SESSÃO DE 8 DE ABRIL DE 1886 855
A relação entre a somma dos documentos de cobrança vencidos que não têem sido relaxados e a totalidade das contribuições vencidas é 0,312, o complemento de 0,68 para a unidade.
É triste a inspecção d'este quadro!
Pois que?!.. . Estão por cobrar em quantia importante umas certas contribuições directas; e d'estas contribuições 0,312 não estão relaxadas?!...
Então como é que têem sido cumpridas as leis d'este paiz ?!.
Porque é que não foram relaxadas estas contribuições?!...
Só podem responder-me documentos que não tenho duvida em reclamar, se o sr. ministro da fazenda se prestar a enviar-mos. A explicação deste extraordinqario facto ha de estar na relação nominal dos contribuintes em divida.
É indispensavel esta relação, porque diante da posição social e politica de cada um d'esses contribuintes e diante das quantias por elles devidas é que poderemos apreciar os vicios dos systemas adoptados para a cobrança das differentes contribuições.
Não pareça extravagante esta exigencia.
Pois v. exa. não tem visto quantas reclamações de contribuintes têem vindo a esta camara a pedir vantagens?
Não vem elles mesmos pôr-se em discussão por esta forma?
Pois esta camara hesitou, na ultima sessão legislativa, em discutir uma proposta de lei, de iniciativa ministerial, para ser auctorisada a junta do credito publico a adiantar ao juro de 5 por cento uma certa quantia para pagamento de dividas da casa real?
N'esta ultima discussão o sympathico actual ministro da justiça até combateu com rasões de natureza juridica esta proposta de lei; e, honra seja para este paiz, o sr. deputado Francisco Beirão não foi prejudicado na sua carreira politica por este acto notavel de hombridade, pois está hoje nos conselhos da coroa. É bom que d'este facto tomemos nota todos.
Se nós podemos discutir as dividas da casa real, como discutimos, não podemos discutir as dividas de qualquer contribuinte á fazenda nacional?
Estas dividas não são actos da vida particular; são actos da vida publica; sSo das relações entre os contribuintes e a fazenda nacional; e portanto é-nos licito discutil-os.
Mas eu, que quero ser pratico, reconheço que isto podia ir melindrar alguns caracteres; calculo mesmo que essa relação publicada seria um pessimo exemplo para o contribuinte pobre, que paga honradamente os impostos que lhe são distribuidos.
Mas tudo se póde remediar, vindo uma relação manuscripta e não impressa. Examinal-a-hemos nós em sessão secreta; e bem creio que nenhum de nós irá denunciar lá fora o que tiver aqui observado.
É absolutamente indispensavel que se saiba quem é que deve e sobretudo porque é que não tem sido relaxado.
Disse eu, no primeiro dia em que tratei d'esta questão, que me dissera um cavalheiro d'esta cidade, para mim de todo o credito, que num dos bairros, n'aquelle em que actualmente estou residindo, homens poderosos e ricos nunca pagaram contribuição alguma.
Aqui tem o sr. ministro da fazenda a terceira pergunta que lhe dirijo. Sabe s. exa. se tem havido em Lisboa homens ricos e poderosos que não têem pago as suas contribuições e não têem sido relaxados?
Invoco o meu direito de deputado e todo o passado do sr. Marianno de Carvalho, que aqui pugnava sempre pelo fiel cumprimento da lei, para que s. exa., em breves dias, trate de averiguar se isto é verdade e qual o motivo porque não tem sido feito este relaxamento; para que não deixe encerrar esta sessão sem que se saiba o motivo porque os empregados fiscaes da cidade de Lisboa não têem estendido o seu braço executivo sobre os poderosos com residencia em Lisboa; quando são tão promptos em perseguir os miseraveis e desvalidos; quando correm como abutres sobre uma viuva e orphãos, que tenham soffrido a desgraça de perder o seu chefe.
Vou lembrar mais uma vez um tristissimo caso que em Portugal succedeu, não ha muitos annos, caso a que já n'esta casa alludi em outra occasião.
A um lente muito distincto da universidade, que era tambem um escriptor de alto merecimento, foi conferida uma graça honorifica.
O illustre e desditoso agraciado não pagou os direitos de mercê, porque os seus rendimentos nem chegavam para o sustento da familia, nem sequer para alivial-o na doença que lhe minava a existencia. Emquanto elle foi vivo, ninguem o incommodou com os direitos de mercê; morreu... o resto sabe-o quem tenha lido o prefacio escripto pelo sr. Thomás Ribeiro numa das ultimas edições do Mario do dr. Silva Gayo... os executores fiscaes não poderam devorar o cadaver... precipitaram-se sobre o mesmo leito em que a victima da innocente munificencia regia tinha expirado!
Mas... deixemos estas recordações pungentes e prosigamos na questão.
É indispensavel que se saiba porque não foi e como deixou de ser executada a lei em relação a estes 2.78l:000$000 réis approximadamente.
Vejo tanta consideração para os contribuintes poderosos e tanto rigor para os contribuintes pobres e para os ausentes... porque note v. exa. que os contribuintes ausentes tambem são d'aquelles que os empregados de fazenda têem mais presentes para vexar.
Ha poucos dias, quando ultimamente cheguei á estação de Santa Apollonia, tive occasião de presencear um facto, praticado por um guarda da fiscalisação externa, muito curioso, para o qual chamo a attenção do sr. ministro da fazenda.
Chegava nessa occasião a Lisboa uma familia; e o guarda tratou de examinar, como era do seu dever, com todo o cuidado, as malas e bagagens.
Calcula v. exa. qual terá sido a mala que lhe mereceu attenção e cuidado em especial? Foi uma pequena mala onde vinha apenas roupa de creanças, e que elle teve o cuidado de examinar peça por peça, para ver se ali poderia encontrar algum contrabando!
Vejam que escrupulo este!
Continuo a examinar a questão.
Ora na mesma pagina CCXX da Conta geral da administração financeira do estado na metrópole - encontra-se um fortíssimo argumento contra este projecto, e sabe v. exa. qual é?
Da importância de 8.887:133$571 réis liquidada até 30 de junho de 1880 suppõe-se incobravel uma somma não inferior a 5.028:064$187 réis, quer dizer: d'esta contribuição em divida, mais de metade suppõe-se incobravel; a relação da parte incobravel para a totalidade das dividas é de 0m,565!!
Mas ponhâmos de parte estas considerações e discutamos este parecer sem que nos deixemos prender pelos principios da sciencia; e, a este respeito, ha de permittir-me a camara que lhe observe uma circumstancia de manifesta significação.
O sr. ministro da fazenda apresentou duas propostas distinctas: uma applicando ao pagamento dos emolumentos e sêllo, devidos por mercês lucrativas, as disposições do artigo 1.° da carta de lei de 20 de março de 1875; e a outra com certas vantagens para os contribuintes em divida.
A commissão reuniu-as num projecto só; que rasão teve para isso?
Pois declaro a v. exa., com franqueza, que, se a primeira d'estas propostas, a dos emolumentos e sêllo devidos por mercês lucrativas não tivesse sido confundida com a primeira, eu não a teria impugnado.