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Discurso que devia ler-se a pag. 259, col. 2.ª, lin. 58 da sessão nº 18 d’este vol.

O sr. Barros e Sá: — Sr. presidente, é difficil, senão impossivel, que qualquer orador possa succeder ao sr. ministro da fazenda no uso da palavra, e conservar a placidez de espirito e o sangue frio que convem nos debates do parlamento. S. ex.* deixa sempre o campo da discussão tão irritado e os espiritos tão agitados que são precisos grandes esforços para reprimir dentro do-peito os sentimentos da justa defeza, e para não recorrer ás represalias. Eu farei, sr. presidente, quanto em mim couber para não abusar do meu direito parlamentar, porque não quero concorrer em cousa alguma para o descredito do parlamento.

Vou entrar na materia. A questão que nos occupa foi trazida a esta camara pelo sr. deputado e meu amigo o sr. Fontes, que propoz fosse convidado o governo a modificar os meios que empregou para que o conselho d'estado funccionasse regularmente nas secções administrativa e do contencioso administrativo. O sr. ministro da fazenda quando viu e leu a proposta ficou estupefacto, tanto mais, disse elle, vendo que o nome respeitavel e auctorisado do sr. Fontes a subscrevia. A proposta era, na opinião do sr. ministro, tão fóra dos principios constitucionaes, tão alheia das regras parlamentares, que só acreditava o que ouvia ella, porque não podia duvidar da auctoridade dos seus sentidos. E, pelo outro lado, dizia s. ex.ª, que a questão do conselho d'estado era tão clara e evidente, que parecia impossivel que a opposição quizesse lançar mão de uma arma tão fraca para hostilisar o ministerio. Isto foi dito pelo sr. ministro antes de hontem; e que diz hoje s. ex.ª? Hoje diz, que a questão é da maior importancia, digna da mais attenta observação, meditação e estudo, que a camara não póde discutir sem o parecer de uma commissão especial, que é preciso muito estudo e meditação, porque se trata de materia que affecta as regalias constitucionaes do poder executivo, a respeito do que não póde haver resolução sem estudo. D'este modo aquillo que ha dois dias era facilimo, hoje é defficilimo, o que então era claro, hoje é escuro, aquillo para que bastava minima attenção, hoje precisa-se grande meditação!!! (Apoiados.) E attenda v. ex.ª, que o sr. ministro ao mesmo tempo declara que para elle a questão é corrente, que esta habilitado para todos os debates. Assim, s. ex.ª, com aquella modestia que todos nós lhe conhecemos, não deixando jámais o seu credito em mãos alheias, e apresentando se como omnisciente, pede alguns dias de descanço para os nossos collegas da maioria, a fim de poderem estudar o ponto e fazer o seu exame mais seguramente. É digno de comparar-se o juizo que o sr. ministro faz de si proprio, com aquelle que fórma dos deputados que o apoiam e defendem. (Apoiados na esquerda e rumor no centro da assembléa.)

Qual é questão que nos occupa? É saber se o conselho distado funcciona regularmente, e de modo tal que offereça garantias aos interesses e direitos tanto dos particulares como da nação. Se unicamente se tratasse de uma apreciação sobre um acto governativo já terminado e consummado, de uma illegalidade commettida e irremediavel, eu concordaria no adiamento da questão, N'este caso o mal estava feito, e a nós cumpria nos examinar e apreciar a natureza e os effeitos de infracção. Mas o caso não é este; eu e alguns collegas nossos, e fóra d'esta casa muita gente pensa que o conselho d'estado funcciona illegalmente, que a constituição está violada, ou pelo menos sophismada, que as decisões tomadas em conselho d'estado estão affectadas do vicio de nullidade; n'esta persuasão, pois, cumpre-nos evitar que similhantes transtornos na administração da justiça continuem; cumpre nos tomar immediato conhecimento do caso, não tanto para punir como para prevenir; e assim não podemos concordar no adiamento, porque viriamos a auctorisar indirectamente a continuação dos erros e irregularidades que reprovamos e censurámos. É de admirar que o sr. ministro viesse pedir o adiamento de uma questão sobre a qual ninguem interessa tanto como s. ex.ª que 11 aja prompta resolução!! (Apoiados.) Acontece mais, que tratando-se na outra casa do mesmo facto, da mesma questão, ahi não tem opposto s. ex.ª a mesma excepção declinatoria; qual pois a rasão da differença? S. ex.ª tem aqui fallado largamente na questão, e quando os oradores da opposição lhe querem responder, levanta-se elle proprio, e com elle o sr. João de Mello a prepararem o adiamento!! Isto e incrivel... Será uma estrategia da natureza daquellas de que s. ex.' tem usado para se constituir a si proprio membro da secção do contencioso no conselho d'estado...; mas nós não devemos nem podemos consentir tal procedimento.

Sr. presidente, v. ex.ª que consentiu que o sr. ministro n'uma questão de ordem entrasse na materia, e que appellidasse graciosamente de erroneas em direito administrativo as idéas apresentadas por este lado da camara, deve consentir que eu as defenda, e mostre que erroneas são as idéas apresentadas pelo sr. Avila, e não só erroneas mas repugnantes com a letra da lei, e com os mais triviaes principios do direito constitucional. (Apoiados.)

Sr. presidente, a camara dos dignos pares resolveu, por meio de não interpretação doutrinal, que os membros daquella camara, que eram conselheiros d'estado, precisavam de licença da mesma camara para podérem legalmente funccionar no conselho d'estado. O governo entendeu de outro modo, considerando não só que a carta e acto addicional não comportavam aquella interpretação, mas que a resolução da camara era attentatoria dos direitos do poder executivo, e exorbitante dos poderes que a carta lhe concede como corpo co-legislador. Que fez pois o governo, e o que devia fazer? Se os conselheiros d'estado não precisam de licença das respectivas camaras para funccionarem, estes têem obrigação legal de servirem naquelle tribunal; segue-se que a falta da respectiva licença não é motivo justificativo da recusa, não é causa legitima de impedimento; n'este caso o governo, a quem compele observar e fazer observar as leis, devia coagir os conselheiros d'estado a funccionarem; coagi-los por todos os meios por que coagiria os desembargadores da relação de Lisboa, se estes se recusassem por qualquer pretexto a irem á relação; cassar-lhe os vencimentos, e mandar accusados perante os tribunaes competentes.

Isto é que devia fazer o governo em rasão dos seus principios. Os conselheiros d'estado recusam-se a funccionar, o motivo da recusa consiste na falta de consentimento, da camara. Ora este motivo é causa legitima ou não é: se é causa justificativa da recusa segue-se que o governo só por mero capricho tem sustentado uma questão que o collocou em conflicto com a camara dos pares; mas se a causa não é legitima n'este caso os conselheiros d'estado desobedecem ás leis, fallam aos seus deveres, abandonam o cargo e as funcções de seu officio, e é necessario puni-los como taes criminosos. Isto é claro, clarissimo; o dilemma não tem saída para o sr. ministro, que parece preparar-se para a resposta, a qual cuido e espero não será muito satisfatoria. (Apoiados.) Mas o que torna para mim mais lamentavel a posição do sr. Avila é, que sendo elle ministro e conselheiro d'estado e ao mesmo tempo deputado, não se considera exonerado do serviço do conselho d'estado, reputa-se obrigado áquelle serviço, e sem causa legitima de impedimento; mas então como ao mesmo tempo considera legitimo o impedimento dos pares para poder chamar ao serviço os conselheiros extraordinarios, os quaes só podem ser chamados no caso de impedimento legitimo dos vitalicios!? (Apoiados.) A lei diz que os conselheiros extraordinarios só podem ser chamados no caso de legitimo impedimento dos ordinarios; mas o governo não considera legitimo-o impedimento dos pares do reino que se recusam ao serviço, como podia pois reputar-se auctorisado

Vol. IV. — Março—1858.