservador, e numa epocha excepcional de agitação politica na nação vizinha?
Para, em tudo ser atrazada e retrograda a reforma politica, sujeita ao debate, até se concede assento por direito constitucional na camara dos dignos pares, aos bispos do continente onde elles tinham ingresso unicamente por uma lei ordinaria!
Não discuto nesta casa, nem discuto em parte alguma, questões religiosas, nem questões de consciencia. Para mim o sentimento religioso é tão individual e tão intimo, que não tenho para elle outra apreciações que não seja o profundo respeito pelas opiniões de todos.
No entretanto o meu principio regulador das relações entre o sacerdocio e o imperio vou buscal-o áquella formula da escriptura sagrada: « Dae a Cesar o que é de César, e a Deus o que é de Deus»!
Este principio é hoje reconhecido por todas as nações que professam o catholicismo.
É hoje assente que o poder temporal não é consequencia nem accessorio do poder espiritual; e nós vamos entragar aos bispos, pelo simples facto da ordem e da jurisdicção ecclesiastica, o poder temporal representado na missão do legislar!
Até deixâmos o projecto com uma faição clerical, que nem a catholica Hespanha quiz acceitar!
A Hespanha só deu ingresso no senado por direito proprio ao patriarcha das Indias e aos arcebispos, mas conjunctamente com os capitais generaes do exercito, com o almirante da armada, com o presidente do tribunal de contas do reino, com o presidente do supremo tribunal de justiça, com o presidente do supremo tribunal de guerra, com o presidente do supremo tribunal da armada, e com os grandes de Hespanha que desfructam uma renda annual de 60:000 pesetas. Em Hespanha todos os elementos de valor e todas as forças sociaes participam na representação politica por direito proprio.
Nós parece que só temos questões religiosas a defender na outra casa do parlamento!
Não nos limitâmos a dar entrada na camara alta só aos bispos metropolistas. Entregâmos a todos os bispos do continente por direito proprio a missão de legislar, e exclui-mos a este privilegio todos os elementos civis e militares!
Nem os presidentes dos tribunaes superiores, nem os generaes de divisão, podem ter assento por direito proprio nos conselhos de nação. E reservado só aos prelados do continente este privilegio!
Realmente desde que se entra no caminho de crear legisladores por direito proprio, não devia ser excluido o elemento civil, para deixar á nova reforma um cunho puramente clerical. Colloquemos ao menos no mesmo pé de igualdade o elemento temporal e o elemento ecclesiastico. Na missão de legislar não dêmos preeminencias ao poder espiritual sobre o poder temporal.
Não proponho a exclusão de bispos, como não proponho a exclusão de margem, do direito de fazer parte das assembléas legislativas.
Mas deixamos á prerogativa da corôa, ou á eleição popular, a escolha dos prelados do reino, que não hão de Ter assento em côrtes.
Temos tido muitos prelados diocesanos insignes pelo seu talento e pelas suas virtudes, e muito dignos de terem assento na camara dos pares. Mas não estabeleçamos no anno da graça de 1885 que todos os bispos, e só os bispos, tem e reunem em si a illustração e as virtudes necessarias para exercerem por direito proprio o alto mister de legislar.
D. Pedro IV, o augusto dador da carta constitucional, deu por um decreto aos prelados do reino a faculdade de tomarem parte por direito proprio nas deliberações da nossa assembléa aristrocata, obrigado por circumstancias imperiosas, que actuavam naquelle momento de transformação social.
Mas os tempos mudaram. Hoje não e homem. Não prevalecem hoje os mesmos factos que naquella epocha determinaram uma transacção com os interesses e com o poderio ecclesiastico desde largos annos enraizados no paiz. Então era preciso constituir a camara dos pares com os elementos aristocraticos e com as altas dignidados ecclesiasticas, que em si resumiam a grande força e vida do paiz.
Foi indispensavel dar participação ao alto clero nas deliberações da camara aristocratica, como testemunho de respeito pela intendencia decisiva, que o poder ecclesiastico então exercia no povo.
Mas, ao menos, D. Pedro IV até neste ponto foi diplomatico.
Não reconheceu aos bispos esses direito na carta. Deu-lhes o privilegio por um decreto especial, que facilmente desappareceria por uma deliberação ordinaria do parlamento Cincoenta e tantos annos depois o governo quer dar entrada aos bispos por direito proprio na camara alta, em virtude de uma lei constitucional!
Muito estamos nós retrogradando!
Até em liberdade politicas já somos mais retrogrados do que a nação hespanhola, quando ella é governada por uma situação conservadora!
Em todo o caso estes retrocessos são lógicos, e não devem causar estranheza.
Desde que é apresentada ás côrtes, e obtem parecer favoravel da commissão, uma proposta para dar aos pares da regia prerogativa um predominio, contra o qual não possam luctar dentro de legalidade, nem a camara popular, nem os pares electivos, nem a força da opinião publica, nem o proprio Rei, a quem pertence o exercicio das funcções do poder moderador, tudo é licito esperar!
Demais o futuro e os actos nos desenganarão de que as tendencias dos pares da prerogativa regia hão de encaminhar-se geralmente no sentido de contrariar as resoluções da parte electiva.
Os pares electivos, desde que vão em minoria, hão de ser ali recebidos como hospedes.
Os pares electivos entram na outra camara para sairem dahi a pouco tempo. A duração das suas funcções póde ser de seis annos ou de seis mezes.
É tambem ponto capital da reforma o continuarem no exercicio das suas funcções todos os membros que actualmente estão funccionando na outra camara.
Se esta condição se reputasse indispensavel para abrir o caminho a uma reforma larga e radical, ainda havia meio de conservar esse estado anomalo sem deixar prejudicar a votação dos pares, que vão buscar o mandato á vontade da nação.
Sr. presidente, a reforma proposta, para em tudo ter o cunho de pessoal, até concede á corôa a nomeação de um par por cada três vacaturas que forem occorrendo, em-

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quanto o numero de pares actuaes não ficar reduzido a 100.
Para nada faltar, até os pares do reino são considerados como os emproados addidos por occasião de quaesquer reformas nas repartições do estado!
Era a lei de 23 de abril de 1873 que determinava que no ministerio em que houvesse addidos, e emquanto os houvesse, por cada duas vacaturas em cada classe de empregados seria preenchida uma por meio da promoção e a outra por collocação no respectivo quadro do empregado addido da classe em que se desse a vacatura.
Mas esta lei, mesmo debaixo do seu ponto de vista particular, e absolutamente inapplicavel a um assumpto politico, ainda tinha explicação, porque se referia a empregados já nomeados, e em serviço, cuja promoção era muito prejudicada com a collocação dos addidos.
Mas os individuos que ainda não são pares precisam porventura de ser promovidos pela regia prerogativa?! Se tiverem merecimentos para isso estão-lhes abertas as portas do suffragio popular.
A nomeação de um par pela corôa a cada tres vacaturas o que revela é que o governo não tem vontade de ver terminada esta situação provisoria.
Este expediente é mais um meio de illudir a reforma. Julga-se necessaria a reforma da carta, e ao mesmo tempo estabelece-se um processo para essa reforma, mesmo acanhada, não produzir effeitos senão daqui a dez ou vinte annos.
Este artigo tom um desgraçado valor constitucional. Confere-se á corôa o direito de por cada tres vacaturas ir escolhendo um par, como uma especie de graça real.
Pretende-se que o soberano não fique durante alguns annos inhibido de nomear pares. Fica-lhe o direito de ir nomeando pares, como vae nomeando titulares!
Nem o pariato foi instituido só para premiar relevantes serviços prestados ao paiz, mas sim, e principalmente, para dar entrada na camara alta aos cidadãos que pelo seu merecimento e mais circunstancias sejam interessados na marcha dos negocios publicos, e tenham a capacidade sufficiente para collaborar com vantagem publica na formação das leis. Se não fora a necessidade de deixar marcada a reforma com um cunho puramente pessoal, podia prescendir-se perfeitamente de inserir no projecto a disposição excêntrica de que por cada três vacaturas escolheria a corôa um membro para a outra casa do parlamento, mesmo antes de reduzido a 100 o numero de pares vitalicios.
Sobre este assumpto algumas propostas hei de apresentar na discussão da especialidade, se porventura for votada a generalidade segundo os intuitos do parecer da commissão.
Votada a generalidade julgo-me obrigado a collaborar com os meus collegas na especialidade, sem todavia querer a minima responsabilidade em votações, que eu julgo contrarias aos principies, e prejudiciaes aos interesses do paiz.
Hei de na especialidade propor que os pares electivos não recebeam subsidio, e que os pares, tanta electivos como vitalicios, e bem assim os deputados, não possam fazer parte dos corpos gerentes de companhias subsidiadas ou fiscalisadas pelo estado.
Tambem reputo inconveniente uma camara de pares tão numerosa. Em todos os paizes que podemos tomar como modelo do systema representativo, o numero dos membros da camara alta orça entre ametade e dois terços do numero dos membros da camara popular. Mas todas estas indicações eu reservo para a especialidade.
Outro ponto contém a reforma, como capital do pensamento do governo e da commmissão, que tem ferido a susceptibilidade dos homens liberaes. E o preceito que prohibe a revisão constitucional sem haver decorrido o praso de quatro annos. Artigo analogo foi introduzido na carta, mas por motivos especiaes, e ainda assim como artigo transitorio. D. Pedro IV outorgava a carta a Portugal nas mais difficeis circumstancias politicas, tanto internas como externas, quando a variava de hora para hora, e quando nas communicações entre Portugal e o Brazil se gastavam muitos mezes e ás vezes annos. Mandando a carta, para ser jurada e executada na monarchia portugueza, tomou ao mesmo tempo todas as precauções para acliamar aquelle código politico em Portugal.
Por um lado não queria que lhe tocassem na constituição sem ella estar em plena execução, e sem se experimentarem es seus effeitos, para o que julgou sufficiente o praso da quatro annos; e por outro não quiz tirar a ninguem, retrogrado ou avançado, o direito de propor alterações na carta, quando o povo, durante o periodo de quatro annos, tivesse já reconhecido practicamente os beneficios da nova ordem de causas.
Por isso prohibia absolutamente alterações na carta durante o periodo de quatro annos; mas deixava inteiramente livre aos poderes do estado o propôr, passados aquelle praso, a revisto codigo politico, nos termos da mesma carta.
Foi portanto muito conveniente para a occasião, um artigo em que se dizia aos poderes do estado - não se toca na carta durante quatro annos; mas findo esse praso, pelos meios legaes, todas as reformas são admittidas. Pensou o legislador então que quatro annos de plena execução do novo regimen constitucional seria o suficiente para se apreciarem as suas vantagens ou desvantagens.
Era uma disposição perfeitamente occasional. Esta disposição era destinada por um lado a radicar nos costumes dos povos, por uma execução do quatro annos, a nova constituição, e deixava aberra por outro lado a porta para, passado certo numero de annos, se poder entrar no caminho da reforma da mesma constituição.
Sem o praso marcado dos quatro annos para se não tocar na constituição, corria-se o perigo de que os partidos reaccionarios, exactamente para embaraçarem a execução e a implantação do regimen constitucional, começassem desde logo a propôr reformas sobre reformas.
Mas hoje, que os tempos são outros, que direito tem este governo e este parlamento de impôr ás futuras côrtes, e portanto á vontade popular, a prohibição de decretarem dentro de certo periodo a revisão da constituição do estado? Similhante disposição é contraria á natureza do nosso mandato, que é absoluta e perfeitamente revogavel. Não estamos discutindo contratos, cuja natureza comporta a fixação de praso determinado para se cumprirem as respectivas condições.
Tratâmos de um assumpto politico, essencialmente politico, e o mais politico de todos.
Em nome de que principio e a que proposito vamos impor esta tutella ao paiz? E que obrigação tem o povo de se sujeitar a ella? Haverá exemplos de similhantes preceitos nas constituições dos povos civilisados?
Eu não conheço exemplo de similhante disposição senão na Grecia.
Na Hollanda por exemplo, não é permittido tocar na constituição durante uma regencia, talvez pelos perigos de tocar no codigo politico, durante a existencia de um governo provisorio ou interino. Em quasi todos os paizes liberaes se existem mais requisitos para decretar a revisão e a alteração dos preceitos da constituição do que para a votação das leis ordinarias.
Na maior parte dos paizes exigem-se, já para decretar a necessidade da revisão, já para decretar a reforma da constituição, dois terços dos votos.
A não ser na Inglaterra, onde o parlamento é soberano, e póde reformar a constituição nos termos em que promulga as leis ordinarias em quasi todos es povos se põem mais ou menos restricções ás propostas para a necessidade de revisão, e para a reforma do pacto politico.
Mas em parte nenhuma, a não ser na Grecia, se marca

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praso dentro do qual a constituição é considerada arca santa, em que se não póde tocar.
Só na constituição dos Estados Unidos da America se encontra a prohibição de tocar em certo e determinado preceito, não durante praso fixo, mas perpetuamente.
De entre as emendas feitas em 1880 á constituição de 1787, que é o pacto fundamental daquelle grande paiz, a primeira é que nunca se poderá tocar na constituição para restringir o direito de fallar ou de escrever, ou para tirar ao povo o direito de se reunir pacificamente para exercer o direito de petição!
Esta prohibição tambem eu desejava ver consignada no nosso código político, porque honra os povos e honra as liberdades.
Tenho discutido os pontos capitães na generalidade. Na especialidade apresentarei as propostas indispensáveis para melhorar os artigos do projecto em conformidade e nos termos em que a generalidade for approvada.
Mas antes de concluir quero lembrar ao governo e aos meus collegas, no seu interesse, e no interesse da paz e da prosperidade publica, que cedam dos seus propósitos de fazer vingar um projecto, que representa a negação da liberdade, e que é um monstruoso attentado contra as franquias populares.
E ainda um retrocesso contra a legislação vigente o projecto que impede absolutamente o triumpho e a victoria da opinião publica contra a resistencia aberta dos pares da prerogativa real.
Lembro especialmente á camará, que conta tantos homens da nova geração, que devem ter o coração aberto ás aspirações generosas e ás conquistas da civilisação o que succedeu com duas constituições eminentemente liberaes, que já figuraram nas paginas da nossa legislação nacional.
Uma, a constituição de 1822, que era tão liberal como a dos Estados Unidos da America; a outra, a de 1838, que, senão era tão avançada, era em todo o caso digna de um povo livre.
Nenhuma d'estas constituições foi outorgada pela coroa. Ambas estas constituições foram feitas pelo povo, porque os membros dessas cortes eram representantes do povo.
Ambas essas constituições morreram. Mas o paiz póde ter ao menos a consolação de que morreram ambas diante da ponta das bayonetas, e diante das revoluções de palacio! Nenhuma d'ellas caiu ás mãos dos representantes da nação! (Apoiados.)
Os representantes da nação elaboraram aquellas constituições em nome do direito e da opinião.
Essas constituições foram depois violentamente rasgadas em nome da força e do despotismo.
Não deixem os actuaes representantes da nação expirar às suas mãos as franquias populares. Inspirem-se nos exemplos que nos legaram as cortes de 1820 e de 1837.
Rasguem com o seu voto este projecto, que é verdadeiramente liberticida, e substituam-no por uma providencia avançada que honre a pátria e que honre a liberdade.
Tenho concluido.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - O illustre deputado que acaba de fallar, por quem tenho a maior consideração, e que ainda hontem nesta casa me chamara seu antigo amigo, não sei se para significar que talvez não confiava absolutamente na minha amizade de hoje, no que se engana completamente, concluiu por uma recommendação a esta camara e por uma recommendação ao governo, e essa recommendação era para que retirassem da tela da discussão, ou o fizessem emendar, o projecto sujeito á apreciação da camara.
Eu pela minha parte, e estou convencido de que tambem os meus collegas, estamos promptos a ouvir todos os conselhos que. me sejam dados por parte de homens tão talentosos e por vozes tão auctorisada como a do illustre deputado, mas não posso acceitar este, principalmente com os commentarios que s. exa. fez.
S. exa. disse que os homens publicos não deviam ser philosophos, que deviam ser homens praticos, e parece-me que em todo o seu longo discurso não fez senão pbilosophia, e, concluindo por se imaginar, talvez, o único liberal deste paiz distribuiu conselhos a todos os homens publicos, á camara e ao governo, dizendo-lhes que esses conselhos eram a arca santa da liberdade, e que os acceitassem.
O illustre deputado sabe que a tendencia liberal está na indole do povo portuguez, e que uma vez conquistados certos principios é muito difficil voltar atraz. (Apoiados.)
O facto é que todos nós somos liberaes, mesmo os que mais são alcunhados de conservadores. (Apoiados.)
Eu posso dizer que o primeiro liberal é o sr. presidente do conselho, apesar do illustre deputado no seu discurso o ter querido fazer figurar como o primeiro conservador deste paiz. O seu nome figura em todas as reformas liberaes; (Apoiados.) figura em todas as reformas económicas; figura na abolição da pena de morte nos crimes políticos e mesmo nos crimes civis, e figura no código civil, porque sem o seu auxilio e o seu prestigio estas leis não tinham passado; figura no alargamento do suffragio popular e nas differentes leis eleitoraes, umas creando os circulos de um só deputado, e creando outras a representação das minorias. Póde então algum dos lados da camara chamar a s. exa. conservador, mas creio que ninguem lh'o chamará no mesmo sentido de Guizot e sim no sentido de Sir Robert Peei, mas isto não deshoura ninguém.
Todos somos liberaes, e a liberdade não está só em approvar tudo o que se deseja; eu tambem desejo todas as liberdades e franquias para o meu paiz. Quando se apresentou este projecto para a reforma da constituição eu desejava mais, mas transigi, porque quando se trata da reforma da constituição de um paiz, é necessario que se não faça tudo o que cada um quer, mas só o que se póde fazer. (Apoiados.)
O illustre deputado declarou que, se estivesse no poder e tivesse por si a opinião publica, não queria allianças e sósinho faria tudo; e nós, que estamos sentados nestas cadeiras, queremos o concurso de todos os elementos para fazer vingar as reformas constitucionaes.
O illustre deputado não quer ser philosopho e ao mesmo tempo parece querer resumir em si duas pessoas; umas vezes affigura-se me ser Heraclito outras Democrito, um que de tudo chorava e outro que de tudo ria. (Riso.)
O illustre deputado vê em toda a parte a ruina do paiz em tudo vê o abysmo, mas ao mesmo tempo a facecia é uma das mais finas flores da sua rhetorica.
S. exa. fez viagens a toda a parte; viajou por todos os districtos do paiz. Não foi ás igrejas, mas foi as conservatorias para ver a ruina do contribuinte em face das hypothecas ali registradas.
Depois viajou pelas juntas de revisão e mais tarde viajou pelos circulos eleitoraes, descobrindo com muita habilidade os deputados por diminuição.
S. exa. fez tão longas viagens, e ao mesmo tempo tão rapidas, que eu, que não disponho de tanta actividade, custou-me a acompanhal-o e talvez o perdesse de vista; portanto desculpe-me o illustre deputado se eu não responder a todas as suas minuciosas indicações.
S. exa. disse que nós tinhamos cincoenta annos de regimen constiucional e que não tínhamos feito senão desorganisar a fazenda publica; fez para assim dizer o processo do governo constitucional.
Confesso que chegou a minha vez de chorar quando vi o illustre deputado cheio de talento fazer assim o processo de toda a epocha constitucional.
S. exa. estranhou em particular a desorganização da fazenda publica desde 1852 para cá, em que o illustre deputado disse que temos vivido em um regimen de paz,

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mas esqueceu-se de que, apesar d'essa paz, que effectivamente tem sido grande desde 1852, algumas nuvens tempestuosas têem apparecido nos horisontes politicos, que têem causado crises economicas, commerciaes e bancarias, que se têem estendido a toda a Europa, e até um movimento que se chamou a janeirinha, que não é desconhecido para o illustre deputado, porque foi um dos que a representou no poder.
S. exa. deve lembrar-se que nessa occasião, substituindo-se esse movimento a um governo regenerador, deitou abaixo alguns impostos para satisfação da opinião publica, e acabou com a reforma administrativa que creava recursos e que inhibia os concelhos de irem empenhar-se nas conservatorias.
Quando se trata de fazer revista dos acontecimentos politicos, é necessario fazel-a exacta e completa, como s. exa. é capaz de a fazer, mas que fez.
Para o illustre deputado tudo está pobre, o thesouro, as camaras municipaes, o paiz, e para mostrar que tudo está pobre, foi ás conservatorias indagar em quanto estavam empenhados os differentes conselhos do reino. Falou tambem a respeito de minas, disse que ellas não prestavam para nada, e que portanto não havia industria em Portugal.
É preciso saber em que foi applicado o dinheiro que se foi buscar quando se fizeram as hypothecas, seria para deitar ao mar como foi, segundo s. exa. disse o dinheiro empregado no porto de Leixões? Creio que não ha portos de Leixões em toda a parte.
Esse dinheiro foi applicado a uma industria, a um melhoramento, a um beneficio qualquer, mas o illustre deputado não attende a isto. Não foi buscar os elementos indicadores da riqueza publica; não foi procurar o rendimento dos caminhos de ferro; não attenda a que cresceram os rendimentos do correio e do telegrapho, que são indicadores de riqueza publica. (Apoiados.) S. exa. só se lembrou de dizer que tinham crescido rendimentos, porque o governo augmentou os addicionaes, o augmento que se deu no primeiro anno, continuou a dar-se nos seguintes crescendo sempre depois d'elles estabelecidos, é isso tambem um indicio, um indicador da riqueza publica.(Muitos apoiados.)
Eu não sei, confesso que, apesar do tom facto do illustre deputado, não me alegrou esta maneira de fazer politica, declarando o paiz pobrissimo. (Apoiados.)
Não me parece que seja excellente politica, para desvanecer receios, nem para alimentar esperanças no interior, nem para inspirar confiança no estrangeiro. (Apoiados.)
Se um dia s. exa. tiver, e seus altos merecimentos são para tudo, tiver de reorganisar a fazenda publica, e tiver de recorrer ao imposto, hão de responder-lhe: está tudo pobre. Se quiser tributar os concelhos, hão de estes responder-lhe, que está tudo hypothecado nas conservatorias, e que não podem dar nada. (Apoiados.)
Será isto fazer politica á patuléa? E era este o concelho, que s. exa. dava ao partido progressista? Eu, pela minha parte declaro que o não acceito, nem quero similhante politica. (Muitos apoiados.)
Mas o illustre deputado, ao mesmo tempo que lastimava em tom plangente todas as desgraças da patria, encontrava logo um remedio. E querem saber qual é? É o senado electivo. Em o senado electivo as finanças prosperam, os concelhos não contrahem dividas, as conservatorias não têem hypothecas a registar, acaba todo este mal da fazenda publica.
É verdade que não se póde dizer que as boas finanças sejam incompativeis com o sysytema inglez, onde ha uma camara de lords, nem com o systema italiano, citado pelo illustre deputado para fazer os mais rasgados elogios, e com justiça, a um ministro da fazenda que foi pedir imposto á moagem, o mais absurdo de todos os impostos, (Apoiados.) e que não foi como s. exas. d'esse acceito por todo o paiz, mas foi cobrado com as armas na mão. (Apoiados.)
Entretanto, o illustre deputado não quer só senadores electivos; quer que o alargamento de todas as liberdades, o governo do paiz pelo paiz, a mis larga intervenção do povo na gerencia dos negocios publicos.
Isso tambem eu quero. Estamos de accordo. Mas em que consistem todas estas liberdades? Como é que caminhâmos para ella? Como havemos de realisal-as? (Muitos apoiados.)
S. exa. deve fazer justiça aos homens que estão aqui sentados. (Apoiados.)
Pois as leis que ha sobre alargamento de suffragio popular não partiram da iniciativa, ou não foram realisadas por este partido que se encontra no poder? (Muitos apoiados.)
Não foi o anno passado com o concurso de toda a camara que se votou a lei eleitoral com a representação das minoria? (Muitos apoiados.)
Não fomos nós que viemos apresentar aqui o projecto de reformas constitucionaes procurando com elle alargar as nossas liberdades publicas e melhorar a constituição do paiz?
Mas se ha algum outro remedio para estabelecermos essa larga intervenção do governo do paiz pelo paiz, diga-o o illustre deputado?! Por emquanto, s. exa. não disse nada, não fallou senão no senado electivo e nada mais!
Diz s. exa. que o seu codigo é a constituição de 1838.
Mas a constituição de 1838, á excepção do senado electivo, que logo discutiremos é porventura mais liberal do que esta reforma da carta, ou do que a nossa legislação actual?! (Apoiados.)
Pois ignora o illustre deputado, que na constituição do 1838, para se ser eleitor, era necessario ter 80$000 réis de renda liquida, em bens de raiz, e ter vinte e cinco annos de idade, o que excluia por esse mesmo facto centenares e milhares de eleitores?!
Pois tem comparação a constituição de 1838 debaixo deste ponto de vista, com as nossas leis actuaes?!
Não tem. (Apoiadas.)
Por consequencia, se o illustre deputado é apostolo sincero e intransigente da constituição de 1838, dou-lhe os meus sentimentos, dizendo-lhe que então sou eu muito mais liberal do que s. exa., porque a constituição de 1838 fica, em liberdade, a perder de vista, em relação às garantias da legislação actual.
Mas o illustre deputado viu todos os remedios na constituição do senado, esse é que é a panacêa de s. exa.!
Quer o illustre deputado uma segunda camara com elementos de ponderação sobre a primeira camara, e ao mesmo tempo começa logo a levantar-se uma duvida no espirito dos que ouvem s. exa., e é, como se ha de estabelecer esse elemento de ponderação, quando esta segunda camara tiver a mesma origem que a primeira?
As demasias da primeira camara podem vir das paixões populares, de um momento febril, de revoluções, emfim de excessos que andem mais ou menos envolvidos nas camadas populares de que essa camara póde ser representante, mas se a segunda tiver a mesma origem, não sei como ella ha de ter elementos de ponderação sobre a primeira. Não sei, mas talvez o illustre deputado tenha meio de resolver esta duvida.
S. exa. que é muito illustrado, e que conhece ao mesmo tempo a historia de todos os paizes, tambem citou a Inglaterra, que sabe inspirar-se na opinião publica, não admittindo as fornadas que se admittem aqui, citou a Rainha daquelle paiz, que não nomeia pares senão com extrema parcimonia, e citou-nos a camara dos lords, como representando legitimamente a opinião publica e acompanhando os progressos nacionaes.
Esta camara, como se sabe, é hereditaria, logo não é a questão de, ser electiva ou, hereditaria, que, póde in-

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fluir nas liberdades do systema representativo, como quer o illustre deputado!
S. exa. censura principalmente a reforma actual, porque essa reforma era estabelecida de maneira, que havia a receiar o perigo de uma oligarchia da parte da camara de nomeação regia contra os cincoenta senadores electivos. Este era o receio fundamental de s. exa.
Se porventura o illustre deputado suppozesse que nós estavamos fazendo agora uma reorganização completamente nova, que encontravamos um paiz novo, sem ter recebido nenhuma organisação politica; se suppozesse que nestas circunstancias se dava a um homem a faculdade de nomear cem pares do reino, e ao povo a faculdade de eleger cincoenta, talvez os cem se collocassem a um lado e os cincoenta a outro, estabelecendo-se a desarmonia.
Mas s. exa. sabe que nós estamos legislando para um paiz que, com s. exa. confessa, é o mais antigo na historia parlamentar; para um paiz, onde s. exa. diz que todos os partidos têem feito fornadas, e onde por conseguinte todos estão mais ou menos concordes; como é que o illustre deputado imagina que os representantes de todos estes partidos se hão de unir um dia contra os cincoenta membros electivos que hão de ser tambem representantes d'esses mesmos partidos?
Pois o illustre deputado não sabe perfeitamente que uma das vantagens do regimen representativo, por vezes apresentada pelos diversos publicistas que têem escripto sobre politica, está em que nesse regimen ninguém póde tudo, mas todos precisam do auxilio dos outros poderes do estado? Um poder só por si não póde tudo. Todos se hão de inspirar mais ou menos na opinião publica para terem a força moral necessaria para poderem governar.
Como é, pois, que o illustre deputado imagina que os cem pares hão de contra as indicações da opinião publica oppor-se aos cincoenta electivos que entrarem n'aquella camará, e ficar depois impavidos á sombra da nomeação regia?
No regimen constitucional não é possivel isto. Se o fosse então tinhamos de acabar com uma das prorogativas do poder moderador, quer fosse exercido por um monarcha hereditario, quer por um chefe electivo.
Portanto, a hypothese do illustre deputado, a meu ver, é perfeitamente inadmissivel; mas se uma vez fosse admissivel, era isto uma rasão para modificar todas as constituições que são mais ou menos duradouras, mas não creio que sejam immutaveis.
Em todo o caso o remedio está na maneira de se modificarem.
Quando as circumstancias chegam, quando a experiencia mostra que quaesquer artigos se devem modificar, está marcado o processo que se deve seguir ou empregar.
Mas que mal encontra o illustre deputado em que uma segunda camara seja, por assim dizer, a representação de todos os interesses sociaes, e como tal seja um elemento de ponderação?
A camara dos deputados ficará sendo a representante, por assim dizer, do progresso, e a segunda camara a representante dos nossos interesses nacionaes; e neste caso já está representado o elemento monarchico com a entrada dos principes, o elemento religioso com a entrada dos bispos, o elemento dos serviços importantes feitos ao paiz como está nas categorias, e o elemento de riqueza publica como está na entrada dos maiores contribuintes, dos possuidores de grande riqueza.
D'esta fórma uma segunda camara póde ser representante dos grandes interesses nacionaes.
S. exa. parece queixar-se muito das categorias, tanto que disse que ficava uma camara de empregados publicos; e se approvarmos a proposta não entra lá ninguem, porque se exige um rendimento tão elevado que s. exa. diz que não póde haver no paiz mais de cincoenta individuos n'essas circumstancias.
Mesmo acceitando a hypothese de s. exa., entre esses cincoenta já se podia escolher um bom numero de representantes da propriedade, da riqueza publica. E demais, se a duvida era só essa, facilimo era o remedio, que era diminuir a exigencia quanto ao rendimento. Não creio que seja preciso uma revolução para chegar a isso. (Riso.)
Ao mesmo tempo confesso que fiquei admirado de ver uma certa indignação da parte de s. exa. contra a lei das categorias, quando alias se encontra na constituição de 1838.
De modo que o illustre deputado, que quando se trata de uma constituição liberal apresenta-se sempre com a constituição de 1838 na mão, como Camões com os Lusiadas, (Riso.) dá-lhe ao mesmo tempo um golpe todas as vezes que falla.
Pois lá está tambem a lei das categorias para a eleição dos senadores.
Outra cousa com que o illustre deputado pareceu, não digo indignar-se, mas não se conformar-se, foi com a disposição do projecto concernente aos direitos adquiridos pelos actuaes pares.
Disse o illustre deputado que tinha amigos na outra casa do parlamento, mas se tivesse de reformar a constituição sairiam todos, nem um só lá ficava, porque não queria direitos adquiridos em materia legislativa.
O illustre deputado desse modo vae mais longe do que ninguem.
Por isso ás vezes, com o devido respeito, e muita amizade antiga e moderna com que o trato, torno a dizer a s. exa., que não quer que os homens publicos sejam philosophos, que está fazendo philosophia quasi sempre.
O proprio Gambetta, quando quiz reformar a constituição, respeitou os direitos adquiridos dos 75 senadores inamoviveis, e ninguém dirá que elle era pouco energico, e que estava cheio de condescencias para com os seus adversarios politicos. Mas, era um homem de governo, e como tal entendia que ás vezes era preciso transigir. (Apoiados.)
Nós vivemos n'um paiz que tem uma longa historia; não estamos a legislar para um paiz novo.
A final s. exa. citou-nos o exemplo de senado electivo em varias nações; mas, pelo menos aquellas de que eu lho ouvi fallar, eram todas novas, como a Servia, a Bulgaria, a Grecia, o a propria Belgica, cuja existencia, como nação, data de pouco mais de cincoenta annos; mas, ha uma grande differença entre o fazer uma constituição para paizes novos, e para que os têem uma larga historia parlamentar. (Apoiados.)
Nós temos uma organisação antiga, temos tradições e interesses creados; e aquelles que querem reformar, quaesquer que sejam as suas aspirações liberaes, e n'este ponto, eu não fico atraz de s. exa., porque tambem me prezo de ser liberal, têem de só contentar com o possivel. (Apoiados.)
Eu possuo-me dos conselhos que o illustre deputado me deu, de que os homens publicos não devem ser philosophos; inspiro-me das difficuldades da situação, e alcanço o que posso; mas, não vou atraz do impossivel. (Apoiados.)
O illustre deputado comparou tambem o projecto em discussão com a constituição hespanhola de 1876, pedindo-nos que não ficassemos atraz da constituição de 1876, porque nos ficava muito mal.
Não sei bem o que isso quer dizer.
A constituição de 1876 foi feita em Hespanha depois de já ter lá sido lei do estado a constituição republicana de 1869, e por virtude de uma revolução.
Aquella revolução não queria estabelecer nenhum principio retrogado; aquella revolução queria estabelecer o principio monarchico constitucional, o que não significa o estabelecimento de nenhum principio retrogado, (Apoia-

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dos.) e veio depois de já ter sido implantado em Hespanha o regimen da republica. (Apoiados.)
Nós não estamos governando depois de uma revolução. Estamos governando com todos os elementos de vida constitucional. Estamos dirigindo normalmente os interesses do paiz.
Nós temos a carta de 1826. Não passámos por nenhuma revolução, porque o principio monarchico tem governado até hoje sem interrupção. (Apoiados.)
Estamos em condições diversas.
Mas no fim de tudo, quando se trata de estabelecer a differença entre as constituições, essa differença, para o illustre deputado consiste numa cousa só: se uma constituição tem o senado electivo, é muito boa; se não tem o senado electivo não presta para nada!...
O illustre deputado é um grande propugnador dos direitos individuaes, e das franquias populares.
Pois é com o senado electivo que se salvam as franquias populares e os direitos individuaes?
Pois, se um paiz tiver maus habitos politicos, se um paiz estiver no estado de não comprehender devidamente os seus interesses, é aplicando-se o principio da eleição a uma segunda camara que se ha de salvar esse paiz?
De certo que não. (Apoiados)
Quando o illustre deputado, foi na sua viagem ás conservatorias, não viu os concelhos e os individuos, usando da sua liberdade, empenharem-se e hypothecarem os seus bens?
Entende portanto que se lhes deve dar mais liberdade, dizendo-se-lhes: fiquem-se para ahi governando-se e empenhando-se cada vez mais?
Não me parece que seja esta a logica a tirar dos principios que o illustre deputado quiz estabeler.
O illustre deputado tocou em tantos assumptos, como é proprio da vastidão dos seus conhecimentos, e até da extensão do seu discurso, que por vezes vejo-me embaraçado quando consulto as minhas notas para lhe responder.
S. exa. passou tambem a fallar do accordo; e aqui confesso que me admirou o discurso do illustre deputado, não pelo que s. exa. disse, mas porque fez a historia miuda e detalhada d'aquelle tacto politico.
S. exa. tinha começado por dizer, em resposta ao sr. presidente do conselho, não fallemos em historia retrospectiva, que não serve para nada.
Mas, quando tratou do accordo, fez historia retrospectiva á larga. (Apoiados.)
D'onde eu concluo que ha duas especies de historia retrospectiva: uma permitida, e é a que diz respeito ao accordo; outra em que não se póde tocar, e é aquella em que eu podia lembrar ao illustre deputado que já duas vezes foi ministro e não salvou as finanças (Apoiados.) e em que podia citar uns certos actos do dictadura, (Apoiadas.) que não sei a quem deva attribuir, porque não desejo effectivamente fazer historia retrospectiva.
Em summa a historia retrospectiva que se póde fazer, segundo o discurso do illustre deputado, é a que se refere ao accordo.
A esse respeito eu sou impenitente.
Entrei no accordo, folgo que elle se fizesse, estou ainda hoje satisfeito com isso, e cada um cumpriu com os seus deveres como entendeu.
O illustre deputado foi mais pratico do que theorico; pesou, repesou e tornou a pesar todas as vantagens do accordo para qualquer dos lados, e como não achou a balança bem equilibrada, passou ao governo um diploma, não direi de que, dizendo que o governo dava tudo e não recebia nada.
Pela minha parte sujeito-me a essa condemnação do illustre deputado, porque quando não tenho diante de mim senão os interesses do paiz, não procuro satisfazer outros, mas unicamente satisfazer aquelles.
Parece-me que algumas vantagens se tiraram do accordo, e sabe v. exa. o que é o paiz lucrou com esse accordo?
Foi a lei de 15 de maio reconhecendo a necessidade das reformas constitucionaes, votada por todos os partidos. Esta foi uma das vantagens, e a outra, do não menos importancia, foi a eleição, porque creio que uma reforma constitucional depende da auctoridade moral da camara que a faz, e quando umas eleições são feitas com liberdade essa camara que faz a reforma é revestida de uma grande auctoridade.
Póde o partido progressista estar silencioso agora, mas isso não significa que não tivesse votado a lei de 15 de maio, e que apesar de todas as suas opiniões não achasse bem o pensamento do projecto.
O illustre deputado que hoje falla ácerca das reformas politicas de um modo diverso do que fallou no anno passado, porque então julgava o sr. Fontes como o unico homem capaz de as fazer, tenha paciencia que lhe diga que é effectivamente s. exa. o unico que entende que é necessario fazer reformas politicas para a salvação das finanças.
O illustre deputado, fazendo a analyse espirituosa, e digo isto sem sombra de ironia, da nossa lei aleitoral, descobriu até candidatos de diminuição, e para isso empregou um processo muito simples.
Na anterior legislação eleitoral estava estabelecido o principio da maioria absoluta, para um candidato sair eleito era necessario obtre metade e mais um do numero real dos votos, e na lei actual estabelece-se o principio da maioria relativa.
Não admira nada; o resultado da legislação eleitoral foi alterar de vez o principio da maioria absoluta estabelecendo o principio da maioria relativa.
Admirou-se tambem s. exa. de que o sr. Montero Rios tivesse em Hespanha 12:000 ou 14:000 votos de accumulação e no nosso paiz, que é muito mais pequeno, houvesse deputados com maior numero de votos tambem da accumulação.
Que significa isto?
Significa tambem uma vantagem da nossa lei sobre a lei hespanhola.
Por isso eu considero a lei eleitoralque nós temos mais liberal do que todas as leis eleitoraes da Europa; mais do que a de Hespanha.
E isto foi dito pelo distinctissimo parlamentar e orador que estou vendo diante de mim o sr. Antonio Candido quando dizia que não julgava a lei eleitoral hespanhola mais liberal, porque na lei hespanhola e o principio da accumulação era unicamente para os circulos uninominaes, enquanto que pela nossa lei o principio estende-se tambem aos circulos onde ha a representação das minorias.
O illustre deputado não póde ignorar, que nos circulos de tres deputados não se podem escrever nas listas mais de dois nomes, e a minoria aproveita o terceiro para a accumulação.
D'ahi vem o avultado numero de votos.
Que significa isto?
Que a nossa lei eleitoral, repito, é mais liberal, e explica a rasão por que sendo o nosso paiz mais pequeno que outros, os deputados por accumulação tem maior numero do votos.
Isto, resulta do espirito liberal da lei.
O illustre deputado não póde desconhecel-o.
Pareceu-me tambem que o illustre deputado, na sua viagem á junta de revisão se tinha collocado n'um terreno falso. S. exa. quis comparar os resultados da nova lei acerca do recrutamento com os offeitos da lei anterior. Mas, se eu ouvi bem, se eu não estou enganado, s. exa. foi buscar o tempo em que a lei ainda não funccionava, (apoiados); foi buscar um mappa do tempo em que a lei não funccionava ainda. Por consequencia se não funccionava, como é que o illustre deputado póde comparar os resultados? Isto não prova senão os grandes desejos que o illustre deputado tem de procurar elementos de estudo, mas enganou-se, como

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é fácil, indo buscar um mappa de uma epocha em que a lei não estava em vigor.
Eu canso-me com facilidade; não tenho culpa d'isso; é o resultado da minha falla de saude; e ao mesmo tempo este cançasso é vantajoso para aquelles que me ouvem, porque não lhes prendo a sua attenção por muito tempo. Mas não posso concluir sem me referir ás propostas que foram apresentados por s. exa. Eu tenho as aqui. A primeira diz respeito ao conselho de estado, artigo 20.° do projecto.
(Leu.)
Realmente, como sei as predileções do illustre deputado em materia liberal, fui ver se effectivamente s. exa. se tinha inspirado daquelles documentos que costuma sempre compulsar, quando trata de assumptos d'esta ordem, e não encontrei nada: na constituição de 1838 não ha nada.
Fui ver tambem á constituição belga, que citou como uma das mais liberaes, e tambem nada encontrei.
Fui á constituição hollandeza, que s. exa. disse que preferia á da Belgica, e ahi encontrei o conselho d'estado effectivo, nomeado pelo Rei.
Portanto fiquei sem saber qual era a rasão da organisação que s. exa. apresentou.
Cuidava eu que o conselho d'estado, pela sua importancia e pelo fim a que é destinado, por isso que tem de attender aos mais altos interesses do paiz, devia ser composto dos homens mais experimentados nos negocios publicos e que essa grande experiencia não devia ser posta de parte na sua formação. Por outro lado vejo que s. exa. quer que este conselho d'estado dure oito annos.
Quando eu imaginava que o illustre deputado queria o conselho d'estado representando sempre e a todo o momento as aspirações da opinião publica, realmente não sei como s. exa. quer que elle tenha tal duração, como considera o periodo de oito annos como uma epocha de renovação desse corpo, quando elle numa certa e determinada occasião póde estar em verdadeira antinomia com as aspirações da opinião publica que se manifestam ás vezes em periodos mais pequenos.
Os artigos 6.° e 9.° dizem o seguinte:
(Leu.)
S. exa. referiu-se á forma da revisão da constituição. Quer que effectivamente a necessidade dessa reforma seja feita por uma lei ordinaria. Mas uma vez decretada essa lei reúne-se o congresso, que é perfeitamente soberano e omnipotente nas suas deliberações, não tem que apresentar os seus trabalhos á sancção real, nem precisa da segunda camara para deliberar sobre o mesmo assumpto. O que elle decidir está decidido.
Fui tambem ver a constituição de 1838 e não encontrei lá esse principio.
Fui ver a constituição belga, e encontrei lá que, tanto para votar a necessidade da reforma, como para a lei dessa mesma reforma, é preciso que as duas camaras funccionem.
Fui ver a constituição hollandeza, e, segundo essa constituição, é preciso que as duas camaras funccionem e que haja a sancção do Rei. Lá diz expressamente - o rei, mas o illustre deputado diz - o chefe do estado.
Talvez seja mais perfeita a redacção, e póde servir para todas as hypotheses. (Riso.)
As constituições belga e hollandeza dizem sancção real.
Eu disse que o illustre deputado era mais philosopho do que eu. S. exa. fallou philosophicamente no chefe do estado, porque abrange todas as circumstancias.
Podia effectivamente esta necessidade das duas camarás funccionarem não estar nas differentes constituições. Mas estaria no bom senso, estaria em conformidade com os interesses do paiz, e, emfim, com os princípios dos mais avançados publicistas. Pois se s. exa. entende que é preciso uma camara que sirva de elemento ponderador, como é que o illustre deputado, que exactamente exige esta ponderação para as leis ordinarias, a suspende quando trata das leis constitucionaes?! (Apoiados.)
S. exa. quer uma camara omnipotente, que não tenha limites, nem sancção real! Mas quando chegaria o limite da intervenção desta cura ara, que não carecia sequer da sancção real? S. exa., que é um homem, essencialmente pratico, deve pensar no perigo de uma assembléa assim. Mas, por outro lado, s. exa. insistindo nesta parte, imagina que a necessidade da reforma devia ser decretada por uma lei em que interviessem as duas camaras, mas que uma só camara devia depois decretar e fazer a reforma.
Comprehende s. exa. que a necessidade da reforma ha ser decretada pelas duas camaras, mas ha de ser só o congresso que a ha de fazer! E s. exa. acredita, que é pratico fazer com que uma segunda camara abdique diante da necessidade da reforma, renegando a sua intervenção e declarando se incapaz de intervir? Confesso que não julgo facil.
E, sr. presidente, quando fallo das difficuldades praticas que hão de advir, não digo isto só relativamente a uma camara que seja vitalícia e onde haja elementos de direito próprio ou hereditários; refiro-me mesmo ás camaras populares.
O illustre deputado sabe que Gambetta, de quem ha pouco fallei, caio, não diante do senado, mas da camara popular Por mais que declarou, que a questão de escrutinio de lista não significava que a camara tinha de ser immediatamente dissolvida, não póde fazer vingar as suas idéas!
Estou costumado muitas vezes a ouvir o illustre deputado e a conformar-me com o seu conselho pratico, mas desta vez peço perdão para dizer, que o encontro principalmente theorico, quando nos pede que condemnemos esta proposta.
S. exa. não pensou nas difficuldades do governo, nem na acção dos differentes elementos que é preciso conciliar para que se possa fazer vingar uma reforma constitucional.
Todos nós podemos querer mais, mas não podiamos fazer o que o illustre deputado deseja.
Peço desculpa á camara por ter tomado por tanto tempo a sua attenção. Sinto-me deveras fatigado e mal podia proseguir, apesar de haver muitas outras cousas, a que tinha vontade de responder, no discurso do illustre deputado.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso.)
O sr. Consiglieri Pedroso (sobre a ordem): - Leu a sua moção e passou a fazer algumas considerações em sua sustentação.
Pela sua proposta a camara via que considerava a reforma constitucional apresentada pelo governo, como insufficiente e anomala, e que a unica solução que se podia apresentar á solução embaraçosa em que a camara se encontrava, era a que se continha na sua moção.
Poderia ella parecer revolucionaria ou anti-constitucional, mas na sua opinião era o protesto digno que a camara devia deixar lavrado perante o acto a que o governo a queria submetter.
A reforma proposta era illegal perante a doutrina da mesma carta, absurda perante o proprio bom senso, e não tinha valor nem significação.
Mas quem era que amparava a reforma da carta como ella se propunha?
O partido republicano não, que não podia dispensar a sua benevolencia á reforma porque a julgava insufficiente; a opposição progressista tambem não, porque já o declarara pela boca do seu chefe; a maioria tambem não porque os srs. Silveira da Motta, Julio de Vilhena, Marçal Pacheco e Luiz de Lencastre todos eram contra uma parte do projecto.
Depois de outras considerações, pediu para continuar o seu discurso na sessão de amanha.
(O discurso do sr. deputado será publicado na integra quando o restituir.)

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SESSÃO DE 14 DE ABRIL DE 1885 1201

O sr. Presidente: - O sr. deputado Ennes pediu, pelo ministerio da marinha, uns documentos que foram enviados para a mesa e o sr. deputado requer, que esses documentos sejam publicados no Diario do governo. Vou consultar a camara.
Assim se resolveu.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro da Guerra (Fontes Pereira de Mello): - Mando para a mesa uma proposta para que um sr. deputado possa accumular, querendo, as suas funcções de deputado com as do emprego que exerce.
É a seguinte:

Proposta

Senhores. - Em cumprimento do disposto no artigo 1.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede á camara dos senhores deputados permissão para que o sr. deputado Carlos Roma du Bocage, accumule, querendo, o exercicio das funcções legislativas com o das commissões pelo ministerio da guerra, e nesta capital.
Secretaria d'estado dos negocios da guerra, 13 de abril de. 1885. = A M. de Fontes Pereira de Mello.
Foi approvada.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanha é a continuação da que estava dada, e continuo a pedir e a instar com os srs. deputados, para que compareçam ás duas horas, a fim de que eu possa conceder-lhes a palavra antes da ordem do dia, que ha de começar necessariamente ás três horas.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.

Requerimentos mandados publicar n'este Diario

Senhores deputados da nação portugueza. - O presbytero Bernardo Alves Valente, actualmente coadjutor na freguezia de Villa Franca de Xira, tem por varias vezes requerido beneficios ecclesiasticos, compensadores dos seus serviços prestados na província de Moçambique durante treze annos approximadamente, não só como parocho na freguezia de S. João Baptista da villa do Ibo e da sé matriz de Moçambique; mas tambem como professor de instrucção primaria durante oito annos e sete mezes na villa do Ibo e mais de dois annos no collegio seminario de Moçambique (documentos existentes na secretaria da justiça).
Mas por tudo isto unicamente se lhe tem concedido o subsidio annual de 106:666 réis.
Tanta justiça assiste ás pretensões do supplicante, que as duas casas do parlamento já por duas vezes recommendaram ao governo, que attendesse essas petições.
Succede porém que tudo tem sido inefficaz, visto que nem o logar de capellão da penitenciaria de Lisboa, que elle requereu, lho Li dado, e no entretanto diga-se de passagem que o governo, empregando o supplicante, desonerava o thesouro, porque cessaria o subsidio que lhe confere.
Sendo certo que e independente da vontade do supplicante que esto não é empregado e que se deixou de ter na devida conta o disposto no artigo 10.° do decreto de 2 de janeiro de 1862 e mais legislação respectiva do ultramar, que estabelece as preferencias a que o mesmo tem jus, vem rogar agora que, emquanto não determinarem empregal-o, lhe elevem o subsidio a dois terços de 350$000 réis (congrua estabelecida pelos decretos de 3 e 6 de dezembro de 1884), visto que attendendo aos serviços prestados por elle como parocho e professor, excedem a vinte e dois annos, e attendendo tambem a que por impossibilidade physica é que elle deixou de voltar para a Africa, se deve considerar na inactividade: e portanto contar-se-lhe os oito annos decorridos desde que veiu d'Africa.
Por isto espera o supplicante que a illustrada camara empregue os precisos esforços para que se defira ao pedido. - E. R. Mcê.
Villa Franca de Xira, 22 de março du 1885. = Bernardo Alves

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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