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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO EM 30 DE MARÇO DE 1864

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

Antonio Eleutherio Dias da Silva

José de Menezes Toste

Chamada — Presentes 62 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os Srs. Adriano Pequito, Affonso Botelho, Garcia de Lima, Annibal, Vidal, Abilio, Ayres de Gouveia, Sá Nogueira, Quaresma, A. Eleutherio Dias, Gomes Brandão, Gouveia Osorio, Pinto de Magalhães, Arrobas, Mazzioti, Lemos e Napoles, Fonseca Osorio, Magalhães Aguiar, Peixoto, Barão da Torre, Barão do Vallado, Garcez, Albuquerque e Amaral, Abranches, Almeida Azevedo, Bispo Eleito de Macau, Almeida Pessanha, Cesario, Claudio Nunes, C. J. da Costa, Poças Falcão, Borges Fernandes, F. L. Gomes, F. M. da Costa, Mendes de Carvalho, J. A. de Sousa, J. J. de Azevedo, Sepulveda Teixeira, Albuquerque Caldeira, Joaquim Cabral, Torres e Almeida, Matos Correia, Mello e Mendonça, Neutel, Galvão, Sette, José Guedes, Alves Chaves, Fernandes Vaz, Frasão, Alvares da Guerra, Toste, José de Moraes, Oliveira Baptista, Batalhós, Julio do Carvalhal, Alves do Rio, Manuel Firmino, Sousa Junior, Marianno de Sousa, Modesto, Monteiro Castello Branco, Placido de Abreu, Ricardo Guimarães e Thomás Ribeiro.

Entraram durante a sessão — Os srs. Braamcamp, Mais, Correia Caldeira, Gonçalves de Freitas, Ferreira Pontes, Seixas, Fontes, Breyner, Antonio Pequito, Pinto de Albuquerque, Antonio de Serpa, Palmeirim, Zeferino Rodrigues, Barão das Lages, Barão do Rio Zezere, Freitas Soares, Beirão, Carlos Bento, Ferreri, Cyrillo Machado, Fernando de Magalhães, F. F. de Mello, Bivar, Barroso, Fernandes Costa, F. M. da Costa, Cadabal, G. de Barros, H. de Castro, Medeiros, Blanc, Sant'Anna e Vasconcellos, Gomes de Castro, Mártens Ferrão, João Chrysostomo, Costa Xavier, Fonseca Coutinho, Nepomuceno de Macedo, Calça e Pina, Coelho de Carvalho, Faria Guimarães, Lobo d'Avila, Luciano de Castro, J. M. de Abreu, Sieuve, Silveira e Menezes, Gonçalves Correia, Camara Falcão, Levy M. Jordão, Camara Leme, Freitas Branco, Affonseca, Rocha Peixoto. Mendes Leite, Murta, Pereira Dias, Pinto de Araujo, Miguel Osorio, Moraes Soares, Fernandes Thomás e Visconde de Pindella.

Não compareceram — Os srs. Soares de Moraes, A. B. Ferreira, Pereira da Cunha, Lopes Branco, David, Barão de Santos, Oliveira e Castro, Pinto Coelho, Sepulveda Teixeira, Conde de Azambuja, Conde da Torre, Domingos de Barros, Drago, Abranches Homem, Coelho do Amaral, Diogo de Sá, Ignacio Lopes, Izidoro Vianna, Gavicho, Bicudo, Pulido, Chamiço, Gaspar Pereira, Gaspar Teixeira, Pereira de Carvalho e Abreu, Silveira da Mota, Aragão Mascarenhas, Ferreira de Mello, Simas, Rodrigues Camara, J. Pinto de Magalhães, Veiga, Gama, Infante Pessanha, Figueiredo Faria, D. José de Alarcão, Casal Ribeiro, Costa e Silva, Latino Coelho, Rojão, Mendes Leal, Moura, Alves Guerra, Vaz Preto, Charters, R. Lobo d'Avila, Simão de Almeida, Teixeira Pinto e Vicente de Seiça.

Abertura — Ao meio dia e quarenta minutos.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

1.º Um officio do ministerio da fazenda, devolvendo, informado, o requerimento em que o thesoureiro da alfandega da Figueira, Antonio Maria de Mello, pede uma gratificação pelo trabalho que tem e pela responsabilidade que lhe resulta da arrecadação do imposto creado pela lei de 9 de fevereiro de 1843. — Á commissão de fazenda.

2.º Do mesmo ministerio, acompanhando parte dos documentos pedidos pelo sr. Sieuve de Menezes, sobre o consumo do tabaco nas ilhas dos Açores e da Madeira. — Para a secretaria.

3.º Do mesmo ministerio, acompanhando o mappa, pedido pelo sr. Neutel, do rendimento dos direitos do pescado e addicionaes, que se cobraram no posto fiscal de Pera nos annos de 1860 a 1863. — Para a secretaria.

4.º Uma representação da camara municipal de Vouzella, pedindo que seja elevado a classe de 1.ª ordem o lyceu de Vizeu. — Á commissão de instrucção publica.

5.º Da camara municipal de Aljustrel, pedindo a approvação do projecto de lei para a continuação do caminho de ferro de Beja para o Algarve. — Á commissão de obras publicas.

6.º Dos voluntarios do antigo batalhão de caçadores n.° 5, pedindo ser addidos ao batalhão de veteranos de S. João da Foz, nos postos que tinham quando tiveram baixa. — Á commissão de guerra.

7.º Dos parochos do concelho de Celorico da Beira, pedindo que se discuta o projecto de lei para a dotação do clero. — Á commissão ecclesiastica.

8.º Da camara municipal de Lagôa, pedindo a approvação do projecto de lei do sr. Bivar, para a continuação do caminho de ferro de Beja para o Algarve. — Á commissão de obras publicas.

9.º Da camara municipal de Machico, pedindo que seja permittido pagar em duas prestações a contribuição industrial d'aquelle districto. — Á commissão de fazenda.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

REQUERIMENTOS

1.º Requeiro que se peça ao governo, pelo ministerio do reino, remetta a esta camara, com a maior urgencia possivel, copia da portaria que foi dirigida ao governador civil de Coimbra, sobre a interpretação que foi dada ao artigo 23.° da lei de 16 de julho de 1863, e copia da consulta do ajudante do procurador geral da corôa, junto ao ministerio do reino, sobre o mesmo objecto. = José de Moraes Pinto de Almeida.

2.º Requeiro que o governo remetta com urgencia a esta camara:

I As consultas semestraes que o conselho dramatico deve ter feito subir ao governo, em resultado das inspecções que, segundo o regulamento em vigor, devem ter sido feitas ao theatro de D. Maria II;

II Os orçamentos do mesmo theatro, relativos ao anno findo e ao corrente, e as contas dos dois ultimos annos. = Levy Maria Jordão.

3.º Requeiro que o ministerio do reino envie com urgencia a esta camara copia das portarias (havendo-as) que auctorisassem os bailes de mascaras no theatro de D. Maria II, e permittissem dar entradas gratuitas a outras pessoas, alem d'aquellas a quem essas entradas compete pelos regulamentos em vigor. = Levy Maria Jordão.

4.º Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviado com urgencia um mappa do pessoal dos actores e actrizes do theatro de D. Maria II, indicando as datas das suas admissões, a classe a que pertencem e os ordenados e gratificações que percebem, indicando, em relação a estas, a disposição legal que as auctorisou. = Levy Maria Jordão.

5.º Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada com urgencia a esta camara uma relação dos dramas originaes portuguezes, e das comedias, tambem originaes, de dois actos ou mais, approvados pela censura para serem representados no theatro de D. Maria II, indicando os nomes dos auctores e as datas da approvação pela censura. = Levy Maria Jordão.

Foram remettidos ao governo.

NOTAS DE INTERPELLAÇÃO

1. Desejo tomar parte na interpellação que pelo sr. deputado Thomás Ribeiro foi dirigida ao sr. ministro das obras publicas, sobre o caminho de ferro da Beira. = Fernandes Vaz.

2. Desejo interpellar o sr. ministro da fazenda, relativamente ás intenções do governo sobre apresentação de alguma medida, durante a actual sessão, para o pagamento da divida do papel-moeda. = Visconde de Pindella.

Mandaram-se fazer as communicações respectivas.

SEGUNDAS LEITURAS

PROJECTO DE LEI

Senhores. — A lei de 11 de setembro de 1861, extinguindo os dizimos, o quinto, o subsidio litterario e o finto nas ilhas da Madeira e do Porto Santo, desde 1 de janeiro de 1863, determinou que a contar d'esta data seria applicavel ás mesmas ilhas a legislação que regesse no continente do reino as contribuições industrial, predial e pessoal.

Por isso se acha ali actualmente em vigor a lei de 30 de julho de 1860, pela qual é regulada a contribuição industrial, com as modificações ordenadas na de 22 de agosto de 1861.

O governo teve auctorisação, que lhe foi dada pelo artigo 25.° da citada lei de 30 de julho de 1860, para fazer os regulamentos necessarios para a respectiva execução, e no uso d'aquella ordenou para este effeito as instrucções regulamentares de 25 de setembro do mesmo anno, mandadas observar por decreto de igual data.

N'estas instrucções, depois de regulada a fórma do lançamento e repartição da contribuição, e do encerramento das matrizes, determina-se pelo artigo 123.°, quanto a extracção dos conhecimentos para a cobrança, que ella seja feita pelo total da contribuição, conforme o modelo n.° 7, fazendo-se excepção para os concelhos de Lisboa e Porto, porque a respeito d'estes devem aquelles ser extrahidos por prestações, segundo o modelo n.° 8, dos quaes acompanham as citadas instrucções. De fórma que o pagamento da contribuição exigido do contribuinte, pelo preceito geral, de uma vez, em uma só prestação, é realisado mais suavemente em duas prestações pelos contribuintes das sobreditas cidades.

Esse favor venho pedir-vos para os contribuintes do districto administrativo do Funchal.

Sei quaes as rasões que aconselharam e fundamentam aquella excepção, mas por isso mesmo que as circumstancias particulares que a justificam encontraram apoio no parlamento, é de rasão que possa esperar-se a mesma consideração pelas circumstancias excepcionaes do districto do Funchal, as quaes, por fundamentos, em verdade differentes, mas não menos attendiveis, reclamam igual favor para os respectivos contribuintes.

A innovação, não solicitada pelo contribuinte, em materia de impostos, embora tenha por fim tornar mais igual a repartição e menos gravosa a fórma de pagamento e a arrecadação, é as mais das vezes recebida por elle, senão absolutamente contra vontade, pelo menos com reparo e desconfiança. A substituição dos impostos pagos no districto do Funchal, antes de 1 do janeiro de 1863, decretada pela lei de 11 de setembro de 1861, produziu para muitos já um, já outro resultado; mas a indole benevola dos povos não tem tornado sensivel a impressão recebida com a mudança, nem a transição de um para outro systema tributario se faz notar n'aquelle districto pela pratica de actos contrarios á civilisação, á boa ordem, á tranquillidade publica, e, n'uma palavra, ao respeito devido ás leis.

N'isso mesmo está o justo titulo para deverem ser attendidos quando, recorrendo aos poderes competentes, pedem não ser isentos de pagar, porque a tal se não negam, mas pagar de modo mais suave.

E na conformidade do pedido com esse intuito feito pela vereação de um notavel municipio, o de Machico, na representação de que venho de dar conta, e attendendo ás difficuldades e sacrificios com que no districto do Funchal lutam as industrias especialmente a agricultura, depois que o oidium tukeri destruiu as vinhas, principal e importantissima riqueza que era d'aquelle paiz, e o importantissimo commercio por ellas alimentado, que solicito a vossa approvação para o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° O pagamento da contribuição industrial no districto administrativo do Funchal será realisado em duas prestações iguaes.

Art. 2.° O governo, ouvidas as camaras municipaes fi-

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xará as epochas do pagamento das prestações de que trata o artigo antecedente.

Art. 3.° É o governo auctorisado a fazer o regulamento necessario para a execução da presente lei.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos deputados, em 29 de março de 1864. = Luiz de Freitas Branco = A. Gonçalves de Freitas = D. Luiz da Camara Leme.

Foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

PROJECTO DE LEI

Senhores. — A organisação de um plano geral das estradas districtaes, a que a lei de 19 de julho de 1862 mandou proceder, ainda não está concluida, nem estará brevemente, attentas as difficuldades de um trabalho d'esta ordem. Esta falta porém não é de gravidade por emquanto, se se fizer o que o simples bom senso aconselha.

Ha em todos os districtos, ou quasi todos, algumas estradas de tão manifesta utilidade e tão faceis de traçar, desde que a lei de 19 de julho de 1862 fixou o quadro das estradas reaes, que bem se pôde asseverar que aquella falta de modo nenhum deve impedir a sua construcção immediata. A resolução de adiar por esse motivo a construcção de todas as estradas districtaes seria, pelo menos, tão absurda como a de as mandar construir todas desde já e sem outros esclarecimentos.

O plano a que a lei se refere, deve ser organisado sobre uma certa ordem de esclarecimentos; mas quando esses esclarecimentos não são necessarios, ou quando os ha sufficientes, que fundamento ha para um adiamento? Que onde podem haver duvidas, se espere por esclarecimentos comprehende se; mas quando existem esclarecimentos sufficientes, ou não ha que esclarecer, para que se ha de esperar?

Não vemos pois rasão para parar, mas apenas para proceder tão sómente á construcção das estradas de incontestavel interesse districtal, e em que não possam suscitar-se duvidas serias sobre os pontos obrigados das respectivas directrizes.

Concluida por esta fórma a construcção de uma parte das estradas districtaes póde-se depois mais efficazmente proceder á construcção d'aquellas que estão agora dependentes da confecção do plano a que já nos referimos.

Nesta convicção venho apresentar-vos uma proposta para a construcção de uma estrada que, partindo da villa de Paredes e passando pelas de Lousada e Felgueiras, vá terminar em Fafe.

Parece-me que esta é d'aquellas que não requerem se tudo para se adquirir o convencimento da sua utilidade. Basta notar que alem de communicar por um trajecto mais curto a cidade do Porto com uma parte da provincia de Trás os Montes e Basto, é tambem uma condição essencial para o prompto e regular desenvolvimento de viação municipal nos concelhos que atravessa, porque os córta pelo centro.

Mas para remover qualquer suspeita de precipitação, devo informar a camara de que a junta geral do districto do Porto, como que antecipando a opinião que mais tarde devia emittir sobre este objecto, já indicou ao governo na consulta do anno passado a conveniencia da construcção d'esta estrada, indicação ao que parece o governo não assentiu, e deu já um principio de execução, mandando proceder aos estudos respectivos entre Paredes e Felgueiras, já se vê que não ha rasão para adiar esta proposta com fundamento na falta de informações.

Os estudos a que o governo mandou proceder devem estar quasi concluidos; mas de nada servirão se parar ahi, e se não curar dos meios de lhes dar execução.

Bem sabemos que se pôde dizer, pelo que pertence á questão dos meios, que a lei de 19 de julho de 1862 tambem providenciou a esse respeito, e que portanto esta estrada deve ser feita com os meios levantados pelo modo que essa lei estatue.

É verdade que a lei providenciou a esse respeito, mas tambem é verdade que, emquanto não estiver organisado o plano geral das entradas districtaes a que já me referi, não se pôde dar execução ao artigo 30.° da lei, e sem isso é como se nada providenciasse.

Nestas circumstancias venho propor-vos que dos subsidies votados em 1862 e 1863 para as estradas districtaes e municipaes, e que ainda não tiveram applicação, seja auctorisado o governo a despender o que for necessario para a construcção d'estas estradas. Esta applicação é inteiramente conforme ao fim para que foram votados aquelles subsidios.

Deste modo creio que, sem prejuizo do adiantamento das estradas era construcção, se pôde fazer esta; e nesse intuito submetto á vossa consideração o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° O governo mandará construir uma estrada que, partindo de villa de Paredes e passando pelas de Lousada e Felgueiras, vá terminar em Fafe, aproveitando a parte que for possivel da estrada para Cavez.

Art. 2.° Para satisfazer os encargos resultantes da construcção da estrada, a que se refere o artigo antecedente, é o governo auctorisado a despender dos subsidios, votados em 1862 e 1863 para estradas districtaes e municipaes, o que for necessario.

Art. 3.° Fica o governo auctorisado a fazer construir esta estrada por empreitada ou administração, conforme o julgar mais conveniente.

Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 28 de março de 1864. — O deputado por Loanda, Joaquim Cabral de Noronha e Menezes =João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens.

Foi admittido, e enviado á commissão de obras publicas.

O sr. Presidente: — Como está presente o sr. ministro do reino, tem a palavra o sr. Thomás Ribeiro, para verificar a sua interpellação.

O sr. Thomás Ribeiro: — Começo por agradecer ao nobre ministro do reino e presidente do conselho ter-se dignado comparecer n'esta casa, para responder a uma nota de interpellação que tive a honra de lhe annunciar sobre os acontecimentos eleitoraes de Castello de Paiva; mas não posso deixar de sentir e de lamentar profundamente que s. ex.ª que, alem da sua posição official, é um cavalheiro muito respeitavel, e eu sou o primeiro a reconhece-lo; não posso deixar de lamentar, repito, que tenha deixado passar dois mezes quasi completos, depois da apresentação da minha nota de interpellação, sem que se dignasse responder me.

Não posso deixar de lamentar, sr. presidente, que por este lapso de tempo s. ex.ª consentisse tacitamente que eu, desconfiando que a minha individualidade de deputado era muito insignificante na presença do nobre ministro, tivesse de recorrer ao voto da camara para, auxiliado com elle, obter de s. ex.ª a resposta que hoje se digna conceder-me.

Dois mezes, sr. presidente, dois mezes, para resolver um negocio tão simples, e ao mesmo tempo tão grave, é uma dilação que me parece pouco justificavel. Não é isto animo de aggredir o nobre ministro, é uma queixa legitima; e estou certo que s. ex.ª será o primeiro a reconhecer a justiça do meu sentimento.

Todo o homem que é liberal, e que d'isso se preza, não deve considerar uma questão de liberdade, como esta que hoje trago á camara, como mero expediente de opposição, ou como um logar commum, fastidioso para a assembléa legislativa; pelo contrario devem todos os representantes do povo ouvir attentamente e pesar nas suas elevadas considerações a qualidade da questão que hoje trago á camara, e que não é mais que um symptoma da grande molestia que está padecendo este paiz.

Uma questão de liberdade, sr. presidente, é grave em todos os tempos e em todos os logares; mas é principalmente grave em Portugal, e na epocha por que vamos atravessando actualmente.

A questão do Castello de Paiva é uma sucursal por assim dizer da grande questão do paiz. A questão do Castello de Paiva é uma irmã gémea da questão de Fafe, e irmã gémea da gravissima questão de Villa Real.

Não farei considerações criticas sobre os factos de que venho pedir conta ao governo sem primeiro ouvir as respostas, que o nobre ministro de certo vae dar, ás perguntas que lhe vou fazer, e tratarei de as formular o mais simples e claramente que me seja possivel.

Começarei por narrar o facto.

No dia 14 de janeiro de 1864 eram chamados pela lei, e por consequencia pela auctoridade, os quarenta maiores contribuintes, para fizerem a eleição da commissão do recenseamento em todos os concelhos do reino.

Em Castello de Paiva, o administrador do concelho (pessoa que não conheço, e se o trago hoje a esta discussão é na sua qualidade de administrador de um concelho, e, na minha, de deputado da nação; e nunca por animadversão particular, porque supponho até, e isso é crivel, que aquelle funccionario seja um cavalheiro ornado de muitas virtudes); o administrador de Castello de Paiva, entendendo que não podia conseguir uma eleição á sua vontade, e a seu bel prazer, determinou empregar todos os meios para seduzir aquelles quarenta maiores contribuintes que eram remissos em adoptar a sua lista, vendo a impossibilidade de conseguir d'elles o que desejava, recorreu a um outro estratagema, muito usado, desgraçadamente, em iguaes casos no nosso paiz, e foi pedir aos seus amigos dos quarenta maiores contribuintes que se recolhessem á casa da sua habitação (d'elle administrador), ou á casa da administração, e que não saíssem de lá emquanto elle administrador não tivesse conseguido o que queria; porque d'esta fórma evitava ao menos que houvesse eleição, por falta de numero; e adiar a eleição já era uma victoria, embora vergonhosa e desleal.

Effectivamente aquelles eleitores entraram e conservaram-se na casa alludida, e quando o presidente da assembléa os mandou chamar por um official de diligencias, voltou este, dizendo que effectivamente tinha encontrado alguns dos quarenta maiores contribuintes necessarios para se poder fazer a eleição, mas que elles lhe responderam que sabiam quaes eram os seus deveres, e não iriam senão quando quizessem.

Em consequencia d'isto, o presidente da assembléa declarou que não podia fazer-se a eleição, e determinou que no dia seguinte houvesse nova reunião; e assim se fez.

No dia seguinte, 15 do mez de janeiro, reuniram-se outra vez os quarenta maiores contribuintes, mas o administrador do concelho tinha mudado de estratagema.

N'esse dia ao entrar-se para a casa da assembléa eleitoral, appareceu uma força de policia na praça publica da villa de Castello de Paiva, e ahi á voz do seu regedor carregaram com polvora e bala as armas que levavam, isto com o fim, conhece toda a camara, de aterrar os eleitores que se achavam presentes.

Entrou seguidamente a força na casa da assembléa, e ahi fez duas prisões, creio que na pessoa de dois espectadores; mais tarde entrou o regedor pela mesma sala onde se estava procedendo á chamada para a eleição, e intimou um dos eleitores que ali estava a saír da sala, e a ir á presença do administrador do concelho; o eleitor, homem de bem, e emfim conscio da sua dignidade e do seu direito, respondeu rejeitando o convite. O convite transformou se em ordem de prisão, em nome de um mandado do administrador do concelho. O eleitor levantou-se e saíu, obedecendo á intimação da auctoridade. Pouco depois, quando já se estava para começar a eleição, entrou novamente o regedor na assembléa, e intimou a outro dos quarenta maiores contribuintes ordem identica á primeira. Recusou-se o eleitor a saír, dizendo que não podia ir á presença do sr. administrador emquanto não se ultimasse aquelle acto para que tinha sido chamado; mas então, note a camara, não julgou o administrador do concelho que a prisão devesse ser feita pelo regedor, e entrou elle proprio na casa da assembléa, e ahi ao pé da mesa e da uma fez saír immediatamente o eleitor que ali estava, e levou-o comsigo debaixo de prisão.

Sr. presidente, não basta narrar os factos; eu desejo que a assembléa, que os meus collegas que me ouvem, se compenetrem da verdade da minha exposição. Por consequencia permitta-me v. ex.ª, e permitta-me a camara, que eu leia alguns trechos das actas que trago aqui para documentar as minhas asserções, e que foram lavradas para serem remettidas ao governo. D'ellas por consequencia deve o governo ter conhecimento desde aquella epocha.

Diz a acta do dia 14 de janeiro, na sua ultima parte:

«Em seguida ordenou o referido presidente ao official de diligencias da camara municipal d'este concelho, que visse se achava mais alguns cidadãos dos quarenta maiores contribuintes; e voltando o mesmo official declarou que varios dos referidos cidadãos estavam na secretaria da administração, porém que lhe responderam que quando quizessem comparecer não era necessario chama-los; em vista do que, ordenou o referido presidente e administrador que se fizesse nova convocação para o dia de ámanhã, sexta feira 15 do corrente, etc..»

No dia 14 de janeiro occorreu esta circumstancia; em consequencia d'isso houve uma nova reunião dos quarenta maiores contribuintes, e passou-se o que relata a acta que vou ler, na parte que for necessaria:

«... E sendo dez horas da manhã, estando o referido presidente para mandar fazer a chamada, entrou pela porta dos paços do concelho para dentro uma força de policia armada a qual, antes dos eleitores entrarem para dentro dos paços do concelho, tinha, na praça publica d'esta villa, carregado as armas com polvora e bala, e ali prenderam os cidadãos Manuel Moreira da Fonseca, de Nejães de Real, e Chrispim da Silva Moreira, da Falperra de Fornos.

«Em seguida o respectivo regedor e alguns cabos de policia entraram na sala da assembléa, e chamaram para a secretaria da administração o eleitor João de Bessa, de Bestello de Real, o qual repugnava em saír da sala, porque estava o presidente a fazer a chamada; porém o regedor de novo o intimou, dizendo que o levava preso, em vista do que aquelle eleitor saíu da assembléa para a administração; logo depois foi chamado o cidadão Manuel Francisco, da Feiteira, o qual tambem repugnava em saír por se estar para proceder á eleição, e depois de feita a chamada; porém veiu o administrador do concelho intimar aquelle eleitor para saír para a administração; o que o mesmo cumpriu.

«A vista de taes factos requereram varios eleitores ao presidente que a eleição se não podia fazer, porque estavam coactos, e por conseguinte se levasse este facto ao conhecimento do governo de Sua Magestade, para mandar o que for de justiça, em cumprimento do artigo 138.º do decreto eleitoral de 30 de setembro de 1852, e mais leis applicaveis, visto que similhantes procedimentos assim o exigem; ao que o mesmo presidente annuiu, e mandou levantar a sessão, ordenando que de tudo se lavrasse apresente acta, que vae a assignar com varios eleitores presente, ao depois de lido por mim Antonio de Carvalho, secretario da camara, etc..»

Seguem se as assignaturas.

Por consequencia já vê V. ex.a, o sr. ministro do reino e a camara que tudo quanto eu relatei comprovo por documentos. Não sei agora que considerações possa ou deva ajuntar á eloquencia d'estas actas; a verdade apparece hedionda na sua completa nudez (apoiados). Ouvirei pois as explicações do nobre ministro; e taes serão ellas, porventura, que eu fique de todo convencido da injustiça das minhas apprehensões. Eu quero suppor o nobre ministro incapaz de se prestar a ligar-se a esta cruzada contra a liberdade (apoiados). As actas que li são muito authenticas; pois oxalá que o nobre ministro as possa desmentir; isso seria uma fortuna para todos nós, para o systema que nos rege e para este paiz, que não conhece bem o que é liberdade da uma (muitos apoiados).

Sr. presidente, vou formular as minhas perguntas, e desejo que tome bem conta d'ellas o nobre ministro que me vae responder.

Primeira pergunta — E verdade que no dia 14 de janeiro deste anno o administrador do concelho de Castello de Paiva obstou a que se fizesse ali a eleição da commissão de recenseamento com o estratagema de votar na administração do concelho os eleitores seus amigos, a fim de não haver numero para se fazer a eleição?

Segunda pergunta — Será verdade que no dia immediato, 15 de janeiro, o administrador do concelho, para intimidar os eleitores, fez reunir uma força na praça d'aquella villa, mandou carregar as armas com polvora e bala e entrar depois na casa da assembléa, presidindo dois espectadores e dois eleitores?

Terceira e ultima pergunta — Quem é actualmente o administrador do concelho do Castello de Paiva? Que providencias tem tomado a auctoridade competente, o governo, e que providencias espera tomar de futuro a este respeito?

Peço a v. ex.ª que, para depois de ter fallado o nobre ministro, me reserve a palavra.

O sr. Ministro do Reino (Duque de Loulé): — Sr. presidente, em primeiro logar devo dar a explicação ao illustre deputado pela demora que tive em vir responder á sua interpellação.

Não foi de maneira nenhuma menos consideração para com o sr. deputado o não ter vindo ha mais tempo responder á sua interpellação, porque eu considero a todos com

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iguaes direitos, e por consequencia não podia ter em menos conta o pedido do illustre deputado, por quem tenho a maior consideração.

As rasões por que não me apressei a vir dar as explicações pedidas, foram primeiro porque não tinha n'aquelles primeiros dias todas as informações necessarias para satisfazer o illustre deputado, e depois porque sabia que o facto de que tratava a interpellação referia-se á prisão de dois dos maiores contribuintes; como o facto foi desmentido e se verificou não ser exacto, julguei que a interpellação tinha perdido a importancia.

Agora passo a responder aos factos que o illustre deputado referiu. Eu, sem denegar a sua importancia e gravidade, não posso considerar o administrador do concelho tão culpado como o illustre deputado o julgou. O procedimento deste funccionario foi na realidade irregular; no entanto as suas intenções, pelas informações que até hoje tenho colhido, não me parece que possam ser classificadas de tão parciaes e de tão criminosas como o illustre deputado as julgou; porque, segundo o que elle respondeu e o governador civil informou, consta que foi justamente para obstar a manejos e a influencias de individuos da mesma localidade, a fim de encaminhar a eleição n'um certo sentido que o administrador assim procedeu: ou, por outra, o administrador teve em vista estabelecer a liberdade dos quarenta maiores contribuintes, e procedeu de uma maneira que confesso ser um pouco irregular e reprehensivel (apoiados); mas parece-me que estas foram as suas intenções, e elle explica até certo ponto as intimações que fez aquelles dos quarenta maiores contribuintes para virem á casa da administração.

Pretende elle, que o que diz respeito a um d'elles tinha sido intimidado; porque os individuos, a quem já me referi, queriam encaminhar a eleição n'um certo sentido, e tinham sido intimados por elle para tratarem d'ella no sentido que elle desejava. Tinha até asseverado o administrador, que este individuo tinha sido retido por algumas horas n'uma certa localidade, causando este facto grandes apprehensões a sua familia, entre outros a um filho que andava á procura onde o pae estava, e foi ter com o administrador; porém o administrador sabendo que elle estava na sala, foi por este motivo que o mandou chamar para o mostrar ao filho, que se achava na sua presença. Isto foi o que se me disse. Ora, mas o governador civil, a quem pedi estreitas informações a este respeito, confessou que, pelo que diz o administrador e o presidente da camara, são por tal fórma contradictorios que elle não sabe de que lado está a verdade. Mandei submetter estas informações ao ajudante do procurador geral da corôa, e este magistrado foi de opinião que se procedesse a uma syndicancia sobre todos esses acontecimentos. Agora o que convem saber é que as cousas não tomaram uma feição tão medonha como informaram ao illustre deputado.

O sr. Thomás Ribeiro: — Peço perdão. Um jornal do Porto de hoje diz que todo aquelle concelho está n'um completo estado de anarchia.

O Orador: — Eu agora referi-me sómente aos factos succedidos no dia da eleição. Depois do dia em que a eleição foi interrompida, marcou-se um novo dia para a eleição e ella correu muito regularmente, tanto que os quarenta maiores contribuintes votaram unanimemente na mesma lista.

O sr. Thomás Ribeiro: — Mas não foi no dia 14 de janeiro que a eleição se fez definitivamente?

O Orador: — Eu já declarei que effectivamente a eleição foi interrompida em consequencia d'aquelles factos; lavrou-se d'isso a competente acta, á qual se referiu o illustre deputado: a assembléa declarou-se coacta por aquellas intimações do administrador, adiou se a eleição; mas quando ella se fez de novo, correu tão regularmente que os contribuintes que se reuniram votaram todos na mesma lista.

No relatorio que eu aqui tenho estão consignados alguns factos, de que será bom que a camara tome conhecimento, e para esse fim tomo a liberdade de o ler (leu).

Todas estas informações, como eu já disse, foram presentes ao ajudante do procurador geral da corôa, para elle as examinar e indicar a marcha que se deveria seguir. Foi de opinião que se procedesse a uma minuciosa syndicancia; eu assim o ordenei, e agora espero pelo resultado d'essa syndicancia.

Parece-me que tenho satisfeito ás perguntas que o illustre deputado me dirigiu, se bem não respondesse separadamente a cada uma das perguntas do illustre deputado e na mesma ordem em que me foram dirigidas.

O sr. Thomás Ribeiro: — Se quando eu entrei n'esta casa tivesse duvidas a respeito do irregular procedimento do administrador do concelho de Castello de Paiva, depois das explicações que me acaba de dar o nobre ministro do reino nenhuma me podia restar. O processo do administrador do concelho está nos documentos que s. ex.ª apresentou á camara. S. ex.ª não se atreveu, porque é muito cavalheiro para o fazer; não se atreveu, digo, a negar que o procedimento d'aquelle funccionario fosse muito irregular. Não negou que da sala fossem retirados alguns dos maiores contribuintes; negou que elles fossem presos, mas a acta d'essa sessão ainda não appareceu desmentida.

Nas informações que deram ao sr. ministro do reino de certo abusaram da sua boa fé. Pois como se pôde acreditar que todos os actos irregulares praticados pelo administrador do concelho foram para dar protecção a quem lh'a não pedia? (Apoiados.) De mais a mais dizendo se que esses individuos, a quem o administrador queria dar protecção, pertenciam á opposição! Mas, o que me levou mais ao convencimento dos fins para que o administrador tinha mandado retirar da sala um dos contribuintes, foi o dizer-se que =elle o tinha mandado retirar para o mostrar a um filho que o andava procurando afflicto! =

Ora, sr. presidente, nada ha tão inverosímil como esta engraçada historia! (Riso.) Se isto me fosse contado na minha aldeia, eu julgaria estar ouvindo um conto de fadas.

Declaro a v. ex.ª que não acredito que o sr. ministro do reino me dissesse isto com inteiro convencimento...

O Sr. Presidente do Conselho: — Eu disse o que me disseram; referi-me ás informações.

O Orador: — Eu faço inteira justiça á elevada intelligencia de s. ex.ª, mas comtudo...

O sr. Presidente do Conselho: — Note o illustre deputado que eu disse que o ajudante do procurador geral da corôa tinha achado aquellas informações tão contradictorias, que não podia julgar da verdade d'ellas.

O Orador: — Muito bem. Já se vê pois que os actos do administrador do concelho de Castello de Paiva, praticados na occasião da eleição da commissão de recenseamento, não têem justificação possivel (apoiados): o seu procedimento foi contra a lei e contra uma das mais caras liberdades do nosso paiz.

Quando eu comecei a fallar n'esta questão, disse que ella era apenas um symptoma da grave molestia que vae lavrando por toda a nação (muitos apoiados).

O systema que se apresentou nas ultimas eleições municipaes, foi apenas o ensaio geral de um grande drama que se preparava de certo para ser representado nas proximas futuras eleições de deputados. Como é costume, appareceu algum publico a ver esse ensaio geral, e esse publico insoffrido e indignado pateou estrepitosamente os papeis e os actores d'essa comedia (susurro e apoiados).

O governo tremeu, porque era empresário d'aquella companhia, e esperava auferir grandes lucros eleitoraes da representação do seu drama. Por consequencia o que tinha a fazer o governo para que lhe não caísse a sua obra por terra? A primeira cousa era conservar os actores, e isso era facil, porque os actores estavam escripturados e tinham vinculados na escriptura os seus interesses; a segunda porém era mais difficil contentar o paiz! Foi isso justamente o que o governo não pôde ainda conseguir.

O paiz tinha adoecido de uma molestia grave chamada indignação, com accessos intermittentes de desconfiança. Era difficil a cura. Sabe v. ex.ª qual foi o intuito do governo na presença d'esta molestia gravissima do paiz? Foi trata-la com paliativos. Senão vejam.

Que fez o governo desde que os primeiros symptomas se manifestaram graves e aterradores no districto de Villa Real? Era na cidade do Porto. Uma commissão composta de cavalheiros distinctissimos do districto de Villa Real foi ali para apresentar as suas queixas contra os abusos eleitoraes das auctoridades administrativas d'aquelle districto, solicitar uma audiencia de El-Rei. Pois logo então a resposta de Sua Magestade áquella commissão manifestava o pensamento do governo.

O sr. Luciano de Castro: — Se a questão de Villa Real está em discussão, peço a palavra.

O Orador: — Não está em discussão, nem eu agora a discuto; mas o medico que discute um symptoma pôde fallar da molestia (apoiados). A prova de que o mal é mais grave do que parece, é que a consciencia do sr. deputado está tão melindrosa e tão susceptivel que bastou uma menção casual para se mostrar aggravada e insoffrida (muitos apoiados). Eu fallo na questão geral, porque não posso fallar numa sem fallar na outra.

O governo disse, pela bôca de El-Rei, a esses cavalheiros, no Porto, que = Sua Magestade tinha os seus poderes constituidos, os quaes haviam de avaliar a questão =; isso equivalia a dizer que — Sua Magestade não tinha outra missão mais do que a de visitar os povos do seu reino =. Pois aconselharam mal a El Rei, inspirando-lhe uma inexactidão. Um rei, mesmo constitucional, pôde ao menos nomear os seus ministros, e por consequencia demitti-los (apoiados).

Á queixa da opposição, expulsa de ao pé de El-Rei, entrou n'esta casa, mas o systema dos paliativos entrou com ella; o governo propoz um adiamento para evitar a discussão; reina hoje ainda o mesmo systema; o governo, diz-nos, que mandou syndicar dos actos do administrador do concelho de Castello de Paiva, e são passados tres mezes depois d'aquelles acontecimentos! Aqui está a paridade, e aqui tem o illustre deputado que me interrompeu o motivo por que fallo na questão de Villa Real.

Apresentou-se por essa occasião a proposta do adiamento, mas a questão teimou em ficar, e ficou ainda em discussão n'esta casa; depois abafou se aqui e levantou-se na camara dos dignos pares; e deu-se por essa occasião o singular facto nos nossos annaes parlamentares de o ministerio aceitar n'uma das casas do parlamento aquillo que recusou aceitar na outra (apoiados).

Esta questão, desengane-se a camara e o governo, esta questão não é o capricho de um homem, como se disse por ahi; é o remorso de um partido! (Apoiados.)

O assassino pôde lavar das mãos o sangue da sua victima, mas não pôde nunca arrancar a mancha da sua consciencia (susurro).

Não trago isto como comparação, que fôra offensivo o argumento, e eu não desejo offender nenhum dos meus collegas; trago-o sómente como exemplo (susurro). Não têem de que se escandalisar os illustres deputados, especialmente depois de declarada a formula do meu argumento (apoiados).

Sr. presidente, é preciso que nós sejamos os mantenedores infatigáveis da pureza da uma e da liberdade eleitoral. Da prostituição da urna é consequencia fatal a bastardia dos eleitos (apoiados).

Por isso entendo que a primeira necessidade de um governo é abster-se por uma vez de intervir por fórma alguma nas eleições do seu paiz.

Se fosse deputado da maioria como sou da opposição, daria ao governo do meu paiz um conselho, e folgaria bem que m'o recebesse, era que por uma vez se abstivesse de se fazer corretor de eleições municipaes ou geraes...

(Interrupção que se não percebeu.)

O Orador: — Isso nunca se fez em Portugal, bem o sei, mas quereria que se fizesse. A causa publica, o nome o está dizendo, não é o apanagio de meia duzia de homens que se sentam nas cadeiras do poder hoje, ou de meia duzia de homens que se poderão sentar ámanhã; por muito que os considere e respeite, e considero e respeito, parecem-me sempre pequenos e insignificantes quando os contemplo em presença do paiz. Se a questão é da nação, a nação que a discuta e a julgue; deixe-se o governo de intervir em questões que são propriamente d'ella.

Nós fallamos aqui, n'este paiz, aonde realmente ha liberdade geralmente fallando, e que é lá fôra considerado por um dos paizes mais livres e mais liberaes da Europa, e todas as vezes que n'esta casa se quer apresentar exemplo de uma nação atrazada em politica, vem sempre á téla da discussão os estados pontificios ou a nossa vizinha Hespanha. Não vem fôra de proposito dizer a v. ex.ª e á camara, o que ella de certo sabe; mas que não sabe todo o paiz, e vem a ser que n'essa Hespanha, que nós considerámos uma nação muito atrazada, se está discutindo e votando uma lei, que tem por fim reprimir os abusos das auctoridades em actos eleitoraes. Vou ler a v. ex.ª um artigo desse projecto que lá se está discutindo, que se fosse em uma lei nossa teria inteira applicação ao actual administrador do concelho de Paiva (leu.)

(Interrupção que não se percebeu.)

Vozes: — Já temos isso e mais.

(Susurro.)

O Orador: — Temos muito bons principios e excellente doutrina, a duvida está na pratica (muitos apoiados); mas deixem-me ao menos concluir o meu raciocinio. Se nós já temos isso e temos mais, qual é a rasão por que o governo com os documentos que tem presentes, e sabendo que aquelle funccionario é pernicioso n'aquella terra; dizendo mesmo que, pelas informações que tem, os odios são pessoaes e não politicos, deixou passar tres mezes e ha só um mez que s. ex.ª fez mandar proceder a syndicancia? E a syndicancia de Villa Real (apoiados). Mas lá estão para responder ás syndicancias os meetings da capital do districto que todos os dias se repetem, os assassinatos de Murça e de Alijó; lá estão respondendo...

(Susurro.)

O Orador: — Isto são os factos de todos os dias.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Deixem desabafar.

O Orador: — Diz o nobre deputado que deixem desabafar, effectivamente é preciso o desabafo (apoiados); ss. ex.ª estão todos os dias a pregar que são tão largamente progressistas e não querem que o progresso seja uma realidade? (Apoiados.) Não se escandalisem com tão pouco.

Vozes: —Não.

O Orador: — Escandalisem-se com os factos e não com a verdade, e com quem a vem apresentar (apoiados.) (Interrupção.)

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Como as eleições de 1859.

O Orador: — Eu não sou das eleições de 1859. Entrei na vida publica depois de 1859, e não tenho que responder por acto algum senão depois de ter entrado n'esta casa. E por esses que eu respondo.

Termino mandando para a mesa uma moção de ordem. Creio que a camara está disposta a absolver todos os peccados mortaes e veniaes...

(Susurro.)

Não me parece que eu seja tão imprudente que entre aqui com intuitos de offender qualquer dos meus collegas. As pouquissimas vezes que tenho fallado nesta casa tenho-o feito tão respeitosamente para com todos, que não me parece que haja motivo hoje para me receberem tão adversos (apoiados), pois se isto é assim porque os vejo tão impacientes, e sem quererem deixar-me concluir o meu pensamento, para só me pedirem contas depois de o terem ouvido inteiro?

(Interrupção que não se ouviu.)

O Orador: — Eu disse já uma vez que esse argumento era adduzido como exemplo e não como comparação; já vê o illustre deputado que não ha offensa no que eu disse (muitos apoiados).

A minha moção é a seguinte:

«A camara, tendo ouvido as explicações do nobre ministro do reino ácerca do procedimento da auctoridade administrativa do concelho de Castello de Paiva, no districto de Aveiro, e lamentando que similhantes desvios dos principios liberaes se estejam repetindo n'este paiz, pede ao governo que dê toda a possivel attenção á salva guarda das doutrinas e praticas liberaes, e passa á ordem do dia.»

Uma voz: — Vamos a tratar do tabaco.

O Orador: — Ha pressa do tabaco? A lei do tabaco pôde ser uma grande medida, mas não é de certo mais liberal do que esta pequena moção, que tenho a honra de apresentar á camara, e de que um illustre deputado se está rindo. Eu sei a rasão por que o illustre deputado se ri. E porque está certo na sua consciencia de que é um homem muito liberal (O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Apoiado, apoiado.); mas não se importa nada com que as auctoridades do governo lá por fóra estejam a desmentir as doutrinas que s. ex.ª professa (apoiados).

Por consequencia ria-se o illustre deputado muito embora, mas olhe que o paiz recebe os seus risos n'esta casa antes como uma provocação, do que como uma fiança dos seus destinos (muitos apoiados).

Leu-se na mesa a seguinte:

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PROPOSTA

A camara, tendo ouvido as explicações do nobre ministro do reino ácerca do procedimento da auctoridade administrativa do concelho de Castello de Paiva, no districto de Aveiro, e lamentando que similhantes desvios dos principios liberaes se estejam repetindo n'este paiz, pede ao governo que dê toda a possivel attenção á salva guarda das doutrinas e praticas liberaes, e passa á ordem do dia. = Thomás Ribeiro.

Foi admittida á discussão.

(Alguns srs. deputados pediram a palavra.)

O sr. Ministro do Reino: — E para dizer ao illustre deputado que, convindo nas irregularidades do administrador, não posso todavia convencer-me por emquanto das suas más intenções, e em segundo logar para rectificar outro facto.

As desintelligencias que existem n'aquelle concelho são entre habitantes do mesmo concelho e não entre partido da camara e partido do administrador. São entre differentes individuos do concelho, que está dividido em duas parcialidades. São certas influencias que se vêem em muitas terras.

O governo é o primeiro interessado em que estas irregularidades não appareçam (apoiados). Que utilidade teria o governo de que as suas auctoridades obrassem irregularmente e de uma maneira censuravel? Nenhuma. Pôde a camara estar certa de que o governo ha de cohibir todos os excessos absolutamente (apoiados).

Emquanto ao seguimento d'este negocio, parece-me que se tem feito o que se podia fazer (apoiados). O governo mandou ouvir o ajudante do procurador da corôa, e eu, para não cansar a camara, não quiz ler todos estes documentos, mas tenho aqui um parecer do mesmo ajudante do procurador da corôa, muito minucioso, em que elle aprecia todos estes factos devidamente, e conclue que, sendo as informações até certo ponto contradictorias, não se pôde por isso apurar a verdade, e que era indispensavel proceder-se a uma syndicancia.

Foi isto que o governo mandou fazer (apoiados). Que mais queria o illustre deputado que se fizesse? (Apoiados.) O governo não pôde ser responsavel por todos os actos que se commettem no paiz (apoiados); o que está da sua parte é cohibi-los e puni-los, quando elles vem ao seu conhecimento (apoiados).

E isto que o governo tenciona fazer; e pela serie de providencias, de que eu li uma parte do relatorio, se vê que foram em acto successivo, e que não houve demora nenhuma em se tratar d'esta questão.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Como isto é uma interpellação, que não deve ter logar senão entre o illustre deputado interpellante e o sr. ministro do reino, requeiro que a materia se julgue discutida, para se passar a cousas de maior momento.

O sr. Thomás Ribeiro: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara se quer votação nominal sobre o requerimento do sr. Sant'Anna.

O sr. Presidente: — O sr. Sant'Anna fez um requerimento para que se consulte a camara sobre se julga a materia sufficientemente discutida, e o sr. Thomás Ribeiro requereu que a votação sobre este requerimento fosse nominal.

Hei de pôr á votação o requerimento do sr. Sant'Anna, mas agora vou consultar a camara sobre se é de parecer que a votação d'este requerimento seja nominal.

Resolveu-se afirmativamente.

O sr. Mártens Ferrão (sobre o modo de propor): — Não sei como está formulado o requerimento nem o que elle comprehende verdadeiramente em si. Quando se vota uma votação nominal é necessario saber se bem o que se vota.

Ha uma moção mandada para a mesa pelo illustre deputado e meu amigo, o sr. Thomás Ribeiro, que contém uma proposição de uma doutrina para a camara votar; e ha um requerimento do illustre deputado e meu amigo, o sr. Sant'Anna, que não sei em que sentido é. Não sei se a votação d'este requerimento prejudica a votação da moção, ou se é para que passe agora immediatamente á ordem do dia, sem que todavia fique prejudicada uma votação especial sobre a moção. Não sei portanto como está redigido o requerimento do illustre deputado.

A minha duvida é clara. O illustre deputado podia propor que se passasse á ordem do dia, ficando a questão da moção para outra occasião, ou que se julgasse a materia discutida sufficientemente, estivesse ou não discutida; e julgada a materia discutida, havia a votação sobre a moção. Não sei qual d'estas é a hypothese que apresenta o illustre deputado no seu requerimento, e é necessario que v. ex.ª o proponha claramente á camara, para se saber o que se vota.

O sr. Presidente: — Para tirar todas as duvidas ao sr. deputado que acabou de fallar, peço ao sr. Sant'Anna que mande para a mesa o seu requerimento por escripto.

(Pausa.)

Leu-se na mesa o seguinte

REQUERIMENTO

Requeiro que se consulte a camara se a materia da interpellação está discutida, e que se vote em seguida sobre a moção, passando-se immediatamente á ordem do dia. = J. A. de Sant'Anna e Vasconcellos.

O sr. Presidente: — Vae votar-se nominalmente sobre este requerimento. Os senhores que approvam dizem approvo, e os outros senhores dizem rejeito.

Feita a chamada

Disseram approvo os srs.: Adriano Pequito, Garcia de Lima, Annibal, Vidal, Braamcamp, Abilio, Soares de Moraes, Ayres de Gouveia, Sá Nogueira, Quaresma, Eleutherio Dias, Brandão, Arrobas, Mazzioti, Lemos e Napoles, Pinto de Albuquerque, Magalhães Aguiar, A. V. Peixoto, Barão do

Vallado, Barão do Rio Zezere, Garcez, Albuquerque e Amaral, Abranches, Bispo Eleito de Macau, Cesario, Almeida Pessanha, Claudio Nunes, Cypriano da Costa, Fernandes Costa, F. M. da Cunha, Cadabal, Guilhermino de Barros, Medeiros, Sant'Anna e Vasconcellos, Gomes de Castro, Mendes de Carvalho, J. A. de Sousa, J. da Costa Xavier, Fonseca Coutinho, J. J. de Azevedo, Nepomuceno de Macedo, Albuquerque Caldeira, Aragão Mascarenhas, Sepulveda Teixeira, Calça e Pina, Torres e Almeida, Rodrigues Camara, Mello e Mendonça, Faria Guimarães, Galvão, Sette, Fernandes Vaz, José Guedes, Alves Chaves, Frasão, Menezes Toste, José de Moraes, Gonçalves Correia, Oliveira Baptista, Batalhós, Julio do Carvalhal, Levy M. Jordão, Alves do Rio, Sousa Junior, Pereira Dias, Marianno de Sousa, Miguel Osorio, Monteiro Castello Branco, Placido de Abreu e Ricardo Guimarães.

Disseram rejeito os srs.: Correia Caldeira, Gouveia Osorio, Ferreira Pontes, Seixas, A. Pinto de Magalhães, Fontes Pereira de Mello, Mello Breyner, Pinheiro Osorio, Antonio de Serpa, Zeferino Rodrigues, Barão da Torre, Freitas Soares, Almeida e Azevedo, Beirão, Cyrillo Machado, Poças Falcão,.Fortunato de Mello, Borges Fernandes, F. L. Gomes, F. M. da Costa, Henrique de Castro, Mártens Ferrão, Joaquim Cabral, Matos Correia, Neutel, J. Pinto de Magalhães, Figueiredo Faria, J. M. de Abreu, Alvares da Guerra, Sieuve de Menezes, Camara Falcão, Camara Leme, Manuel Firmino, Murta, Pinto de Araujo, Modesto Borges, Fernandes Thomás, Thomás Ribeiro e Visconde de Pindella.

Ficou portanto approvado o requerimento por 70 votos contra 38.

O sr. Thomás Ribeiro: — Antes de se votar a minha moção, requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer que a votação sobre ella seja tambem nominal.

Consultada a camara, resolveu afirmativamente.

O sr. Presidente: — Os senhores que approvam a proposta do sr. Thomás Ribeiro dizem approvo, e os outros senhores dizem rejeito.

Feita a chamada

Disseram approvo os srs.: Correia Caldeira, Gouveia Osorio, Ferreira Pontes, Seixas, A. Pinto de Magalhães, Fontes Pereira de Mello, Mello Breyner, Pinheiro Osorio, Antonio de Serpa, Zeferino Rodrigues, Barão das Lages, Barão da Torre. Freitas Soares, Almeida e Azevedo, Beirão, Cyrillo Machado, Poças Falcão, Fortunato de Mello, Bivar, Borges Fernandes, F. L. Gomes, F. M. da Costa, Henrique de Castro, Mártens Ferrão, Joaquim Cabral, J. Coelho de Carvalho, Matos Correia, Neutel, J. Pinto de Magalhães, Figueiredo Faria, J. M. de Abreu, Alvares da Guerra, Sieuve de Menezes, Camara Falcão, Camara Leme, Manuel Firmino, Mendes Leite, Murta, Pinto de Araujo, Modesto Borges, Fernandes Thomás, Thomás Ribeiro e Visconde de Pindella.

Disseram rejeito os srs.: Adriano Pequito, Garcia de Lima, Annibal, Braamcamp, Vidal, Abilio, Soares de Moraes, Ayres de Gouveia, Sá Nogueira, Carlos da Maia, Quaresma, Eleutherio Dias, Brandão, Arrobas, Mazzioti, Lemos e Napoles, Antonio Pequito, Pinto de Albuquerque, Magalhães Aguiar, A. V. Peixoto, Barão do Vallado, Barão do Rio Zezere, Garcez, Albuquerque e Amaral, Abranches, Bispo Eleito de Macau, Almeida Pessanha, Cesario, Claudio Nunes, Cypriano da Costa, Fernando de Magalhães, Fernandes Costa, F. M. da Cunha, Sousa Cadabal, Guilhermino de Barros, Medeiros, Sant'Anna e Vasconcellos, Gomes de Castro, Mendes de Carvalho, J. A. de Sousa, J. da Costa Xavier, J. J. de Azevedo, Nepomuceno de Macedo, Sepulveda Teixeira, Albuquerque Caldeira, Calça e Pina, Torres e Almeida, Rodrigues Camara, Mello e Mendonça, Faria Guimarães, Galvão, Sette, Alves Chaves, Fernandes Vaz, Luciano de Castro, Frasão, Menezes Toste, José de Moraes, Gonçalves Correia, Oliveira Baptista, Batalhós, Julio do Carvalhal, Levy M. Jordão, Alves do Rio, Sousa Junior, Pereira Dias, Marianno de Sousa, Miguel Osorio, Monteiro Castello Branco, Placido de Abreu, Ricardo Guimarães e Moraes Soares.

Ficou portanto rejeitada por 70 votos contra 43. O sr. Ayres de Gouveia: — Mando para a mesa um parecer da commissão diplomatica sobre a proposta do governo para a organisação do consulado no Brazil.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO ESPECIAL DO PROJECTO DE LEI N.° 19,

ARTIGOS 3.° E 4.º

O sr. Menezes Toste: — Sr. presidente, pedindo a palavra na importante questão do tabaco, a mais importante sem duvida que n'esta sessão annual a camara tem a tratar, porque diz respeito a uma valiosa fonte de receita para a fazenda nacional, não desconheço a posição difficil em que me acho, já pela questão em si, já por n'ella terem tomado parte os principaes oradores d'esta camara, já finalmente pela posição excepcional em que se acham aquelles a favor de quem pedi a palavra. Todavia o meu dever é imperioso, segundo o entendo em minha consciencia, e, por mais que me custe, não sei faltar aos meus deveres, dentro das minhas possibilidades, ainda que para isso tenha de fazer, como agora, das fraquezas forças.

Quando na sessão do anno passado tive a honra de apresentar n'esta camara um projecto de lei, em que peço a construcção de uma doca no porto de Angra do Heroismo, e em que para crear uma fonte de receita que fizesse face ás sommas que o paiz tem de despender com tão importante e necessaria obra, propuz que se permittisse a cultura do tabaco na ilha Terceira, estava eu longe de suppor que tão cedo visse realisada esta parte do meu projecto, e ainda mais longe de a ver realisada alem das minhas esperanças e de um modo generico para todas as ilhas dos Açores e Madeira, como o illustre ministro da fazenda propoz este

anno ao parlamento. Devo confessa-lo, fiz a minha proposta a medo e receioso, não por me faltar a convicção da bondade do meio, nem por desconhecer a força dos bons principios, que com a adopção de tal medida se reduziriam a factos, mas porque suspeitava que se me viesse bradar que eu propunha uma utopia e me reprehendessem de que queria a ruina da fazenda publica. Porque me parece que realmente só os que não tenham fé nas verdades da sciencia, só os que queiram que o governo e a direcção de um paiz não dêem um passo senão depois do mesmo paiz o ter dado por si, quero dizer, só os que queiram que a direcção dada pelos poderes publicos da sociedade vá atrás e não adiante da mesma sociedade; só esses, digo, me parecia que fizessem opposição á minha proposta, mas ainda assim, como os interesses e as cousas creadas têem muita força, eu hesitava e temia.

Graças porém ao governo e ao seu parlamento, rasgada e decididamente liberaes, vejo, com todo o prazer, que a minha proposta era acanhada, e que ficou muito áquem da verdadeira meta a que estavamos destinados, nós insulanos, n'este memoravel anno. Oxalá que d'este modo eu fique sempre, nas minhas propostas, áquem do que penso e quero. Porque, se eu precisasse de lenitivo por tal rasão, teria o que tem a heroica ilha que tenho a honra de representar, recordando-se da iniciativa que tomou nas lutas a prol das nossas liberdades, recordação, que lhe permitte dizer: «Se não fiz tudo, comecei e desejei fazer».

Sr. presidente, desculpe V. ex.ª este innocente desvanecimento pelos heroicos feitos praticados pela terra que me viu nascer; mas em um projecto em que se trata de conceder á ilha Terceira o primeiro favor que os governos deste paiz se têem lembrado de lhe fazer, eu não posso deixar de recordar de passagem o que ella fez e parece estar esquecido, e ainda o que ella pôde fazer, e que tambem parece menos lembrado. Registemos porém gostosos esse primeiro beneficio e votemo-lo do coração, emquanto elle é verdadeiramente tal.

Eis-aqui as principaes rasões por que votei o projecto na sua generalidade.

Ha porém na especialidade uma disposição, á qual não posso dar a minha approvação, porque ella corresponderia a um voto de annullação ao favor que se pretende fazer aos Açores e Madeira, á justiça que deve fazer-se á ilha Terceira — é o disposto na segunda parte do artigo 4.° do projecto da commissão, que está em discussão. Esta parte do artigo, tal como está formulado, tende a destruir completamente o beneficio da cultura (apoiados), porque estatue que = o governo lance e distribua pelos cultivadores do tabaco a contribuição necessaria, para que os cofres do estado continuem a levantar 70:000$000 réis annuaes, como até aqui tem tirado, do imposto sobre o tabaco nas mesmas ilhas; e parece que, para estatuir uma tal disposição se não attendeu a differentes considerações, sobre as quaes tenho a honra de chamar a attenção da camara e da commissão.

Não se teve presente o que diz o relatorio do sr. ministro da fazenda, paginas 14 (leu). Neste periodo reconhece o auctor do projecto que a cultura do tabaco deve ser livre, porque o imposto sobre essa cultura, alem de vexatorio e de difficil cobrança, sei ia gravoso e lhe tolheria o desenvolvimento.

Effectivamente supponhamos que o imposto recebido nos cofres do estado pelo tabaco fabricado e vendido nas ilhas dá 20:000$000 réis, o que já me parece subido, ainda que não tenho dados em que possa basear-me, e não os peço porque não desejo entorpecer, mas só discutir; supponhamos, digo, que o governo percebe 20:000$000 réis pelos direitos de fabrico e venda de tabaco nos Açores; vem a faltar 50:000$000 réis que hão de ser levantados por derrama. Supponhamos ainda que quinhentos cultivadores fazem os seus ensaios de plantação de tabaco; mas, como é natural, ensaios em pequena escala, porque n'este genero tudo é desconhecido, visto que o monopolio tem morto todos os conhecimentos da experiencia que elle tem tornado impossivel de fazer (apoiados), e não é crivel que se queiram aventurar grandes capitaes com risco de se perderem totalmente. O que deve acontecer? Que os 50:000$000 réis de contribuição a distribuir sejam pagos pelos quinhentos cultivadores, tocando a cada um a taxa de 100$000 réis. Ora, supponhamos que os ensaios dão mau resultado, ou que promettem dar bons resultados, mas que pela limitação da experiencia não dão para cobrir a verba da contribuição pedida. O que deve succeder ainda? Que quem perder no primeiro anno não queira repetir a experiencia no segundo, e que a cultura permittida morra á nascença por atrophiada.

Ora não quero suppor que os cultivadores tenham de pagar 50:000$000 réis, mas 5:000$000 réis sómente. Cada um teria ainda assim de pagar a taxa de 10$000 réis, e comprehende se que isto é pagar caro o direito de fazer uma experiencia; mas eu não posso crer na fortuna de só haverem 5:000$000 réis de derrama a fazer, e receio com rasão que não haja a principio mais de quinhentos cultores a fazer ensaios de plantação.

Porque é preciso conhecer o genio e a indole e as circumstancias do nosso povo. Se se trata do capital, temos que este é em toda a parte de sua natureza apprehensivo; se se trata da propriedade, temos que esta é arreigada aos seus habitos, e eu não receio muito ser desmentido n'isto que affirmo quanto ao nosso paiz (e podéra dizer a todos os paizes), porque todas as occupações influem sobre os que as exercem; e quanto aos Açores, porque ha ainda muita gente na ilha Terceira que se lembra que no tempo dos capitães generaes houve um, Stockler, que querendo fazer generalisar a beneficiosa e excellente cultura da batata, teve de usar de meios violentos, servindo-se até de aboletamentos pelos, campos para conseguir a certeza e efficacia do beneficio que

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não era desconhecido, era novo, e o povo não queria tenta-lo. — Nem se supponha que nos Açores falta illustração e bom senso e docilidade. Portugal é, geralmente, fallando mais proprio para a cultura do pão do que da da vinha, e todavia é bem sabido que o marquez de Pombal teve de fazer generalisar a cultura do pão e limitar a da vinha por um modo violento: é que o nosso povo não quer deixar o certo pelo duvidoso.

Assim pois não se pôde contar com uma cultura de tabaco em larga escala nos primeiros annos da concessão da liberdade e antes de se ver praticamente o que ella produza de bem para os mais ousados e emprehendedores; e por consequencia ir pedir uma certa e determinada quantia de 70:000$000 réis pela cultura do tabaco, é negar o concedido e tornar impossivel o que se julga conveniente e necessario; é finalmente contravir completamente a idéa do auctor do projecto.

E certo que o nobre ministro da fazenda, antes do periodo que citei no sou relatorio, consignou a idéa de ser paga a differença dos 70:000$000 réis pelos que tenham de pagar outras contribuições (leu). A commissão não aceitou porém tal doutrina, e eu confesso que comquanto este modo de fazer a derrama dos 70:000$000 réis fosse de alguma maneira sobrecarregar os contribuintes que nada têem com a industria do seu vizinho, comtudo acho-a preferivel, por isso que não tinha a singularidade de obstar á livre cultura do tabaco, como parece querer o artigo da commissão.

Qualquer d'estes systemas tem seus contras, e por isso não voto por nenhum.

Prevejo que se me dirá que d'este modo eu só quero um beneficio consideravel para as ilhas, sem onus ou encargo algum correspondente.

Todavia, note-se que eu não quero que as ilhas deixem de pagar em especial por esta cultura excepcional aquillo que se julgar de justiça.

Não se diga que ha um sacrificio feito pelo paiz sem compensação correlativa; até mesmo porque, se a cultura do tabaco for livre nas ilhas (como eu espero) não o é só para os cultivadores insulares, mas tambem para aquelles continentaes que a queiram tentar ou fazer, arrendando, aforando ou comprando terrenos, ou mesmo associando-se com os que lá os tenham. Consequentemente o beneficio que parece feito só ás ilhas estende-se realmente ao paiz todo pela offerta de um novo ramo de cultura, e ainda pela industria fabril que d'essa cultura deve nascer, tanto nas ilhas como em todos os pontos de Portugal, aonde está e vier a ser permittido o fabrico do tabaco.

Devia o governo lançar um imposto sobre a cultura do tabaco, no fim, por exemplo, de cinco annos de ensaios; assim é que era facilitar a cultura; mas não me atrevo a fazer uma proposta n'este sentido, porque tenho a intima convicção, a certeza, de que nem o governo nem a commissão m'a aceitam, e por consequencia o resultado é ser rejeitada. Como pois quero a cultura do tabaco nas ilhas, mesmo á custa de algum sacrificio; e quero-a, alem de outras rasões, porque é sabido até que ponto de excesso tem chegado a emigração insular para o imperio do Brazil; e igualmente sabe-se que, se um emprego qualquer, mas productivo, dos braços que superabundam para o trabalho apparecesse e promettesse lucro, esses colonos que vão transpor milhares de leguas por mar, abandonando quanto têem de mais caro, depois da honra e vida, ficariam junto do seu berço, em vez de irem morrer na terra estranha ou soffrer as amarguras por que passa o que tem precisões longe dos seus. Isto é o bastante para mostrar bem claramente que a nossa dignidade nacional deve empenhar-se para que a industria tão desejada e agora promettida da cultura e fabrico do tabaco se estabeleça em condições de bom desenvolvimento, já porque ha capitaes no paiz que demandam emprego e é preciso ministrar-lh'o, já porque nas ilhas ha braços que necessitam de trabalho, e igualmente é preciso fornecer-lh'o para se diminuir esse sorvedouro da emigração brazileira, sempre aberto para nos engulir quantos braços nos sobram e não sobram, com perda grave dos nossos interesses; e, como disse, da nossa dignidade, porque o que aquella emigração parece significar é pobreza e atrazo de civilisação.

Concluo pois declarando que hei de votar por um additamento ao artigo que vae apresentar o meu illustre amigo e collega, o sr. Antonio Vicente Peixoto, o qual acabo de assignar e julgo-o rasoavel; e por isso tenho fé que o governo e a commissão o apreciará como merece. (Vozes: — Muito bem, muito bem.)

O sr. A. V. Peixoto: — Vou mandar para a mesa um additamento ao artigo 4.° nos seguintes termos.

Começarei por declarar a v. ex.ª e á camara que no meu entender, nem o parecer da commissão nem as differentes propostas que têem sido, e ainda hão de ser mandadas para a mesa, satisfazem de modo que se possa segurar para o estado o rendimento de 70:000$000 réis que hoje dá a sua venda, e ao mesmo tempo convenha aos lavradores mudarem a cultura das suas terras, sem a certeza de que d'ahi hão de tirar vantagens superiores ás que lhes dão hoje os cereaes. Se não fosse isto a proposta do meu amigo, o sr. Medeiros, seria a mais rasoavel na sua primeira parte. Mas como o estado não pôde dispensar o rendimento que lhe dá o tabaco, resta saber qual o melhor meio de permittir a cultura do tabaco sem prejuizo para a fazenda.

A proposta do sr. Sieuve é baseada no imposto lançado sobre a area ou extensão e qualidade de terreno cultivado. Este é o systema prussiano, mas para as circumstancias em que estamos tem dois inconvenientes: um é ser desigual, pois muitas vezes se pôde dar o caso em que duas porções de terreno iguaes, e que pagaram imposto igual, um tenha uma excellente producção, e o outro não, ficando assim prejudicado o lavrador, cuja colheita foi má; o segundo inconveniente é no caso em que o imposto lançado no terreno cultivado não perfaça a quantia ou somma que o governo exige, quem a ha de pagar?

A proposta do meu particular amigo, o sr. Medeiros, quer a cultura livre por cinco annos, tambem eu a quero. Quer mais, que a differença entre o producto dos direitos de entrada do tabaco nas alfandegas, e da licença de fabrico e venda seja lançada em addicionaes nas contribuições directas, e nos direitos que pagam as mercadorias pela pauta das alfandegas. Direitos addicionaes sobre as contribuições directas não o quer a immensa maioria dos habitantes das ilhas. Direitos addicionaes aos direitos que pela pauta se exige nas alfandegas é impossivel quere-lo, quando em toda a parte e sempre o está a clamar contra os direitos excessivos das pautas.

Quanto á minha proposta parece-me que é mais equitativa, e satisfaz ao fim que o governo tem, que é não prejudicar a cultura do tabaco e o rendimento de 70:000$000 réis que quer haver d'este genero.

O meu additamento é para que o imposto lançado no tabaco produzido nas ilhas não exceda 800 réis por kilo gramma, quando o rendimento das alfandegas e dos impostos de licença, de fabrico e de venda não produzam a quantia exigida pelo governo.

Ora eu vou mostrar que aquella quantia não é excessiva e que o governo tem seguro o rendimento que quer lhe dê o tabaco nos Açores.

O sr. desembargador Vicente José Ferreira Cardoso, distincto jurisconsulto e rico proprietario em S. Miguel, obteve licença do governo e dos contratadores do tabaco em 1825, 1826 e 1827, para fazer ensaios sobre a cultura do tabaco n'aquella ilha. Elle não só obteve excellente tabaco, igual ao da Virgínia, mas julgou que a sua cultura era de grande vantagem para os proprietarios e lavradores, pagando para o estado 294 réis por kilogramma. Eu proponho a sua elevação a 800 réis por kilogramma, augmento 506 réis, cuja importancia estou convencido que ha de ser coberta com o rendimento dos direitos das alfandegas e das licenças de fabrico e venda. Mas ainda mesmo que pouco ou nada rendam estes direitos, nem assim é prejudicado o cultivador nem o governo. O cultivador porque vendendo o seu tabaco pelo termo medio de 133 réis o kilogramma, e juntando-lhe os 800 réis de direitos fica-lhe o kilogramma de tabaco por 933 réis, quantia inferior aos direitos que nas ilhas adjacentes tem de pagar o tabaco estrangeiro.

O governo tambem não é prejudicado no rendimento que pede para o estado, pelo seguinte calculo tirado dos dados estatisticos do sr. desembargador Vicente José Ferreira Cardoso. Elle diz que = o consumo do tabaco na ilha de S. Miguel em 1827 foi de 22:710 kilogrammas =. Suppondo hoje o mesmo e igual consumo nos outros tres districtos, temos que o consumo geral do tabaco em um anno é de 90:840 kilogrammas; e multiplicando esta quantia por 800 réis dá 72:672$000 réis; isto é, uma somma maior do que a exigida pelo governo, e no caso do consumo ser só de tabaco de producção nacional.

Sr. presidente, termino dizendo a v. ex.ª e á camara a minha opinião pessoal, que é a seguinte.

Eu queria a cultura, fabrico e venda do tabaco nas ilhas livre, direitos de protecção e mais nada nobre o tabaco estrangeiro, e quando a cultura do tabaco estivesse estabelecida depois de cinco ou seis annos de experiencias, para se conhecer as suas vantagens, entrarem os terrenos que se dedicassem á producção do tabaco na regra geral da contribuição predial. O governo n'este espaço de tempo poderia não auferir rendimento algum do tabaco, mas compensado ficava com o augmento que a mudança dos impostos trouxeram no estado, e com o que de futuro lhe daria aquella industria. Mas como não pôde ser, limito-me a pedir aquillo que n'esta occasião julgo mais rasoavel.

Mando para a mesa a minha proposta, que vae assignada pelos ar. Poças Falcão, Menezes Toste e Camara Falcão. É o seguinte:

ADDITAMENTO AO ARTIGO 4.º

Este imposto não poderá exceder a quantia de 800 réis por cada kilogramma de tabaco. = A. V. Peixoto = E. D. Poças Falcão = José de Menezes Toste = L. F. da Camara Falcão.

Foi admittido.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Sr. presidente, o melhor de todos os mundos possiveis, economicamente fallando, seria aquelle em que se tivessem todos os commodos e todas as excellencias da civilisação, sem pagar cousa alguma para elles. Incontestavelmente, se lá chegassemos, tinhamos conseguido o bello ideal em materia de imposto. Mas como não é possivel querer ao mesmo tempo todos os gosos o regalias da civilisação, e não concorrer para as despezas que elles occasionam; como todos têem mostrado apprehensões ácerca da renda do tabaco; como ninguem, creio eu, ainda disso que este genero deve deixar de ser tributado, entendo que não podemos deixar de pensar na maneira de substituir a renda que se aufere do tabaco nas ilhas.

Ora, o meu illustre amigo, o sr. Medeiros, mandou, creio eu, uma proposta para a mesa pedindo a isenção do imposto por cinco annos. Isto seria ainda uma excellente cousa, mas não me parece que nós estejamos em circumstancias de poder prescindir de uma receita importante.

O sr. Medeiros: — Não prescindo dos 70:000$000 réis.

O Orador: — N'esse caso não me faço cargo da proposta do illustre deputado, e sem dar uma opinião definitiva sobre nenhuma das propostas que têem sido mandadas para a mesa, porque ainda não tive tempo de as meditar, e reservando-me para na commissão de fazenda dar a minha opinião ácerca d'ellas, direi apenas duas palavras com relação á proposta que foi apresentada pelo meu illustre amigo, o sr. Sieuve. O pensamento da proposta é que o terreno cultivado de tabaco pague segundo a sua natureza, entre 250 réis e 500 réis por cada are. Ora, cada alqueire de terra tem proximamente dez ares. Tomando o termo medio de 300 réis, entre 250 réis e 500 réis, por cada are de terra, temos que cada cultivador de tabaco pagará 3$000 réis por alqueire de terra. Suppondo as seguintes porções de terreno cultivaveis: na Madeira 5:000 alqueires, em Ponta Delgada 5:000 alqueires, na Terceira 3:000 alqueires, e no Faial 2:000 alqueires; temos uma somma de 15:000 alqueires de terra cultivada. Note v. ex.ª que eu tomei uma media de terreno cultivável, que reputo abaixo da realidade, se a lei passar.

Temos pois 15:000 alqueires cultivados nos quatro districtos das ilhas; multiplicando estes 15:000 alqueires pelo termo medio que tomei, que são 3$000 réis, temos a somma de 45:000$000 réis, faltando apenas para preencher a somma de 70:000$000 réis a modica quantia de 25:000$000 réis. Segundo os dados que eu pude colher, porque poucos ha a este respeito, com relação ás ilhas, não é preciso que se desenvolva em larga escala a cultura para nós auferirmos, por meio da proposta do sr. Sieuve, a somma de 45:000$000 réis; o que se segue pois d'aqui é que o imposto indirecto continuando a ser cobrado nas alfandegas (apoiados) não pôde haver a menor duvida de que estejam por este systema garantidos nas ilhas os 70:000$000 réis que ali rendia o tabaco. No entretanto, como já disse quando comecei a fallar, não apresento definitivamente a minha opinião. Nesta questão entendo que não ha nem maioria nem opposição (muitos apoiados).

Nós, os deputados das ilhas trabalhámos e forcejamos por acertar (apoiados). Desejámos encontrar o melhor meio de facilitar aquelles povos uma cultura que tem sido geralmente reputada util aquelles paizes; desejámos finalmente conciliar essas vantagens para as ilhas com a renda que entendemos necessaria garantir para o thesouro. N'estas circumstancias, e não querendo tomar mais tempo á camara, porque as circumstancias urgem (apoiados), e por isso entendo que todos nós, de um e outro lado da camara, devemos pôr de parte quaesquer caprichos, eu vou concluir.

Em pontos de administração tão serios como este é, julgo eu que se devem dar treguas ás paixões politicas, para curar seriamente dos interesses do paiz (apoiados). Á vista d'estas considerações limito-me ao que disse já, reservando-me para dar a minha opinião no sentido da causa publica, e muito especialmente em beneficio da terra em que nasci, para a qual tenho a consciencia de ter feito quanto as minhas faculdades m'o permittem, tudo o que tenho podido fazer.

A minha proposta é a seguinte

PROPOSTA

Requeiro que as propostas relativas ao artigo 4.° vão á commissão de fazenda, votando-se o principio da livre cultura e a disposição do § unico. = J. A. de Sant'Anna e Vasconcellos.

Foi admittida.

O sr. Ministro da Fazenda (Lobo d'Avila): — A respeito d'esta questão nas ilhas, já hontem disse á camara que a idéa do governo não era adoptar um systema absoluto sobre a cobrança do rendimento, e portanto entendo que se podia votar o principio de ser permittida a liberdade da cultura nas ilhas; e sobre o modo de auferir um tributo correspondente ao que hoje rende o monopolio do tabaco, seria conveniente que as propostas que têem sido apresentadas fossem remettidas á commissão, para sobre ellas dar o seu parecer (apoiados).

Podemos pois, sem prejuizo da discussão do projecto, deixar reservada a parte d'este artigo que se refere ao imposto que ha de substituir a renda actual, para quando a commissão apresentar o seu parecer sobre as propostas, votando o principio do artigo para a liberdade da cultura do tabaco nas ilhas e tambem o § unico que se refere á licença para venda, porque estes principios nada implicam com o systema pelo qual só ha de auferir o rendimento.

O meu fito não é de modo algum prejudicar; é proporcionar-lhes a maxima vantagem, é facilitar ali o desenvolvimento d'esta cultura, mas sem prejuizo dos interesses do thesouro (apoiados).

Portanto parece-me que sobre esta questão não devemos prolongar mais a discussão, porque ella ha de voltar. Votemos o principio da liberdade da cultura nas ilhas, votemos o § unico e deixemos reservada a votação sobre o modo de auferir o imposto, para depois da commissão apresentar o seu parecer sobre as propostas que têem sido apresentadas (apoiados).

O sr. Beirão: — Mando para a mesa uma moção com relação ao artigo 3.°, e deixo a v. ex.ª e á mesa o trabalho de a classificar ou como emenda, ou como substituição, porque me confesso muito incompetente n'esta taxonomia parlamentar ou regimental.

Segundo disse ha pouco um illustre deputado, é esta uma questão em que não podem entrar rancores politicos, sentimento que nunca tive, nem mesmo sei se conservo aquella pequena indisposição politica que ha entre as differentes parcialidades, e por isso todos devemos concorrer com lealdade para que o projecto attinja os dos grandes fins a que o governo e a situação se propoz, que vem a ser, assegurar ao estado a conservação do mesmo rendimento que actualmente aufere do monopolio do tabaco, e conseguir um certo grau de liberdade para esta industria, que o correr do tempo vá depois augmentando successivamente; porque todas as vezes que um d'estes principios collidir com o outro, de certo que o projecto não terá atingido o fim que a camara não pôde deixar de desejar. E com este pensamento que apresento a minha proposta, sobre a qual pretendo dar breves explicações, porque sou o primeiro a re-

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conhecer que o tempo urge, e que é necessario que quanto antes o parlamento se pronuncie sobre esta grave questão (apoiados).

A difficuldade com que entro n'esta discussão é maior do que aquella que me costuma acompanhar sempre que tenho a honra de levantar a minha voz n'esta assembléa, por isso mesmo que tendo communicado ao illustre relator da commissão quaes eram as minhas idéas a este respeito, porque não faço segredo d'ellas, nem mesmo ha de que o fazer, e tendo-o por consequencia collocado tambem nas circumstancias de nos esclarecer com as suas respostas e com as reflexões, das quaes de certo a camara havia de tirar muita luz e muito proveito para a deliberação; mas elle infelizmente, em virtude do seu estado de saude, nao pôde tomar hoje parte no debate, e eu vejo-me na necessidade de apresentar apesar d'isso a minha opinião, porque se não a apresento com relação a este artigo, passa a occasião, e a todo o tempo elle, ou mesmo n'esta sessão qualquer membro das illustres commissões que deram o seu parecer a este respeito, ou mesmo s. ex.ª, o sr. ministro da fazenda, se se dignar attender ás minhas humildes considerações, poderão dar a este respeito as explicações que lhe parecerem convenientes no sentido de defeza do projecto, ou no sentido de acquiescencia ao meu principio, se porventura tiver a fortuna de conquistar a vontade e o entendimento de ss. ex.ª

A minha moção é muito simples ao mesmo tempo que tem um grave alcance. E devo dizer que não acha grande numero de sympathias, nem de um, nem de outro lado da camara; mas a camara tambem me ha de fazer a justiça de acreditar, que em todas as questões mais ou menos graves que têem vindo ao parlamento e em que tenho tomado parte, não é de certo a circumstancia que me prende mais, a da popularidade parlamentar. Faço a minha desobriga, apresento as minhas idéas e a camara resolve os negocios como bem lho apraz.

A minha proposta é a seguinte:

«E livre e cultura do tabaco em todo o reino.»

A historia d'esta industria em Portugal, infelizmente não é das mais honrosas para elle, e o seu epilogo consubstanciado n'esta proposta de lei não desdiz dos precedentes, antes os aggrava.

Ha trezentos annos, um portuguez trouxe á Europa pela primeira vez o tabaco, e a planta do Novo Mundo achou n'esta terra uma patria adoptiva, que quasi lhe fazia esquecer seu paiz natal; o embaixador da França então residente em Lisboa, a levou d'aqui para París á rainha de França com os nomes pomposos de herva santa, de nicociana, de tabaco e de herva em pó da rainha; eram epithetos dados á planta em obsequio de altas personagens, que nada concorreram para a sua acclimatação e cultura, e os nomes do portuguez que a trouxe, e da sua patria adoptiva no velho continente, passaram despercebidos e ingratamente esquecidos na sua historia!

A proposta de lei que estamos discutindo, mostra que este paiz não era por certo digno de tradições mais honrosas!

Quando se lê o artigo 1.° do projecto de lei em discussão e se combina com a doutrina do artigo 3.°, custa a conceber que os discipulos de uma mesma escola, que os sectarios da mesma doutrina, que os homens da mesma parcialidade fossem no mesmo projecto de lei mais de uma vez buscar a escolas oppostas as disposições dos differentes artigos que se combatem e destroem mutuamente. Se se invoca uma vez por acaso no artigo 1.° a liberdade de commercio, tres ou quatro vezes se invoca a repressão do commercio na sua mais lata significação.

E é este o projecto que se inculca como uma das provas de virilidade o força da situação actual!

O nobre deputado que ha poucos dias considerou esta proposta de lei d'este modo, confundiu de certo o symptoma de força com o artificio em que ordinariamente a velhice costuma encobrir a decrepitude.

Não pôde ser, não é a maneira como o projecto está concebido, uma significação de força; é a cabelleira que encobre a calva, são os cientes postiços que substituem os naturaes, é a pintura que disfarça as cans, mas que compromette constantemente a velhice presumpçosa!

Mas eu tenho sempre tido e conservo ainda o sentimento da imparcialidade.

Quando os illustres oradores que tomaram parte na discussão da proposta de lei de que se trata, e sobretudo s. ex.ª o sr. ministro da fazenda fallou a este respeito, estou bem certo, porquanto tenho seguido esta discussão com todo o desvelo e cuidado, de que se por um lado se desejava inaugurar o principio da liberdade, não tão ampla como s. ex.ª desejava, porque com o tempo se iriam fazendo modificações na lei e por consequencia dilatando estas raias da liberdade que se apresentam no artigo 1.° do projecto, por outro lado o ao mesmo tempo se não quiz diminuir em cousa nenhuma o rendimento do estado; e que por consequencia o projecto foi elaborado desde o primeiro até ao ultimo artigo tendo-se sempre em consideração estes dois principios— liberdade possivel e rendimento do tabaco— pelo menos igual ao que o estado hoje aufere pelo systema do monopolio.

Parece-me pois que logo que eu possa provar que da proposta que tenho a honra de mandar para a mesa não se segue que o estado receba menos do que actualmente recebe, a situação actual, o ministerio e a maioria não podem logicamente deixar de a aceitar; e tanto mais que ella encerra um principio eminentemente liberal que a escola que se preza de ser tal não pôde deixar de querer que se junte aos outros principios que professa.

Verei eu se o posso demonstrar e se posso convencer os meus adversarios d'esta verdade. Se poder tanto melhor, não para mim, porque não me resta gloria nenhuma em ganhar a victoria, mas para o paiz, que consigna mais um grande principio na lei que actualmente se discute. Não me resta comtudo esperança alguma ácerca da victoria.

Depois do que disse o nobre ministro n'uma das sessões passadas, apostrophando a maioria. «Vede bem que se porventura admittis a idéa apresentada por aquelle lado da camara, dentro em pouco tempo com rasão a opposição dirá ao ministerio: saí d'essas cadeiras e deixae-nos gerir os negocios publicos, porque foi nossa a idéa que se consignou no projecto». Desde logo me persuadi de que ás rasões da opposição se opporiam os votos da maioria e que a belleza do systema parlamentar, pelo menos com respeito á questão sujeita, tinha acabado n'esse mesmo momento.

E a discussão de hontem veiu confirmar no meu espirito esta triste apprehensão. Levantou-se um certo numero de deputados da opposição, fizeram um certo numero de indicações, e a maioria não respondeu a uma só d'essas observações; e apenas o sr. ministro da fazenda teve a condescendencia de declarar que = se porventura o projecto não estivesse convertido em lei no 1.° de maio, uma nova medida viria propor =. Novissima lhe chamarei eu, porque depois de s. ex.ª declarar que não aceitava a régie nem o monopolio, que idéa nova póde ser esta que appareça no 1.° de maio, se o projecto a esse tempo não estiver convertido em lei?

Mas ainda assim me atrevo a offerecer a minha moção de ordem a que me tenho referido e a sustenta-la, porque nem o deputado que a apresenta aspira a subir ao poder, nem tambem a moção combate o principio fundamental do projecto, antes tende a desenvolver mais a idéa de liberdade, que é, ou que se tem dito ser, a base d'este projecto. E ainda que o sr. ministro da fazenda, n'um trecho elaborado para excitar a hilaridade em um seu discurso feito o anno passado, cousa que poucas vezes tenho tido a fortuna de ouvir, me considerou incompativel n'um ministerio com o sr. Carlos Bento e com o sr. Casal Ribeiro, porque tinhamos idéas oppostas em fazenda. Foi uma jovialidade apenas! Nem o illustre ministro se pôde persuadir de que eu, quando apresento qualquer moção, o faça movido pelo desejo de mudar a situação em proveito proprio.

Vindo propriamente á questão, declaro com franqueza que, depois de ler attentamente o preambulo d'esta lei, feito sob as vistas do governo, approvado por duas illustres commissões competentes e scientes, e depois de ouvir os discursos dos illustres deputados que têem sustentado o projecto, para sustentar a prohibição da cultura do tabaco no continente do reino, quatro motivos se apresentaram exarados, torno a repetir, no relatorio, e desenvolvidos nos discursos dos illustres oradores.

O primeiro vem a ser que, permittida a cultura do tabaco no paiz, o terreno destinado a outras culturas mais necessarias e essenciaes para a vida dos povos poderia ser substituido por esta cultura, e trazer isto um grave inconveniente para o paiz.

A segunda rasão era que á proporção que se augmentar no paiz a cultura do tabaco, ha de diminuir a importação do tabaco exotico pelas alfandegas, como o principal rendimento que o estado quer auferir d'esta lei, vem a ser o grave imposto sobre o tabaco que entra nas alfandegas; e não sendo esta cultura d'aquellas sobre que deva carregar um grave imposto, vinha a seguir-se que este augmento de imposto diminuía a receita do fisco com relação ao tabaco, e então ía se de encontro a um dos principaes fins que a administração teve em vista n'esta proposta.

O terceiro argumento é que a experiencia já se tenha feito em Portugal, e não se tenham colhido bons resultados, ou que os resultados d'esta experiencia eram hostis á livre cultura do tabaco no paiz.

Ultima e finalmente, que indo-se buscar o typo d'esta lei a um paiz onde a liberdade está combinada com certo numero de restricções, como ella se apresenta lá, o governo e as commissões são todos de accordo em que não haja permissão da cultura do tabaco. Este paiz é a Inglaterra.

Eu acrescentarei ainda a estas rasões, porque não desejo diminuir em nada a força dos argumentos dos meus adversarios, que vejo ainda na cultura do tabaco uma porta aberta para o contrabando em grande escala, e conseguintemente uma maneira indirecta de diminuir consideravelmente as rendas do estado.

Vejamos com relação ao primeiro motivo as rasões que o governo e as commissões tiveram para sustentar esta prohibição de cultura de tabaco. Parece-me que não é de certo necessario muito esforço de intelligencia e de illustração para mostrar que esta cultura trazia maior, reddito a Portugal, como o tem trazido a outros paizes onde esta cultura é livre. E se se pensa que o não havia de trazer, como é então que o governo pensa que d'essa cultura nas ilhas ha de tirar tanto quanto auferia pelo monopolio n'aquella porção da monarchia?

E direi incidentemente que, com relação ás ilhas, pelas disposições do projecto e por todas as emendas que os homens mais competentes das ilhas ainda ha pouco mandaram para a mesa, todos reputam que se podem auferir 70:000$000 réis, que tanto era o que se auferia até agora do monopolio nas ilhas. Como se não poderá então auferir o mesmo com relação ao continente, que até aqui se auferia pelo monopolio? As rasões são as mesmas, e por conseguinte não pôde deixar de chegar-se á mesma conclusão. Mas a verdade é que não se chegou.

Sr. presidente, a liberdade das industrias, que me parece que em these não haverá deputado algum, quer de um lado quer do outro da camara, que o contesto, tem alem de outras muitas vantagens, a vantagem suprema que a liberdade introduzida em todas as cousas trás comsigo, que é de corrigir-se a si mesma. Tem o governo porventura medo que a cultura do tabaco seja tão extremamente productiva que invada os terrenos que podem ser destinados ás graminias, ás substancias mais necessarias á alimentação do povo? Pois deixe este equilibrio á liberdade das culturas e ellas restituirão este equilibrio, que nenhuma lei é capaz de decretar e que não está decretado por lei nenhuma. A agrologia e a meteorologia não respeitam as nossa leis; hão de fazer o equilibrio sem ser necessario que intervenha a acção do governo.

Um grande economista, n'um livro que, por ser extremamente elementar, anda na mão de todos, o sr. Garnier declara que na liberdade das industrias não se entenda que o movimento muscular com que o homem desenvolve a materia prima para differentes industrias, é o primeiro élo dos trabalhos industriaes; não se acredite que o movimento muscular com que o homem converte a materia prima em productos vendáveis, seja o primeiro élo dos trabalhos industriaes. O primeiro élo de todos os actos industriaes é o pensamento do industrial em conceber a industria que vae pôr em pratica. Desde que a lei lhe véda esse pensamento, a lei começou a exercer uma tyrannia sobre este mesmo industrial na sua primeira e mais singela manifestação, ainda que seja com as idéas mais paternas e beneficas que o governo intervenha n'esta repartição da terra e nos differentes systemas de cultura, exerce sem operar uma especie de pressão e de tyrannia sobre a primeira de todas as industrias de um povo qualquer. Por consequencia, já se vê que para estabelecer estes principios e seguir este caminho é necessario contradizer os principios mais elementares da sciencia economica.

Mas eu devo notar que a prohibição da cultura do tabaco em Portugal, com esta apprehensão, é uma prohibição que denota, salvo todo o respeito, pouco estudo da materia, insciencia absoluta da questão agricola!

Sabe v. ex.ª qual é a superficie do terreno arável na França capaz de produzir todo o tabaco que se consome n'aquelle paiz? 1:000 hectares de terra, ou 5:000 hectares apenas se ali fosse adoptado o systema da cultura de Flandres; de modo que a superficie de uma só communa seria sufficiente para produzir todo o tabaco indispensavel ás fabricas da França. Eis-aqui a opinião altamente auctorisada e competentissima do sr. conde Gasparin!

Ora isto quer dizer que 1:000 hectares de terra seria mais que sufficiente para produzir todo o tabaco necessario ás fabricas que houverem de se estabelecer em Portugal. E pôde o governo em boa fé acreditar que uma cultura que apenas acha mercado para o producto de 1:000 hectares de terra, invada o paiz a ponto de prejudicar as outras culturas indispensaveis á vida do povo? Não o creio, nem o pôde acreditar o proprio governo!

O alargamento das industrias não está simplesmente na rasão directa das condições agrologicas e meteorologicas; está ainda debaixo da rasão directa de um principio mais poderoso do que todos estes, que é do consumo que o producto dessas industrias pôde ter no paiz.

Hoje uma das culturas mais productivas da França é a beterraba, e dá se entre nós perfeitamente; comtudo não ha um campo em Portugal aonde se encontre essa industria em grande.

Em França, a par d'esta industria, existe a industria do assucar, e toda essa beterraba tem um consumo no commercio; mas que serviria cá produzir se muita beterraba? Só para alguns pratos das nossas mesas e sustento dos gados. Portanto já se vê que o consumo não está ainda a par do trabalho e das despezas do grangeio.

Ora se Portugal consome unicamente 1.300:000 kilogrammas de tabaco, tudo quanto fosse produzido a mais ficaria era pura desvantagem do agricultor, e por consequencia elle restringiria a sua cultura e não produziria no anno seguinte tanto quanto produziu no anno antecedente. Isto mesmo é que se observa nos paizes aonde a cultura do tabaco é livre; por exemplo, na Belgica são uniformes todos os auctores em dizer que = se restrinja a cultura do tabaco =, e ultimamente ha a cultura do tabaco simplesmente n'aquellas localidades que pelas suas condições são mais vantajosas para essa cultura, e sobretudo n'uma zona em volta das fabricas que a precisam para o seu consumo.

Ha muitas localidades proprias para esta cultura, mas por ficarem a certa distancia das fabricas não se faz, porque as despezas do grangeio e as da trasladação para as fabricas são superiores ao preço do tabaco. Por consequencia não ha motivo para se nutrir por um momento a apprehensão de que o desenvolvimento da cultura do tabaco podesse prejudicar as outras culturas.

Por mais elevado que seja o preço do vinho do Douro veja-se se os lavradores das margens do Tejo se lembram de as plantar de vinhas, e se os lavradores do Douro semeiam trigo nas margens alcantiladas do Douro. Não, porque teriam um prejuizo certo.

Ora os oradores que têem tomado parte n'esta discussão têem dito que = augmentando-se a producção do tabaco em larga escala em Portugal, quantos kilogrammas se produzissem de folha em Portugal tantos menos entrariam nas alfandegas, e por consequencia recebendo o fisco por cada kilogramma que entrasse de menos na alfandega 1$330 réis, haveria portanto um desfalque tão grande nas rendas do estado que não seria possivel manter os dois principios que o governo se propõe defender nesta lei, que vem a ser, a liberdade do commercio com a igual receita que actualmente aufere pelo monopolio = =. Mas as provas d'isto aonde estão? Estudou-se esta questão? Deu-se alguma rasão por que isto devia ser assim? Fizeram-se algumas reflexões que induzissem a camara a esta convicção? Nenhumas; e eu vou agora expor á camara uma serie d'ellas, pelas quaes me comprometto a demonstrar que os rendimentos auferidos pelo

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fisco, no caso da liberdade da cultura do tabaco em todo o reino, seriam não só iguaes, mas superiores aquella que actualmente o estado aufere do direito do monopolio ou do direito do tabaco se o projecto que se discute for convertido em lei.

A cultura do tabaco entre nós não está ensaiada, e se o foi, data de uma epocha tão remota que não ha ou não existe uma historia d'esta cultura, tal que por ella se possa emprehender novamente com a esperança de feliz ou infeliz successo. Mas a questão está julgada e julgada praticamente nos paizes d'onde nós podemos tirar por analogia o que aconteceria em Portugal se porventura esta cultura tivesse a liberdade de se poder fazer em todas as localidades.

O sr. conde de Gasparin, que n'esta materia é um dos homens mais importantes, tratando da despeza que o grangeio do tabaco faz em França, calcula em 60 francos o custo com a venda da terra e com todas as despezas do grangeio de 100 kilogrammas de tabaco.

Note a camara, e já o ha de ter notado na sua sabedoria, porque, n'uma palavra, todos os illustres deputados hão de ter lido quanto existe escripto a respeito d'esta notavel questão; note a camara, digo, que quando 100 kilogrammas de tabaco em França, com o onerosíssimo regimen da régie, custam 63 francos, em outro paiz, com outro qualquer processo, pelo qual não carreguem sobre o pobre agricultor os vexames que carregam sobre o agricultor francez, a producção pôde ficar por metade daquillo por que fica em França.

Todos nós sabemos que em França, em primeiro logar, não é licito ter um campo de tabaco sem que os pés d'esta planta distem de um a outro 1 metro; em segundo logar, o agricultor não pôde arrancar de cada pé de tabaco mais que nove folhas; e, em terceiro logar, estas nove folhas, depois de armazenadas, são carimbadas pelos fiscaes, e só têem venda n'uma feira annual, que o governo concede pelo preço taxado por elle proprio.

Ora, quando nove districtos da França cultivam o tabaco, com todos estes vexames, e tiram vantagem, quando vendem 100 kilogrammas por 63 francos, nos paizes como a Hungria, como a Belgica, como a Hollanda, onde cada hectare de terra leva entre 40:000 a 50:000 pés de tabaco, calcule a camara se porventura eu sou exagerado em suppor que n'esses paizes o tabaco sáe por metade do preço por que se vendem 100 kilogrammas em França; e d'este modo já o agricultor tira uma vantagem proporcional aquella que tira de outros productos da terra.

Ora, se nos paizes mais ao norte do que o nosso 1 hectare de terra pôde levar o prodigioso numero de 40:000 a 50:000 pés de nicociana, com todo o grangeio que lhe é proprio; em Portugal, paiz muito mais quente, em que as condições meteorologicas, e em algumas partes as agronomicas, são extremamente favoraveis; e em que sobretudo se dá a circumstancia que todos os agricultores julgam indispensavel para o desenvolvimento d'esta planta, que é um verão superior a cem dias, porque tanto leva a planta a formar-se desde a sementeira que se faz em alfobre até que se colhem os fructos, por isso que a alguns desses pés é necessario colher os fructos para ficar a semente para o anno seguinte; em Portugal, digo, em que se dão estas condições, não serei exagerado se suppozer que o preço por que o tabaco podia saír ao agricultor seria metade d'aquelle por que é vendido em França, com lucro para o mesmo agricultor.

Ora, tornando um pouco fastidiosas as minhas reflexões, mas não podendo deixar de baixar a numeros, direi eu agora decidida a liberdade da cultura do tabaco em Portugal, qual é a hypothese menos vantajosa para o estado?

A hypothese menos vantajosa para o estado e quasi miraculosa seria, que convertido agora este projecto em lei, os agricultores todos no 1.° de maio fossem fazer o seu alfobre, transplantassem depois, e por consequencia em setembro colhessem a producção de 1.300:000 kilogrammas; que é o mesmo que dizer que no primeiro anno em que se publicava a lei produzia Portugal tanto tabaco quanto importa do estrangeiro, e que por consequencia ficava reduzida a zero a verba da alfandega de 1$215 réis por kilogramma ou 1.500:000$000 réis.

Mas de accordo. Supponhamos que se verificava esta hypothese quasi impossivel, e vejamos ainda se porventura a situação do thesouro ficava peior com a liberdade da cultura, ou se fica em melhores condições com a prohibição d'ella.

Pelo raciocinio que eu acabei de fazer, raciocinio que é necessario declarar á camara, qualquer agricultor em Portugal que intenta uma industria que não é prohibida por lei, se a não ha no paiz ha de necessariamente soccorrer-se a elle; é a estes dados que se soccorre para empregar os seus capitaes; e já se vê que o agricultor que emprega os seus capitaes levado por este raciocinio, não deseja menos auferir o producto conveniente que o estado pôde desejar auferir; pelo contrario suppõe se sempre, e muito bem, uma maior solicitude da parte d'elle do que aquella que ha pelos interesses do estado; pelo raciocinio que eu acabei de fazer, digo, vê se que pelo methodo da cultura franceza viria cada kilogramma de tabaco portuguez a importar ao agricultor, depois de prompto e secco e nas circumstancias vendáveis, em 414 réis; que pelo methodo seguido em outro qualquer paiz, que não esteja submettido ao regimen extremamente odioso da cultura do tabaco em França, esse processo daria uma despeza ao agricultor portuguez de 207 réis o kilogramma, e que por conseguinte o agricultor em Portugal que desse a folha do tabaco secco por 207 réis o kilogramma, tinha tirado a despeza do grangeio da cultura, tinha pago o juro do capital empregado e tinha pago a renda; porque todos estes factores entram na hypothese que eu ha pouco figurei, e que tomei como principio do meu raciocinio.

Se isto assim é, e cada kilogramma de tabaco estrangeiro custa hoje, posto aqui, 297 réis, vê-se que o tabaco em Portugal podia chegar á mão do fabricante que tem de o transformar, por um preço inferior aquelle por que o mesmo fabricante o compra ao estrangeiro. Por consequencia, augmentando 20 por cento sobre este preço por que o productor o produz, o que é o seu lucro, ainda este tabaco fica por preço inferior aquelle que custa o kilogramma de tabaco exotico produzido fóra de Portugal. Sendo o tabaco uma materia collectavel excepcionalmente; e não se verificando aqui o grande principio de que grande tributo carrega sobre a producção, porque n'este caso não carrega, porque esse direito é seis ou oito vezes superior ao do seu custo; segue-se que o fabricante acharia no tabaco indígena a materia prima de que carece por ter preço inferior á do custo do tabaco exotico. Alem d'isto segue-se duas consequencias naturalíssimas que não se exprimem na lei, mas que todo o agricultor e industrial sabe melhor que esta camara, que é ir comprar onde mais barato se vender, e a não introducção de tabaco exotico.

Precisam-se despachar na alfandega 100 000 arrobas ou 1.468:800 kilogrammas de tabaco para consumo, segundo o calculo apresentado pelo sr. ministro no seu relatorio, e eu ainda n'esta parte me curvo perante um outro principio protecionista, mas protecionista da cultura portugueza. O tabaco estrangeiro paga 1$200 réis por kilogramma, e eu não desejava que o tabaco nacional tivesse de imposto senão 1$000 réis por cada kilogramma.

Já se vê que, produzindo-se o tabaco portuguez por um preço inferior ao do tabaco exotico, e que estabelecendo-se n'esta lei um direito inferior sobre o tabaco indígena, elle havia de apparecer mais barato, e isto era um motivo poderoso para o fabricante comprar antes o tabaco indígena do que o tabaco exotico.

Mas não param aqui as vantagens deste systema; e de passagem direi que verificada a hypothese da producção de 1.300:000 kilogrammas de tabaco indígena para ser manipulado no paiz, eu devo sommar aos redditos do estado aquelle que provem da riqueza collectavel a mais que fica em Portugal, que é o dinheiro que deixa de se exportar para a compra de tabacos. E pelos calculos do sr. conde d'Avila esta somma anda por 400:000$000 réis; quer dizer, aos proventos resultantes da minha idéa devem ainda sommar-se estes 400:000$000 réis que ficam no paiz. Suppondo pois que o tributo no tabaco indígena é de 1$000 réis por kilogramma e adoptando no mais as bases do projecto, teremos o seguinte resultado:

100 kilogrammas em França 23 francos = 4$140 réis. Cada kilogramma 414 réis; pelo methodo de Flandres metade = 207 réis; mas cada kilogramma exotico custa 297 réis, logo não pôde competir com o nosso! Concedemos 20 por cento ao productor, elle poderá vender cada kilogramma por 247 réis.

Impondo o tributo de 1$000 réis por cada kilogramma de tabaco nacional teremos por 1.300:000 kilogrammas.

Direitos na alfandega................. 1.300:000$000

Imposto sobre o fabrico............... 130:000$000

Licenças............................ 30:000$000

Charutos............................ 280:000$000

Outras especies de tabaco.............. 77:000$000

Abatendo o custo da fiscalisação........ 120:000$000

1.937:000$000

O actual estado produz................ 1.748:000$000

Differença para mais.................. 189:000$000

Proveito para o consumidor:

Materia prima no paiz, 1 kilogramma....... 247 réis

Direitos de alfandega..................... 10000 »

Direitos no fabrico....................... 100

Tres por cento.......................... 30 »

Somma......... 1$377 »

Segundo o projecto (pag. 11).............. 1$730 »

Beneficio a favor da industria.............. 353 »

Venda actual por cada kilogramma 2$104 réis. Segundo este calculo pôde vender se por 1$800 réis com o ganho da industria de perto de 500 réis; e do consumidor de 304 réis, que em 1.300:000 kilogrammas dá a enorme somma a favor do consumo de mais de 390:000$000 réis.

Logo ha ainda uma vantagem para o estado de réis 189:000$000.

Dir-se-ha, isto tudo é fallivel. Mas onde está a infalibilidade dos calculos do governo? E nos seus argumentos? E se tudo isto não é infallivel tambem este argumento prova de mais, porque póde-se inverter contra todos os calculos e considerações feitas pelo governo e approvadas pela illustre commissão.

Mas ha mais. N'este projecto do governo têem-se esforçado os oradores da parte do governo em provar que uma parte das vantagens deste projecto vem a ser a barateza do genero com relação ao consumidor; e esta differença para menos com relação ao consumidor, tem sido contestada com muito boas rasões pelos deputados que combatem o projecto, e principalmente =obre algumas d'ellas resta muita duvida de que o projecto produzindo todos os beneficios que o governo quer que produza com relação ao fisco, os produza tambem com relação ao consumidor.

Mas approvada a idéa da livre cultura do tabaco no paiz, como o tabaco chega mais barato á alfandega, e como o imposto da alfandega é menor do que o do tabaco exotico, como a fabrica o compra por um preço menor do que compra o tabaco da America, o que se segue é que o producto fabricado se ha de vender por um preço inferior ao d'aquelle por que se vende o tabaco fabricado com a materia prima que vem de fóra.

Portanto, pela base que eu indico, vera cada kilogramma de tabaco posto na fabrica a saír por 1$376 réis, e pelo projecto do governo vera a saír a 1$776 réis. Por conseguinte consentida a liberdade da cultura do tabaco, fazendo parte do grande principio de liberdade do commercio, e germinada a liberdade de producção, resulta que cada 1 kilogramma de tabaco para o fabricante vem a saír por menos 350 réis. Eis-aqui o maior e maximo beneficio d'esta idéa por isso mesmo que é esta e só esta que pôde dar este resultado.

Portanto parece-me ter provado exoberantemente, em primeiro logar, que por esta idéa se liberta a terra mais uma vez, e tantas vezes se tem aqui invocado a liberdade da terra, e agora, para o caso que tratámos, invoca-se a sua escravidão, não me parece isso logico (apoiados); e provado, em segundo logar, quasi evidentemente, que o fisco com a liberdade da cultura em todo o reino, não soffre nada, antes pelo contrario ha de auferir uma renda superior aquella que actualmente pôde auferir do monopolio, ou poderá mesmo auferir se o projecto que discutimos se converter em lei. Não ha duvida que haverá boa rasão para sustentar esta antinomia que existe entre o artigo 1.º e o 3.° do projecto, mas pelo meio que proponho não ficará a lei mais harmonica? Não terão mesmo os srs. ministros mais motivo de gloria, porque em logar de darem uma liberdade dão duas ao paiz? E a unica rasão que pôde sustentar esta restricção porventura não desapparece á vista de todas estas considerações que tenho apresentado á camara? Creio que sim. Parece-me isto tão evidente e tão claro, que não admitte duvida. Talvez seja preoccupação minha a este respeito, preoccupação que terei a desgraça de ver não destruída por meio de rasões, mas inutilisada pela votação da camara, parecendo-me ainda impossivel que a maioria approve a doutrina do artigo 3.° em contravenção da disposição da emenda que vou mandar para a mesa, e sobretudo um parlamento que se gloria de pertencer á escola ultraliberal.

Mas a experiencia em Portugal é adversa á liberdade d'esta cultura. Devo confessar á camara, que as epochas a que se vão buscar os factos pelos quaes se quer demonstrar que o ensaio da liberdade d'esta cultura em Portugal não produziu os effeitos que se desejava, antes pelo contrario essa experiencia condemnou essa cultura n'essas epochas, são epochas em que o atrazo do agricultura era tal, que mal podem servir para base de raciocinio algum; roas se compararmos a legislação, se compararmos os methodos aperfeiçoados, os estudos que se têem feito ácerca de todos os processos agricolas, essa consideração não pôde de maneira alguma vingar. Mas ainda assim concedamos que essa epocha é similhante a esta, que não ha differença nenhuma; porém poderá um praso de dois annos, que tanto durou esta livre cultura desde 1642 a 1644, servir de argumento para provar que esta cultura é impossivel entre nós? Eu não quero de maneira nenhuma suppor no illustre auctor do projecto e muito menos nas illustradas commissões, que fossem tão pouco scientes na historia do seu paiz que não achassem outro praso mais longo aonde deviam ir buscar a comparação, e não aos dois referidos annos em que está condemnada a cultura d'esta planta; porque n'um praso tão curto não se pôde julgar da excellencia ou ruindade de uma industria qualquer; este argumento não se adduz, não se pôde adduzir, porque é quasi uma injuria á pessoa que o adduz.

Mas o exemplo de Inglaterra. Diz-se: «Quereis vós saber mais, tereis vós estudado esta questão mais profundamente do que se estudou n'aquelle paiz aonde tudo se estuda tão fria, tão placida e tão despreoccupadamente?» De certo não. Mas é que effectivamente lá a cultura não foi prohibida pelo motivo que quereis inculcar (apoiados) para a prohibir em Portugal.

A camara tem ouvido mais de uma vez, com dados officiaes na mão, que o consumo do tabaco em Inglaterra, apesar d'essas tres linhas de fiscalisação e d'essas tres linhas de empregados fiscaes de uma maneira surprehendente e espantosa para obstar ao contrabando, a camara tem ouvido dizer, com os dados officiaes na mão, que na Irlanda tres quartas partes do consumo do tabaco é contrabando, e suppõe-se isto um bom fundamento, e que na Inglaterra uma quarta parte do consumo do tabaco é feito por contrabando (apoiados).

A prohibição da cultura do tabaco decretada pela Inglaterra na Irlanda, não foi feita pelo motivo que tenho aqui ouvido allegar aos defensores do projecto, e devo dizer primeiro que tudo, pelo respeito que tenho aquelle grande paiz e aos homens eminentemente sabios e illustrados em todos os ramos de administração que ali existem, que não é debaixo do sol da Irlanda nem com as condições agrologicas da Irlanda que a prohibição fez com que lá se não desse o tabaco, havia antes d'isso outra prohibição mais fatal — a da natureza! E posto que a Inglaterra com todo o seu dinheiro, esperiencia e saber decretasse definitivamente a plantação do tabaco na Irlanda, a natureza havia resistir á producção d'aquella planta n'aquelle sólo e n'aquellas condições meteorologicas (apoiados), nunca havia existir a producção d'essa planta na Irlanda nem em quantidades, e muito menos em qualidade que fosse affrontar o commercio do tabaco na Inglaterra (apoiados); a Irlanda era uma, escola de contrabando para Inglaterra (apoiados); acobertado com a producção da Irlanda entrava o tabaco para. Inglaterra por todos os pontos (apoiados). Conseguintemente n'um paiz aonde se não vê o sol, aonde o céu está sempre nebuloso, não deixa de maneira nenhuma progredir a vegetação de uma planta que precisa de um sol clara e de uma atmosphera limpida (apoiados).

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O que é pois a prohibição do tabaco na Irlanda? O que significa ella? Não significa nada d'aquillo que a commissão, e o governo querem que signifique.

Mas dir-se-ha, e com isto vou terminar as poucas e mal alinhavadas palavras que tinha a apresentar, dir-se-ha, se a cultura do tabaco foi prohibida na Irlanda, por isso que á sombra de uma producção mesquinha se fazia um contrabando espantoso, como não deveremos temer que esse mesmo contrabando venha a fazer-se em Portugal? Direi desde já que a objecção está prevenida de antemão nas minhas considerações que tenho apresentado á camara. O contrabando faz-se ordinariamente quando a materia contrabandeada se não póde dar no paiz aonde se faz o contrabando por um preço inferior aquelle d'onde vem o contrabando. Isto é natural, é o incentivo do contrabando, e incentivo tanto maior quanto menor é o preço da materia do contrabando, e maior o imposto com que está sobrecarregada a materia sujeita á venda legal.

Mas pelas considerações que fiz estou convencido que o tabaco portuguez, o tabaco produzido em Portugal, fica ao productor por 20 por cento menos que o tabaco estrangeiro. E sendo assim como se póde receiar o contrabando? Como é possivel temer-se o contrabando de uma materia que cultivada no paiz sáe por um preço muito inferior á que póde vir de fóra? É impossivel. Mas vem outra objecção e é a seguinte. Faz se o contrabando da materia manufacturada. Entre os differentes productos que sáem das fabricas de tabaco, o charuto é de uma fabricação tão simples e singela, que effectivamente em todas as terras aonde se produzisse o tabaco se podia fazer essa pequena manufactura e inundar-se o mercado d'esse contrabando, prejudicando assim de uma maneira espantosa as rendas do estado.

A isto direi em primeiro logar, que á barateza por que o tabaco se me afigura que póde crear-se em Portugal, admittida a sua cultura, é tal, que estou persuadido que o contrabando não seja convidado a fazer-se. Mas ainda ha outra consideração a fazer.

A fiscalisação que o governo por esta lei tem de exercer, ha de ser exercida nas alfandegas e portos de mar por onde póde entrar o tabaco exotico, nas fabricas com relação aos differentes fabricos e na venda dos estancos; por consequencia não me parece difficil conhecer o charuto que é feito n'essas fabricas e o que é n'ellas introduzido e nos estancos por contrabando; em a fiscalisação sendo efficaz, o contrabando não ha de ser muito facil, e quanto ao contrabando que tiver de se fazer nas granjas onde se cultivar o tabaco, desse não tenho eu medo; é insignificantissimo.

Por consequencia não ha rasão nenhuma plausivel pela qual se possa suppor que effectivamente este methodo que proponho, ou a liberdade de cultura que proponho possa prejudicar as vistas que o governo teve na factura do seu projecto, primeiramente a liberdade, se assim se póde chamar, e em segundo logar o auferir a favor do fisco uma renda igual á que percebia pelo contrato do tabaco arrematado.

Em ultimo logar e terminando digo, que senti profundamente, porque poetas de parte todas as considerações politicas que me afastam do actual gabinete, tenho a honra de ser amigo pessoal de alguns dos srs. ministros, desejava vê-los sempre n'uma posição onde não podessem nem ligeiramente ser arguidos, digo que senti profundamente que o sr. ministro não procedesse de outro modo.

Desejava muito mais, e a camara terá visto que não sou dos mais prodigos com a receita do estado, mas desejava muito mais que o governo e a situação actual, collocada debaixo da égide de um grande principio, do principio da liberdade, se tivesse provido com os meios que julgasse indispensaveis para fazer face a um tal ou qual prejuizo que podesse haver nos primeiros annos da passagem do monopolio para a liberdade, porque se nos primeiros tempos esse prejuizo se podesse dar elle havia de ser depois largamente resarcido (apoiados).

Leigo como sou nas sciencias economicas, julgava que estes principios economicos, esta idéa de liberdade de commercio, não era um sonho, uma ficção, uma imaginação que se tinha creado para seduzir a credulidade publica, que estes grandes principios economicos eram um aphorismo que resultava de longas experiencias e aturados estudos. Pois a liberdade do commercio e todas as industrias será uma simples palavra, uma palavra magica com que nos queiram seduzir, ou é o resultado de grande numero de factos, e um aphorismo, resultado de longos estudos? Quem invoca a liberdade do commercio, a primeira cousa que tem a demonstrar é que d'ella auferem todas as industrias maiores beneficiou do que o que lhes resulta da restricção.

Se pois isto assim é, que medo ha da parte do gabinete e das commissões em darem o seu assentimento a este principio?

E não se diga que eu quero a liberdade até ao communismo, não a quero; quero a liberdade até ao ponto que merece o nome de liberdade, e não ficando no ponto em que a collocou o governo, que póde ser tudo menos liberdade (apoiados).

Repito portanto, se o governo abraçasse antes os verdadeiros principios da liberdade, estou intimamente convencido que havia de resarcir consideravelmente em muito pouco tempo e de uma maneira espantosa todos os sacrificios que se fizessem nos primeiros annos da transição do monopolio para a mesma liberdade, e então se o governo nos tivesse dito com franqueza que esse deficit nas receitas publicas, podendo ser calculado por mais ou por menos, e se habilitasse para cobrir esse deficit com uma certa quantia, fazendo-nos ver, sem grande esforço de demonstrações, que passados alguns annos, esse deficit devia ser exuberantemente coberto pelo augmento da renda, por effeito da liberdade, nós não tinhamos a fazer senão um pequeno adiantamento. Este argumento está-se produzindo todos os dias a respeito da despeza com a viação publica e, caminhos de ferro, e se nesta occasião s. ex.ª se tivesse tambem lembrado d'elle, lhe daria logar a apresentar um projecto mais significativo do que este, e que ficava de certo a coberto de todas as invectivas de qualquer opposição que se podesse fazer. Estes são os meus votos. A materia da generalidade está vencida, conseguintemente serão baldados todos os esforços que fizesse n'este sentido; mas não são baldados todos os esforços que possa fazer para que do projecto sáiam todas as disposições de repressão, que até certo ponto aniquilam o principio da liberdade inaugurada no artigo 1.°

Liberdade! Quem a não quer, quem a não deseja? O governo e o parlamento approvam um systema de liberdade para o tabaco, tambem eu o approvo. E eu que tenho uma pequena propriedade, direi que tenho mais uma industria agricola á minha disposição. Vou tenta-la, o vou ver se sou mais feliz com ella, do que com outra cultura que a Providencia tem desgraçadamente inutilisado ha annos a esta parte no nosso paiz!

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Peço a palavra para um requerimento, que tem por fim prorogar-se a sessão até se votarem os artigos.

O Orador: — Vencido o artigo 3.° fica o privilegio simplesmente para algumas localidades; e eu não poderei agricultar a minha terra; mas poderei fazer uma fabrica. Eu que junto á minha casa tenho ahi um motor inanimado, uma ribeira caudalosa, que tenho um certo capital que posso dispensar, fundarei portanto uma fabrica de tabaco já que a industria agricola me é vedada... Mas nem isso, porque a lei diz: «Vos não podeis fazer uma fabrica na vossa localidade porque não é aquella aonde a lei exclusivamente as consente, que é Lisboa e o Porto!» Lisboa e Porto? Nem Lisboa nem Porto. E n'esta parte chamo a attenção do sr. ministro da fazenda, não porque isto embarace o governo, que com uma simples portaria destroe toda essa antinomia legislativa; mas a actual proposta de lei o que revela é menos reflexão da parte de quem a confeccionou, da parte de quem a estudou e a referendou.

Ainda ha pouco, sob esta administração, passou a lei de 21 de outubro de 1863, referendada pelo sr. Anselmo José Braamcamp. Sabe a camara o que essa lei diz? Repartiu as industrias em tres classes, e diz que a industria do tabaco é classificada na segunda, isso quiz dizer, perigosa e incommoda, não poderá ser permittida senão longe do povoado.

Quando um fabricante vier pedir ao governo licença para estabelecer a sua fabrica, se a quizer estabelecer em Lisboa, diz lhe a lei que não o póde fazer, porque o conselho de saude, que vela pela saude publica, ordenará que vá para longe do povoado. Sáe da circumvallação, e vem as camaras dos Olivaes e Belem, e dizem-lhe: «Não podemos permitte as fabricas, porque esta lei que discutimos, diz que só as poderá haver em Lisboa e Porto.» Aonde fica a fabrica? A fabrica ha de ficar, as fabricas hão de existir; e mais uma vez o governo se verá na necessidade de por uma portaria inutilisar as disposições de uma d'estas leis! Qual ella seja s. ex.ª saberá melhor do que eu. Mas finalmente não poderei cultivar o tabaco, não poderei fabricar tabaco, mas poderei comprar tabaco, e usar d'elle livremente por todo o paiz? Cautela, se muito junto da raia se me apprehenderem com 41 grammas de tabaco fabricado, é necessario provar primeiro que não sou cumplice do desvio da fazenda publica, aliás teria de soffrer uma pena de prisão, que póde passar de tres mezes. Aqui tem a camara e sobretudo o paiz, a liberdade dó commercio inaugurada n'este projecto. Eu venho portanto hoje com relação a este artigo 3.°, ver se posso fazer com que este monstro horaciano fique um pouco menos disforme do que está. Mando para a mesa a minha proposta. (Apoiados. — -Vozes: Muito bem).

O Orador foi comprimentado por deputados de todos os lados da camara.

A proposta é a seguinte:

PROPOSTA

É livre a cultura do tabaco em todo o reino. = Beirão.

Foi admittida.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer que se prorogue a sessão até que se vote esta materia.

Consultada a camara, decidiu afirmativamente.

O sr. Paula Medeiros: — A substituição que envio para a mesa combina e reune duas condições essenciaes, que se devem ter em vista na confecção d'este artigo, pois que n'ella, emquanto se asseguram para o estado os 70:000$000 réis em que é computado o rendimento do tabaco nas ilhas adjacentes, se dá a mais ampla liberdade para a cultura do tabaco, isentando-a de toda a sorte de tributos, unico meio efficaz de proteger aquella nova e desconhecida industria agricola.

Os cinco annos que eu consigno para que a cultura do tabaco deixe de pagar impostos, é o lapso de tempo que me pareceu indispensavel para, em larga escala, se poderem ensaiar todas as experiencias que se exigem para o seu aperfeiçoamento; e a fim de se dar nos quatro districtos um equitativo e proporcionado rateio dos 70:000$000 réis, fui buscar, como ponto de partida para a sua distribuição, o numero de fogos que cada um contém.

Mais considerações deveria adduzir para motivar esta substituição; a hora porém já deu, foi até com difficuldade que tomei a palavra, e eu não quero, nem devo abusar da benevolencia da camara; reservo-me comtudo para fallar a este respeito em occasião opportuna.

Leu-se na mesa a seguinte proposta.

SUBSTITUIÇÃO AO ARTIGO 4.º

Por espaço de cinco annos é livre e isenta de qualquer imposto a cultura e fabrico do tabaco nos districtos dos Açores e Madeira.

§ 1.° O tabaco importado do estrangeiro para aquellas ilhas ficará sujeito a um direito igual ao do continente.

§ 2.° Os 70:000$000 réis em que é computado o actual rendimento liquido do tabaco nas mencionadas ilhas, serão tirados dos direitos de importação, e bem assim do imposto sobre as licenças dos estabelecimentos de venda do dito genero.

§ 3.° O que porventura faltar para preencher aquella cifra, será lançada como addicionaes pelas contribuições directas.

§ 4.° Servirá de base para o rateio dos 70:000$000 réis nos quatro districtos, o numero de fogos que cada um contém.

§ 5.° Todo o tabaco produzido nas mesmas ilhas ficará livre de direitos de exportação durante os ditos cinco annos.

§ 6.° Todos os instrumentos e machinas importadas para a cultura e fabrico do tabaco, durante o dito periodo de tempo não pagarão direitos. = O deputado, Henrique Ferreira de Paula Medeiros.

Foi admittida.

O sr. Arrobas (para um requerimento): — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se julga a materia sufficientemente discutida.

Julgou-se discutida.

O sr. Ministro da Fazenda (sobre o modo de propor): — Ainda agora disse e repito, que me parece que se póde votar este artigo e seu § unico, sem prejudicar as propostas que foram apresentadas á camara, e sem prejudicar a continuação da discussão d'este projecto. Pedia pois a v. ex.ª que pozesse á votação o principio, que é a liberdade da cultura nas ilhas, e em seguida se votasse o § unico, ficando reservado o modo de auferir o imposto que deve substituir o actual rendimento do contrato do tabaco, quando a commissão de fazenda der o seu parecer sobre as diversas propostas que lhe forem enviadas.

Posta á votação a proposta do sr. Sant'Anna foi approvada, e em seguida igualmente o artigo 3.º

Foi tambem approvado o artigo 4.º no sentido da proposta do sr. Sant'Anna e Vasconcellos.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que vinha para hoje, e mais o projecto n.° 73 de 1862.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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