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conhecer que o tempo urge, e que é necessario que quanto antes o parlamento se pronuncie sobre esta grave questão (apoiados).

A difficuldade com que entro n'esta discussão é maior do que aquella que me costuma acompanhar sempre que tenho a honra de levantar a minha voz n'esta assembléa, por isso mesmo que tendo communicado ao illustre relator da commissão quaes eram as minhas idéas a este respeito, porque não faço segredo d'ellas, nem mesmo ha de que o fazer, e tendo-o por consequencia collocado tambem nas circumstancias de nos esclarecer com as suas respostas e com as reflexões, das quaes de certo a camara havia de tirar muita luz e muito proveito para a deliberação; mas elle infelizmente, em virtude do seu estado de saude, nao pôde tomar hoje parte no debate, e eu vejo-me na necessidade de apresentar apesar d'isso a minha opinião, porque se não a apresento com relação a este artigo, passa a occasião, e a todo o tempo elle, ou mesmo n'esta sessão qualquer membro das illustres commissões que deram o seu parecer a este respeito, ou mesmo s. ex.ª, o sr. ministro da fazenda, se se dignar attender ás minhas humildes considerações, poderão dar a este respeito as explicações que lhe parecerem convenientes no sentido de defeza do projecto, ou no sentido de acquiescencia ao meu principio, se porventura tiver a fortuna de conquistar a vontade e o entendimento de ss. ex.ª

A minha moção é muito simples ao mesmo tempo que tem um grave alcance. E devo dizer que não acha grande numero de sympathias, nem de um, nem de outro lado da camara; mas a camara tambem me ha de fazer a justiça de acreditar, que em todas as questões mais ou menos graves que têem vindo ao parlamento e em que tenho tomado parte, não é de certo a circumstancia que me prende mais, a da popularidade parlamentar. Faço a minha desobriga, apresento as minhas idéas e a camara resolve os negocios como bem lho apraz.

A minha proposta é a seguinte:

«E livre e cultura do tabaco em todo o reino.»

A historia d'esta industria em Portugal, infelizmente não é das mais honrosas para elle, e o seu epilogo consubstanciado n'esta proposta de lei não desdiz dos precedentes, antes os aggrava.

Ha trezentos annos, um portuguez trouxe á Europa pela primeira vez o tabaco, e a planta do Novo Mundo achou n'esta terra uma patria adoptiva, que quasi lhe fazia esquecer seu paiz natal; o embaixador da França então residente em Lisboa, a levou d'aqui para París á rainha de França com os nomes pomposos de herva santa, de nicociana, de tabaco e de herva em pó da rainha; eram epithetos dados á planta em obsequio de altas personagens, que nada concorreram para a sua acclimatação e cultura, e os nomes do portuguez que a trouxe, e da sua patria adoptiva no velho continente, passaram despercebidos e ingratamente esquecidos na sua historia!

A proposta de lei que estamos discutindo, mostra que este paiz não era por certo digno de tradições mais honrosas!

Quando se lê o artigo 1.° do projecto de lei em discussão e se combina com a doutrina do artigo 3.°, custa a conceber que os discipulos de uma mesma escola, que os sectarios da mesma doutrina, que os homens da mesma parcialidade fossem no mesmo projecto de lei mais de uma vez buscar a escolas oppostas as disposições dos differentes artigos que se combatem e destroem mutuamente. Se se invoca uma vez por acaso no artigo 1.° a liberdade de commercio, tres ou quatro vezes se invoca a repressão do commercio na sua mais lata significação.

E é este o projecto que se inculca como uma das provas de virilidade o força da situação actual!

O nobre deputado que ha poucos dias considerou esta proposta de lei d'este modo, confundiu de certo o symptoma de força com o artificio em que ordinariamente a velhice costuma encobrir a decrepitude.

Não pôde ser, não é a maneira como o projecto está concebido, uma significação de força; é a cabelleira que encobre a calva, são os cientes postiços que substituem os naturaes, é a pintura que disfarça as cans, mas que compromette constantemente a velhice presumpçosa!

Mas eu tenho sempre tido e conservo ainda o sentimento da imparcialidade.

Quando os illustres oradores que tomaram parte na discussão da proposta de lei de que se trata, e sobretudo s. ex.ª o sr. ministro da fazenda fallou a este respeito, estou bem certo, porquanto tenho seguido esta discussão com todo o desvelo e cuidado, de que se por um lado se desejava inaugurar o principio da liberdade, não tão ampla como s. ex.ª desejava, porque com o tempo se iriam fazendo modificações na lei e por consequencia dilatando estas raias da liberdade que se apresentam no artigo 1.° do projecto, por outro lado o ao mesmo tempo se não quiz diminuir em cousa nenhuma o rendimento do estado; e que por consequencia o projecto foi elaborado desde o primeiro até ao ultimo artigo tendo-se sempre em consideração estes dois principios— liberdade possivel e rendimento do tabaco— pelo menos igual ao que o estado hoje aufere pelo systema do monopolio.

Parece-me pois que logo que eu possa provar que da proposta que tenho a honra de mandar para a mesa não se segue que o estado receba menos do que actualmente recebe, a situação actual, o ministerio e a maioria não podem logicamente deixar de a aceitar; e tanto mais que ella encerra um principio eminentemente liberal que a escola que se preza de ser tal não pôde deixar de querer que se junte aos outros principios que professa.

Verei eu se o posso demonstrar e se posso convencer os meus adversarios d'esta verdade. Se poder tanto melhor, não para mim, porque não me resta gloria nenhuma em ganhar a victoria, mas para o paiz, que consigna mais um grande principio na lei que actualmente se discute. Não me resta comtudo esperança alguma ácerca da victoria.

Depois do que disse o nobre ministro n'uma das sessões passadas, apostrophando a maioria. «Vede bem que se porventura admittis a idéa apresentada por aquelle lado da camara, dentro em pouco tempo com rasão a opposição dirá ao ministerio: saí d'essas cadeiras e deixae-nos gerir os negocios publicos, porque foi nossa a idéa que se consignou no projecto». Desde logo me persuadi de que ás rasões da opposição se opporiam os votos da maioria e que a belleza do systema parlamentar, pelo menos com respeito á questão sujeita, tinha acabado n'esse mesmo momento.

E a discussão de hontem veiu confirmar no meu espirito esta triste apprehensão. Levantou-se um certo numero de deputados da opposição, fizeram um certo numero de indicações, e a maioria não respondeu a uma só d'essas observações; e apenas o sr. ministro da fazenda teve a condescendencia de declarar que = se porventura o projecto não estivesse convertido em lei no 1.° de maio, uma nova medida viria propor =. Novissima lhe chamarei eu, porque depois de s. ex.ª declarar que não aceitava a régie nem o monopolio, que idéa nova póde ser esta que appareça no 1.° de maio, se o projecto a esse tempo não estiver convertido em lei?

Mas ainda assim me atrevo a offerecer a minha moção de ordem a que me tenho referido e a sustenta-la, porque nem o deputado que a apresenta aspira a subir ao poder, nem tambem a moção combate o principio fundamental do projecto, antes tende a desenvolver mais a idéa de liberdade, que é, ou que se tem dito ser, a base d'este projecto. E ainda que o sr. ministro da fazenda, n'um trecho elaborado para excitar a hilaridade em um seu discurso feito o anno passado, cousa que poucas vezes tenho tido a fortuna de ouvir, me considerou incompativel n'um ministerio com o sr. Carlos Bento e com o sr. Casal Ribeiro, porque tinhamos idéas oppostas em fazenda. Foi uma jovialidade apenas! Nem o illustre ministro se pôde persuadir de que eu, quando apresento qualquer moção, o faça movido pelo desejo de mudar a situação em proveito proprio.

Vindo propriamente á questão, declaro com franqueza que, depois de ler attentamente o preambulo d'esta lei, feito sob as vistas do governo, approvado por duas illustres commissões competentes e scientes, e depois de ouvir os discursos dos illustres deputados que têem sustentado o projecto, para sustentar a prohibição da cultura do tabaco no continente do reino, quatro motivos se apresentaram exarados, torno a repetir, no relatorio, e desenvolvidos nos discursos dos illustres oradores.

O primeiro vem a ser que, permittida a cultura do tabaco no paiz, o terreno destinado a outras culturas mais necessarias e essenciaes para a vida dos povos poderia ser substituido por esta cultura, e trazer isto um grave inconveniente para o paiz.

A segunda rasão era que á proporção que se augmentar no paiz a cultura do tabaco, ha de diminuir a importação do tabaco exotico pelas alfandegas, como o principal rendimento que o estado quer auferir d'esta lei, vem a ser o grave imposto sobre o tabaco que entra nas alfandegas; e não sendo esta cultura d'aquellas sobre que deva carregar um grave imposto, vinha a seguir-se que este augmento de imposto diminuía a receita do fisco com relação ao tabaco, e então ía se de encontro a um dos principaes fins que a administração teve em vista n'esta proposta.

O terceiro argumento é que a experiencia já se tenha feito em Portugal, e não se tenham colhido bons resultados, ou que os resultados d'esta experiencia eram hostis á livre cultura do tabaco no paiz.

Ultima e finalmente, que indo-se buscar o typo d'esta lei a um paiz onde a liberdade está combinada com certo numero de restricções, como ella se apresenta lá, o governo e as commissões são todos de accordo em que não haja permissão da cultura do tabaco. Este paiz é a Inglaterra.

Eu acrescentarei ainda a estas rasões, porque não desejo diminuir em nada a força dos argumentos dos meus adversarios, que vejo ainda na cultura do tabaco uma porta aberta para o contrabando em grande escala, e conseguintemente uma maneira indirecta de diminuir consideravelmente as rendas do estado.

Vejamos com relação ao primeiro motivo as rasões que o governo e as commissões tiveram para sustentar esta prohibição de cultura de tabaco. Parece-me que não é de certo necessario muito esforço de intelligencia e de illustração para mostrar que esta cultura trazia maior, reddito a Portugal, como o tem trazido a outros paizes onde esta cultura é livre. E se se pensa que o não havia de trazer, como é então que o governo pensa que d'essa cultura nas ilhas ha de tirar tanto quanto auferia pelo monopolio n'aquella porção da monarchia?

E direi incidentemente que, com relação ás ilhas, pelas disposições do projecto e por todas as emendas que os homens mais competentes das ilhas ainda ha pouco mandaram para a mesa, todos reputam que se podem auferir 70:000$000 réis, que tanto era o que se auferia até agora do monopolio nas ilhas. Como se não poderá então auferir o mesmo com relação ao continente, que até aqui se auferia pelo monopolio? As rasões são as mesmas, e por conseguinte não pôde deixar de chegar-se á mesma conclusão. Mas a verdade é que não se chegou.

Sr. presidente, a liberdade das industrias, que me parece que em these não haverá deputado algum, quer de um lado quer do outro da camara, que o contesto, tem alem de outras muitas vantagens, a vantagem suprema que a liberdade introduzida em todas as cousas trás comsigo, que é de corrigir-se a si mesma. Tem o governo porventura medo que a cultura do tabaco seja tão extremamente productiva que invada os terrenos que podem ser destinados ás graminias, ás substancias mais necessarias á alimentação do povo? Pois deixe este equilibrio á liberdade das culturas e ellas restituirão este equilibrio, que nenhuma lei é capaz de decretar e que não está decretado por lei nenhuma. A agrologia e a meteorologia não respeitam as nossa leis; hão de fazer o equilibrio sem ser necessario que intervenha a acção do governo.

Um grande economista, n'um livro que, por ser extremamente elementar, anda na mão de todos, o sr. Garnier declara que na liberdade das industrias não se entenda que o movimento muscular com que o homem desenvolve a materia prima para differentes industrias, é o primeiro élo dos trabalhos industriaes; não se acredite que o movimento muscular com que o homem converte a materia prima em productos vendáveis, seja o primeiro élo dos trabalhos industriaes. O primeiro élo de todos os actos industriaes é o pensamento do industrial em conceber a industria que vae pôr em pratica. Desde que a lei lhe véda esse pensamento, a lei começou a exercer uma tyrannia sobre este mesmo industrial na sua primeira e mais singela manifestação, ainda que seja com as idéas mais paternas e beneficas que o governo intervenha n'esta repartição da terra e nos differentes systemas de cultura, exerce sem operar uma especie de pressão e de tyrannia sobre a primeira de todas as industrias de um povo qualquer. Por consequencia, já se vê que para estabelecer estes principios e seguir este caminho é necessario contradizer os principios mais elementares da sciencia economica.

Mas eu devo notar que a prohibição da cultura do tabaco em Portugal, com esta apprehensão, é uma prohibição que denota, salvo todo o respeito, pouco estudo da materia, insciencia absoluta da questão agricola!

Sabe v. ex.ª qual é a superficie do terreno arável na França capaz de produzir todo o tabaco que se consome n'aquelle paiz? 1:000 hectares de terra, ou 5:000 hectares apenas se ali fosse adoptado o systema da cultura de Flandres; de modo que a superficie de uma só communa seria sufficiente para produzir todo o tabaco indispensavel ás fabricas da França. Eis-aqui a opinião altamente auctorisada e competentissima do sr. conde Gasparin!

Ora isto quer dizer que 1:000 hectares de terra seria mais que sufficiente para produzir todo o tabaco necessario ás fabricas que houverem de se estabelecer em Portugal. E pôde o governo em boa fé acreditar que uma cultura que apenas acha mercado para o producto de 1:000 hectares de terra, invada o paiz a ponto de prejudicar as outras culturas indispensaveis á vida do povo? Não o creio, nem o pôde acreditar o proprio governo!

O alargamento das industrias não está simplesmente na rasão directa das condições agrologicas e meteorologicas; está ainda debaixo da rasão directa de um principio mais poderoso do que todos estes, que é do consumo que o producto dessas industrias pôde ter no paiz.

Hoje uma das culturas mais productivas da França é a beterraba, e dá se entre nós perfeitamente; comtudo não ha um campo em Portugal aonde se encontre essa industria em grande.

Em França, a par d'esta industria, existe a industria do assucar, e toda essa beterraba tem um consumo no commercio; mas que serviria cá produzir se muita beterraba? Só para alguns pratos das nossas mesas e sustento dos gados. Portanto já se vê que o consumo não está ainda a par do trabalho e das despezas do grangeio.

Ora se Portugal consome unicamente 1.300:000 kilogrammas de tabaco, tudo quanto fosse produzido a mais ficaria era pura desvantagem do agricultor, e por consequencia elle restringiria a sua cultura e não produziria no anno seguinte tanto quanto produziu no anno antecedente. Isto mesmo é que se observa nos paizes aonde a cultura do tabaco é livre; por exemplo, na Belgica são uniformes todos os auctores em dizer que = se restrinja a cultura do tabaco =, e ultimamente ha a cultura do tabaco simplesmente n'aquellas localidades que pelas suas condições são mais vantajosas para essa cultura, e sobretudo n'uma zona em volta das fabricas que a precisam para o seu consumo.

Ha muitas localidades proprias para esta cultura, mas por ficarem a certa distancia das fabricas não se faz, porque as despezas do grangeio e as da trasladação para as fabricas são superiores ao preço do tabaco. Por consequencia não ha motivo para se nutrir por um momento a apprehensão de que o desenvolvimento da cultura do tabaco podesse prejudicar as outras culturas.

Por mais elevado que seja o preço do vinho do Douro veja-se se os lavradores das margens do Tejo se lembram de as plantar de vinhas, e se os lavradores do Douro semeiam trigo nas margens alcantiladas do Douro. Não, porque teriam um prejuizo certo.

Ora os oradores que têem tomado parte n'esta discussão têem dito que = augmentando-se a producção do tabaco em larga escala em Portugal, quantos kilogrammas se produzissem de folha em Portugal tantos menos entrariam nas alfandegas, e por consequencia recebendo o fisco por cada kilogramma que entrasse de menos na alfandega 1$330 réis, haveria portanto um desfalque tão grande nas rendas do estado que não seria possivel manter os dois principios que o governo se propõe defender nesta lei, que vem a ser, a liberdade do commercio com a igual receita que actualmente aufere pelo monopolio = =. Mas as provas d'isto aonde estão? Estudou-se esta questão? Deu-se alguma rasão por que isto devia ser assim? Fizeram-se algumas reflexões que induzissem a camara a esta convicção? Nenhumas; e eu vou agora expor á camara uma serie d'ellas, pelas quaes me comprometto a demonstrar que os rendimentos auferidos pelo