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DIARIO
DA
CAMARA DOS DEPUTADOS.
3.ª SESSÃO ORDINARIA
DA
3.ª LEGISLATURA
Depois da Restauração da Carta C0nstituncional.
PUBLICADO PELA EMPREZA DOS EMPREGADOS DA SECRETARIA DA MESMA CAMARA.
VOL. 4.° = ABRIL = 1850.
LISBOA
Da Imprensa Nacional.
1850.
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DIARIO
DA
CAMARA DOS DEPUTADOS.
3.ª SESSÃO ORDINARIA
DA
3.ª LEGISLATURA
Depois da Restauração da Carta C0nstituncional.
PUBLICADO PELA EMPREZA DOS EMPREGADOS DA SECRETARIA DA MESMA CAMARA.
VOL. 4.° = ABRIL = 1850.
LISBOA
Da Imprensa Nacional.
1850.
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DIARIO
da
Camara dos Deputados
N.º 1. Sessão em 1 de Abril 1850.
Presidencia do Sr. Rebello Cabral.
Chamada - Presentes 48 Srs. Deputados.
Abertura - Ao meio dia.
Acta - Approvada sem discussão.
CORRESPONDENCIA.
OFFICIOS. - 1.° Do Ministerio do Reino acompanhando o seguinte
DECRETO. - Usando da faculdade que Me concede o art. 74.° § 4.° da Carta Constitucional, e depois de ouvido o Conselho d'Estado, nos termos do art. 110.° da mesma Carta: Hei por bem prorogar as Côrtes Geraes da Nação Portugueza, até ao dia dois do mez de Junho do corrente anno. O Presidente da Camara dos Srs. Deputados da Nação Portugueza, assim o tenha entendido para os effeitos convenientes. Paço das Necessidades, em trinta de Março de mil oitocentos e cincoenta. = RAINHA. =. Conde de Thomar.
A Camara ficou inteirada.
2.° Do mesmo Ministerio, participando que o Beijamão no proximo dia 4 de Abril, Anniversario Natalicio de Sua Magestade A RAINHA, ha de ter logar no Paço das Necessidades pela uma hora da tarde. - Inteirada.
3.° Do Sr. Deputado Antunes Pinto, participando que tendo sido accommettido de molestia repentina no dia 22 de Março, por isso não tem podido assistir ás Sessões da Camara, e pelo mesmo motivo continuará ainda a faltar a algumas, em quanto durar a sua convalescença. - Inteirada.
4.° Do Sr. Deputado Mello e Alvellos, pedindo licença indeterminada para se ausentar da Capital, a fim ir tractar negocios domesticos.
Consultada a Camara sobre se concedia a licença pedida, verificou-se não haver numero pro ou contra, ficando por isso reservado fazer-se nova votação, quando estivesse presente mais numero de Srs. Deputados.
REPRESENTAÇÕES. - Uma apresentada pelo Sr. Faria Barbosa, em que o Bacharel em Direito, Manoel Bernardo Pinheiro de Lacerda, em nome dos Proprietarios de vinhos do Concelho de Bragança, pede que os ditos Proprietarios não sejam obrigados a pagar um real em cada canada de vinho, que venderem ao almude, ou aquartilhado, cujo pagamento lhes é exigido pelos arrematantes do Real d'Agoa do dito Concelho. - Á Commissão de fazenda.
O Sr. Fonseca Castello Branco: - Participo a V. Exa. que é Sr. Deputado Gorjão Henriques, por continuar incommodado de saude, não póde ainda comparecer a esta Sessão e a mais algumas.
O Sr. Secretario Mexia: - Fui encarregado pelo Sr. D. Prior de Guimarães de participar á Camara que o seu máo estado de saude o impedia de vir á Sessão de hoje e a mais algumas.
O Sr. Crespo: - Não comparece á Sessão de hoje, e a algumas outras, o Sr. Mendes Carvalho por incommodo de saude.
O Sr. Menezes e Vasconcellos: - Dou conhecimento a V. Exa. que o Sr. J. M. Botelho não tem comparecido ás Sessões, e não comparecerá ainda a algumas mais por falta de saude.
O Sr. Mello Castro e Abreu: - Mando para a Mesa uma Representação da Camara Municipal de Penal vá do Castello sobre divisão de territorio; peço a V. Exa. que seja remettida á respectiva Commissão para a tomar na consideração que merecer.
O Sr. J. L. da Luz: - Na Sessão de 5 de Março fiz um Requerimento que foi approvado por esta Camara, afim de que pelo Ministerio do Reino viessem os documentos que nelle mencionava, e que precisam ser examinados na Camara, a respeito da falta de provimento de algumas Cadeiras vagas na Escóla Medico-Cirurgica de Lisboa; desejava agora ser informado, se já vieram esses documentos, que se pediram, e no caso de que não tenham vindo, peço a V. Exa. que tenha a bondade de instar por elles novamente.
O Sr. Presidente: - Ainda não vieram os esclarecimentos a que o Sr. Deputado se referiu; assim tenha a bondade de mandar para a Mesa a nota respectiva para se fazer nova requisição.
O Sr. Palmeirim: - Sr. Presidente, o Governo ha tempo apresentou nesta Camara o Orçamento de todos os Ministerios; e posteriormente foram apresentadas, pelo Ministerio da Marinha, algumas Propostas conjunctamente com o Relatorio, e um novo Orçamento para substituir o que pertencia a esta Repartição, e á respectiva Commissão foi remettida uma copia do novo Orçamento pertencente a este Ministerio; porém como o Relatorio e Propostas con-
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teem cousas, que alteram o Orçamento primitivo, a Commissão não póde progredir os seus trabalhos sem ter presente o Relatorio e Propostas, e assim pedia eu a V. Exa., que tivesse a bondade de fazer activar a impressão destes documentos, afim de serem distribuidos, e os Membros da Commissão poderem mais devidamente fazer os respectivos exames a respeito do Orçamento e mais Propostas. Peço por tanto a V. Exa., que haja de recommendar a urgencia na impressão dos referidos documentos.
O Sr. Presidente: - Devo observar á Camara, que a Mesa tem-se esforçado para que os Relatorios e Propostas do Ministerio, a que se alludiu, e dos mais fossem impressos com a maior urgencia possivel; com tudo não o tem conseguido. A Imprensa Nacional não tem dado, tão promptamente como a Mesa desejava, esses trabalhos por mais recommendações que a Mesa tenha feito, e tanto que a Mesa já disse, que tomaria sobre si mandal-os imprimir em Imprensa particular para conseguir mais promptidão na impressão e distribuição destes trabalhos (apoiados). A Imprensa Nacional só depois de muitas recommendações, e desta declamaçao, é que mandou o Relatorio do Ministerio da Fazenda, sem todavia trazer ainda todos os documentos respectivos, e nada mais veiu por em quanto da Imprensa. A Mesa promette que dará as ordens mais positivas para esses trabalhos virem com brevidade (Apoiados).
O Sr. Barão d'Ourem: - Sr. Presidente, pedi a palavra para mandar para a Mesa um Parecer da Commissão de Guerra sobre objecto particular, e tambem para fazer o Requerimento seguinte (Leu).
Aproveito a occasião de estar presente o Sr. Ministro da Fazenda, para rogar a S. Exa. que tenha em attenção, quanto for possivel, o pagamento dos vencimentos dos Officiaes do Corpo de Veteranos da 1.º Divisão Militar, que se acham em grande atraso (O Sr. Ministro da Fazenda: - Peço a palavra), e que, como S. Exa. sabe, por differentes Leis, e disposições especiaes militares, devendo ser pagos com os Corpos arregimentados, com tudo estão em gravissimo atraso; eu sei as difficuldades financeiras em que o Governo se acha, e sei tambem quanto se esforça para as vencer, e por consequencia limito-me só a recommendar, que se faça quanto se possa, para que o atraso nos pagamentos a estes Officiaes seja menor, pois que elles são dignos de melhor sorte, porque já deram á Patria quanto podiam dar-lhe.
O Sr. Presidente: - O Parecer fica sobre a Mesa para se lhe dar destino na occasião propria; e quanto ao Requerimento ha de dar-se-lhe a primeira leitura, ficando para se resolver na Sessão proxima, visto que sobre elle não foi pedida a urgencia.
Agora quanto ao ultimo objecto a que o nobre Deputado se referiu, permitta-me que lhe diga, que isso era objecto mais proprio de uma Interpellação (Apoiados) da qual, segundo os estilos da Camara, devia haver a competente nota. O Sr. Ministro da Fazenda já pediu a palavra sobre este objecto, e eu não lha posso conceder sem que o negocio tome os seus devidos termos. Por parte da Mesa não posso deixar de fazer esta observação, porque estabelecido o precedente contrario de certo embaraçaria os trabalhos da Camara... (O Sr. Barão d'Ourem: - Peço a palavra). Isto não é dicto como censura ao nobre Deputado, é como simples observação para regularidade dos trabalhos. A disposição regimental a respeito de Interpellações, e segundo os termos no Regimento consignados, foi estabelecida para evitar os inconvenientes que se davam todos os dias, e em occasiões diversas quando se tractava destes negocios. Para que taes inconvenientes não possam reviver, é que a Mesa fez a devida advertencia (Apoiados). Por consequencia se o nobre Deputado quer dar seguimento a este objecto nos termos do Regimento, mande para a Mesa a competente nota de Interpellação.
O Sr. Barão d'Ourem: - Se eu tivera tenção de dar á recommendação que fiz o caracter de Interpellação, de certo teria seguido os termos do Regimento, mas como não era essa a minha intenção, por isso me limitei a pedir ao Sr. Ministro da Fazenda, que attendesse, quanto possivel, ao atraso dos pagamentos aos Officiaes, que referi, porque reconheço as difficuldades e apuro financeiro para sair dos quaes S. Exa. muito tem trabalhado.
O Sr. Presidente: - Este negocio está findo.
O Sr. Agostinho Albano: - Mando para a Mesa uma Representação da Camara Municipal de Villa Real, em que pede providencias para que se obste á total ruina do commercio dos vinhos do Douro, objecto este de grande importancia, e a respeito do qual esta Camara não deve fechar-se, som attender a elle convenientemente; pois que é o principal e mais valioso ramo da nossa exportação (Apoiados); e aproveito a occasião para pedir á Commissão Especial dos Vinhos que preste a mais activa attenção a este negocio.
O Sr. Presidente: - Acham-se presentes alguns Membros da Commissão, e elles tomarão na devida conta o pedido do nobre Deputado.
O Sr. Cabral Mesquita: - Eu pedi a palavra para chamar a attenção da Commissão Ecclesiastica, a fim de que ella, com a brevidade possivel, apresente o resultado de seus trabalhos sobre o Projecto de Lei dos Congruas Parochiaes, que lhe está sujeito. Quando se tractou na Camara deste objecto, votei contra o que foi apresentado pela Commissão, porque entendi, como ainda hoje entendo, que aquelle Projecto era muito deficiente, e não satisfaria de forma alguma ao fim que se tinha em vista; porém considero este objecto da maior importancia para o Estado, e entendo que a Legislação vigente é pessima; e por isso não posso deixar de pedir á Commissão que apresente quanto antes os seus trabalhos, tendo em vista as Emendas, Additamentos e Substituições que foram apresentadas por differentes Srs. Deputados e remettidas á Commissão para as examinar. Eu entendo que este é um objecto, a respeito do qual esta Camara não deve fechar a sua Sessão deste anno sem o ter resolvido definitivamente (Apoiados).
O Sr. Presidente: - A Commissão em grande parte está presente, e ella terá em conta a recommendação do nobre Deputado.
SEGUNDAS LEITURAS.
REQUERIMENTO. - Requeiro se peça ao Governo um mappa, por onde conste o numero das Religiosas prestacionadas em cada um dos Conventos do Reino, e as prestações que effectivamente lhes teem sido satisfeitas desde o principio do actual anno eco-
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nomico, com declaração do mez e anno a que pertencem. - Ferreira Pontes.
Foi admittido e approvado sem discussão.
REQUERIMENTO. - Requeieo se peça ao Governo uma copia ou extracto das Representações, que lhe tiverem sido feitas, pedindo a reunião das Congruas Parochiaes. - Ferreira Pontes.
Foi admittido e approvado sem discussão.
O Sr. Presidente: - Vai lêr-se pela segunda vez o Officio do Sr. Deputado Mello e Alvellos em que pede uma licença illimitada, e tambem pela segunda vez sujeitar-se á votação.
Sujeitando-se duas vezes consecutivas á votação, se se concedia a licença pedida, verificou-se que ambas não houve numero pro ou contra, que constituisse votação legal.
O Sr. Presidente: - Depois de se ter submettido por tres vezes á deliberação da Camara o pedido da licença, e não tendo havido votação pro ou contra, entende-se não concedida a licença (Apoiados).
ORDEM DO DIA.
Continuação da discussão do Projecto n.ºs 11, para o Governo ser auctorisado a mandar proceder ao lançamento e cobrança da decima.
O Sr. Presidente: - Na ultima Sessão foi approvado o art. 1.º deste Projecto n.ºs 11, e ficou a votação suspensa por falta de numero, a respeito de um Additamento do Sr. Deputado Faria Barboza; é portanto sobre este Additamento que vou suscitar a votação da camara: porém como o Sr. Faria Barboza pediu a palavra sobre a Ordem, por isso lh'a concedo antes da votação.
O Sr. Faria Barboza: - Sr. Presidente, como S. Exa. o Sr. Ministro da Fazenda me disse, que, dentro de poucos dias, viria apresentar á Camara uma Proposta de Lei sobre reforma de Fazenda, e especialmente com relação ao objecto de lançamento e cobrança da decima e impostos annexos, por isso eu julgo ter mais logar então a minha Proposta, e assim peço licença para a retirar, reservando-a para quando apparecer a Proposta de Lei a que alludi.
A Camara consentiu que fosse retirado o Additamento do Sr. Deputado.
Entrou em discussão o art. 2.°
O Sr. Castro Ferreri: - Sr. Presidente, eu não estou inclinado a votar pelo art. 2.° deste Projecto, em quanto a nobre Commissão me não declarar os motivos ponderosos, que teve para apresentar uma excepção em materia de imposto, embora seja a favor de uma Associação
Desejando eu habilitar o Governo com os meios indispensaveis para fazer face á despeza publica, não posso prescindir de qualquer verba de receita; e no estado em que se acha a Fazenda, é preciso ser muito cauteloso para que com qualquer disposição, que se adoptar, se não vá seccar uma fonte de receita, ainda que por ventura provenham della escacas gotas.
Nem se pode dizer, Sr. Presidente, que o fim desta concessão é igualar em vantagens as Companhias Nacionaes com as Estrangeiras, porque esse argumento não colhe. Se as Companhias Estrangeiras (acaso as haja dessa natureza) gozam de alguns privilegios, é isso devido a Tractados, que não podem deixar de se cumprir; mas em quanto ás Companhias Nacionaes devem entrar na regra geral, porque do contrario importa dar-lhes um exclusivo, que além de prejudicial é muito injusto.
Ora, Sr. Presidente, eu sei que a Companhia de Seguros não carece deste favor, porque felizmente prospera, achando-se as suas Acções a 325 e a 330. Se se tractasse de outras Companhias, como a dos Vapores, a dos Omnibus, Pescarias etc. talvez eu modificasse a minha opinião, porque algumas carecem de auxilio. Mas como quer a illustre Commissão que uma Companhia, que tira lucros immensos, pague de decima industrial apenas 20 por cento da renda dos seus escriptorios, que podendo esta ser de 20$000 réis, virá portanto a pagar apenas 4$000 réis, igual esta quantia á que paga qualquer mestre de officio, ou qualquer logista?!!
Sr. Presidente, na Sessão de hontem não fallei ácerca do 1.º artigo, o qual versava a respeito da auctorisação dada ao Governo para cobrar e lançar a decima no anno corrente, porque não quiz tomar tempo á Camara, e mesmo porque o não quiz combater, porque sendo Deputado da Maioria não podia de fórma alguma recusar os meios ao Governo, e ainda mesmo que pertencesse á Opposição, o faria; mas não deixarei agora de fazer algumas reflexões a esse respeito.
Sinto, Sr. Presidente, que não haja uma Lei permanente de contribuições, modelada debaixo de outras bases, porque é axiomatico que a vigente traz vexames para os povos, e manifesto prejuizo para o Thesouro, succedendo que para os pobres a decima é verdadeira, e os ricos apenas pagam 2 ou 3 por cento, e estes mesmos caminhando por diversos e tortuosos caminhos, delles mui pouco chega ao Thesouro.
O illustre Ministro da Fazenda disse que esperava pela confecção dos trabalhos cadastraes, para apresentar um novo plano de contribuição; porém se tivermos de esperar por esses trabalhos, muito tarde terá isso logar, porque taes trabalhos, debaixo de todas as considerações mathematicas e filosoficas, levam ainda alguns annos. Eu estou convencido que depois de terminado o Cadastro, debaixo do ponto de vista já exposto, o methodo de contribuições nelle baseado soffrerá ainda bastantes difficuldades na execução, pelas alterações que taes trabalhos soffrem todos os dias; e entendo que possuindo o Governo dados estatisticos da producção media de cada Districto, bem como do seu preço medio, podia assim pelos mesmos dados fazer a distribuição dos impostos, que se não fosse fundada em dados positivos e mathematicos, ao menos eram muito aproximados.
Sr. Presidente, eu tenho divagado um pouco, visto que esta materia não pertence ao artigo de que se tracta, e por isso abstenho-me de dizer mais algumas cousas; e voltando ao assumpto repito, que por em quanto estou na intenção de rejeitar o art. 2.º, por ser desigual, injusto e nocivo á Fazenda; e acho extraordinario que a illustre Commissão introduzisse neste Projecto um artigo, que não vinha na Proposta original do Governo.
O Sr. Xavier da Silva: - O nobre Deputado impugnou o art. 2.° com o fim de que esta disposição é uma excepção concedida a uma, ou a differentes Companhias Portuguezas, que não precisam auxilio do Corpo Legislativo, para continuarem na sua gerencia, pela maneira que convenha aos seus so-
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cios. O nobre Deputado, zeloso como deve ser todo o Deputado, fundamentou mais o seu discurso, dizendo - Que não queria que as nossas receitas publicas diminuissem - mas eu tambem espero que o nobre Deputado tenha igual zelo, para que as despezas publicas não augmentem (Apoiados); e em tempo competente entraremos na discussão deste negocio. Ora se o nobre Deputado se tivesse dado ao trabalho de ler o Relatorio da Com missão, que precede o Projecto, de certo não teria argumentado, como argumentou. A falta de uma Lei permanente de decima tem dado logar a que nas diferentes auctorisações, concedidas ao Governo, se tenham introduzido certas disposições, que se tem julgado necessarias, para evitar os males que praticamente se tem conhecido na execução das Leis. A Commissão no seu Relatorio compraz-se de ter concorrido, para que na auctorisação, que o anno passado foi concedida ao Governo para o lançamento da decima de 49 a 50, se tivessem introduzido disposições tão salutares, como aquellas que só adoptaram: o Governo é hoje o primeiro que aprecia estas disposições, as quaes tornam o lançamento mais regular, e a cobrança mais prompta. Ora o Sr. Ministro da Fazenda, a exemplo do que tinham feito todos os seus antecessores, introduziu na Lei mais uma disposição a respeito dos capitaes empregados em paizes estrangeiros; e a Commissão, a quem tinham sido presentes representações das differentes Companhias de Seguros estabelecidas nesta Capital, as quaes quando o anno passado vieram, foi já depois de se ter concedido a auctorisação ao Governo, e por isso não houve outro remedio senão remettel-as ao Governo para as attender, vendo que se não tinha providenciado a este respeito, e que estas Companhias insistiam para que o Corpo Legislativo lhes desse remedio, não teve duvida, de accordo com o Governo, de introduzir na Lei uma disposição a este respeito; disposição que eu entendo ser justa e nacional, apezar do nobre Deputado dizer que este é um artigo de excepção.
O nobre Deputado que é bastante versado sobre o que se passa lá fóra, deve saber que, em Inglaterra, as Companhias de Seguro pagam unicamente o imposto do sello; o nobre Deputado sabe muito bem que os capitaes das Companhias de Seguro não são outra cousa senão o credito dos seus accionistas; o nobre Deputado sabe muito bem que qualquer Companhia de Seguro póde ter n'um anno um lucro de 20 por cento, e no anno seguinte um prejuizo de 30 por cento; o nobre Deputado sabe muito bem que tem acontecido que Companhias de Seguros em alguns annos tem sido felizes nos seus rateios, e n'outros tem tanto prejuizo que teem caído: isto tem acontecido aqui, e lá fóra. Mas além disso, o nobre Deputado não póde deixar de ter amor nacional, e por isso não poderá deixar de ver que esta medida não só é justa, mas indispensavel. Qual deve ser o interesse do Legislador, se não que prosperem dentro do Paiz todas as Companhias o Estabelecimentos nacionaes, muito mais quando a par desta prosperidade concorremos para que os capitaes não saiam para fóra do Reino? O nobre Deputado sabe muito bem que em Lisboa e no Porto ha Companhias de Seguros estrangeiras: e qual será o nosso interesse, que os bens se segurem todos nas Companhias portuguezas com vantagem daquellas, que os seguiam e com interesse e prosperidade destas Companhias, ou que estes bens se vão segurar nas Companhias estrangeiras com prejuizo dos portuguezes? Eu não posso suppôr que o nobre Deputado tenha este desejo. A Lei de 10 de......de 38 veio substituir a decima industrial ao imposto que antigamente havia chamado - Maneio - e não fez excepção nem entre Estabelecimentos, nem entre individuos nacionaes ou estrangeiros; e por consequencia a collecta que se lançava aos portuguezes e estrangeiros, ás Companhias portuguezas e estrangeiras, era em proporção dos seus interesses. Depois veio a Lei de 5 de Junho de 44, na qual se estabeleceu que ao estrangeiro não se podia lançar mais de 20 por cento sobre a renda da sua casa, ou do seu escriptorio; estabelecendo-se deste modo uma desproporção muito grande entre os portuguezes e os estrangeiros (Apoiados). Quererá pois o nobre Deputado que continue a existir nesta desigualdade? Quererá o nobre Deputado que os Companhias continuem a gozar este favor, podendo fazer abatimento nos Seguros e convidar assim maior somma de Seguros, e dando assim logar a que as Companhias nacionaes não possam marchar por diante? Ora o nobre Deputado imaginou que as Companhias de Seguros favorecidas pela disposição do artigo davam um espantoso lucro aos seus socios: oxalá que isto aconteça; pela minha parte tenho muita satisfação de ter concorrido com o meu voto para que as Companhias nacionaes possam competir com as Companhias estrangeiras. Mas o nobre Deputado achará justo, que a distancia de 10 ou 20 passos estejam um escriptorio portuguez, e outro estrangeiro, ambos de Seguros, e que o portuguez pague uma decima arbitraria, que lhe foi lançada, quando o estrangeiro paga apenas uma decima que não póde exceder 20 por cento da renda do seu escriptorio? Isto é, o estrangeiro paga 5, e o portuguez paga 100! Isto é que é uma medida de excepção, a qual eu entendo que não deve continuar a existir (Apoiados).
O illustre Deputado disse - Porque vamos nós dar este favor a esta Companhia, quando outras, como a dos Omnibus, a dos Vapôres, etc. não o tem? - O illustre Deputado não se lembra que a Companhia dos Omnibus tem o favor de uma prestação de um conto e duzentos mil réis por anno? Não sabe que á Companhia das Pescarias se lhe não tem tirado decima industrial, porque não teve ainda lucros para repartir, apesar de 15 annos de existencia? Não sabe que a dos Vapôres é uma Companhia privilegiada, e que a decima industrial lhe é lançada em proporção dos lucros que reparte? Então como póde reputar isto medida de excepção!
Sr. Presidente, já disse, e repito, a Commissão teve em vista equiparar os Portuguezes aos Estrangeiros neste caso, porque não póde ser justo nem conveniente que os Portuguezes estejam pagando cem, em quanto os Estrangeiros pagam só dez. Por consequencia são estas as razões que levaram a Commissão a collocar esta disposição na Lei.
O Sr. Ferreira Pontes: - Sr. Presidente, á disposição deste artigo alludi eu quando na discussão da generalidade do Projecto disse, que continha alguma disposição excepcional ou de favor, pois que, (ainda que com pezar meu) não posso qualificar de outro modo essa provisão, em que se estabelece que algumas Companhias paguem menos decima do que pagam outras, e os particulares, sem a meu vêr se
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produzir razão alguma que justifique este favor. Tendo lido com toda a attenção o Relatorio que precede ao Projecto, e ouvido agora com a maior attenção as razões produzidas pelo illustre Relator da Commissão que me precedeu, não pude formar outro juizo, e cada vez me confirmo mais no que havia formado, visto não se poder sustentar de outro modo o Parecer.
É um principio certo tanto em Politica, como em Economia, que todos devem concorrer para as despezas publicas, segundo os seus teres e os seus lucros; e quer estes procedam de bens proprios ou de industria, e esta seja exercida em separado e particularmente, ou e as associação; porque as associações são compostas de individuos, e os seus lucros divididos por elles; mas se passar o artigo, os que tirarem grandes lucros destas Companhias, ficarão pagando uma quantia muito insignificante, em relação aos outros, Contribuintes, pois que apezar de terem avultados capitaes de fundos, e tirarem delles grandes interesses não precisam um escriptorio de maior renda do que o de qualquer logista de 2.ª ou 3.ª classe.
A decima industrial das Companhias deve ser regulada pelos lucros que tiverem, e não pela renda dos seus escriptorios, como se propõe, nem o argumento de que assim se regula a decima dos particulares, procede porque as Companhias por meio das Direcções manejam avultados capitaes, que pertencem a um grande numero de individuos, sem que precisem ter mais do que um escriptorio, quando o mesmo ramo de industria exercido por particulares precisa ter muitos escriptorios, e cada um tem de pagar a decima que corresponder a essa renda.
Sr. Presidente, a outra razão que se produz para sustentar a medida, tambem a não justifica, eu não sei qual fora a razão que teve o Legislador para estabelecer que a decima das Companhias estrangeiras fosse regulada pelas rendas dos seus escriptorios e não podesse exceder a 20 por cento, nem agora é occasião opportuna de se entrar na apreciação dessas razões, e se eu fosse chamado a votar sobre esta prescripção, não sei ainda como votaria; porém de passagem sempre notarei que no estado em que nos achamos, sem estradas, com as vias de communicação aquatica obstruidas, porque apezar de serem as mais commodas para os transportes, as mais faceis e menos dispendiosas para se livrarem dos escolhos e dos torpeços que as embaraçam, não se tem tido cuidado algum com ellas, e estão no mesmo estado, em que se achavam ha seculos; porque o Governo não tem prestado a menor attenção a este importante melhoramento: com a nossa industria fabril quasi no seu começo; com a agricultura muito atrasada, principalmente nas maquinas e instrumentos expeditivos: com o Commercio tanto interno como externo precizando de ser animado: notarei, repito que em taes circumstancias convem atraír para o Paiz os capitaes estrangeiros, ainda á custa de algum favor, e seria preciso dar a certeza do que teriam de pagar os lucros desses capitaes, e que não haviam de ser collectados arbitrariamente; não digo que esta fosse a razão, nem eu tracto de justificar a medida, mas parece-me que a differença que se estabeleceu, se poderia sustentar com esta e outras razões, que se não são de justiça, são pelo menos economicas
O que não posso descubrir é a razão que houve para se inserir no Projecto uma providencia, que diz só respeito ás Companhias de Seguro, deixando de fóra todas as demais. Será por virem ao Paiz mais vantagens das suas operações mercantís que das outras? Ou por se acharem em tal estado de decadencia, e terem soffrido perdas extraordinarias que precisem deste favor para continuarem a existir? Não contesto as vantagens que o Paiz tira destas Companhias, e estou prompto a dar o meu fraco apoio a todas as medidas que se propuzerem para que prosperem, mas com tanto que sejam geraes, que comprehendam todas as que estiverem nas mesmas circumstancias, e que não offendam os principios de justiça e de igualdade.
Sr. Presidente, não provirão ao Paiz iguaes ou maiores vantagens da Companhia dos Vinhos do Alto Douro, que tem concorrido tão poderosamente para o melhoramento da Agricultura e do Commercio do genero mais valioso do Paiz, e que mais recursos dá ao Thesouro - e que tem soccorrido o Estado em grandes crises? E a Companhia das Lezirias que tem roteado campinas, enxugado panes, aberto vallas, e feito grandes obras em que tem consumido avultadas sommas, e a quem se deve em grande parte o adiantamento da Agricultura desta e da Provincia do Alem-Tejo, não merecerá tanta contemplação como as dos Seguros? A das Pescarias que se propôz a melhorar este ramo de industria, que entre nós está tão atrasado, e que sem ser por meio de uma associação nunca poderá prosperar, porque para esta industria se precisam fundos, que nunca os pescadores podem reunir, por ser a classe mais pobre e mais imprevidente da Sociedade, não merecerá o haver-se com ella igual consideração?
E por ventura será menos prospero o estado das Companhias favorecidas? Antes pelo contrario são estas as que tem feito e estão fazendo maiores lucros, e cujas Acções tem um valôr mais subido no mercado - a Companhia Fidelidade, sendo o fundo das suas Acções de um conto de réis, apenas os Socios entraram ainda com 5 por cento, ou 50$000 réis por Acção; e quer saber a Camara quanto tem tido de lucros em alguns annos, 32 por cento, e o minimo 19 por cento - estas Acções valem hoje na Praça 25$000 réis - isto é, 400 por cento sobre a entrada - compare-se este valôr com o da Companhia do Douro, e das Lezirias que estão por metade do fundo com que entraram os Accionistas; e com as das Pescarias que apenas valem a quarta parle, e ver-se-ha quaes são as que merecem mais contemplação.
Sr. Presidente, eu não pertendo que a provisão se estenda a estas Companhias; porque já o disse que esta decima deve ser regulada pelos lucros de cada uma dellas, e não pela renda dos escriptorios; mas fiz esta comparação, para fazer melhor sentir a injustiça da provisão que combato, e para mostrar que não merece ser approvada. - Eu sempre desde que tomei assento nesta Casa, me tenho opposto a todas as medidas excepcionaes, e não podia deixar de combater esta que não posso classificar de outro modo, e concluo votando contra o artigo.
O Sr. Xavier da Silva: - (Sobre a ordem) Mando para a Mesa uma Emenda, ou um artigo novo, que deve entrar na Lei, e no qual a Commissão e o Governo estão de accôrdo, e que em consequencia de algumas duvidas que houveram, quando se tractou deste Parecer na Commissão, senão lançou aqui.
EMENDA. - A decima industrial, que fôr lançada
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nos cidadãos Portuguezes não deve exceder a 20 por cento sobre as rendas das suas casas de habitação, ou de seus escriptorios, lojas ou armazens, regulando-se o lançamento pelo modo que estabelece o art. 203.º da Lei de 5 de Junho de 1844 a respeito dos Subditos Estrangeiros. - Xavier da Silva.
Foi admittida, e ficou em discussão com o art. 2.°
O Sr. Lopes de Lima: - Poucas palavras direi, e só para explicar o meu voto. Eu tambem por ora estou disposto a votar contra o artigo, isto coherente com os principios que tenho sustentado, e hei de sustentar, da igualdade do imposto. Nem me fizeram peso as objecções que o illustre Relator da Commissão apresentou, aliàs ponderosas, mas de que eu não tenho culpa - a respeito da decima industrial lançada ás casas de commercio estrangeiras, e ás sociedades e estabelecimentos estrangeiros em Portugal. Sr. Presidente, eu não tive parte nessa providencia Legislativa. O illustre Deputado que me precedeu, disse, que se fosse chamado a votar sobre essa disposição, não sabia ainda como havia de votar - pois eu sei: sei que hei de votar contra. Apesar de que muito desejo que os capitaes estrangeiros venham para o nosso Paiz, e que gosem de grandes vantagens, quero tambem que se sugeitem aos onus a que nós nos sugeitamos. Não ignoro que existe essa Lei, respeito-a como tal, mas não merece a minha approvação. Entretanto, não entendo que isso seja pretexto para se votar uma excepção entre cidadãos Portuguezes, e cidadãos Portuguezes, entre Companhias, e Associações Portuguesas, e Companhias e Associações Portuguezar, e este artigo é realmente um artigo de excepção: não se lhe póde chamar outra cousa; porque mesmo na classe de Companhias, além das que se mencionaram, ha muitas outras; ha muitas Companhias industriaes que tem empenhados grandes capitaes em emprezas utilissimas de que esperam tirar lucros, mas que ainda os não tiraram, e comtudo estão sugeitas a pagar decima industrial.
Disse o illustre Relator da Commissão que as Companhias de Seguros tinham annos em que distribuiam grandes dividendos, mas que tinham outros em que soffriam grandes perdas, e ás vezes até caiam. Creio que as Companhias de Seguros estão mais sugeitas a esses revezes, ainda que todas ellas o estão mais ou menos; mas para isso ha um remedio; e é o que o illustre Relator da Commissão apresentou como um favor a respeito da Companhia dos Vapores, queria ou que se fizesse para todas as Companhias; isto é, que a Commissão apresentasse um artigo para que a decima industrial que pagassem todas as Companhias, fosse calculada pelos lucros que essas Companhias repartissem; assim votava eu, até porque era em conformidade com o espirito da Carta, que cada um deve concorrer para as despezas do Estado em proporção dos seus haveres.
Disse o illustre Deputado que aquelles que combatem este artigo, querem a saida dos capitaes do Reino: eu para provar que tal não quero, desde já declaro que hei de votar contra o art. 3.°, porque eu mais disposto estou a fazer favor aos capitaes estrangeiros que vierem para Portugal, do que a animar a saida dos capitaes Portuguezes para fóra do Reino.
A illustre Commissão tanto se convenceu de que este artigo era um artigo de excepção, que acaba de querer emendar a mão mandando para a Mesa um outro artigo para estabelecer os mesmos 20 por cento de decima industrial para todos os Portuguezes sobre a renda de suas casas e escriptorios; e por este artigo tambem eu aão posso votar de fórma alguma... Pois póde comparar-se uma Companhia que tem só um escriptorio de pequena renda, e que maneja um capital de alguns centenares de contos de réis, com um carpinteiro, por exemplo, que paga a mesma renda de casas, que a Companhia pelo seu escriptorio, e que ganha talvez doze vintens ou um crusado por dia a trabalhar, e que quanto maior fôr a sua miseria, isto é - quanto maior fôr a sua familia, maior ha de ser a casa em que tenha de habitar, porque o salario não se lhe augmenta em proporção da familia, e na proporção da familia ha de augmentar a renda da casa em que viver? Digo pois que esse artigo é altamente injusto. Pois ha de pagar tanto uma Companhia que tem para a gerencia dos seus negocios um escriptorio de que paga dez ou doze moedas de renda, como ha de pagar o operario que se veja obrigado a allugar uma casa por dez ou doze moedas para accommodar a sua familia? Ou mesmo subindo mais alguma cousa, um pequeno estabelecimento que paga uma renda maior mesmo em consequencia do local, por exemplo, uma loja de mercearia, póde pagar tanto quanto paga o escriptorio de uma grande Companhia? De certo que não, a não querer legislar-se o absurdo. Parece-me portanto que o artigo mandado agora pela illustre Commissão para a Mesa, não remedeia o mal, antes o aggrava, porque estabelece uma desigualdade geral entre os cidadãos Portuguezes. Nestas circumstancias declaro que voto contra o art. 2.º, assim como hei de votar contra o Additamento.
O Sr. Presidente: - Reflectindo na classificação que foi dada á Proposta mandada para a Mesa pelo Sr. Xavier da Silva, classificação assim feita porque suppunha que comprehendia tambem as Companhias, devo observar á Camara que a mesma Proposta importa um Additamento ao art. 2.º e que hade votar-se em separado. Segundo o Regimento não podia entrar em discussão simultaneamente, mas a Mesa tinha-o posto á discussão como Emenda, na hypothese de que comprehendia as Companhias, mas não as comprehende, e por consequencia é um Additamento. Entretanto, não havendo reclamação, prosegue a discussão tanto sobre o artigo como sobre esta Proposta, mas a votação tem de fazer-se separadamente (Pausa). Nesta conformidade pois prosegue a discussão, e tem a palavra o Sr. Castro Ferreri.
O Sr. Castro Ferreri: - Eu desejo animar as Companhias e promover o espirito de associação; porém vejo que por esta excepção eu não promovo o espirito de associação, nem o bem estar das Companhias. O illustre Relator da Commissão que respondeu ás minhas observações, não apresentou argumento algum, a não ser a desigualdade que ha entre esta Companhia e as estrangeiras.
Sr. Presidente, os Corpos Legislativos tem obrigação de promover o espirito de associação, dar-lhe vantagens rasoaveis com o bem da sociedade geral; porém isto tem certos limites. Se isto se desse a respeito de Companhias nascentes, ou daquellas que por incidente extraordinario soffressem grandes prejuisos, como aconteceu com o Banco de Lisboa, a quem foi preciso conceder grandes regalias, ou com a dos Omnibus a quem tambem foi necessario conceder um auxilio, ainda eu concordaria; porém não
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se dá esta circumstancia com a Companhia de Seguros, porque tendo ella prosperado e ido bem e com fortuna do que felicito o Paiz, e a pesar de haverem Companhias Estrangeiras, nem por isso os proprietarios deixam de segurar as suas propriedades nas Companhias Nacionaes; por isso não entendo que seja de justiça que se lhe vá dar agora esta grande vantagem. Eu entendo que favor só se deve concederás Companhias nascentes, e isto mesmo é que a Inglaterra tem feito sempre. A Inglaterra concedeu á Companhia das Indias grandes favores, e agora tem tractado de lhos diminuir, porque vê que não precisa delles, e porque prejudicam o commercio. Aqui não prejudica o commercio, mas prejudica o Thesouro.
Pois se a Companhia tem prosperado a par das Companhias Estrangeiras, para que se lhe hade dar agora este favor! Estamos nós nas circumstancias de poder despresar um real só no estado em que se acha o Thesouro? De certo que não. Nós devemos aproveitar tudo e o mais que pudermos, visto o estado da nossa Fazenda, o deficit que ha, e o estado de mizeria em que se acha o Thesouro. Portanto acho que esta excepção, não em relação ás outras Companhias estrangeiras, mas em relação ás mais Companhias nacionaes é uma excepção odiosa, e por consequencia as rasões que me deu o nobre Deputado, não me convencem.
Diz-se: Em Inglaterra pagavam só o sello? E que relação tem o estado em que se acha a Fazenda Publica em Inglaterra com a nossa? Podemos nós fazer favores? Se podemos fazer a esta, então podemos fazer a todas as outras Companhias; supponhamos uma Companhia importante como é a dos Tecidos; ha no nosso Paiz uma grande carencia de tecidos Nacionaes, e por isso somos obrigados a manda-los vir de Paizes Estrangeiros; então devemos dar áquella Companhia todos os privilegios, mas nós não o fazemos, e vamos dar um favor a uma Companhia, que o não precisa, que prospera, que vai bem! Se isto não é odioso para com os outros contribuintes, que pagam decima industrial, como são todos os pobres operarios, se isto não é excepção, então não sei o que e excepção.
Portanto eu vi que o nobre Deputado não me deu razão nenhuma que mostrasse que era justa esta provisão; porque se dissesse - Nós devemos animar as Companhias, esta Companhia soffre, esta Companhia precisa de auxilio, e nós não temos mais Companhia senão desta fórma, então bem; mas quando a Companhia prospera, não vejo razão para se lhe conceder este beneficio; quando uma Companhia prospera, em todos os Paizes illustrados, em todos os Paizes que se governam bem, principiam-se-lhe a cassar os privilegios de que já não carece, e não a augmentarem-se-lhe. O que fizemos nós a respeito do Banco de Portugal? Soffreu um grande revez, por consequencia era justo que se auxiliasse uma corporação tão importante, era justo que se lhe dessem todas as regalias compativeis com um Estabelecimento daquella ordem; este é que era o caso do favor, para um Estabelecimento que soffre, como aquelle soffreu; mas esta Companhia não carece favor; e as razões apontadas pelo nobre Deputado não me levaram a poder concordar em cousa alguma com a sua opinião.
Argumentou-se em relação ás Companhias Estrangeiras, e concluiu-se portanto se as Companhias Estrangeiras não pagam, ha uma desigualdade. Eu concordo que deviam pagar; mas se não pagam por contractos ou convenções, se nós não podemos obriga-las a que paguem, não se segue daí que se estabeleça uma desigualdade, não devemos entretanto estabelecer uma desigualdade para com o resto dos contribuintes.
Portanto eu entendo que esta desigualdade no estado em que se acham as Companhias, não devem existir, e em quanto não ouvir razões mais fortes, continuo a persistir na minha opinião.
O Sr. Barão de Ourem: - (Sobre a ordem) Pedi a palavra para mandar para a Mesa este Parecer da Commissão de Guerra.
O Sr. Presidente: - Fica para se discutir em occasião opportuna.
O Sr. J. L. da Luz: - O modo porque os nobres Deputados teem combatido o artigo, teem suggerido em mim a idéa de se poder suppôr que um motivo menos licito deu logar á inserção de um artigo que não vinha no Projecto apresentado pelo Governo; entendo que não será essa a intenção do illustre Deputado, mas o modo porque tem argumentado, suggeriu-me este sentimento. É necessario que os illustres Deputados saibam que a Commissão estudou este negocio com muita madureza, e não o estudou por proposta de algum dos seus Membros, existem Requerimentos dessas Companhias de Seguros Portuguezas, exigindo serem igualadas ás Companhias Estrangeiras, e á Commissão fizeram-lhe pêso as razões, que essas Companhias apresentavam nos seus Requerimentos; e a razão em que se fundou para inserir aqui esta provisão, foi aquella que o illustre Relator da Commissão apresentou, que póde não agradar aos illustres Deputados, mas a Commissão agrada-lhe, e a mim tambem.
As Companhias de Seguros, Sr. Presidente, não podem comparar-se com quaesquer outras Companhias, aonde os capitaes são fixos e muito mais determinados de que o são os das outras Companhias. Uma Companhia de Seguros nunca se póde dizer que tem lucro senão quando liquida (Apoiados); porque na vespera de liquidação pode reconhecer-se que houve perdas, e por isso digo que os illustres Deputados quando disseram que a medida comprehendida no artigo, que se discute, era uma excepção, em certo sentido tiveram razão, é uma excepção, mas é uma excepção favoravel aos interessados na Companhia, e não é em detrimento dos outros. As Companhias Commerciaes que hoje ahi existem em Portugal não teem competencia de Estrangeiros, creio que os illustres Deputados sabem muito bem que todas as outras Companhias Commerciaes existentes em Portugal e as Industrias tambem não os teem, em Portugal não existem Companhias Estrangeiras estabelecidas. Ora se a Companhia de Seguros Portugueza não fôr auxilidada nas despezas que devem pesar sobre ella, qual deve ser o resultado? É não poder fazer os Seguros com a mesma equidade com que o fazem aquellas Companhias que podem competir com ella por terem despezas muito menores do que ella tem. Pois qual será o resultado de se conservar a oneração que actualmente teem as Companhias Nacionaes? Não é fugirem os segurados todos para aquellas Companhias, que lhes offerecem maiores vantagens? E quaes são ellas? São as Estrangeiras. Eis aqui está claro o fundamento que a Com-
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missão teve; poderá não agradar aos illustres Deputados, á Commissão agradou-lhe; e se podessem transformar-se em provizão legislativa os desejos manifestados pelo meu Collega, o illustre Deputado pela Estremadura, que me precedeu, que disse que as Companhias devem ser collectadas pelo lucro liquido das suas transacções, e se o Governo senão oppozesse, como se oppoz na Commissão de Fazenda, seria agora occasião de dar provimento ao Requerimento da Companhia das Lezirias, cuja collecta não é fixada, nem avaliada sobre os lucros liquidos, é avaliada pelo rendimento dos predios; mas razões mais fortes, que não são para agora produzir, obrigaram o Governo a não acquiescer a essa exigencia da Companhia, que tambem foi presente á Commissão, o fizeram com que a Commissão por ora não pronunciasse o seu juizo a esse respeito.
Eu não sei de outras razões para produzir a favor do artigo senão as que produziu o Sr. Relator da Commissão; que estas Companhias teem uma competencia com outras poderosas Companhias Estrangeiras, e que nós não desejamos collocar as Portuguezas em situação mais desfavoravel do que aquella em que estão as outras Companhias.
Pelo que diz respeito á Emenda que o Sr. Relator da Commissão mandou para a Mesa, não posso dizer nada; entendo que este negocio é mais proprio do Governo que da Commissão, o Governo é que ha de dizer, se esta Proposta diminuo ou conserva no mesmo estado o rendimento que o producto das decimas lhe costuma dar; se elle disser que sim, que não diminue, ou que não diminuindo tem outro meio de poder ressarcir o desfalque, eu concordo com a Proposta do Sr. Relator da Commissão, que por falta de tempo, creio eu, é que sem consultar os seus Collegas, a mandou para a Mesa.
O Sr. Silva Cabral: - Eu não tinha olhado para este Projecto; mas por aquillo que tenho ouvido na discussão, parece-me que na materia do artigo, e na Emenda, ou no outro artigo, que mandou para a Mesa o meu illustre Amigo, Deputado pela Estremadura, ha duas questões que não podem deixar de ser consideradas de bastante gravidade, e que o Governo tem necessidade de se explicar a respeito dellas, e tem necessidade de se explicar, porque ellas involvem em si uma alteração, que póde ser fatal relativamente aos Tractados existentes, porque é só sobre isto que eu peço a attenção do Governo para se explicar devidamente. Não ha duvida que aqui se adopta uma base unica, e vem a ser a de 20 por cento sobre a renda dos escriptorios; por consequencia aparta-se da distincção, ou da alternativa que existe na Lei actual de se considerar ou a renda dos escriptorios, ou da casa de habitação, e estabelece-se aqui unicamente esta regra com relação ás Companhias de Seguros. Ora disse-se que se quer considerar as Companhias de Seguros Portuguezes ou Nacionaes; mas note-se que as Companhias Estrangeiras ficam sujeitas á mesma regra, porque pelos Tractados não podem ser obrigadas a pagar mais decima do que aquella que pagam as Nacionaes; é regra dos Tractados, e sobre a qual ainda ha pouco se suscitou uma grande questão com uma Nação Alliada, e que tem dado muito que fazer ao Governo.
Portanto é absolutamente necessario considerar isto debaixo deste ponto de vista, e ainda mais a materia que está no artigo, porque note bem o Governo
o ponto que pelos Tractados está estabelecido, como base para a decima, que tem a lançar-se aos Estrangeiros, é aquillo que se lança aos Portuguezes, não se póde lançar mais; e pelo modo porque está redigido o artigo, diz-se que nunca se poderá lançar aos Portuguezes mais decima que aos Estrangeiros; transtorna-se inteiramente a regra, o que não é possivel, nem conforme aos principios de direito, nem aos principios do direito das Gentes, e muito mais dos Tractados. Portanto é preciso saber aquillo que a Camara vai fazer, e o Governo deve-se explicar sobre este ponto.
Portanto é preciso vêr se o Governo entende se isto prejudica ou não a receita publica, e em segundo logar deve saber-se, quanto á materia apresentada pelo nobre Deputado como se inverte a regra que está estabelecida, porque isto pode dar logar a grandissimas difficuldades, e o Governo sabe as questões mm relação as quaes eu suscito a sua memoria; sabe que existem reclamações, o muito graves a este respeito; e portanto é necessario nós não irmos estabelecer na Lei regras que possam por ventura prejudicar essas questões, e metter o Governo em embaraços para o futuro: concluo, Sr. Presidente, que esta materia é grave, e não é por Additamentos apresentados neste momento, que se deve decidir sobre este objecto; deve ir á Commissão tanto a materia do segundo artigo como igualmente o artigo apresentado pelo meu illustre Amigo, e que depois do Governo meditar, em harmonia com aquillo que está estabelecido, e com os Tractados, este negocio venha a uma provisão que dê a protecção á Industria Portugueza, mas que em todo o caso não nos apresente difficuldades de futuro; porque votar um negocio desta natureza sómente por uma Emenda mandada para a Mesa, e transtornar assim aquillo que está estabelecido, é um pouco grave.
Quiz fazer estas reflexões, para que a minha consciencia não ficasse gravada sobre este objecto, e para que senão estranhasse se por ventura fossem apresentados artigos como são estes, o eu votar contra elles, porque não posso pelas razões que se tem apresentado de um e outro lado, convencer-me de que a materia esteja devidamente esclarecida, porque o não está, nem se póde julgar esclarecida, nem as razões que se apresentam a respeito de uma hypothese particular, podem deixar de se applicar então a todas as hypotheses geraes. É preciso ver a razão porque não se applicam a essas hypotheses, e fazer conhecer a todo o Paiz essas razões, a fim de se poder considerar, que aqui não ha uma excepção, mas ha porventura um favor, porém favor que a utilidade publica reclama, o que é muito differente, e sobre tudo não estabelecer uma regra que de certo vai destruir tudo o que está estabelecido com relação aos Estrangeiros, porque chamar para regulador o que os Estrangeiros pagarem, isso é cousa que até agora nunca se fez; a regra actual é que os Estrangeiros nunca podem ser onerados com mais imposto do que os Nacionaes; mas agora dizer, não paguem os Nacionaes mais que os Estrangeiros, isto é alterar tudo quanto ha a este respeito.
Concluo por tanto, requerendo que este objecto vá á Commissão, e que ella de accordo com o Governo (porque não quero senão o bem neste ponto, e já se vê, da maneira porque me apresento neste negocio, que não posso desejar senão que o Governo se-
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não apresente em difficuldades, e que é em favor da Causa Publica, e do proprio Governo que faço este Requerimento, e nada mais, porque os Srs. Ministros sabem bem as questões que se apresentam a este respeito, e que se podem suscitar de futuro) considere o negocio de maneira, que os artigos tanto o segundo, como o addicional que mandou para a Meza o meu amigo, sejam redigidos de fórma que tirem todas as duvidas, e apartem para longe essas reclamações que teem dado que fazer ao Governo, que podem prejudicar a Causa Publica, e que ainda que da parte do Governo haja toda a justiça, podem apresentar alguns momentos desagradaveis.
O Sr. Ministro da Fazenda: - As reflexões apresentadas pelo illustre Deputado que me precedeu, são sensatas e judiciosas, a Camara deve decidir esta questão com perfeito conhecimento de causa. Tendo o artigo que voltar á Commissão, sobre tudo depois do Additamento ou Emenda, que mandou para a Meza o illustre Deputado Relator da Commissão, é inutil que eu faça mais ponderações sobre o assumpto; esta materia tem sido meditada, mas torno a dizer, eu acho mais prudente em vista das ponderações que se fizeram, e para que a Camara possa ter occasião de votar sobre um assumpto desta gravidade com pleno conhecimento de causa, que o artigo volte á Commissão, e pela minha parte annuo.
O Sr. Presidente: - Devo observar que ainda não ha Proposta de Adiamento.
O Sr. Silva Cabral: - Mando para a Meza a seguinte
PROPOSTA: - Que volto á Commissão o art. 2.°, e o addicional do illustre Deputado, o Sr. Xavier da Silva. - Silva Cabral.
Foi apoiado o Adiamento, e entrou em discussão.
O Sr. Xavier da Silva: - Eu não me posso oppôr nunca a que qualquer artigo vá á Commissão; eu não desejo nunca que os Srs. Deputados votem sem perfeito conhecimento de causa; mas o nobre Deputado que apresentou este Adiamento, fundou-se n´uma razão que me parece que S. Exa. se pensar um pouco sobre o que está escripto e legislado, verá que caduca. O nobre Deputado estabeleceu e muito bem que em Nação nenhuma segundo os principios geraes de direito das Gentes, e segundo os Tractados, os Estrangeiros estão de melhor condição que os Nacionaes, e na verdade assim acontece, ainda mesmo com as Nações mais alhadas e mais amigas; porém, Sr. Presidente, para fatalidade deste Paiz, para vergonha direi mais, não só passou no anno de 1844 uma Lei, na qual se estabeleceu no art. 3.° (é a Lei de 5 de Junho de 1844), que aos Estrangeiros nunca poderia ser lançado a titulo de decima industrial ou maneio, maior quantia de 20 por cento; o nobre Deputado que é bastante versado sobre a Legislação Portuguesa, bem como sobre a Estrangeira, agora não lhe lembrou esta Lei, porque se S. Exa. se lembrasse, veria que está Lei foi estabelecida contra todos os principios de direito das Gentes, contra todos os principios nacionaes e internacionaes, que se teem estabelecido em todos os Paizes do Mundo civilisado. A Commissão de Fazenda por conseguinte, vendo que nas Instrucções de 4 de Agosto do anno passado, em que se mandou proceder aos lançamentos, se estabelece no art. 14.° esta condição - Os Subditos Estrangeiros quer commerceiem em sociedade, quer singularmente, serão collectados pela fórma estabelecida no Decreto de 5 de Junho de 1844 etc. O nobre Deputado receiou que esta disposição, que agora aqui se introduziu, viesse offender o que estava no Tractado; não, Senhor, não vem, a Commissão de Fazenda sabe muito bem que se devem respeitar sempre os Tractados; mas a Commissão de Fazenda querendo equiparar os Portuguezes aos Estrangeiros, quiz acabar com uma injustiça, que até aqui estava estabelecida, e quiz fazer tornar as cousas ao estado, em que deveriam estar, que é que o Estrangeiro não poderá ser mais favorecido que o Portuguez; por consequencia esta disposição não vai atacar os Tractados, não póde dar logar a reclamações, porque se acaso se estabelecesse, que o Portuguez não poderia ter de decima mais de 15 por cento, quando ao Estrangeiro se estabeleceu que póde ter até 20 por cento, então dir-se-ía que nós tinhamos favorecido o Portuguez em contravenção do que tinhamos contractado com os Estrangeiros; mas quando dizemos que os Estrangeiros não poderão pagar mais de 20, como está estabelecido a respeito dos Estrangeiros, não queremos fazer mal aos Tractados, e queremos um principio de justiça.
Eu dei esta pequena explicação, para mostrar que a Commissão não andou de leve nesta questão, e eu, Sr. Presidente, que tenho costume, e entendo que é do meu dever respeitar sempre muito as opiniões das Commissões, porque supponho, e devo suppôr, que os Membros desta Casa, quando pertencem a uma Commissão, não veem aqui de deve trazer a sua opinião, a eu quasi que tambem muitas vezes tenho subordinado a minha opinião ás das Commissões, porque supponho, e devo suppôr, que ellas teem maior illustração que a minha, espero que façam justiça á Commissão de Fazenda, que com quanto não seja composta de illustrações quaes compoem as outras Commissões, comtudo pelo facto de ser composta de Deputados, deve merecer a consideração da Camara.
O Sr. Silva Cabral: - Sr. Presidente, a ultima observação do meu illustre amigo, parece-me que não tinha agora cabimento, porque ninguem se referiu de uma maneira pouco conveniente, nem á Commissão, nem a nenhum dos seus illustres Membros; parece-me que toda a Camara é testemunha de que se tractava de esclarecer um objecto, que até se póde considerar estranho á Commissão, porque não vinha nos trabalhos da Commissão; portanto não tinham relação nenhuma, nem podiam ter as observações, que se fizeram, nem com a illustração, nem com a sizudez, nem com a reflexão, com que costuma proceder a illustre Commissão de Fazenda; pelo contrario, se é preciso ajuntar o meu debil testimunho ao que toda a Camara já vê, isto é, que ella tem bem merecido da Camara e do Paiz, eu de certo lh´o prestarei. Mas esta não era a questão, a questão era muito differente, e o illustre Deputado permitta-me que lhe diga, que considerou parte da questão, e não considerou a outra parte, e nesta mesma parte da questão que considerou o illustre Deputado, que entendeu dizer que eu tinha esquecido o Decreto de 5 de Junho de 1844; se reflectisse havia de vêr que o illustre Deputado é que estava em equivoco; o Decreto de 5 de Junho de 1844 já não é senão uma consequencia dos Tractados, é exactamente uma consequencia do Tractado existente, porque o Decreto não foi senão introduzir a disposição que estava no Tractado, por consequencia o Decreto não podia de
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maneira nenhuma diminuir a força do meu argumento, argumento que era só dirigido pelo conhecimento practico, que eu tenho de certas questões, que teem ido ao Conselho d´Estado, para tirar o Governo de difficuldades. O Decreto estabelecia aquillo que o Tractado estabelecia, e note bem o illustre Deputado, que o Tractado podia estabelecer como quizesse, ou como ás partes contractantes conviessem tal, ou tal pagamento de imposto, porque para os Estrangeiros ha de se regular pelos, Tractados, e não é de maneira nenhuma pelas Leis do Paiz, porque esse objecto é do direito internacional, e não do direito politico, nem do direito civil, nem do Paiz; para o nosso Paiz ha outra cousa muito differente, é preciso considerar o art. 145.° § 14.° da Carta, e é preciso considerar as Leis existentes, e essas Leis existentes são, ou devem ser pelo menos, em conformidade do espirito da Carta, que vem a ser, cada um concorrer para as despezas publicas, em proporção dos seus haveres; ora isto não tem nada com os Tractados, porque o Tractado é um contracto bilateral de Nação para Nação, que póde fundar-se em razões muito estranhas a esta regra, e assim póde-se estabelecer que os Estrangeiros não pagarão senão 5 ou 6, e não temos remedio senão sujeitar-nos, porque a Nação concordou com isso. O Decreto pois de 5 de Junho quando estabeleceu a regra de 20 por cento, é porque effectivamente no Tractado celebrado com a Gram-Bretanha, vem a condição de que os Inglezes não serão obrigados nunca a pagar mais do que isso, portanto havia-se de conformar com elle; mas por isso mesmo que nós temos a regular-nos por outra regra, regra constitucional, de direito civil, qual é a consequencia? É que nunca nós podemos procurar as regras que estão estabelecidas para os Estrangeiros, para servirem de norma para os Nacionaes, porque estes podem pagar 20, 40, ou 60, segundo as necessidades publicas, e em proporção dos seus haveres, e aquelles só o que for dos Tractados. Estas é que são as regras de verdadeira justiça, tanto politica como civil. Portanto torno a dizer, que não podia deixar de se considerar este negocio, não só no ponto dado em que o tenho estabelecido; mas tambem com relação ás questões existentes, para que a Commissão, e foi este o meu espirito, com a illustração de que são dotados os seus Membros, e ouvidas as informações do Governo, houvesse de redigir os artigos, ou esta disposição de maneira, que tirasse toda a duvida, sem se offender de maneira nenhuma os Tractados, e nem podia ser da minha intenção, nem de ninguem dizer que a Commissão queria offender os Tractados; primeiramente não tinha interesse nisso, não tinha interesse em querer offender os Tractados; em segundo logar os seus Membros são dotados de tão rectas intenções, que era impossivel que quizessem metter o Paiz em difficuldades, porque offender os Tractados é o mesmo que dar aos outros Paizes, o direito de se queixarem da Nação, e não dos illustres Membros da Commissão de Fazenda. Portanto nunca podia ser isto da intenção de ninguem. A intenção minha, e de certo a intenção do Sr. Ministro da Fazenda, quando concordou no Requerimento, foi que tanto o art. 2.°, como o addicional apresentado pelo meu illustre amigo, fossem de tal maneira redigidos, que estabelecessem as regras conforme os verdadeiros principios de justiça constitucional, com relação aos Portuguezes, e conforme os verdadeiros principios de justiça universal, resultantes dos Tractados para os Estrangeiros, mas que estas regras ficassem de tal maneira definidas que não podesse haver duvidas; e parece-me que a Commissão por isso mesmo, que está animada desse espirito de justiça, e de rectidão, é a primeira interessada em redigir os artigos de tal maneira, que não possam offerecer duvidas de futuro, porque sabe que muitas vezes de se regular a decima, umas vezes por escriptorios, outras por armazens, outras por casas da habitação, teem dado logar a reclamações violentissimas da parte dos Inglezes, e de outros Paizes, que teem custado a resolver, e algumas ainda não teem sido resolvidas de maneira satisfactoria, porque os Estrangeiros não estão pela interpretação que se lhes dá, isto é preciso que se determine na Lei, porque dizem elles - A nós não nos importam os actos do Governo; não nos importam senão os Tractados; esses actos em quanto não forem Lei do Paiz, não nos conformamos com elles. O Sr. Ministro da Fazenda sabe se tenho, ou não razão para me referir a estas questões, em consequencia de conhecimento que tenho dellas. É portanto necessario redigir o artigo de maneira que evite todas as duvidas, e é por isso que eu no sentido de aplanar o caminho, não só a este, mas a todos os Governos, que se apresentarem nos bons principios, faço estas considerações, pedindo que o artigo e o Additamento voltem á Commissão.
O Sr. Corrêa Leal: - Requeiro que esta materia do Adiamento se julgue discutida.
Julgou-se discutida, e approvada a Proposta de Adiamento.
Entrou em discussão o art. 3.º
O Sr. Ferreira Pontes: - Sr. Presidente, não posso tambem approvar a provisão que se propõe neste artigo, porque o considero injusto, em quanto isempta do imposto geral da decima industrial os capitaes empregados em paizes estrangeiros, e contrario aos principios de economia politica, por ir por este modo promover a exportação delles para fóra do paiz.
É um principio incontestavel reconhecido na Carta, que todos devem concorrer para as despezas pubricas segundo os seus teres e lucros, mas o artigo isempta do maior imposto directo que pesa sobre todos os cidadãos ainda os de menor fortuna, os lucros do capital empregado fóra do Reino. Além disto sendo o censo, segundo a Legislação actual, o regulador para o recenseamento dos cargos electivos e dos jurados, ficarão tambem isemptos destes encargos esses capitalistas uma vez que não possuam no Paiz objectos collectaveis, e assim gosarão da protecção e segurança e de todos os commodos da Sociedade, sem lhes prestarem serviço algum, e sem o seu nome apparecer nessa immensa lista, ou lançamento, aonde se acham os de individuos, que para pagarem uma bem insignificante quantia, precisam vender um traste, de que muito necessitam para ganhar a vida; e em que ás vezes consiste toda a sua riqueza; ou que o fisco tome sobre si esta incumbencia; e deixarão de concorrer com a quota do imposto principal, necessario para a conservação do Governo, e da Ordem Publica, para a Administração da Justiça e de todos os outros ramos de Administração, e mesmo para os melhoramentos materiaes, ficando a gosar de todas as vantagens que elles offerecem.
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No atraso em que se acham todos os ramos de industria entre nós, e a precisão que temos de que se appliquem para os melhorar fundos particulares, por que sem elles baldados serão todos os esforços, assim como para a factura das estradas, e para o melhoramento da navegação interior, convem attrahir por todos os modos os nossos capitaes, e mesmo os estrangeiros para as Emprezas Nacionaes, e não promover a sua saída para fóra do Reino. Longe de mim o pertender que se ponha embaraço a que qualquer exporte os seus fundos para fóra do Paiz, além de ser impossivel o levar-se a effeito qualquer prohibição, porque não faltam meios de se illudir, transportando-se em objectos de commercio licito, por exemplo, em vinho, cereaes, tudo seria de alguma maneira offender-se o direito de propriedade, e a faculdade que cada um tem de dispôr do que é seu á sua vontade tanto aqui como em qualquer outra parte; mas o que pertendo é que se não promova a exportação por um meio tão efficaz, como é o isemptal-os de um imposto grave que peza sobre os que forem empregados em qualquer ramo da nossa industria.
Diz-se que sempre voltam os lucros, que vem depois a augmentar a riqueza do Paiz: ainda mesmo que não sejam accumulados ao fundo primordial, como muitas veze acontece, esses lucros não compensam a falta que se experimentará, e os capitaes exportados podem considerar-se perdidos, não para o particular que os possue, mas para a Nação d´onde sairem.
Sr. Presidente, todas as vezes que de um ponto se exportam para outro grandes fundos, o districto que soffre a exportação, experimenta logo um grande abatimento em todos os ramos da sua induziria; sirva de exemplo a Irlanda, d´onde os proprietarios Inglezes tiram todos os annos as rendas das suas propriedades para as consumirem em Londres, ou em outra parte, que a esta causa se attribue a decadencia daquelle Paiz. Entre nós algumas provincias tambem se ressentem dos grandes proprietarios viverem aqui na Capital e para aqui trazerem e consumirem as rendas dos seus predios, todos conhecem as vantagens que resultam a qualquer districto de serem ahi empregados e consumidos os seus productos; e eu sou de voto que por meios indirectos se promovesse a residencia dos grandes proprietarios nos sitios aonde tem os seus predios: ora se aquelles inconvenientes se experimentam ainda quando um capital é transportado de um para outro ponto dentro do Paiz, que acontecerá quando se exporta para fóra? Que o digam as Nações que por algum acontecimento extraordinario teem soffrido em ponto grande essa exportação, podia citar muitos exemplos, mas não quero cançar a Camara, repetindo-lhe o que ninguem ignora.
A unica razão que se produz para justificar a medida que combato, é a difficuldade de se apreciarem estes rendimentos, porem uma medida de tanta importancia devia fundar-se em razões de justiça, ou ao menos economicas, esta equivale a dizer-se que se não deve impôr penas a um crime, cuja prova seja difficultosa. Eu não desconheço a difficuldade de se provar quaes são esses rendimentos, mas tambem não é muito facil o conhecer-se com a devida exactidão alguns dos empregados no Paiz, e nem por isso se isemptam dos tributos. Se se empregarem exactas diligencias por parte dos Agentes do Governo, não haverá impossibilidade de se vir no conhecimento, ao menos por aproximação da sua importancia, isto mesmo nos que forem empregados em fundos publicos, ou em negociações particulares; que nos que se empregarem em bens immoveis ou de raiz, podem conhecer-se com tanta exactidão como os dos predios situados no nosso territorio. - Não é tão facil como se pensa o aviltar-se um capital que se quer fazer produsir; a não se querer que fique improductivo, é forçoso tira-lo dos escondrijos e transforma-lo em diversas formas. E para se apresentar em nome de um estrangeiro, comprando-se em seu nome os fundos publicos, ou os predios, este conluio não é livre de grandes riscos, que não compensam o imposto. Esta é uma questão de administração de summa gravidade, que em outros Parlamentos se tem discutido com muita amplitude, tomando parte nella os mais profundos Estadistas, e eu noto que a Camara lhe dá pouca importancia, e que não toma nella o interesse que merece, tanto considerada pelo lado dos principios, como pelo deficit que póde produzir nos rendimentos publicos. Um capital pertencente a um Portuguez ainda que ande lá por fóra, e gire de um para outro ponto, ou se fixe e empregue em bens immoveis no estrangeiro sempre pertence a este Paiz, e como tal deve estar sujeito aos mesmos encargos e impostos que pezam sobre os que se empregarem dentro: a isempção que se propõe, é contraria a todos os principios de justiça distributive, e da sciencia economica, como me persuado ter demonstrado: voto por tanto contra ella.
O Sr. Correa Leal: - Sr. Presidente, tambem eu estou na opinião do illustre Deputado que acabou de fallar: não me parece justo que os Capitalistas de uma Nação, ou os possuidores de riquezas em qualquer gráo que seja, possam ficar a coberto do tributo e onus que de justiça possam caber-lhes, uma vez que tenham fóra do Paiz esses haveres que teem ou possuem. Por esta razão é que eu acho desigual a isempção do tributo a estes taes: acho ainda desigual por outra razão, e é que comparando eu os cidadãos que teem dinheiro fóra, com outros que teem cá os seus capitaes - aquelles que os teem fóra, ficam isemptos de pagar cousa alguma pelo privilegio (a que eu chamarei privilegio) que lhe dá este artigo, em quanto que os outros que os teem cá, hão de pagar. Sr. Presidente, é certo (segundo aqui ouvi em conversa particular) que a Lei não póde ter acção fóra do Paiz, mas a isso respondo eu, procure-se o meio de poder realisar tal ou qual tributo naquellas pessoas que tenham os seus haveres fóra do Paiz. Ora, Sr. Presidente, eu não fallo nesta materia com aquelle cabedal de conhecimentos que era preciso para entrar nella, mas a ratione entro nella do modo seguinte - digo eu: é ou não verdade que immensos dos nossos concidadãos teem a sua fortuna aqui empregada no Paiz, em Inscripções ou Acções do Banco de Lisboa, mas direi melhor em Inscripções da Junta do Credito Publico? É verdade ou não é verdade, que esses cidadãos estão gravados, pela Lei do Orçamento, no tanto ou quanto que pagam, pelo que se lhes lança de imposto sobre esse rendimento? É verdade. Mas se esses cidadãos ou algum delles disser - Eu sou Senhor destas inscripções, são minhas - pois muito bem, vou vende-las, ou vender tudo, e se me perguntarem, mas porque vende você tudo? Porque não quero pagar 25 por cento de imposto, e
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assim vou pôr os meus capitaes em Inglaterra, França, ou Hespanha, onde não pago nada.... Pode ser que esta comparação não seja bôa, mas em mim produz um certo effeito que me obrigou a pedir a palavra, e expôr as minhas razões. Sr. Presidente, digo eu: pode-se acaso ignorar (e é nesse caso que faço a comparação) que muitos Capitalistas, muitos homens abastados teem enormes sommas fóra do Paiz, que as teem, e teem tido até aqui, sem estarem sujeitas, ou sem pagarem este onus? É verdade. Mas se isto assim é, declarado este artigo pela maneira como aqui está, e observado pelos homens que estejam no caso, ou queiram gozar da vantagem dessa mesma disposição, não tem duvida nenhuma que é um incentivo para que elles possam conceber o desejo de querer tambem pôr lá fóra os seus capitaes para os não obrigarem a pagar o imposto a que estão sujeitos no Paiz. Ora aqui está o que a mim me parece claro e clarissimo, e o que me obriga a votar tambem contra o artigo.
O Sr. Lopes de Lima: - Sr. Presidente, eu tambem estou disposto a votar contra o artigo, porque me parece que posso estabelecer a respeito delle um dilemma. - O artigo póde comprehender muitas hypotheses, mas essas comprehende-las-hei eu, todas no seguinte dilemma - Ou o emprego dos capitaes fóra do Paiz é tal que possa estar sujeito á acção das Leis Portuguezas, ou não é de tal natureza - no primeiro cazo voto contra o artigo, porque é contra a igualdade do imposto a que todos devem estar sujeitos, e contra o espirito da Carta Constitucional que estabelece, que todos devem contribuir na proporção dos seus haveres - no segundo caso tambem voto contra, porque é inutil, porque a respeito de capitaes em Paizes estrangeiros, sobre os quaes não pode exercer-se a acção das Leis Portuguezas, escusado é estar a votar disposição alguma. Portanto voto contra o artigo, ou por ocioso, ou por inutil.
O Sr. Ministro da Fazenda: - Sr. Presidente, em theoria não póde por fôrma nenhuma combater-se este artigo (Apoiados}. As contribuições são um premio que paga o contribuinte á sociedade pela garantia, que esta dá á sua propriedade. Ora pergunto eu ao nobre Deputado: como é que esta sociedade ha de garantir os fundos, que tenham no Paiz quaesquer cidadãos, e que por consequencia estão sujeitos a contribuir na proporção dos seus haveres, para a manutenção dessa sociedade, e ao mesmo tempo collectar aquelles que teem os seus fundos em Paizes Estrangeiros, e aos quaes a sociedade não dá nem póde dar nenhumas garantias? Estou de accordo com o que disse o nobre Deputado o Sr. Lopes de Lima, de que este artigo é inutil; mas porque não se tem entendido assim desgraçadamente, é que se torna necessario introduzir na Lei esta disposição, para acabar de uma vez com todas as questões, que tem havido, e que possam haver a este respeito; porque é necessario que se entenda que os cidadãos Portuguezes, que teem fundos nos Paizes estrangeiros teem sido collectados arbitrariamente, porque não ha base nenhuma para esta collecta, e daqui resulta que os individuos collectados e que são apenas tres ou quatro (e eu quereria apresentar aqui qual é a somma de capitaes sobre que recae a collecta, para se conhecer que não é enorme para ser collectada) vem todos os annos reclamar a collecta que lhes é lançada, e note-se que esta não figurou no Orçamento, porque nunca se cobrou, e não se persuadam que é somma que assuste, são dois contos e tanto toda a sua importancia; e como teem reclamado sempre para a Junta do Districto, depois para o Thesouro, e assim de anno para anno, já é considerada como uma divida que nunca se ha de pagar.
Sr. Presidente, a disposição, que aqui vem, effectivamente é inutil, porque não está estabelecido em nenhuma das nossas Leis, que nenhum cidadão possa pagar por propriedade que a sociedade lhe não garante: a Carta Constitucional manda, é verdade, em um dos seus artigos, que todos concorram na proporção dos seus haveres; mas isso é para a riqueza collectavel da sociedade Portugueza - por exemplo eu tenho capitaes em Inglaterra, o Governo inglez que me garante a minha propriedade, collecta-me esses capitaes; exige que eu pague um premio desses rendimentos; mas como ha de o Governo aqui collectar-me por um rendimento de uma propriedade, a que não dá nem póde dar garantias ( Apoiados)?
Realmente acho esta questão tão clara, que me parece não devia offerecer a menor duvida. Torno a dizer, esta disposição foi aqui comprehendida, não porque não se julgue comprehendida no espirito da Lei vigente, mas porque comprehendida aqui acabavam todas as questões que tem havido, e que podem haver para o futuro. Perguntarei ainda: os Portuguezes que são proprietarios de predios rusticos e urbanos fóra do Paiz pagam alguma cousa por elles? Pois não temos alguns proprietarios que teem essas propriedades lá fóra, e alguem vai pedir os manifestos dos capitaes, que teem empregado lá fóra? Não, Senhor. Fallemos claro; peço aos nobres Deputados que não imaginem que ha referencia a motivos menos justos do que aquelles que acabo de apresentar.
Não havendo quem mais pedisse a palavra, julgou-se a materia discutida, e foi approvado o art. 3.°
O Sr. Presidente: - Agora entra em discussão o Additamento do Sr. Lopes de Lima, que mandou para a Mesa durante a discussão da generalidade, e que ficou reservado para este logar.
O Sr. Lopes de Lima: - Sr. Presidente, fiz uma pausa a ver se alguem pedia a palavra para combater a Proposta; como ninguem a pediu, tomo-a eu para a explicar, para que não aconteça o ser rejeitada sem discussão.
Devo começar por agradecer á Camara a condescendencia que teve em admittir a minha Proposta á discussão, favor que ha dois annos lhe ha negado. Mas não me ufano de poder ir mais longe: conto mesmo ver-me só neste campo; porque mesmo alguem que em segredo approvasse o meu alvitre, não se atreveria a sustental-o em publico, receando o labeo de retrogrado. Eu, Sr. Presidente, forte com a minha convicção, que todavia não pertendo impôr aos outros, sei affrontar esses preconceitos da época; porque estou intimamente convencido, que o dizimo, bem regulado, está tão longe de ser uma instituição inseparavel do Absolutismo como a Republica dos Estados-Unidos da America aonde elle constitue o imposto territorial, está longe de ser um Governo Absoluto; e muito mais tendo nós a experiencia caseira nas Ilhas Adjacentes regidas felizmente pelas mesmas Instituições, que regem o Continente do Reino. Demais, Sr. Presidente, nos Estados-Unidos da America ha ainda, além deste impos-
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to directo geral, mais dois, um provincial para despezas da Justiça, outro parochial para despezas do Culto, e eu quero que este seja o unico imposto directo - que pese sobre a lavoura Portugueza, sendo meio dizimo para o Thesouro, e o outro meio dizimo para a dotação do Clero, dos Municipios, e das Estradas. Eis-aqui o que eu desejo. Tal é a minha antiga Proposta.
Um illustre, Deputado que se senta neste banco, a quem tributo a maior veneração, o que todavia não impede que algumas vezes possa discrepar das suas opiniões, defendeu a conservação do imposto da decima por ter 200 annos de existencia, e estar nos habitos do povo; mas pergunto eu, e quantos seculos tem a instituição do dizimo? Não remontando á antiguidade, porque já em Athenas se pagava o dizimo a Minerva, no Mundo Christão essa instituição data do tempo de Carlos Magno, e no nosso Paiz, dos tempos da Monarchia Visigothica; e de tal modo estava inoculado nos habitos do povo, que ainda hoje muita gente do campo condemna a sua abolição, que na verdade foi um erro.
Não se entenda porem que eu quero, restaurado o dizimo tal qual elle existia antigamente entre nós.
Sr. Presidente, o antigo dizimo em Portugal era eminentemente vexatorio pelo acompanhamento de immensas alcavalas, que lhe tinham desfigurado a essencia, chegando em algumas partes a ser o quinto, e em outras até o quarto da producção, o que era insupportavel, e muito mais quando esse tributo em vez de ser applicado para a sustentação da ordem social, revertia pela maior parte em proveito unicamente de particulares, o que o tornava odioso.
Não aconteceu nunca assim nos Açôres: nos Açôres e Madeira, o dizimo pertenceu a principio á Ordem de Christo, e por isso passou a incorporar-se nos bens da Corôa, com uma rasoavel e certa dedicação para a decente sustentação do Culto e Clero, sendo porém puramente o dizimo para a lavoura, e a decima para os predios urbanos. E comtudo, ainda naquellas Ilhas, como em Portugal, elle se mostrava vexatorio em descer ás producções miudas, e ás causas da producção, como gados, galinhas, hortaliças, e outros objectos de consumo domestico; mas o Augusto Libertador remediou esse defeito pelo Decreto n.° 5 de 16 de Março de 1832, limitando a percepção dos dizimos aos - cereaes, fructas de espinho, vinho, e legumes - e é nessa conformidade que eu o peço para todo o Reino de Portugal, ficando o povo alliviado de todos os outros muitos impostos que hoje paga.
Desde esse tempo as finanças nos Açôres e Madeira ficaram reguladas, os seus cofres percebendo avultados rendimentos, e o povo contente com pagar aquelle imposto assim reformado, ao mesmo tempo que pela bem intencionada, mas imprudente, abolição completa do dizimo no Continente do Reino, o Thesouro se viu desfalcado de perto de ametade do rendimento da contribuição territorial, e o povo vive vexado e descontente com os impostos que vieram substituir aquelle. Isto, Sr. Presidente, são factos incontestaveis e irrecusaveis; não são theorias.
Nem se diga que o augmento da nossa producção agricola é devido, unica e exclusivamente á extincção dos dizimos: elle provém de muitas outras causas, como da venda de uma grande massa de bens nacionaes, da extincção dos fóros, das jugadas e dos direitos banaes, da cessação dos privilegios, da liberdade de Commercio interno, da isempção do serviço das Milicias, e de outras medidas Legislativas companheiras do Systema Liberal que nos rege; e é incontestavel que a producção agricola dos Açôres tem pelo menos augmentado tanto em proporção, como a de Portugal, mesmo a despeito do terrivel flagello do Cocus hesperidum, que ultimamente tem estragado os seus pomares.
É destes factos irrecusaveis que eu deduso a minha opinião, e não posso comprehender como um imposto toleravel e proficuo nas Ilhas seja intoleravel no Continente, e que só por não tornar atraz não queiramos emancipar-nos do deficit do nosso Orçamento, dotarmos convenientemente os Ministros do Culto, e habilitarmos o Governo para poder emprehender em grande escala a abertura de estradas, que é o unico modo de tirar partido desse augmento de producção agricola, fazendo que seja realmente um augmento de riqueza.
Sr. Presidente, o dizimo não é tão impopular em Portugal como se pensa e como se tem figurado. Pergunte-se a qualquer pequeno lavrador, e elle dirá, que lhe era menos sensivel pagar na eira o dizimo do que possue então em abundancia, do que estar todos os dias a pagar impostos e collectas em uma moeda que não possue na época do pagamento, e por isso deixa relaxar a divida, sendo depois onerado com o peso das custas.
Quem grita contra os dizimos são os grandes proprietarios que hoje pagam quasi nada pelas suas influencias locaes, contam com o mesmo privilegio continuando o mesmo systema, e temem pagar o dizimo na proporção devida como os pequenos, porque o rendeiro como cobra para si, é mais inexoravel que o recebedor: mas esses mesmos se se recordassem que no tempo dos rendeiros, e pela diligencia destes o preço dos generos nos mercados de provincia se mantinha mais em equilibrio com o preço nas capitaes, veriam que, em vez de perder, pagando o dizimo, ganhavam no maior valor do genero. Os rendeiros por seu proprio interesse, e pelos meios de que dispunham, evitavam sempre o barateio nos mercados de provincia, porque os armazenavam, ou transportavam para outra parte, e faziam com que se conservasse um preço mais harmonico e mais rasoavel entre o mercado da provincia, e o mercado da capital; isto mesmo apesar da falta das estradas; e depois que cessou este regulador, o que tem havido nas provincias, é o pagar-se um alqueire de milho, no Porto, por exemplo, por um cruzado, e 10 legoas distante por duzentos réis; o trigo em Lisboa a 600 réis, e a 300 réis no Alemtejo. Já se vê pois que voltando aquelle systema, o lavrador vendendo os seus generos por mais - 10, 15 ou 20 por cento, terá com que pagar o dizimo, e ainda ficará de lucro.
Ha outro argumento, Sr. Presidente, e é este o grande argumento theorico, apresentado contra toda a percepção de impostos sobre o producto bruto, e vem a ser - que o imposto em generos sobre o producto bruto é desigual pela desigualdade da producção das boas e das más terras - mas esta desigualdade não é tamanha como parece, porque as boas terras tambem custam mais do que as más, e tambem as que andam arrendadas, se arrendam por mais do que as más; e por isso a desigualdade da produc-
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ção dellas compensa-se de antemão na differença do preço da renda.
Mas, Sr. Presidente, ainda mesmo que haja alguma desigualdade (porque n´estas materias nunca póde haver igualdade mathematica) ella nunca póde ser tamanha e tão odiosa como aquella que se apresenta nos lançamentos, e contra a qual existe um clamor unisono que ninguem se atreve a combater: tambem é certo que nos Paizes onde existem os dizimos ninguem se queixa deste mal, antes pelo contrario o povo supporta-o de bom grado, como se vê nos Estados Unidos da America, na Inglaterra, nos Açores, e no nosso Ultramar.
Eu não venho aqui armar á popularidade, e é por isso que tambem não faço a distincção odiosa entre os Empregados Publicos, e os contribuintes. Os Empregados Publicos são tambem contribuintes, e talvez sejam hoje os maiores contribuintes (Apoiados) e eu entendo que esta classe laboriosa é tão util á Sociedade, para cujo bem-estar trabalho, como outra qualquer classe do Estado.
Eu entendo, que o dever do Governo é restringir as despezas do serviço publico ao absoluto necessario; mas uma vez marcado esse absoluto necessario, é esse a medida do imposto, que todos devem preencher com quotas proporcionaes segundo os seus haveres, e na minha opinião na falta do systema cadastral, o systema que eu proponho, é nas circumstancias actuaes o mais proporcional e o mais suave para se conseguir este grande fim.
O illustre Deputado que se senta em frente a mim, lembrou-se de se fazer o calculo do quinquenio nos lançamentos, mas em quanto a mim não me satisfaz, porque eu estou persuadido que cinco dos nossos lançamentos são cinco mentiras, e de cinco mentiras o termo medio é uma mentira media (Riso), e por isso torno a dizer que o melhor meio a seguir é o que eu proponho, sendo o mais proporcional, o mais suave, e o mais efficaz.
Sr. Presidente, eu poderia ainda produzir mais algumas reflexões, mas para que?... Eu tenho quasi a certeza de que esta minha Proposta não passa, sei que tenho contra ella a força d´um preconceito; mas quero que esta minha opinião fique registrada, porque eu appello para o tempo, porque sei que em Politica Administrativa toda a Europa está voltando atraz, e nós tambem havemos de voltar atraz com ella. Os Governos depois de ensaiar debalde muitos systemas, hão de reconhecer que este é o mais simples, e o mais com modo, e até mesmo o mais conhecido: tambem quero que se registre esta minha profecia; e agora a Camara que decida como quizer.
O Sr. Agostinho Albano: - Sr. Presidente, eu respeito muito as opiniões do nobre Deputado, porque desejo tambem que respeite as minhas, quaesquer que ellas sejam. A opinião do nobre Deputado teve alguns defensores, mas hoje em dia caducou completamente. O nobre Deputado apesar de produzir quantos argumentos pôde em abono do restabelecimento dos dizimos, achou tão pouco adoptavel a sua opinião para que podesse ser bem acolhida por esta Camara, que até appellou para o futuro: é para o futuro que nós tambem havemos de appellar.
Sr. Presidente, um dos maiores beneficios que fez o grande Libertador a este Paiz, foi sem duvida a extincção dos dizimos (Muitos apoiados).
O Sr. Lopes de Lima: - Mas elles existem em muitas outras Nações?!...
O Orador: - Eu não tenho nada com o que vai lá por fóra; não me importa nada o que se passa nem nos Estados Unidos, nem na Inglaterra, nem nos Açores; se nos Açores ainda existe o imposto do dizimo, o que se segue d´aqui, é, que apesar de tudo quanto ainda produzem estes dizimos, se acaso não fosse esse dizimo, muito melhor teria ído para o Estado. Mas vamos ao ponto principal: o que é o dizimo ?... É um imposto sobre o rendimento bruto; basta só esta consideração, para destruir todas as observações que o nobre Deputado fez. Pois, Sr Presidente, se na producção do Paiz se fizer imposto decimal, não equivalerá elle em muitos casos a 15 ou 20 por cento?... (O Sr. Lopes de Lima: - É muito differente). Eu não interrompi o nobre Deputado em quanto fallou; ouvi o com aquella attenção que merecem sempre todos os seus discursos: não me convenceram os seus argumentos, mas ouvi-o com toda a attenção.
O nobre Deputado procurou por todos os meios ver se novamente estabelecia os dizimos, a que eu chamo praga, mas os seus argumentos na época em que estamos, não podem convencer ninguem.
O dizimo, Sr. Presidente, é um imposto sobre o producto bruto, o que é contra todos os principios; e basta só dizer isto, para eu considerar que tenho respondido ao nobre Deputado. Mas ainda quero accrescentar mais alguma cousa ácerca do restabelecimento deste imposto tão terrivel. Direi ao nobre Deputado que este imposto trazia outra vez comsigo o systema dos rendeiros, que portanto tempo affligiu o Paiz, o que era uma segunda praga. Qual foi o rendeiro que não vimos enriquecer-se?.... Foram muitos, foi a maior parte delles; alguns tambem empobreceram, mas esses foram muito poucos.
O imposto do dizimo, Sr. Presidente, traz tambem comsigo o monopolio no preço dos generos, o que é um grande inconveniente; e aqui está a razão, porque hoje os generos são mais baratos: os rendeiros arrendavam o dizimo; armazenavam e conservavam nos seus celleiros os generos d´accôrdo entre si, o tempo que era competentemente necessario para adquirirem um certo preço, e sómente vinham trazer ao mercado uma pequena porção, para sustentarem o preço, isto já se sabe em seu favor; de maneira que os povos o que desejavam, era que apparecesse nos celleiros o gorgulho, a que elles chamavam = o bicho sancto =; porque assim que elle lá entrava, destruia immediatatamente os generos, e os rendeiros tinham muita necessidade de os vir vender ao mercado por preço muito mais baixo; isto era no tempo em que no Paiz não havia producção competentemente necessaria para o consumo Desde 1834 que temos nós visto?.... Então ainda a producção não era sufficiente para o consumo, mas hoje ella já dá para o consumo, e assim mesmo grande quantidade de cereaes vem de Hespanha, introduzida pelas raias, e vem actuar no Paiz como contrabando; este facto ha de sempre dar-se em quanto a producção lá fóra fôr mais barata do que cá: o que acontece, é, que na Castella Velha, e Estremadura que são os celleiros da Hespanha, e que produzem ainda com muita mais abundancia (segundo o que eu tenho lido) superior aquella que póde dar uma grande Campina da Polonia, e das márgens do Vistula, ou do Danu-
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bio, de modo que o custo da producção é insignificante, e por isso o preço dos generos é tambem muito barato, de maneira que o que avulta neste Paiz é o transporte: em quanto o preço ou o gasto da producção de um genero cereal do Paiz visinho fôr inferior, ao gasto de producção do mesmo genero no nosso Paiz, ha de necessariamente entrar muito por contrabando; hoje como a producção é maior, e mais barato o preço do genero, é muito menor a quantidade que entra, mas entra effectivamente uma porção de cereaes por contrabando: o contrabando entra com muita mais facilidade do que o pó entra pelas mais acertadas frinchas, porque o interesse é o movel principal de todos os actos dos homens; e esse faz com que muita cousa se pratique, que senão devia praticar; mas, Sr. Presidente, a introducção do contrabando não dava ainda o que era bastante para o consumo do Paiz; entrava muito com despacho; lembremos-nos da invasão Grega de trigos que nós vimos em 1820 e 1821, e que acarretou quasi quantos capitaes nós tinhamos no Paiz (Apoiados) aí está isso escripto nessa memoria que foi publicada sobre a reforma do Terreiro, que no decurso de quatro ou cinco annos foi uma somma de milhões consideravel saccada a Portugal: felizmente desde que se deu extensão á agricultura pelo meio da extincção dos dizimos, dos quartos e oitavos, em summa que se libertou a terra, eis-aí a prosperidade da agricultura marchando a passos accelerados, e a razão porque? Só pelo facto do imposto se ter extincto: hoje agricultam-se muitas terras, e porque? Porque sobre ellas não pesam os impostos, que então pesavam: ora ponhamos de parte os quartos e os oitavos, de que felizmente está o nosso Paiz livre, não digo pela Lei de 22 de Junho de 1846, mas pelo Decreto de 13 de Agosto, e mui especialmente pelo Decreto de 30 de Julho, que extinguiu os dizimos no Reino, ambos de 1832, a agricultura começou a prosperar e a sentir os seus effeitos: ora se tornarmos a carregar com os dizimos áquellas terras, umas que senão agricultavam pela razão dos dizimos, e outras que se agricultavam, porque ainda compensavam as despezas, se tornarmos a estabelecer este imposto, vejam qual ha de ser o effeito? Longe de mim essa lembrança: os dizimos se acaso tornassem a voltar, nós, Sr. Presidente, passariamos em pouco tempo a ficar outra vez curvados debaixo do absolutismo, com que tanto tempo fomos opprimidos, e com os impostos, agrarios, com que então foram mimoseadas as terras de Portugal, que nesse tempo pagavam o dizimo, quartos, e oitavos.
Sr. Presidente, volto ao assumpto dos rendeiros, que é facto muito para se analysar: o rendeiro arrendava a corporações de mão morta, ou áquelles proprietarios, que tinham dizimos a receber por uma quantia certa; das o rendeiro que não arrendava senão para ganhar, havia de fazer todas as diligencias possiveis para arrendar por 100, e havia de querer vêr se tirava de lucro quanto centos podesse, e para o poder fazer, enceleirava os seus generos, e depois distribuia-os parcamente no mercado (porque todos os rendeiros era uma familia, que se entendia, como os Agiotas, que n´um momento sabem a ordem do dia) pelo preço que elles queriam, em quanto o bicho sancto não o fazia baixar: queremos outra vez na mão dos rendeiros semilhante monopolio, que vexava o povo, e de que nos libertou por uma vez o Decreto da extincção dos dizimos? Systema que era inconvenientissimo pela maneira de o arrecadar, e de que o Paiz se acha hoje liberto?
Sr. Presidente, diz-se - Nos Açores governam-se bem, e este systema ainda não mudou - ainda bem, que bem se governam, mas podiam governar-se muito melhor: mas nós os do Reino temos a experiencia contra nós: é preciso fazer uma essencial distincção; a agricultura cresceu, e com ella a producção; mas se na verdade, e infelizmente tem sido máo o uso, que se tem feito daquelle grande beneficio, se não tem sido competente, e bem formulado, ou bem desempenhado o systema financeiro e actualmente em execução no nosso Paiz, não e culpa minha, nem eu tracto agora da sua precisa reforma; mas, Sr. Presidente, a prosperidade dos Açores, aonde os dizimos ainda não foram extinctos, é devida a outras causas (Muitos apoiados): e se os dizimos tivessem sido extinctos, e substituidos por melhor e mais productivo systemas teria havido mais prosperidade.
Sr. Presidente, eu nem quero impostos sobre o rendimento bruto, nem quero o systema do monopolio, que é a consequencia necessaria dos rendimentos, nem quero a praga dos rendeiros (Apoiados): isto é considerada a questão só por este lado; e quanto ao Thesouro, se tal systema se restabelecesse, elle havia de encontrar-se em grandes difficuldades: e eu estou certo, que as convicções a este respeito já estão formadas ha muito; não me canço em combater uma opinião, que com quanto seja muito respeitavel, não é hoje seguida por todos: se lá fóra ainda alguem a reputa boa, a maioria das opiniões a reputa retrograda. Em quanto ao Thesouro, quando elle não contar com quantias certas, para fazer as suas despezas, de certo não poderá marchar bem; e como havia de contar com essas quantias certas, se necessariamente, no caso do pagamento dos tributos em genero, teria de correr riscos eventuaes da producção, da arrecadação, e da conservação do genero; creio que o nobre Deputado não deu toda a attenção que podia dar a este respeito.
Agora em relação ao imposto, e o que elle é, já está dicto nos dois ou tres grandes pontos, que desenvolvidos dão materia para uma dissertação immensa.
O imposto do dizimo, Sr. Presidente, recae sempre em todos os casos sobre o productor, e rarissimas vezes sobre o consumidor; mudou o systema para um systema novo, economico, e facil, porque o outro era de vexames, consequencia necessaria da cobrança dos mesmos impostos; o productor ficou alliviado, e tambem o consumidor que lucrou a baixa no preço venal dos generos que comprava, mas ponhamos tudo isto de parte; o que agora vem para a questão, são as difficuldades, em que o Thesouro se havia de achar collocado para receber essas rendas, porque não conta só com as despezas necessarias, tem os riscos eventuaes; os principios estabelecidos por todos os economistas são, de que as receitas sejam estabelecidas em dinheiro, e não em genero, porque as despezas devem ser pagas em dinheiro, e não em generos; um dos maiores economistas que sobre esta materia tem escripto Mr Jacob... sustenta victoriosamente esta opinião; nem era preciso tão grande auctoridade.
Sr. Presidente, esta materia ha muito, e por muitos tem sido tratada com toda a amplitude; portanto cada um deve ter formada a sua convicção a respei-
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to desta questão; a minha tambem está formada, e perdoe o nobre Deputado se não posso concordar com a doutrina do seu Additamento ou Emenda, a Camara votará como entender, mas eu voto contra, porque entendo que se adoptasse o Additamento do nobre Deputado, votar-se-ía uma calamidade, seria mais uma praga que caíria no nosso Paiz (Apoiados).
O Sr. Pessanha: - Sr. Presidente, eu approvei o Projecto que se acha em discussão tanto na sua generalidade como no seu primeiro artigo, porque, Sr. Presidente, longe de mim o negar ao Governo os meios necessarios para que possa governar. Poderei affastar-me da opinião do Ministerio em um ou outro ponto, quando eu julgue em meu humilde entender que essa opinião ministerial não é inteiramente conforme aos rigorosos principios do Direito Constitucional, e ás prescripções da nossa Lei Fundamental do Estado; ou mesmo quando alguma Proposta dos Srs. Ministros sobre, objectos economicos e administrativos me parece tambem menos conveniente; mas, Sr. Presidente, quando se tracta do pão quotidiano, desses meios indespensaveis para a existencia da sociedade, para a manutenção da sociedade, para a manuntenção da ordem, e para a continuação do serviço publico, como neste caso, eu não poderia deixar de dar o meu voto a favor desta Proposta; posto que aliás eu reconheça tambem a urgente necessidade de uma Lei permanente que regule devidamente este importantissimos objecto.
Mas, Sr. Presidente, pelo que respeita ao Additamento que se acha em discussão, e que tem por fim o restabelecimento entre nós do imposto dos dizimos, eu peço licença ao Sr. Deputado que o apresentou e mandou para a Mesa, para declarar que eu não posso por modo algum dar o meu voto a favor desse Additamento, e permitta-me o Sr. Deputado que eu reflicta que um assumpto de tanta transcendencia, que affecta os mais valiosos interesses sociaes, merecia não ser tractado aqui por incidente em um Additamento, e em uma Proposta de auctorisação desta, natureza (Apoiados).
Sr. Presidente, succedeu um grandioso acontecimento em os nossos dias, um acontecimento tão grandioso que pareceria inacreditavel á posteridade se elle não contivesse em si mesmo uma muito obvia e facil explicação - Um Principe Filosofo, um Principe, que eu não sei a quem hei de comparar na Historia, veio a esta nossa terra com um punhado de bravos Portugueses que o seguiam; luctou aqui com o collosso poderoso d´um outro Principe, que tinha em sua defeza um disciplinado exercito dez vezes maior em numero, e com todos os recursos desta nação ao seu dispôr; mas aquelle Principe Filosofo e tão extraordinario cantou a victoria. - Este feito, Sr. Presidente, cuja veracidade devia parecer duvidosa aos nossos vindouros, tem uma explicação muito facil, mas muito exacta: esse Principe immortal, Sr. Presidente, havia comprehendido completamente o espirito e as necessidades da época em que vivia; reconheceu que esta nossa sociedade já não podia ser o que antes fora(Apoiados) e não temendo a liberdade porque sabia aprecial-a, porque sabia que só á sombra della podem manar todas as fontes da prosperidade publica, e desenvolver-se todos os germens do talento e do genio, deu alforria ás nossas pessoas, e ás nossas terras (Apoiados). Então, Sr. Presidente, não era possivel que capitaneasse sómente esses poucos valentes que com elle desembarcaram nas praias do Mindello; a bandeira regeneradora, e de civilisação que volteou para a Nação Portugueza, não podia deixar de tornar o seu sequito muito mais numeroso (Vozes: - Muito bem). Restauremos a Carta, que não é de certo uma ancora a que devemos estar presos e amarrados neste oceano de successos e melhoramentos sociaes, em que navegam os outros povos, mas que contendo pelo contrario para a nossa Patria todas as garantias de liberdade politica e civil, se não presta facilmente a retrogradar mesmo no sentido a que o nobre Deputado ainda se referiu; restauramos a Carta, e ao mesmo tempo recebemos o benefico dom das Leis da Dictadura, dessas Leis que poderão conter defeitos, porque são obra de homens; mas que é innegavel que contém todos os elementos da nossa regeneração economica, que nos collocaram na posição de podermos subsistir com os nossos proprios recursos, dessas Leis que transformaram a antiga em a nova sociedade: porque o modo de ser da antiga sociedade já não era possivel, já tinha expirado de facto, deixando-nos apenas em herança as mais gloriosas recordações dos factos de nossos maiores: esse modo de ser da antiga socidade já não era possivel, e ainda quando fosse, seria hoje contra-indicado; nós somos uma prova do que affirmo, e poderia citar igualmente o exemplo d´uma outra nação, que foi talvez a maior nação do Mundo, que possuiu simultaneamente toda a Peninsula Iberica, muitas nações importantes na Europa, e todas as suas e as nassas Possessões na America, e nas outras partes do Mundo, e esta nação definhou-se no meio de tanta grandeza, porque despresou os seus proprios e naturaes recursos. Mas, Sr. Presidente, entre essas Leis da Dictadura avulta principalmente o Decreto de 30 de Julho de 1832, cuja revogação agora parece desejar-se. Pela minha parte, porém, eu não concorrerei para essa revogação, porque entendo que aquella Lei é a mais forte garantia, e a mais solida base para a nossa existencia social, e para a conservação da liberdade em a mossa terra. Sem essa Lei duvido que podessemos continuar a ser um povo livre: sem ella desappareceriam os grandes interesses, quebrar-se-ía um dos mais fortes vinculos que ligam a Nação Portugueza ás novas Instituições (Apoiados).
Mas o Paiz acha-se já muito prospero; os productos agricolas teem crescido prodigiosamente entre nós, dizem os illustres Deputados; a extincção dos dizimos, e de tantos outros estorvos tem produzido os effeitos mais salutares; é verdade, Sr. Presidente, que em virtude dessas Leis já vemos verdejar os cereaes, e as plantações, aonde antes só viamos charneca e pousios; mas estranha contradicção da nossa parte, em vez de procurarmos alcançar o complemento desses melhoramentos e dessas vantagens, em vez de procurarmos melhorar o estado do nosso Commercio externo e interno, em vez de abrirmos estradas e canaes, que possam promover o consumo aos nossos productos; em vez de derramarmos a instrucção publica no Paiz, a instrucção que é um tão poderoso elemento de riqueza, principalmente a instrucção agricola de que tanto se carece, occupamo-nos hoje da revogação dessas Leis beneficas, e de estancar a fonte mais pura, o mais precioso manancial de que podemos alimentar-nos! E isto só
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porque queremos para já mais algum dinheiro!! (Apoiados).
D´aqui a poucos dias, Sr. Presidente, faz um anno que desceu á sepultura um dos Portuguezes mais distinctos da nossa época, um desses poucos varões illustres a quem o immortal Duque de Brangança, estendia a destra nas angustias da Patria, em as agonias do Estado: esse illustre Politico fallando do Decreto para a abolição dos dizimos dizia em 1832 áquelle Principe - E Vossa Magestade Imperial, que presidiu ao debate do seu Conselho, e o esclareceu, não precisa de mais convencimento para fazer a Portugal um bem, que vale mais que todos os bens, que todos os Soberanos que o governaram, lhe tem feito - aquelle distincto Politico dizia aquella grande verdade áquelle Principe em 1832, e nós questionamos hoje, se aquelle Decreto deve ser revogado! O Sr. Mousinho da Silveira, que nos seus ultimos dias vivia quasi esquecido entre nós, mas a quem a posteridade ha de fazer justiça, o Sr. Mousitiho da Silveira poupou-se ainda aos mais pungentes desgostos, teve fortuna em morrer ha um anno (Uma voz: -retirou-se a tempo)! O Orador: - É verdade, foi feliz em não morrer mais tarde (Apoiados). Sr. Presidente, uma Lei que extinguiu o imposto mais injusto, mais desigual, mais excessivo e oppressor, o imposto que não era lançado no producto liquido, que não era pago por todas as classes da Sociedade, mas unicamente pela classe agricultora, par essa classe que produz as materias primas, e os objectos mais indispensaveis para a vida, e que principalmente entre nós deve merecer a mais seria attenção do Legislador, a fim de podermos concorrer nos mercados com as Nações estranhas; um imposto que não consistia em dez, mas que podia ser de vinte trinta, cincoenta, e mais por cento, conforme a maior ou menor fertilidade das terras, um imposto que tem esterilisado tantos povos, e com o qual tornariamos a ver inculto esse sólo abençoado, com que nos dotou a Providencia Divina; uma Lei que extinguiu um tal imposto, Sr. Presidente, não ha de ser revogada com a minha approvação; e espero e confio sinceramente que não ha de ser revogada com a approvação desta Camara (Apoiados) e espero e confio que os proprios Srs. Ministros se negarão obstinadamente a acceitar uma tal auctorisação. E note a Camara, e notem os Srs. Ministros, que gravissimos inconvenientes accarretaremos sobre nós com a adopção outra vez do imposto do disimo; como seria possivel obrigar agora os povos ao seu pagamento? Que despezas, que difficuldades seriam necessarias para a sua cobrança e Administração; eu estremeço, Sr. Presidente, quando considero os males que resultariam dessa adopção, sobre os quaes não insisto agora, porque o nobre Deputado que acaba de fallar, os ponderou por modo muito mais conveniente do que eu poderia fazer. Mas disse ainda ha pouco o nobre Deputado Auctor do Additamento - O imposto dos dizimos existe nos Açores com vantagem para o Throno e a contento dos povos; a contento dos povos, Sr. Presidente! Os povos dos Açores por suas Juntas, e por suas Camaras Constitucionaes representam ao Sr. Duque de Bragança, pedindo a extincção dos dizimos, o Sr. Duque de Bragança reconheceu a justiça daquellas Representações, e reduziu alli os dizimos a certos generos unicamente; não os aboliu inteiramente porque eram então o unico ramo da receita para o Thesouro, receita de que não era possivel o prescindir em tão apuradas circumstancias; mas prometteu de os extinguir tambem ali, logo que se estabelecesse um systema geral de contribuições para todo o Reino; esta premessa acha-se consignada no Relatorio do Decreto de 16 de Março, e no art. 2.° do Decreto de 30 de Julho de 1832; e nós agora, Sr. Presidente, em vez de darmos cumprimento áquella promessa, que devera ser sagrada, tractamos de extender tambem ao Continente do Reino esse flagello, que ainda opprime os nossos irmãos dos Açores, e de outras partes da Monarchia.
Eu lamento, Sr. Presidente, a tendencia que por vezes aqui tenho visto manifestar, para sobrecarregar de impostos a nossa producção agricola; e sem me referir pessoalmente a ninguem, a verdade é que se tem exaggerado a nossa actual riqueza neste sentido. Tem-se citado para prova da nossa riqueza a opinião de alguns Economistas que julgam um Paiz tanto mais rico, quanto nelle é mais baixo o preço dos productos; Sr. Presidente, eu respeito muito as theorias dos Economistas, sou pouco versado nessas theorias, mas sou-o bastante para saber que em Economia Politica existem ainda muito poucos principios fixos e determinados, e que raro é o principio estabelecido por um Economista a que não possa oppor-se um principio inteiramente diverso, estabelecido por outros. J. B. Say, por exemplo, segue a opinião de que a barateza dos productos indica a riqueza, e Dupont de Nemours com os discipulos de Quemay entendem que a opulencia consiste na abundancia com os preços altos.
Eu, Sr. Presidente, no meio de principios tão oppostos inclino-me á opinião de Mr. Ferrier, que não julga exactos nenhum daqueles principios, e que particularmente a respeito da opinião de Say, entende que a baixa dos preços sómente indica à riqueza, quando essa baixa é o resultado de melhoramentos nos processos do trabalho, em cujo caso ninguem dirá que se acham os nossos agricultores.
A minha opinião Sr. Presidente, é que as beneficas Leis do Senhor Dom Pedro produziram o resultado que hão podiam deixar de produzir: libertaram os homens, libertaram a terra; e a producção cresceu; mas o estado do nosso commercio externo, e interno, os nossos meios de communicação, e a falta instrucção na maior parte das nossas classes, acham-se em circumstancias tão desfavoraveis, que os productos valem muito pouco. Eu sei tambem, Sr. Presidente, que a população de um Paiz cresce ordinariamente em proporção da abundancia das producções, mas como esta abundancia é muito recente entre nós, e é proprio da natureza humana que um homem para o trabalho senão fórma de um anho para o outro; tambem resulta dahi que a mão de obra e o preço dos salarios senão acham ha maior parte das nossas provincias em a necessaria proporção, o que nos tem conduzido mui proximos a uma funesta crise (Apoiados). Esta é a verdade, Sr. Presidente, os illustres Deputados podem fazer os calculos que quizerem sobre a nossa riqueza, mas esses calculos não poderão de certo destruir a verdade deste facto.
Quando aqui vejo, Sr. Presidente, fazer algumas vezes calculos tão risonhos para mostrar a nossa grande riqueza actual, me lembra o que diz um Escriptor moderno descrevendo os diversos caracteres que se observam em os Parlamentos: entre esses caracteres
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menciona aquelle Escriptor uns certos Economistas e financeiros, que jogam por modo tão ostentoso e agradavel as cifras e os algarismos, que muitas vezes figuram grande opulencia, e até mesmo um excesso de receita, aonde um deficit esadissimo opprime os povos, aonde se está talvez na vespera de uma banca-rota (Vozes: - Muito bem).
Mas, Sr. Presidente, pondo de parte estas considerações, eu repito, que tenho visto com magoa a tendencia que aqui se tem manifestado por vezes para que sejam mais collectadas as nossas producções agricolas: tem-se feito até parallelos entre a posição dos Agricultores, e dos Funccionarios Publicos: eu sinto, Sr. Presidente, que estas comparações se façam; nós não somos Representantes de uma ou de outra classe, somos Representantes da Nação inteira; eu entendo que a classe dos Empregados Publicos deve ser paga, visto que serve o Paiz, lamento que esta classe: se ache no abandono em que a vemos, quantos aos seus vencimentos; deploro que os grandes sacrificios que a Nação está fazendo para occorrer a essas despezas, fiquem pela maior parte nas gavetas da agiotagem; mas já que se veio a tractar deste objecto, eu não posso deixar de refutar algumas asserções que me parecem menos exactas, e que desgraçadamente podem induzir em erro. Disse o Sr. Ministro da Fazenda que o Empregado Publico vive cercado das amarguras que lhe acarreta a sua posição, ao mesmo tempo que o Proprietario vive socegado e tranquillo em suas terras. Isto não é tão exacto como se assevera, e a empregomania de que fallou um Sr. Deputado, é uma prova dessa inexactidão: os Proprietarios Agricultores não estão sempre em um rozal ameno, como se suppõe (Apoiados); para que os seus trabalhos sejam productivos, precisam viver em suas casas, distantes quasi sempre das grandes povoações, e privados da maior parte dos commodos sociaes, o que não acontece ao Empregado Publico: quasi solitarios alli, de dia alumia-lhes o Sol com que Deus dá luz a todas as suas creaturas; de noite, sem lampadarios a gaz, caminham ás escuras de precipicio em precipio; tem de arrostar com o podêr das estações e das tempestades, que muitas vezes lhes arrebata n´um momento o esperançoso fructo dos trabalhos e das fadigas de um anno inteiro! Tem de luctar com as feras, e muitas vezes de defender-se peito a peito dos malfeitores que os accommettem, porque alli tambem não ha Guardas Municipaes que velem a segurança dos cidadãos: tem de descer ás mais minuciosas, ás mais mesquinhas e ás mais desagradaveis attenções; até lhe merece particular cuidado (permitta-me a Camara que empregue a expressão) até lhe merece particular cuidado o excremento de seus animaes ( Vozes: - É verdade); pela maior parte em suas molestias perecem, naquelles sitios ermos, á mingoa de um auxilio, de um soccorro da sciencia de curar; soccorros que só existem a grandes distancias, e para haver os quaes não ha recursos: em uma grande povoação obtem-se o conselho de um Facultativo por doze vintens, ou por um cruzado novo, alli para se obter a assistencia de um Medico é preciso gastar moedas, que senão possuem. Não façamos pois essas comparações, Sr. Presidente, mas já que se fizeram, permitta-me a Camara que eu diga ainda duas palavras a este respeito. Ha uma circumstancia em que o Lavrador leva vantagem ás outras classes: affeito a ser tantas vezes contrariado em seus mais justos e razoaveis desejos, habituou-se a ser resignado, e por necessidade tornou-se sobrio e parco.
Sr. Presidente, muitas vezes um Empregado Publico julga-se infeliz, porque não possue uns poucos de cruzados novos para tomar um camarote em S. Carlos, um Lavrador julga-se sempre feliz, quando á força de suores e de trabalhos logra affastar da sua porta os Exactores do Fisco, ficando apenas com um bocado de pão para alimentar sua familia pobre e honradamente Sejamos pois todos sobrios e parcos, e não nos lembraremos talvez de revogar o Decreto de 30 de Julho de 1832.
Sr. Presidente, vou concluir para não abusar por mais tempo da paciencia da Camara. Sr. Presidente, pela Carta, e pelas Leis do Immortal Duque de Bragança, fez a Nação os mais pesados sacrificios; vimos os mais conspicuos cidadãos foragidos ou cobertos de cadêas, a virtude e o merito preza do crime, e os innocentes e chorosos munes de Gravista e de seus companheiros no martyrio, clamando por justiça a Deos e aos homens; essa Liberdade, e essas Leis custaram á Nação Portugueza muitos saccos de ouro; derramou-se por ellas muito sangue nos patibulos, e no campo da peleja. Não destruamos pois o dom precioso dessas Leis, das Leis do Grande Homem, a quem devemos ser gratos, ainda mais tomando por prototypo o exemplar de suas virtudes civicas e liberaes, ainda mais respeitando sua obra regeneradora e de civilização, do que por estereis e inuteis ovações.
Sr. Presidente, eu tambem partilhei o meu quinhão naquelles sacrificios, tenho por aquellas Leis uma devoção quasi religiosa. Voto por tanto contra o Additamento em discussão (Apoiados - Vozes: - Muito bem).
O Sr. Lopes de Lima: - Direi muito poucas palavras. É verdade, e eu mesmo já o preveni, que o que disse o nobre Deputado tem por si ainda a opinião geral ostensiva da Camara, a quem assusta a palavra - dizimo - estou certo disto; entre tanto basta-me unicamente uma cousa, recommendo aos Lavradores dos nossos campos que comparem os factos que eu apresentei no meu discurso, com o que disseram os nobres Deputados; que comparem os antigos rendeiros com os modernos Recebedores e Escrivães da Fazenda; que comparem esse chamado monopolio, com o depreciamento hoje dos generos. Não faço mais observações. Agora pelo que respeita a alguns argumentos que apresentou o nobre Deputado que ultimamente fallou, direi, que ninguem venera mais do que eu, a memoria desse Principe Immortal; tive a honra de ser um daquelles que o acompanharam no cerco do Porto; e ninguem mais do que eu tem defendido a Carta Constitucional: mas na Carta não ha uma disposição que proscreva os dizimos. Disse o illustre Deputado - "Os povos dos Açores reclamaram a sua abolição" - O que reclamaram foi a sua refórma. Disse tambem o nobre Deputado, que se tinha feito uma promessa, quando esta refórma se fizera, a qual não tinha sido cumprida - Ora é necessario que eu diga ao illustre Deputado, que o Relatorio a que me refiro, do Decreto de 16 de Março de 32, é obra de um Ministro, o cavalheiro que referendou este Decreto, teve as melhores intenções do Mundo, mas talvez commettesse alguma imprudencia... Não quero fallar da obra de um morto... Não ha duvida que o facto é este:
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mas pergunto, tem os povos instado por esta promessa? Ha 16 annos que o Corpo Legislativo se reune; por ventura tem algum Deputado dos Açores levantado aqui a sua voz, pedindo que se cumpra aquella promessa? Hoje mesmo ha ahi algum Deputado por aquelle Collegio Eleitoral encarregado pelos seus constituintes de pedir a commutação do imposto (Pausa)? - Ninguem responde. Não por certo; que os povos dos Açores teriam essa commutação como uma verdadeira praga. Elles sentem que estão bem, e sabem que nós estamos mal. Nada mais direi sobre esta materia. O meu fim está cumprido. O Sr. Presidente: - A grande Deputação que em nome da camara dos Deputados ha de no dia 4 de Abril, felicitar Sua Magestade pelo seu Anniversario Natalicio, será composta, além do Presidente da Camara e dos Srs. Secretarios, dos Srs. Agostinho Albano, Lacerda (Antonio), Lopes Branco, A. V.
Peixoto, Côrte Real, Bispo Eleito de Castello Branco, Pinheiro Furtado, Silva Cabral, J. L. da Luz, e D. Prior de Guimarães.
A Camara sabe ser estilo, e estilo muito louvavel, aggregarem-se á Deputação os Srs. Deputados que vão felicitar Sua Magestade.
O Sr. Ministro da Guerra: - Mando para a Meza a Proposta de Lei, para a fixação da força do Exercito para o anno economico seguinte.
O Sr. Presidente: - Ámanhã se dará seguimento a esta Proposta, porque já não ha numero na Casa. A Ordem do Dia para amanhã é a continuação da que estava dada anteriormente. Está levantada a Sessão. - Eram quatro horas da tarde.
O REDACTOR
JOSÉ DE CASTRO FREIRE DE MACEDO.
N.° 2. Sessão em 2 de Abril 1850.
Presidencia do Sr. Rebello Cabral.
Chamada - Presentes 49 Srs. Deputados.
Abertura - Ao meio dia.
Acta - Approvada.
Não houve correspondencia - Porém mencionou-se na Mesa o seguinte
REPRESENTAÇÕES. - l.ª Apresentada pelo Presidente, em que a Camara Municipal do Concelho de Armamar representa contra a approvação da base principal e de diversos artigos do Projecto de Lei apresentado pelo Sr. Deputado Lopes Branco, para a extincção dos cargos de Juizes Ordinarios. - Á Commissão de Legislação.
2.ª. Apresentada pelo Sr. Agostinho Albano, em que a Camara Municipal de Villa Real de Traz-os-Montes pede que na actual Sessão Legislativa se adoptem providencias, que obstem á total ruina do commercio dos Vinhos do Douro. - Á Commissão Especial dos Vinhos.
3.ª Apresentada pelo Sr. Castro de Abreu, em que a Camara Municipal de Penalva do Castello pede que a Povoação do Ladario, pertencente á Parochia de Luzinde, seja annexada a seu Concelho, e desmembrada do Concelho de Satão, e Parochia de S. Miguel de Villa Bôa, a que actualmente pertence. - As Commissões Estatistica, Ecclesiastica, e de Administração Publica.
O Sr. Presidente: - Vai dar-se conta da Proposta de Lei que o Sr. Ministro da Guerra mandou hontem para a Mesa no fim da Sessão.
(Leu-se, e tem por fim afixação da força de terra para o anno de 1850 a 1851).
Foi julgada urgente - E remetteu-se á Commissão de Guerra.
O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - Eis-aqui o Relatorio da minha Repartição.
Leu, e mandou para a Mesa juntamente com tres Propostas de Lei.
1.ª PROPOSTA. - Para ser elevada á cathegoria de l.ª ordem a Legação de S. Petersburgo
Foi declarada urgente - E remetteu-se á Commissão Diplomatica, e depois á do Orçamento.
2.ª Para ser elevada á cathegoria de 2.ª ordem a Legação de Washington.
Foi declarada urgente - E remetteu-se ás mesmas Commissões.
3.ª Para o Governo ser auctorisado a proceder, com toda a possivel economia, aos aperfeiçoamentos e reformas na administração dos Correios e Postas do Reino.
Foi julgada urgente - E remetteu-se á Commissão Diplomatica.
O Relatorio mandou-se imprimir.
O Sr. Oliveira Borges: - Mando para a Mesa uma Representação da Associação Mercantil de Lisboa, pedindo a approvação da Proposta de Lei do Sr. Ministro da Justiça para que sejam admittidas no Juizo Commercial as Letras da terra, e os Bilhetes e Livranças á ordem.
Ficou para seguir os termos regulares.
O Sr. Vieira Araujo: - Mando para a Mesa uma Representação da Parochia de S. Pedro de Guains, Concelho de Penella, sobre divisão de territorio. E participo a V. Exa. que o Sr. Franco de Castro por incommodo de saude não assistiu á Sessão de hontem, nem póde assistir á de hoje.
A Representação ficou para seguir os termos regulares.
O Sr. Fontes Pereira de Mello: - Ha muito tempo que não tenho tido o gosto de ver o Sr. Ministro da Guerra na primeira parte da Ordem do Dia, e por isso tenho adiado o proposito que tinha de perguntar pelo resultado de um convite que ha tempos dirigi á illustre Commissão de Guerra para dar o seu Parecer sobre o Relatorio do respectivo Ministerio; mas como S. Exa. não tem comparecido na occasião, que é a propria para se tractar deste negocio, como ouvi lêr uma Proposta na Mesa para a fixação da força de terra, e entendendo que não é possivel discutir Proposta nenhuma neste sentido, sem que a illustre Commissão de Guerra dê primeiramente o seu Parecer sobre o Relatorio que lhe foi remettido, e com repugnancia que sou obrigado a fazer, pela quarta vez, um novo convite á illustre Commissão a fim de que ella dê quantos antes o seu Pa-
VOL. 4.º - ABRIL. - 1850.6