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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

faltas nem culpas, nem podia ser transferido por castigo, transferiram-no por esta fórma.

Agora vejâmos como foi tambem substituido por duas vezes consecutivas. Da primeira foi substituido pelo fiscal de Aldeia da Ponte.

Isto dito assim parece que não significa nada; mas eu vou dizer á camara quem é o fiscal em Aldeia da Ponte. Este fiscal tinha sido antes fiscal na Idanha; mas tendo-lhe sido feita uma syndicancia, esta deu em resultado que elle fosse removido d'aquella localidade, aonde se entendeu que não podia continuar a servir, para a Aldeia da Ponte.

Pois bem, esse empregado que, segundo me informam, o sr. Serpa transferiu ha pouco por castigo por áquella fórma, é quem o sr. Serpa chamou em primeiro logar para desempenhar, na propria terra de onde havia sido removido, não as antigas mas mais elevadas funcções; dando-lhe por esta occasião, alem do seu ordenado, 25$000 réis mensaes de gratificação.

Sãs estes os exemplos que o illustre ministro está dando. Premeia os empregados que elle proprio reconheceu merecerem as suas severidades, e aquelles, contra cujo excellente serviço não se ergue a menor accusação, transfere-os por politica, isto é castiga-os!

O fiscal em questão demorou-se, fazendo as vezes de chefe fiscal da Idanha, muito pouco tempo; e foi substituido por um aspirante da alfandega de Lisboa que já para ali foi.

Em primeiro logar, um aspirante da alfandega do consumo de Lisboa, pela sua categoria, não estava no caso de desempenhar as funcções de chefe fiscal. Em segundo logar, as funcções do serviço externo, para as quaes foi, são inteiramente differentes dos do serviço interno que cá exercia. E tanto isto é assim, que não me consta que nunca se desse collocação nenhuma n'estas condições.

Que circumstancias de merecimento especial d'aquelle empregado determinariam a sua passagem, apesar de tudo, das funcções de aspirante da alfandega, do consumo de Lisboa para as funcções de chefe fiscal da alfandega de Idanha?

Sabe-o um sr. ministro, com o qual aquelle cavalheiro tem as mais intimas relações; sabe-o esse sr. ministro que com certeza deu d'ellas parte ao seu collega da fazenda.

Asseveram-me pessoas fidedignas que o cavalheiro, a quem me estou referindo, é remunerado pelo respectivo ministerio com uma gratificação excepcional, e que percebe, alem dos seus vencimentos de aspirante da alfandega do consumo em exercicio, como gratificação o ordenado inteiro de chefe fiscal; isto é, o dobro da gratificação do seu antecessor na Idanha. O primeiro recebia 25$000 réis e este recebe 50$000 réis!

Para verificar os factos referidos é que pedi documentos que ainda não vieram. Estes factos foram-me asseverados por pessoas seriissimas e incapazes de mentir; mas como não gosto de accusar ninguem sem as provas na mão, é por isso que pedi os documentos antes de acusar o governo. Os documentos pedidos pela primeira e segunda vez, ainda não vieram. Pela primeira vez pedi copias e depois contentava-me já em ver os originaes.

Venham, portanto, os documentos para que os examinemos e verifiquemos, se as informações que recebi a este respeito são inexactas.

Se até ao fim da sessão legislativa, o governo não vier esclarecer este nogocio, se o deixar (segundo creio) na escuridão, como deixou a questão do Sabugal, o que concluiremos d'aqui? A posição do governo ficará sendo pessima.

Sr. presidente, não basta que a mulher de Cesar seja honesta é mister que o pareça.

Supponho que o sr. Serpa não gostará de desempenhar o papel da garrida e leviana mulher de Cesar, de cujo recato de costumes é muito licito duvidar; mas a quanto não são obrigados pelas exigencias da má politica os mais respeitaveis estadistas?

Falharei agora do projecto de transferencia de sessenta guardas tambem da alfandega da Idanha.

Parece que a alfandega d'aquelle concelho, não sei porque, incommoda horrivelmente o governo; por quanto para ella decretou-se uma delenda Carthago, que começou pelos empregados mais graduados e acaba nos mais inferiores.

A direcção geral das alfandegas ordenou ao director do districto de Castella Branco, que logo que os sessenta guardas referidos recebessem o ordenado do mez de fevereiro, fossem immediatamente mandados para Portalegre, sendo substituidos pelos da Aldeia da Ponte e estes pelos de Portalegre; e que aquelles que não se apromptassem fossem suspensos, e que não obedecendo se verificasse a sua demissão.

Estas deportações em massa, de que só podia resultar prejuizo para o serviço publico, pois em tres alfandegas o serviço passava a ser feito de repente por um pessoal novo e inexperiente; estas deportações, constituindo uma desgraçadissima innovação, a perseguição politica descendo aos derradeiros limites contra empregados que não têem faltas e que cumprem o seu dever; estas deportações não foram realisadas pelo honrado director da alfandega de Idanha, que, antes de cumprir as extravagantes ordens recebidas, representou a esse respeito ao seu ministro. O governo caiu em si e reconsiderou; mas o funccionario que tivera a ousadia de representar, foi castigado com a transferencia!

Desejava esclarecer mais a camara sobre este assumpto, mas não o posso fazer, porque n'este ponto tambem o governo esconde as provas.

Consta-me que o curiosissimo officio que de Lisboa foi expedido para a idanha é redigido de tal forma, que só por si deveria prender a attenção da camara e entretel-a muito.

Passaria agora a occupar-me do que diz respeito ao concelho de Castello Branco, e fallaria tambem largamente das transferencias absurdas e das violencias que se têem praticado n'elle; se a camara não devesse estar tristemente fatigada com a longa exposição de tantas arbitrariedades e injustiças.

Limito-me apenas ao facto caracteristico da substituição do cirurgião de cavallaria n.º 8, o sr. Leite, contra o procedimento do qual, como funccionario publico, ninguem póde lançar a mais leve suspeita.

Aquelle cirurgião foi substituido por outro, que será muito digno e muito habil, mas tem agora o inconveniente de pertencer a uma familia que, com o apoio do governo, faz quanta guerra póde á opposição de Castello Branco. A camara sabe o grande e iniquo partido eleitoral que se póde tirar das commissões de inspecção de recrutas, a que pertencem os cirurgiões de regimento. Não digo que o façam; repetirei porém o que ha pouco disse: «E preciso que ácerca da mulher de Cesar nem suspeitas haja.»

Sr. presidente, a liberdade do consciencia é o principio fundamental da civilisação do nosso seculo; a liberdade de consciencia está escripta não só nos costumes mas nas leis do nosso paiz; a liberdade de consciencia, plenamente respeitada, foi uma das promessas mais solemnes que aqui empenhou esse ministerio que actualmente dirige os destinos da nação. Pois bem, sr. presidente, em despeito do seculo em que vivemos, do paiz a que pertencemos, e das declarações as mais formaes do governo; eis como a liberdade de consciencia está sendo acatada entre nós!

Perseguem-se e insultam-se impunemente os cidadãos, castigam-se os empregados; só porque se suspeita que, votando livremente, poderão não votar com o governo!

Eis a tolerancia, tão apregoada, d'esta situação!

Quando se praticam factos d'estes, estando o parlamento aberto, o que se fará depois d'elle estar encerrado!

Quando tudo isto se tem feito, estando as eleições ainda tão longe, o que não se praticará quando chegar essa epocha?!