1050 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Os salarios sento pois:
Dia de oito horas 390 réis
Dia de seis horas 270 réis
O que realmente é muito diminuto e inferior ás mais modestas necessidades do operario.
Proponho, pois, a elevação do preço da tarefa a 80 réis; os salarios ficarão sendo n'este caso:
Dia de oito horas 480 réis
Dia de seis horas 360 réis
Sommas que estão longe do ser exageradas, principalmente nos grandes centros como Lisboa e Porto.
Já que vamos adoptar o principio de elevar os salarios ao maximo em Lisboa e Porto, façamos esta equidade a estes, que não tiram beneficio algum, emquanto os outros vão ter sensiveis beneficios.
Peço á commissão e ao sr. ministro, que attendam esta reclamação, porque é justa. Não posso calcular o excesso de despeza, mas não deve ser grande, porque é muito pequena a producção d'este artigo.
Outra reclamação que me parece justa, é a que se refere ás marcas actuaes.
Proponho que os typos de trabalho das fabricas actuaes sejão conservados, podendo a administração crear quantos typos novos quizer.
Ora, isto parece insignificante, mas quer a camara saber o resultado que póde dar? Vou exemplificar.
Fabricam-se duas qualidades, ou marcas de cigarros. Ha o cigarro á portugueza e o cigarro á hespanhola. O cigarro á portugueza é pago a 185 réis por kilogramma, e o cigarro á hespanhola a 290 réis; ora é de saber que ha operarios para a marca hespanhola e operarios para a marca portugueza.
Emquanto houve concorrencia entre fabricas, não era licito a uma fabrica abandonar certa marca, porque é claro que as outras fabricas concorrentes a conservariam e lhe desviavam os consumidores; mas quando se acabarem as fabricas e a sua concorrencia, ficando só em campo a régie, póde ella acabar com qualquer marca, porque o consumidor não se deslocará, visto que não encontra em parte alguma o objecto do seu gasto e do seu consumo.
Não conheço os individuos, que hão de compor o conselho de administração, e poderei talvez confiar muito na justiça e na bondade dos seus caracteres; mas como é natural, que se queira produzir n'estas questões fiscaes grande rendimento, como resultante da extrema cautela e da extrema fiscalisação das corporações administradoras, tenho muito receio que a nossa administração deixe de fazer cigarros á hespanhola e os faça á portugueza.
Repito, a conservação das marcas actuaes estava imposta pela concorrencia das fabricas; se uma fabrica deixasse de fabricar qualquer marca, as outras faziam-n'o e aproveitavam-lhe os consumidores; mas agora que a régie póde, sem perigo, eliminar os typos e marcas que quizer, é indispensavel garantir o operario por outra fórma, porque aliás se podem completamente sophismar alguns dos beneficios, que lhe vamos conceder n'este projecto.
A minha ultima proposta refere-se á garantia, que deve ter o operario de Lisboa de passar para o Porto, quando lá houver d'elle necessidade, sendo das classes pedidas; e vice-versa.
É preciso conhecer a organisação intima das classes operarias entre nós, para conhecer como isto póde ser de grande vantagem para ellas, sem o maior inconveniente para o estado.
As fabricas do Porto têem, supponhamos, 2:000 operarios, e as de Lisboa 3:000; e tanto n'umas como n'outras os operarios são classificados por categorias ou por competencias. A régie, por que augmenta o trabalho no Porto, precisa ali mais operarios nas fabricas; em vez de admittil-os de novo, acceita os pedidos dos de Lisboa, a quem convenha ir para o Porto, sendo, já se vê, da mesma classe e dentro do numero pedido.
Ha n'isto vantagem. É claro que o operario, que tem familia no norte e vem para o sul procurar trabalho, ti-beneficio em trabalhar junto da familia. Hoje não vae para lá, porque teria de deixar o trabalho; mas, se o tivesse no Porto, preferiria esta cidade sem o menor inconveniente para a administração e manifestamente com grandes vantagens para elle e para os seus. (Apoiados.)
São estas as considerações que me suggeriu o estudo do projecto; desenvolvi-as com a maior rapidez, para não ultrapassar o limite do tempo, que é licito gastar nas discussões parlamentares.
Se v. exa. me permitte direi ainda que, theoricamente, iria muito mais longe; mas sou já bastante velho para saber que nas questões sociaes é bom não apresentar, senão o que é immediatamente realisavel; e que muitas vezes o desejo e o empenho, ou de mostrar sabedoria, que não tenho, ou de manifestar qualquer outra qualidade, contrariam a applicação de bons principios sociaes.
Espantado estou eu, digo-o francamente, do numero de socialistas que já ha na camara! Manifestam-se por toda a parte, supponho mesmo que não somos já menos de seis dentro d'este parlamento! Ainda bem.
Isto, vinte annos depois de uma epocha, em que o socialismo era uma doutrina demolidora e revolucionaria, já é uma comquista!
Escuso de pedir aos meus collegas socialistas auxilio. O socialismo é a manifestação mais pura, mais altruista, mais energica da solidariedade de interesses legitimos e de opiniões e doutrinas sinceras.
Não é preciso pedir aos socialistas protecção e auxilio reciproco; mas se me lembro que n'esta camara estão homens muito mais aquilatados, do que eu, pela intelligencia e pela sciencia, se mo recordo de que realmente existem n'este parlamento vozes de maior auctoridade do que a minha, vejo-me obrigado a lembrar-lhes: que a solidariedade de interesses, de opiniões e de doutrinas e conveniente que ás vezes, se traduza por palavras; sou obrigado a dizer-lhes: que o ultimo socialista d'esta camara pede aos seus collegas mais fortes pela intelligencia, pela auctoridade e pela sciencia o soccorro da sua palavra.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Alpoim: - (O discurso do sr, deputado será publicado em appendice a esta mesma sessão, em se restituindo as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: -Tem a palavra o sr. Franco Castello Branco.
O sr. Franco Castello Branco: - Faltam apenas vinte minutos para dar a hora, e é impossivel que eu n'esse curto espaço de tempo possa expor a ordem de considerações que tenho a fazer sobre este projecto, por isso se v. exa. concordar commigo peço para que me reserve a palavra para sexta feira.
Aproveitando a occasião, peço ao sr. ministro da fazenda o favor de communicar ao sr. presidente do conselho, que na sexta feira mais de uma vez me terei do referir a s. exa. e ser-me-ha muito agradavel que s. exa. esteja presente.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho):- Communicarei ao meu collega do reino os desejos do sr. Franco Castello Branco, e estou certo de que s. exa. virá assistir á sessão.
O sr. Presidente: - Amanhã ha trabalhos em commissões.
A ordem do dia para sexta feira é a continuação da que está dada.
Está levantada a sessão.
Eram quasi seis horas da tarde.
Redactor = Rodrigues Cordeiro.