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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso que devia ser transcripto a pag. 837, col. 2.ª, lin. 53.ª do Diario de Lisboa, na sessão de 28 de março

O sr. Pereira Garcez: — Sr. presidente, sinto muito ter de fallar na ausencia do sr. ministro da marinha, mas leva-me a isso o cumprimento de deveres impreteriveis. Talvez que não consiga resultado algum, mas satisfaço a minha consciencia, e dou um testemunho publico aos meus constituintes de que me não descuido dos seus interesses.

Em 18 de fevereiro pedi a v. ex.ª, sr. presidente, que me reservasse a palavra para quando estivesse presente o nobre ministro da marinha; esperei pelo espaço de trinta dias, e em 18 do corrente renovei o meu pedido, indicando desde logo, como já o havia feito, os assumptos sobre que tinha de chamar a attenção de s. ex.ª; e declarando tambem desde logo que, se me não fosse possivel ter a fortuna de fallar na presença do nobre ministro, com a brevidade que desejava, ver-me-ía obrigado a faze-lo na sua ausencia.

Eu não censuro o nobre ministro; s. ex.ª terá por certo graves motivos que o obriguem a estar longe d'esta casa, n'este pouco tempo que as prescripções regimentaes concedem aos deputados para se entreterem com o governo sobre negocios relativos ás localidades que representam; mas o que é certo é que estamos já nos fins de março (apoiados), isto é, na epocha em que pela lei fundamental do estado deve findar a sessão, e eu não posso estar por mais tempo calado, em presença de grandes e urgentes necessidades publicas da minha provincia, que deveriam ser resolvidas de prompto, e cuja resolução se vae adiando indefinidamente.

Depois de sete annos de ausencia, sr. presidente, coube-me a honra de voltar a esta casa. Agora, como então, hoje como hontem, e cada vez mais, porque quanto mais avanço na carreira da vida, melhor conheço a minha incapacidade para as lides parlamentares, é com uma certa timidez que me resolvo a occupar a tribuna.

Tendo na devida conta, sr. presidente, a immensa importancia do mandato popular, acatando devidamente a magestade d'este recinto, consagrado ao dever, á honra e ao patriotismo, e vendo-me reunido a tantos caracteres distinctos, filhos illustres da patria que os honrou, confiando-lhes a guarda dos direitos mais sagrados dos cidadãos, a cadeira em que me sento, este logar em que me acho, só póde inspirar-me, sr. presidente, sentimentos nobres, dignos e elevados (Vozes: — Muito bem.); e todavia, posto achar-me em tão respeitavel companhia, e comquanto muito aprecie a honrosa missão de representante do povo, e seja para mim não menos apreciavel o facto de representar a India portugueza, a minha querida e saudosa India, que de tão longe se lembrou de mim (Vozes: — Muito bem.), terra de heroicas recordações, que ainda hoje fazem a gloria e o orgulho da nação (muitos apoiados); declaro, sr. presidente, declaro, com a mão na consciencia, que não ambicionava esta honra.

Provirá isso da debilidade dos meus recursos para sopesar a grandeza do encargo, ou d'essa descrença, d'esse indifferentismo politico, symptoma aterrador para a liberdade que lavra no paiz (muitos apoiados), e que penetrando no meu espirito produziu em mim uma especie de entorpecimento moral?

Vozes: — Muito bem.

Não sei; mas parece-me que ambas estas cousas, actuando simultaneamente no meu animo, me roubaram a energia, a actividade, as forças, e sobretudo o enthusiasmo tão necessario para a dedicação voluntaria ás lutas da tribuna.

Vozes: — Muito bem.

Tendo porém a honra de achar-me n'esta casa, e possuindo o conhecimento intimo dos deveres inherentes ao diploma que me conferiram os suffragios dos meus compatriotas, sem que eu directa ou indirectamente os solicitasse, serei de ora avante, por motivos ainda mais fortes, o mesmo que fui no começo da minha carreira parlamentar, esforçando-me por apreciar á fraca luz das minhas curtas faculdades intellectuaes as graves questões que se agitam no parlamento, e votando segundo os dictames da minha consciencia, desprendido, completamente desprendido, de paixões partidarias (Vozes: — Muito bem.), sempre com os olhos fitos no interesse da causa publica.

Quando v. ex.ª, sr. presidente, d'essa alta posição, a que o seu merito, os seus serviços, e o seu pobre caracter o elevaram, e que tão dignamente, occupa, com applauso geral da camara; quando v. ex.ª d'essa cadeira, aonde o vejo com prazer, annunciou estar em discussão a resposta ao discurso da corôa, eu tencionava pedir a palavra, não para fallar do que se diz no mesmo discurso, mas com o fim de apresentar algumas considerações sobre o que n'elle se não disse.

Seria, sr. presidente, para pedir noticias das provincias ultramarinas, que d'esta vez foram completamente esquecidas (Vozes: — É verdade, muito bem.); quando havia rasões de sobra, creio eu, para serem especialmente lembradas, porque é n'ellas, sr. presidente, que está o futuro engrandecimento da patria (muitos apoiados); porque são ellas, porque são essas provincias que ainda nos podem dar direito incontestavel a figurarmos dignamente nos conselhos da Europa.

Vozes: — Muito bem.

Portugal, sr. presidente, tem estreitissimos limites no continente europeu, mas Portugal não se comprehende na estreita area que occupa n'este reino; tem mais largos horisontes, vae alem, vae muito alem, chega aos confins da Asia e á Oceania, abrangendo n'este immenso espaço vastissimas regiões africanas (apoiados); são pois ellas, são as provincias ultramarinas, que constituem indubitavelmente a grandeza da nação (apoiados). Tinham portanto direito a ouvir uma palavra sequer de esperança e conforto no acto solemne da abertura das camaras (apoiados).

Pois que!... Não haveria nada a dizer sobre esse terrivel acontecimento, que por tanto tempo affligiu a provincia de Cabo Verde! (Apoiados.) Nada sobre a applicação que tiveram os fundos votados pelo parlamento e colhidos da beneficencia particular, para acudir a tão grande calamidade?! (Muitos apoiados.) Nada sobre as providencias que teria por certo adoptado o illustre cavalheiro que n'esse tempo geriu a pasta da marinha, para pelo menos attenuar a violencia da crise que se apresentava temerosa e inevitavel?! Nada sobre o numero das victimas que causou o flagello da fome?! Nada sobre as providencias que o nobre ministro teria adoptado para evitar a repetição?!...

Não haveria nada a dizer, sr. presidente, de Timor?!... (Apoiados.) De Timor, que depois de um governador, nomeado pela administração transacta, que mandou fuzilar cidadãos portuguezes por simples officios da sua secretaria, e depois de uma sublevação militar que sellou as victorias da força bruta sobre o imperio da lei com o sangue, de um martyr (Vozes: — Muito bem.), de um joven militar, de um patricio meu, moço cheio de brio e coragem, que succumbiu ás mãos de assassinos, crivado de balas dentro da sua propria casa (apoiados), foi elevado á categoria de governo independente, e onde, depois d'isso, o governador escolhido entre os melhores, como era necessario que o fosse para organisar a nova administração (apoiados), chegou, e apenas chegou, contrahiu um avultado emprestimo por seu proprio arbitrio (apoiados), dando isso origem á immediata demissão do respectivo secretario, ao passo que o governador continuou na posse do governo, caso virgem na historia dos povos ainda os menos civilisados!! (Apoiados.) De Timor, sr. presidente, onde esse novo governador, escolhido entre os melhores, como era indispensavel que o fosse em taes circumstancias, chegou, e apenas chegou acercou-se dos cabeças d'essa insurreição militar, que premiou, engrandeceu e exaltou!! De Timor, finalmente, onde uma nova sublevação militar veiu mostrar mais uma vez os fructos da impunidade e do galardão concedido ao crime! (Apoiados.)

Teria perguntado mais, sr. presidente, porquê triste fatalidade, emquanto as colonias das outras nações prosperam a olhos vistos, crescem e augmentam todos os dias em riqueza, em esplendor, em prosperidade, as nossas ou se conservam estacionarias, ou vão caindo em marasmo, com raras excepções, entre as quaes muito me ufano de contemplar o meu paiz (apoiados), que deve o seu estado excepcional á civilisação dos seus habitantes, e á iniciativa de alguns dos seus governadores?

Provirá isso, sr. presidente, de que os inglezes, os francezes, os hollandezes e os hespanhoes sabem aproveitar os grandes recursos das suas colonias, estudando as necessidades locaes, e providenciando convenientemente, ao passo que nós nos limitamos a mandar para o ultramar extensos decretos e extensas portarias, com trezentos artigos cada um, que na maior parte ou não servem para nada, ou são completamente inexequiveis?

Eram estas as perguntas que eu teria feito por essa occasião, e muitas outras, se a resposta ao discurso da corôa fosse discutida; mas, vendo desde logo as tendencias geraes da camara para considerar a resposta como um acto de cortezia, como uma homenagem de respeito ao augusto chefe do estado, não quiz interromper essa harmonia de vontades, a que eu muito folguei de poder associar q meu humilde nome.

Não tratarei hoje d'estas questões; fiquem ellas reservadas para os illustres deputados das localidades muito mais competentes do que eu, para as tratarem com a largueza a que ellas se prestam e com que devem ser discutidas.

Pela minha parte, pedindo desculpa á camara por esta curta digressão, vou occupar-me dos assumptos para que pedi a palavra, um dos quaes (e de que fallarei em primeiro logar) prende mui directamente com graves interesses, da nação.

É a questão do padroado da corôa portugueza na India.

Toda a camara conhece, sr. presidente, a immensa importancia d'este gravissimo assumpto, que por vezes tem occupado a attenção do parlamento.

Toda a camara conhece a longa existencia d'essa luta tenaz, travada entre os missionarios da propaganda fide, e a igreja lusitania do Oriente (apoiados); toda a camara conhece os terriveis effeitos d'essa luta cruel, em que, ministros da mesma religião, da nossa santa religião, enfileirados em dois campos, se batiam porfiosos na presença de innumeraveis multidões de idolatras e mahometanos (apoiados); toda a camara conhece as difficuldades immensas, sur-