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SESSÃO DE 11 DE ABRIL DE 1888

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmos. srs.

Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Dá-se conta de um officio do ministerio da justiça, remettendo alguns esclarecimentos relativos á estatistica da administração da justiça criminal no anuo de 1885. - Tiveram segunda leitura: l °, um projecto de lei do sr. Franco Castello Branco, transformando a collegiada de Guimarães n'um instituto de ensino livre; 2.°, um projecto de lei do sr. Silva Cordeiro, auctorisando a creação de camaras syndicaes em todas as industrias - Um projecto de lei do sr. Ferreira de Almeida, auctorisando o governo a tratar pelas vias diplomaticas a permutação de alguns dos nossos dominios no ultramar. - O sr. Telles do Vasconcellos apresentou uma representação da camara municipal de Amarante, pedindo que não seja sanccionada a exclusão, que lhe constava que o sr. ministro das obras publicas tencionava fazer, do caminho de forro do valle do Tamega, ligando a villa de Chaves com o caminho de ferro do Douro, da proposta de lei relativa á rede geral ao norte do Mondego, e justificou a com differentes considerações. Responde-lhe o si. ministro da fazenda. - O sr. Francisco Machado apresentou um projecto de lei, tambem assignado pelos srs. Barbosa Colen, Marianno Prezado, Izidro dos Reis e Alfredo Pereira, auctorisando o governo a fornecer a todas as escolas de instrucção primaria, tanto do reino como das provincias ultramarinas, que não sejam propriedade de particulares, uma collecção da Bibliotheca do povo e das escolas, a qual será considerada como inicio e fundo da sua livraria. Apresentou e justificou igualmente um requerimento de Margarida Rosa de Brito Maia, mãe do fallecido major de engenheiros João Antonio Ferreira Maia, pedindo uma pensão para as orphãs de seu filho.- O sr. Oliveira Matos refere-se a uma noticia, que lera n'um telegramma do estrangeiro, de que em Inglaterra íam ser augmentados os direitos sobre a importação de vinhos, apresentando algumas considerações a esse respeito.

Responde-lhe o sr. ministro da fazenda. - O sr. Arthur Hintze Ribeiro apresentou uma nota, assignada tambem pelo sr. Sousa e Silva, renovando a iniciativa do projecto de lei que teve segunda leitura na sessão de 30 de março de 1883, e que tem por fim auctorisar a sociedade promotora da agricultura michaelense a vender o terreno e mais dependencias que, por carta de lei de 5 do julho de 1854, lhe foram concedidos para estabelecer a sua séde - Apresentaram requerimentos de interesse particular os srs. Carlos Lobo d'Avila, José de Azevedo Castello Branco e Bandeira Coelho. - Justificaram as suas faltas a algumas sessões os srs. José Maria de Andrade, visconde da Torre, Sá Nogueira e Ruivo Godinho.

Na ordem do dia continua a discussão do projecto de lei n.º 23 (tabaco), usando da palavra os srs. Augusto Fuschini e Alpoim, que apresentou propostas.

Abertura da sessão - Ás duas horas e cincoenta e cinco minutos da tarde.

Presentes á chamada 48 srs. deputados. São os seguintes: - Albano de Mello, Alfredo Brandão, Antonio Castello Branco, Antonio Villaça, Moraes Sarmento, Augusto Fuschini, Barão de Combarjúa, Lobo d'Avila, Firmino Lopes, Almeida e Brito, Francisco de Barros, Francisco Machado, Francisco Ravasco, Sá Nogueira, Baima de Bastos, Pires Villar, João Pina, Cardoso Valente, Franco de Castello Branco, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Rodrigues dos Santos, Silva Cordeiro, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Pereira de Matos, Laranjo, Alpoim, José Maria de Andrade, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Julio Graça, Julio de Vilhena, Vieira Lisboa, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Manuel José Correia, Marianno de Carvalho, Martinho Tenreiro, Pedro Victor, Vicente Monteiro e Estrella Braga.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Serpa Pinto, Mendes da Silva, Alfredo Pereira, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Baptista de Sousa, Antonio Centeno, Ribeiro Ferreira, Gomes Neto, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Jalles, Pereira Carrilho, Barros e Sá, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Bernardo Machado, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Eduardo de Abreu, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Feliciano Teixeira, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Castro Monteiro, Fernandes Vaz, Francisco de Medeiros, Lucena e Faro, Severino de Avellar, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Santiago Gouveia, Vieira de Castro, Alfredo Ribeiro, Alves Matheus, Joaquim da Veiga, Oliveira Martins, Jorge de Mello (D.), Alves do Moura, José Castello Branco, Ferreira de Almeida, Eça de Azevedo, Dias Ferreira, Elias Garcia, Abreu Castello Branco, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Abreu e Sousa, Lopo Vaz, Luiz José Dias, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Marçal Pacheco, Marianno Prezado, Miguel da Silveira, Miguel Dantas, Pedro Monteiro, Visconde de Monsaraz, Visconde de Silves e Wenceslau de Lima.

Não compareceram á sessão os srs.: - Campos Valdez, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Antonio Ennes, Tavares Crespo, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Fontes Ganhado, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Augusto Ribeiro, Victor dos Santos, Conde de Fonte Bella, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Góes Pinto, Mattoso Santos, Francisco Beirão, Francisco Mattoso, Soares do Moura, Frederico Arouca, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Candido da Silva, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Dias Gallas, João Arroyo, Sousa Machado, Correia Leal, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Jorge O'Neill, Avellar Machado, Ferreira Galvão, Barbosa Colen, Ruivo Godinho, Guilherme Pacheco, Vasconcellos Gusmão, José de Napoles, Ferreira Freire, Barbosa de Magalhães, José Maria dos Santos, Simões Dias, Pinto Mascarenhas, Santos Reis, Julio Pires, Mancellos Ferraz, Manuel Espregueira, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Matheus de Azevedo, Pedro de Lencastre (D.), Sebastião Nobrega, Dantas Baracho, Visconde da Torre e Consiglieri Pedroso.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio da justiça, remettendo os mappas com relação á estatistica da administração da justiça criminal no anno de 1880.

A secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - A cidade de Guimarães é tão conhecida na historia do paiz, pela larga influencia que exerceu na politica e economia portugueza, que superfluo se torna hoje encarecer os seus meritos. Devota e guerreira, successivamente commercial e industrial, a cidade e concelho de Guimarães veiu até nós desde a instituição da monarchia sem uma só mancha.

Hoje é caracteristicamente commercial e industrial, mas nem por isso arrefeceu na venernção profunda por tudo quanto traduz uma gloria do passado Se o seu apego ao trabalho, se o seu amor ao progresso, impellem esta briosa população a desejar ardentemente o desenvolvimento da

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escola industrial, e a creação de novas instituições do instrucção popular, o seu patriotismo nunca desmentido alimenta a veneração pelas instituições historicas e de entre estas, como a mais gloriosa lucta pela conservação da insigne e real collegiada de Nossa Senhora de Oliveira.

Quando, em cumprimento das leis de suppressão, a sua collegiada ficar reduzida ao typo commum de uma parochia, o povo de Guimarães considerará o dia, em que esse facto succeda, de pesadissimo lucto.

Com o bom senso, que caracterisa esta povoação, que no mesmo dia festeja com enthusiasmo a inauguração da estatua de D. Affonso Henriques, e a inauguração do promettido edificio da escola Francisco de Hollanda; com o bom senso, com o tino pratico, que revelou restabelecendo o seu renome industrial pela propaganda da benemerita sociedade Martins Sarmento e pela abertura do uma brilhante exposição dos seus productos fabris; com o espirito de ordem com que, empenhada n'uma alta questão de dignidade e de honra, cedeu da sua primeira aspiração, e se aquietou com a autonomia do concelho, assim agora transige, limitando o seu pedido á conversão da collegiada n'uma instituição de ensino.

A concelho tão exemplar é justo conceder-se pedido tão sensato e conforme á presente necessidade de desenvolver com a maior largueza a instrucção popular, que prepara o commercio, que prepara a industria para as lactas do trabalho.

A conversão da collegiada em instituição de ensino é de facil realisação; o estado não terá de sobrecarregar se com despezas, porque os rendimentos do priorado e collegiada são avultados; e quando haja de acrescer alguma pequena despeza, o estado é de sobejo compensado, já porque fica desobrigado do subsidio para escola municipal secundaria que se torna inutil, já porque dota a povoação d'aquelle importante concelho com uma instituição tendente ao desenvolvimento da riqueza publica, já, em fim, porque cessa o encargo da sustentação da escola de latim, creada ha muitos annos n'aquella cidade, e cujo professor se acha jubilado.

E esta tambem uma das rasões por que no projecto se inclue no quadro de estudos a cadeira de latim, attendendo-se, em tudo o mais, ás necessidades da epocha, e ao caracter que devem ter as instituições escolares, que se estabeleçam em Guimarães, terra intensa e geralmente commercial o industrial.

Pelo caracter dominante da povoação, pelos seus habitos e costumes, torna-se necessario attender com cuidado á instrucção do sexo feminino, extensamente empregado em occupações industriaes e de commercio.

As mulheres em Guimarães não restringem a sua actividade ao governo domestico. Por isso se determinam no projecto os cursos alternados para o sexo masculino e para o sexo feminino.

Com o instituto projectado, as novas gerações de Guimarães poderão facilmente na primeira idade, adquirir as noções preparatorias e communs para proseguimento de estudos ulteriores, ou na escola industrial, ou nos institutos, lyceus e seminarios do paiz; e estabelecida, na escolha dos professores, a preferencia para os ecclesisticos, que se obriguem ao anus do coro, a grande instituição vimaranense conservar-se ha com satisfação para os sentimentos religiosos, para o amor patrio, e para profícua utilidade popular.

Se a collegiada, como veiu até nós desde o começo da monarchia, não póde subsistir em rasão das leis de suppressão e principios superiores que as determinaram, póde conservar-se do modo projectado, conciliando-se a sua base historica com as exigencias do moderno progresso. Proponho pois, a approvação do seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Ill conservada a insigne e real collegiada de Nossa Senhora de Oliveira, da cidade do Guimarães, com todas as honras de que gosa.

Art 2.° O numero de conegos não poderá exceder a nove, dois com os encargos parochiaes, e os sete restantes com o encargo especial do ensino publico constituindo a escola especial de Nossa Senhora de Oliveira nos termos dos artigos seguintes.

Art. 3.° A escola funccionará no edificio do priorado, ficando dependencia da mesma, para os usos escolares a que possa apropriar-se o quintal e mais annexos.

Art. 4.° Na escola serão professadas as seguintes disciplinas:

l.ª Instrucção primaria complementar;
2.ª Lingua portuguesa;
3.ª Lingua latina;
4.ª Lingua franceza;
5.ª Arithmetica, elementos de geometria, principios de algebra, escripturação;
6.ª Geographia e cosmographia, historia universal, historia sagrada e historia patria;
7.ª Musica.

Art. 5.° A camara municipal, a sociedade Martins Sarmento, ou outra corporação promotora de instrucção popular, poderão, isoladas ou associadas, crear, á sua custa, quaesquer outros cursos theoricos ou praticos, diurnos, nocturnos ou dominicaes, com auctorisação do governo, que poderá subsidial-os, se o julgar conveniente.

Art. 6.° Os professores das disciplinas designadas no artigo 4.° serão de nomeação do governo, depois de provas publicas em concurso comprehensivo, pelo menos, das materias de duas disciplinas.

§ 1.° Se não houver concorrentes da classe ecclesiastica, que se sujeitem cumulativamente ao onus do coro e do ensino, o governo poderá nomear, sómente para a escola, outros professores provisoria ou definitivamente.

§ 2.° Para os cursos creados pela camara ou outras corporações, será livre a escolha de professores em harmonia com a legislação geral.

Art. 7.° A escola fica sujeita á inspecção do governo, na conformidade das leis geraes. Qualquer curso profissional ou industrial ficará sujeito á inspecção dos institutos o escolas industriaes.

Art. 8.° As disciplinas designadas no artigo 4.º serão desdobradas em cursos para o sexo masculino o cursos paia o sexo feminino, em dias alternados, quando haja concorrencia de alumnos matriculados de um o outro sexo, nas horas o mais condições constantes do regulamento do governo.

§ unico. Os programmas e compendios serão determinados pelo governo.
Art. 9.° Os vencimentos ou gratificações dos professores serão distinctos para os serviços de côro e do ensino.

§ 1.º O de serviço de coro será de 100$000 réis annuaes;

§ 2.° O de ensino será fixo, ou de categoria, de réis 200$000 e variavel a 2$250 reis por cada alumno desde a numero de dez ate trinta.

§ 3.º Alem d'esta gratificação, cada professor per eberá 2$250 réis por cada alumno que, findo o anno escolar, obtiver approvação da respectiva disciplina em qualquer dos estabelecimentos do estudo.

Art. 10.° Em regulamento serão determinadas as condições do substituição reciproca na regencia dos respectivos cursos, por impedimento dos respectivos professores.

§ unico. Quando haja de convidar se professor estranho ao corpo docente, vencerá o substituto a gratificação, quer fixa, quer variavel, em proporção do tempo da substituição.

Art. 11.° Todos os rendimentos e capitães pertencentes ao priorado e collegeada de Nossa Senhora do Oliveira constituem fundo da escola o serão convertidos em inscripções, averbadas com essa designação.

§ l.º D'este fundo deduzir-se hão em primeiro logar os vencimentos dos parochos, e mais despezas resalvadas nas

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leis de suppressão; e temporariamente os vencimentos das cadeiras, ou meias cadeiras ainda occupadas.

§ 2.° O restante será applicado ás despezas da escola, gratificações do serviço de côro, vencimento e gratificações de professorado e pessoal menor.

§ 3.° Se este rendimento for insufficiente, a restante despeza será supprida metade pelo estado e metade pela camara municipal.

Art. 12.° As penalidades a que ficam sujeitos os professores, e as dos alumnos e pessoal menor serão determinadas em regulamento.

§ unico. A demissão de logar na escola comprehenderá a perda de cadeira de conego.

Art. 13.° Será director da escola o mais velho dos professores; e secretario o mais novo.

Art. 14.° A escola terá um continuo, com o vencimento de 300 réis diarios; e um servente com o vencimento de 200 réis.

§ l ° As condições da sua admissão serão reguladas pelo governo.

§ 2.° O continuo será de nomeação do governo; o servente, do director da escola.

Art. 15.° Se forem accessoriamente creados outros cursos, na conformidade do artigo 5.°, o necessario pessoal menor será nomeado e pago pela corporação respectiva, ficando subordinado ao direito da escola.

Art. 16.° Com a creação d'esta escola fica a camara municipal de Guimarães desobrigada de crear escola de instrucção primaria complementar.

Art. 17.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 6 de abril de 1888. = O deputado pelo circulo de Guimarães, João Franco Castello Branco.

Lido na mesa foi admittido e enviado ás commissões ecclesiastica, de instrucção primaria e secundaria, e de fazenda.

Projecto de lei

Artigo 1.º Os syndicatos ou associações, ainda de mais de vinte pessoas, que exerçam a mesma profissão, industrias ou artes similares ou connexas, podem constituir-se independentemente de auctorisação administrativa e serão em tudo havidos como entidades jurídicas, conformando se com as disposições da presente lei.

Art. 2.° Estas associações terão unicamente por fim o estudo e a defeza dos interesses economicos da industria ou industrias syndicadas.
§ unico. É-lhes facultado para este fim crear agencias o bolsas de trabalho; constituir caixas especiaes de soccorros mutuos, de aposentarão e de seguros contra a doença, os desastres imprevistos e a velhice; estabelecer escolas, bibliothecas e conferencias de ensino profissional, e empregar quaesquer meios, não prohibidos por lei, que tendam ao melhoramento moral o economico da classe.

Art 3.° Os fundadores de qualquer syndicato deverão depositar dois exemplares dos estatutos, com a lista nominal da direcção, na secretaria da administração do concelho, dos quaes um será remettido ao governo civil e outro á repartição de estatistica, para ahi ser archivado e registado.

§ 1.° O certificado do registo servirá de titulo legal á sociedade, a qual para todos os effeitos se terá por existente desde a data do registo.

§ 2.° O presidente ou director do syndicato enviará annualmente á referida repartição um inventario com o quadro geral das receitas e despezas, classificadas por fórma que a cada despeza se opponha a receita que lhe é destinada.

§ 3 ° Em cada reforma de estatutos ou mudança do pessoas dirigente, far-se ha o deposito ou participação exigida n'este artigo

§ 4.° Nos inventarios e orçamentos deverá especificar-se quotisação mensal ou semanal com que cada socio contribue.

Art. 4.° É nulla de direito toda a clausula subversiva a ordem publica ou da liberdade individual, podendo por isso qualquer socio retirar-se da associação a todo o tempo, alvo com tudo para a caixa social o direito á quota do anno corrente e ás multas vencidas.

§ unico. A saída de qualquer sócio que tenha contribuido para a caixa de seguros ou para a de aposentações, não representa só por si, a exclusão da parte proporcional os beneficios a que o socio tenha direito.

Art. 5.º E obrigatorio para a direcção de qualquer syndicato responder a consultas ou inqueritos que pelo governo e seus delegados lhe forem exigidos sobre assumpto da sua especialidade.

Art. 6.° Os syndicatos não poderão possuir bens immobiliarios que não sejam indispensaveis para a gestão dos eus interesses.

§ unico. E licito comtudo aos syndicatos agricolas adquirir por qualquer titulo, e sem contribuição de registo, predios rusticos, docas, armazens e quaesquer estabelecimentos e utensilios proprios da sua industria.

Art. 7.° A infracção dos artigos antecedentes será punida, sem prejuizo da nullidade proveniente da sua inobservancia, com a multa de 10$000 réis a 100$000 réis.

§ unico. A inobservancia das disposições do artigo 4.° será punida com a multa de 50$000 réis a 200$000 réis.

Art. 8.° Os directores e presidentes d'estas associações serão sempre cidadãos portuguezes no pleno goso dos seus direitos civis.

Art. 9.° Os estatutos e quaesquer communicações por escripto com o governo ou seus delegados são isentas de sêllo.

Art. 10.° É facultativo para os syndicatos o deposito dos seus fundos disponiveis na caixa geral de depositos.

Art. 11.° Podem as corporações administrativas e o estado adjudicar a estas associações a execução de obras publicas com as garantias que a lei exige, sendo-lhes dada preferencia sobre quaesquer emprezas estrangeiras.

Art. 12.º O artigo 483.º do codigo penal não é applicavel aos syndicatos profissionaes.

§ unico. Fica por este modo revogado o artigo 283.° do codigo penal e toda a legislação em contrario. = O deputado, J. A. da Silva Cordeiro.

Lido na mesa, foi admittido e enviado ás commissões de administração publica, de instrucção secundaria e de legislação.

Projecto de lei para a troca doa dominios da Guiné, Ajuda e Timor, tendo em vista a centralisação do dominio colonial

Senhores. - Se a descoberta e conquista de dilatados dominios ultramarinos, na epocha em que foram realisados, já pelo assombro dos commettimentos, já pela ignorancia das denotas, e ainda pelos principios de direito assentes, e acceitos, e pela força naval de que então dispunhamos, poderam dar nos, por algum tempo, o exclusivo do commercio o exploração das riquezas que se encontravam dessas regiões, não podem hoje, em que os principios de direito variaram, e bem assim todas as condições de commercio e navegação, dar-nos vantagens seguras e definidas para nós, que nada cicâmos, nem na metropole nem no ultramar, á sombra d'aquelle exclusivo, e que nada podemos radicar hoje diante da concorrencia assombrosa a esmagadora da qualidade, quantidade e barateza dos productos que as outras nações offerecem ao indigena, na permuta dos generos coloniaes.

Vale nos ainda a tradição do nome e da lingua, a amenidade do nosso caracter para com os naturaes d'aquellas regiões, comparado com o trato dos individuos procedentes de outras nacionalidades, o uma como especie de relativa

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immunidade, porventura herdada pela parcial aclimação dos nossos antepassados.
Somos hoje ainda a quarta nação em dominio colonial, sendo a primeira a Inglaterra, a segunda a França, e seguindo nós depois da Hollanda com pequena variante de área colonial. Se se considera, porém, os recursos de cada uma d'estas nações, quer sob o ponto de vista financeiro, quer sob o ponto de vista mercantil e industrial, e bem assim a densidade de população, de tal maneira nos distanciâmos, que a proporção do nosso dominio colonial diante d'aquelles coefficientes deveria descer a menos de um terço do que actualmente possuimos.

Um quadro comparativo d'estes dados justifica a asserção.

[Ver Tabela na Imagem]
Nações Metropole Colonias Metropole

Succede ainda que emquanto a Hollanda, nação pequena como nós, com pouco mais de um terço da área que nós possuimos na Europa, tem centralisado o seu dominio colonial na Oceania, conservando apenas fóra d'esta região a Guyanna e Coraçáo na America, uns 120:000 kilometros, temos nós disperso e retalhado por todo o inundo o nosso dominio colonial, com todos os inconvenientes que d'ahi resultam para os encargos da administração, para a sua falta de unidade, e dispersão dos meios de força precisos, para manter a auctoridade e prestigio do nosso nome.

Preoccupa a muitos espiritos a idéa da redacção do dominio colonial, não só por uma questão de orgulho, mas porque só attribue a esse dominio ephemero e inutil, a garantia da autonomia patria; para esses bastará lembrar, que mais vasto e grandioso era o nosso dominio colonial, quando pela morte de D. Sebastião fomos presa da Hespanha, debaixo de cujo dominio estivemos sessenta annos, de nada nos valendo o peso d'esse famoso imperio colonial, que nos enfraquecera, como se enfraqueceu a Hespanha com as suas dilatadas conquistas dentro e fóra da Europa, o que nos facilitou saccudir o jugo que nos tinha imposto

Não são de agora as reluctancias á cedencia, troca ou venda de dominios coloniaes: quando pelo tratado e contrato de casamento da Infanta D. Catharina com Carlos II de Inglaterra de 23 de junho de 1681 cedemos Bombaim e Tanger á Inglaterra, protestava Antonio de Mello e Castro, vice rei da India, contra a cedencia de Bombaim, propondo, que se desse antes á Inglaterra mais um milhão de cruzados: e Fernando de Menezes, conde da Ericeira, governador de Tanger, por se oppor á entrega da praça aos inglezes, apesar de se lhe offerecer o titulo de marquez de Louriçal, teve de ser substituido por D. Luiz de Almeida, conde de Avintes.

Pouco tempo occuparam os inglezes Tanger, que abandonaram sem devolução para nós, apesar das reclamações de D. Pedro II.

É forçoso confessar que Bombaim não seria em nosso poder, o que é hoje; e para isso basta comparar a sua prosperidade e riqueza com o abatimento dos dominios que ainda conservâmos na India.

Não são estes os unicos casos da nossa historia a respeito de perda de dominios coloniaes sem compensações, ou por troca; é assim que em 1529, Portugal comprando á Hespanha por 350:000 ducados os direitos sobre as Molucas e ilhas limitrophes, cede d'esses direitos sem reembolso pelo tratado de 13 de janeiro do 1750.

Na convenção de limites com a Hespanha em 1777 a respeito dos dominios na America do Sul, perdemos a colonia do Sacramento sem compensação.

Em 1778 cedemos á Hespanha Anno Bom e Fernando Pó, ilhas do golpho de Guiné, onde tinhamos e conservâmos S. Thomé e Principe; n'outro documento diz-se, que aquella cessão se fez em troca da ilha da Trindade na costa do Brazil,

E para completar a errada politica de não conservarmos os Algarves de alem-mar, abandonavamos Mazagão, cercada pelos marroquinos, a 11 de março de 1769, sendo obrigadas a embarcar as familias somente com o que levaram vestido!

Muitos casos de troca, venda e cessão do dominio colonial aponta a historia, uns consumados sob o imperio da força, outros dictados pelas conveniencias politicas ou economicas.

Pelo tratado de Fontainebleau de 3 do novembro de 1762, celebrado entre a Inglaterra, França e Hespanha e comprehendendo Portugal, houve troca e cedencia, ou antes restituição de antigos dominios, perdendo comtudo a França o Canadá.

Em 1803, sendo Bonaparte primeiro consul, vendeu a Luisiania aos Estados Unidos por 10.000:000 dollars ou 14.950:000$000! e em 1820 compravam aos Estados Unidos a Florida por 5.000:000 dollars.

A Russia vendeu Alaska na America Septentrional aos Estados Unidos.

A Hollanda, ha poucos annos, cedeu á Inglaterra S. Jorge da Mina precebendo 36:000$000 réis a titulo de compensações de material; cedendo a Inglaterra á Hollanda dos direitos de soberania que se arrogava á parte norte da ilha de Sumatra.

A Suecia vendeu, em 1877 por 49:460$000, á França a ilha de S. Bartholomeu, que esta nação lhe cedera em 1784.

Modernamente contém a nossa historia alienações, trocas e cessões de territorio no ultramar: é assim que pelo tratado de 20 de abril de 1859 celebrado com a Hollanda a respeito dos nossos dominios na Oceania houve trocas de territorios e alienação de Solor e suas dependencias por 120:000 florins (75:000$000 réis).

Foi plenipotenciaio por parte de Portugal o fallecido estadista Antonio Maria de Fontes Pereira do Mello, sendo ministro dos estrangeiros o duque da Terceira.

Pela convenção de 12 de maio de 1886, celebrada com a França, cedemos a esta nação 80 milhas de costa, em differença de latitudes, ao norte e ao sul dos nossos domi-

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nios chamados da Guiné na Senegambia, recebendo em troca, nove milhas de costa ao norte de Cabinda.

Pela convenção com a Allemanha de 30 do dezembro de 1886 cedemos a esta nação 73 milhas de costa; em compensação a Allemanha deixou-nos a plena liberdade, que ella não podia contrariar, de nos expandirmos no sertão que demora entre Angola e Moçambique, constituido por doze graus de pantanos e desertos, segundo as descripções dos exploradores Capello e Ivens, no seu relatorio de viagem de 1884-1885, de Angola á Contra-Costa!

Ambas estas convenções foram celebradas pelo sr. conselheiro Barros Gomes, ministro dos estrangeiros da actual situação progressista.

Por esta fórma se vê, que em todos os tempos, e com todos os regimens, e consoante as vantagens, interesse e necessidades do occasião, temos cedido, trocado ou vendido; não será, pois, extraordinario que obedecendo a determinada ordem de considerações economicas se proponha a troca de dois dos nossos dominios por outros que já foram nossos.

Os dominios a ceder são o resto que nos ficou da Guiné depois da ultima convenção com a França; Ajuda e Timor: os domínios a adquerir são territorios equivalentes aos dois primeiros em continuidade aos que possuimos ao norte do Zaire, e a ilha de Fernando Pó.

É certo que Ajuda, Timor e a Guiné, sob a denominação de Bissau e Cacheu, constituem dominios expressamente designados nos §§ 2.° e 3.° do artigo 2.º da carta constitucional, mas não é menos certo que parte d'essa. Guiné e as dependencias de Timor já foram cedidas, não havendo rasão para que não possa fazer-se a cessão do restante; tanto mais que, se o artigo 3.° declara, que a nação não renuncia ao direito que tenha a qualquer porção de territorio não especificado no artigo 2.°, mas em que de facto não tem posse, a troca proposta equivale a uma revindicação de territorios, que já foram nossos, e os cedidos ficam por melhoria de rasão, desde que eram especificados, comprehendidos no espirito do artigo 3.°

As vantagens económicas e politicas são de si evidentes.

A Guiné esteve até 1878 encorporada na administração da provincia de Cabo Verde, e até essa data esta administração commum accusou deficits maiores ou menores.

Em 1878, era consequencia dos desgraçados acontecimentos de Bolor, ainda hoje impunes, entendeu-se dever desannexar a Guiné da administração de Cabo Verde, para constituir um governo independente; desde essa data em diante a administração da provincia de Cabo Verde tem sido fechada com saldos positivos.

Por seu lado a administração da Guiné, que se inscrevia nos orçamentos proprios em 1880-1881 com 52.678$000 de receita, e com uma despeza que importava um deficit do 47:426$000 réis, poucas melhorias tem tido nos seus orçamentos, apresentando em 1883-1884 com 73:440$000 de receita para um excesso de despeza que importava um deficit de 97:210$000; e passando a decrescerem as receitas desde então, e mantendo-se as despezas as mesmas, avolumou-se successivamente o desequilibrio, que no orçamento de 1887-1888 é de 52:328$000 de receita para uma despeza de 180:148$000 réis, o que importa um deficit de 127:820$000 réis!

A area do nosso dominio antigo era de 8:400 kilometros quadrados, e pela convenção com a França, tendo perdido quasi metade da linha da costa, póde calcular-se que ficámos possuindo 4:400 kilometros quadrados, área equivalente á do districto de Villa Real do Traz os Montes, que tem 4:447 kilometros quadrados.

As tabellas estatisticas do movimento commercial em valores de importação e exportação, e bem assim na tonelagem total da navegação, accusam decrescimento.
Não ha dados estatisticos bastante frisantes para fazer um estudo comparativo mais detalhado, mas são por si eloquentes já a cifra da area, o a dos encargos, para se comprehender, que uma tal situação é insustentavel e inadmissivel, constituindo uma das mais injustas applicações dos dinheiros do estado, ou dos contribuintes.

A suppressão d'este dominio com todos os seus encargos de administração, e a sua substituição por uma zona de territorio annexo ao de Cabinda, importará a simples creação de dois residentes, com o pessoal administrativo correspondente; e quando muito poderá exigir-se que a força publica do districto seja augmentada com duas companhias, etc., o que tudo segundo as condições orçamentaes vigentes, poderia importar n'um encargo de 25:000$000 réis annuaes.

A decadencia commercial da Guiné é de tal ordem, que em 1885 fecharam 69 feitorias e em 1887 42, o que faz em dois annos uma reducção de 111 feitorias.

Estas differenças confirmam e definem o decrescimento das receitas.

O pseudo-forte de Ajudá é quanto hoje nos resta do antigo dominio da costa da Mina, que já nos tempos em que disfructavamos sem concorrencia a exploração d'aquellas regiões, dizem os textos dos registos da epocha, "gasta e não dá proveitos", porque tendo andado arrendado até 1578 por 24:000$000 réis por dez annos, acabou por ficar essa renda devoluta.

A area d'este dominio é tão indeterminada como problematica; bastará lembrar, para o apreciar, que o famoso protectorado de Dakomey, que tivemos de abandonar,
abrangia apenas 26 a 28 milhas da costa.

Constituo Ajudá dependencia da administração de S. Thomé e Principe, que encerra as suas contas com saldos, negativos.

A posse de Ajudá nem se justifica hoje sequer sob o ponto de vista de posto de resgate de braços, desde que a pente contratada em Loanda para o serviço das roças de S Thomé e Principe é mais barata, mais prestadia e docil.

Timor, perdida nos confins do oriente, está fatalmente condemnada a nunca poder ser aportuguezada diante das condições actuaes de vida economica e politica dos povos, devendo fatalmente ser absorvida pelas vizinhas colonias
hollandezas. ou incorporada por cessão nossa ás colonias hespanholas.

Timor, como a Guiné, tem tido umas vezes administração livre, outras encorporada na de Macau; a sua administração em 1868, em que ainda era independente, accusa um deficit tres vezes superior á receita!

Obtida que fosse da Hespanha a troca por Fernando Pó, o que equivale á retrocessão d'este dominio, ficaria Fernando Pó dependente da administração de S. Thomé; e ainda quando a administração de Fernando Pó custasse tambem 25:000$000 réis annuaes, como calculâmos para os territorios a annexar a Cabinda, sempre era mais favoravel que a de Timor que actualmente importa em réis 160:000$000 annuaes pelo menos, com um deficit superior a 100.000$000 réis.

A sua área de 1:700 kilometros quadrados corresponde proximamente á dos districtos de Beja e Evora reunidos; e arbitrando-lhe uns uma população de 180:000 almas, regularia pela população dos mesmos districtos, e arbitrando-lhe outros a população de 300:000 almas, teria proximamente a população do nosso Alemtejo. Com uma área dupla da Guiné, e uma população pelo menos dez vezes maior, o movimento da sua alfandega accusa apenas uma differença de 80:000$000 réis a mais nos valores de importação e exportação!

Fernando Pó tem as mesmas condições topographicas que a ilha de S. Thomé; basta para isso ver que o pico Clarense, o mais elevado das suas montanhas, tem 3:240 metros de altura; a área da ilha é de 2:071 kilometros quadrados, tendo 60 no seu maior comprimento, e 37 na maior largura. A area dos tres districtos açorianos Angra,

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Horta e Ponta Delgada, é de 2:388 kilometros quadrados. Como complemento das considerações que ficam expostas, chamamos a attenção da camara para a seguinte estatistica financeira geral do nosso dominio colonial, em numeros redondos:

[Ver tabela na imagem]

Annos economicos Deficits orçamentaes Deficits effectivos segundo as contas do thesouro e orçamentos rectificados

Estes numeros são por si só por tal fórma illustrativos, que não deixarão duvida para adoptar a proposta junta, que reduz este enorme deficit; devendo considerar se que não é essa a unica vantagem que póde dar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É o governo auctorisado a tratar pelas vias diplomaticas a permutação dos nossos dominios da Guiné, Bissau e Cacheu, e na costa da Mina, Ajuda, por igual porção do territorio continuo e ao norte de Cabinda com uma linha de costa igual á do territorio de que fazemos cessão.

Art. 2.° É o governo auctorisado a tratar pelas vias diplomaticas a retrocessão da ilha de Fernando Pó ,era troca de Timor, devendo alienar-se este dominio, quando não possa effectuar-se a troca.

Art. 3.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'estas auctorisações.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 10 de abril de 1888.= José Bento Ferreira de Almeida, deputado pelo circulo n.° 92.
Lido na mesa, foi admittido e enviado ás commissões do ultramar e diplomatica.

REPRESENTAÇÃO

Da camara municipal de Amarante, pedindo que no projecto das linhas ferreas ao norte do Mondego se não exclua a linha do Tamega.

Apresentada pelo sr. deputado Teixeira de Vasconcellos e enviada á commissão de obras publicas.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

Do capitão reformado do exercito, José Vieira da Cunha Lemos, pedindo o soldo de reforma no posto de major.

Apresentado pelo sr. deputado Bandeira Coelho e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

Do mestre de musica e dos musicos de primeira classe do exercito, Alfredo Queiroz, Narciso Marques, José Nunes de Figueiredo e Claudino Antonio, pedindo melhoramento de reforma para os mestres das bandas regimentaes.

Apresentados pelo sr. deputado José de Azevedo Castello Branco e enviados á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

De D. Margarida Rosa de Brito Maia, mãe do fallecido major do engenheria João Antonio Ferreira Maia, pedindo uma pensão para suas netas.
Apresentado pelo sr. deputado Francisco José Machado e enviado á commissão de guerra.

De D. Elisa Chaves Soai es Folkiheé, viuva do mestre da officina de capsularia do extincto arsenal do exercito, Christiano José Soares, pedindo uma pensão.
Apresentado pelo sr. deputado Bandeira Coelho e enviado á commissão de fazenda.

De Manuel Barreiros Duarte Graça, escrivão do terceiro officio e privatimente do tribunal do commercio de Santarem, contra a proposta de lei n.° 21, sobre organisação judiciaria.

Apresentado pelo sr. deputado Carlos Lobo d'Avila, enviado á commissão de legislação commercial e civil e mandado publicar no Diario do governo.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

Participo a v. exa. que por motivo justificado deixei de comparecer a algumas sessões. = José de Azevedo Castello Branco.

Por motivo justificado faltei ás sessões de 6, 7 e 9 do corrente. = Sá Nogueira.

Participo a v. exa. e á camara que o deputado o sr. José Domingos Ruivo Godinho tem faltado e continuará a faltar a mais algumas sessões por motivo justificado. = O deputado, João Pinto Rodrigues dos Santos.

Participo a v. exa. e á camara que o sr. visconde da Torre tem faltado a algumas sessões e continuará ainda a faltar por incommodo de saude. = F. J. Machado.

Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara que por motivo justificado não pude comparecer a algumas sessões. = O deputado pelo circulo n.° 90, José Maria de Andrade.
Para a secretaria.

O sr. Bandeira Coelho: - Sr. presidente, mando para a mesa um requerimento do sr. José Vieira da Cunha Lemos, official reformado do exercito, que pede melhoria de reforma: Peço a v. exa. que se digno enviar este requerimento á respectiva commissão a fim de que ella de o seu parecer.

Mando tambem para a mesa um requerimento da sra. D. Elisa Chaves Soares Folkiheé, viuva do mestre da officina de capsularia do extincto arsenal do exercito, que pede lhe seja concedida uma pensão em virtude da carta de lei de 15 de junho de 1826.

Dizem que esta lei foi revogada pela carta de lei de 11 de julho de 1867; não mo parece, pois que, posteriormente á lei de 11 de julho de 1867 foram concedidas varias pensões a viuvas que estavam nas mesmas circumstancias.

O sr. Teixeira de Vasconcellos: - (O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão, guando s. exa. o restituir.)

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Sinto não poder dar ao illustre deputado as explicações que me pede mesmo, porque desejaria tornar-me agradavel a s. exa. Direi comtudo o que é sabido.

Combinei em tempo com o sr. ministro das obras publicas apresentar ás côrtes um projecto comprehendendo todos os caminhos de ferro ao norte do Mondego, e que comprehendesse não só as redes de caminhos de ferro já construidas, mas tambem as que tenham de vir a ser construidas, dividindo-as em duas ou tres categorias; uma cuja adjudicação e construcção começaria immediatamente, e as outras que seriam construidas á maneira que os recursos do thesouro permittissem.

O sr. ministro das obras publicas mandou emprehender estudos a esse respeito e tem trabalhado assiduamente n'esse negocio, dividindo o trabalho commigo. Assim que o

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trabalho estiver prompto, s. exa. ha de dar-me uma nota da despeza indispensavel para a construcção da primeira, segunda e terceira categorias.

Não posso dizer a v. exa. mais nada do que o sabido, que effectivamente o sr. ministro das obras publicas ficou encarregado de mandar formar o plano geral das linhas, classificar a categoria dos grupos, e depois dar-me a nota da despeza a fazer com as linhas do primeiro grupo, e qual a do segundo e terceiro, se o houver, para serem construidas á medida que o thesouro o permitia.

Creio que os trabalhos mandados fazer pelo illustre ministro estão acabados; s. exa. annunciou já ha dias que brevemente levaria ao conselho de ministros a proposta de caminhos de ferro, começada a rede geral pelo modo que eu acabei de indicar.

N'estes termos está a questão. Mandou estudar o prolongamento da linha ferrea de Guimarães a Chaves, mandou estudar a linha ferrea do valle do Corgo, a do valle do Tamega, e caminho de ferro de Mangual de a Vizeu, e o prolongamento da linha de Arganil A Covilhã, isso sei eu; mas resolução definitiva do governo a esse respeito não ha nenhuma, e só a póde haver quando o projecto for apresentado em conselho de ministros.

Portanto, não posso agora dizer com verdade, se é comprehendido na rede geral o caminho de ferro do valle do Tamega, ou se ficará para o segundo plano; nem ninguem o póde saber, porque não ha resolução assente a esse respeito, e logo que a haja, eu, ou o meu collega das obras publicas, informaremos o illustre deputado.

O sr. Francisco Machado:- (O discurso terá publicado em appendice a esta sessão logo que sejam restituidas as notas tachygraphicas)

O sr. Lobo d'Avila: - Mando para a mesa um requerimento de um escrivão da comarca de Santarem, chamando a attenção da camara para uma modificação que a respectiva commissão introduziu no projecto da nova organisação judiciaria.
Acho este pedido justo, e chamo para elle a attenção da commissão e do sr. ministro da justiça, pedindo a v. exa. se digne consultar a camara sobre se permitte que a representação seja publicada no Diario do governo.

O sr. João de Azevedo Castello Branco - Mando para a mesa uma justificação de faltas.

Mando tambem uns requerimentos do mestre da musica e dos musicos de primeira
classe de infanteria 12, pedindo que lhes sejam applicadas as disposições de um projecto aqui apresentado em tempo.

O sr. Oliveira Matos: - Pedi a palavra para chamar a attenção do governo acerca de um telegramma que hontem veiu publicado na secção dos telegrammas estrangeiros, dizendo que o governo inglez propozera ao parlamento o augmento de direito sobre a importação dos vinhos portuguezes.

Como este augmento venha ferir a nossa exportação de vinho, e é um grave prejuizo para os vinicultores, desejava que o sr. ministro da fazenda dissesse se tem algum fundamento este telegramma, e se o tratado do commercio que temos com a Inglaterra póde impedir que seja augmentado o imposto sobre a importação dos nossos vinhos.

Ainda ha pouco tempo foi apresentada ao parlamento uma representação sobre a falsificação de differentes marcas de vinho do Porto pelos exportadores de vinhos, pedendo-se n'essa representação providencias a este respeito. Ora o augmento d'esses direitos vae por certo augmentar a falsificação dos nossos vinhos.

Pedia, pois, ao sr. ministro que desse explicações á camara sobre este assumpto, para o qual eu chamo a attenção do governo.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno do Carvalho): - Eu não tenho mais conhecimento do negocio a que o illustre deputado se referiu do que o que s. exa. tem, que é ver esta noticia nos jornaes; mas a noticia que eu li differe da que o illustre deputado deu.

Parece que o governo inglez apresentou á camara dos communs o augmento do imposto sobre os vinhos engarrafados de qualquer procedencia.

Não posso saber o fundamento d'esta noticia, porque não sou eu que tenho correspondencia official com a nossa legação em Londres, é o sr. ministro dos negocios estrangeiros; mas o que posso dizer é que o meu collega não descurará este negocio, embora não possa ser facil, porque não temos tratado de commercio com a Inglaterra.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 23, estabelecendo a "régie" para o fabrico dos tabacos

O sr. Fuschini: - A camara estará lembrada de que, na sessão do hontem, dirigi algumas perguntas ao sr. ministro ao sr. relator da commissão. Parte d'ellas foram respondidas por s. exas., não o sendo uma das mais importantes, que espero será hoje attendida.

Fiz notar á commissão e ao sr. ministro, que as expressões empregadas em relação á somma, sobre que incide a participação de beneficio, não eram as mesmas.

No relatorio do sr. ministro diz-se que a participação de beneficio recaírá sobre os lucros annuaes em um ponto, n'outro sobre lucros liquidos annuaes, e, finalmente, a commissão adoptou uma outra elocução: lucros de, fabricação. Disse que não podia de fórma alguma admittir, que estas elocuções não correspondessem ás idéas differentes; portanto, que desejava da parte do sr. ministro ou do sr. relator, que no caso presente têem para mim a mesma auctoridade, uma declaração, que precisasse o sentido das palavras lucros de fabricação.

O sr. Vicente Monteiro (relator): - S. exa. não desiste da pergunta, vou dar-lhe a resposta.

S. exa. póde perfeitamente ver no projecto, que a proposta do sr. ministro emprega elocuções differentes: umas vezes refere-se a lucros liquidos, outras falla em lucros sem os adjectivar.

D'esta maneira pareceu á commissão, para evitar todas as duvidas, que devia sempre empregar-se a mesma maneira de dizer, a que se encontra no projecto em discussão e significa lucros liquidados annualmente.

A duvida tambem apresentada por s. exa., quanto a comprehender-se ou não a verba annual de amortisação e juros, tambem não subsiste; está comprehendida e é expressa no projecto de lei, em um artigo que diz que é despeza de administração.

O Orador: - S. exa. comprehende que não desejo alongar esta discussão; por isso não apreciarei a resposta de s. exa.; mostrando que tal não póde ser a interpretação, em vista do que até hoje se tem entendido por lucros de fabricação.

Mais ainda poderia mostrar a s. exa., que a opinião do sr. ministro é completamente differente, porque no seu relatorio emprega a phrase despezas de fabrico, unica e exclusivamente para compra da materia prima, salarios (mão do obra) materias primas diversas e despesas geraes, excluindo expressamente o capital das fabricas e machinismo, bem como percentagens a revendedores; ora, se ha despeza de fabrico, tambem ha lucro de fabricação, que é a differença entre a receita bruta e esta despeza. Mas não discuto isto.

Desde que a commissão, pela palavra auctorisada do sr. relator, definiu que devo entender por lucros de fabricação os lucros liquidos annuaes, vou calcular qual é a importancia, que teve a alteração feita pela commissão na proposta do sr. ministro, e, mais ministerial do que ella, vou sustentar a proposta do sr. ministro contra o projecto da commissão.

O sr. Vicente Monteiro: - Permitia m e s. exa. uma

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interrupção. Não ha differença nenhuma no projecto da commissão. Dou estas explicações para evitar duvidas.

O Orador: - Desculpe-me s. exa., como isto não é questão de palavras, mas de factos e numeros, parece-me arrojada a sua affirmação; pois vou mostrar-lhe, para que não possa ficar no seu espirito a menor duvida, a differença, n'este ponto, da proposta ministerial e do projecto da commissão de fazenda, o que aliás já esbocei no meu discurso de hontem.

Comprehende perfeitamente a camara, que esta questão da participação de beneficio não é de phrases nem de palavras, mas de factos, de algarismos e de dinheiro. (Apoiados.)
(Interrupção do sr, Vicente Monteiro.)

Se são ambas do sr. Marianno, não dizem a mesma cousa, e acceito a que dá mais vantagem.

Sr. presidente, vou procurar não desenvolver calculos, ainda que pouco calculo; mas quando o fizer será sempre em numeros redondos e abreviadamente, reservando-me o direito do os publicar na integra, não o fazendo agora para evitar perda de tempo e tornar mais clara a discussão.

Diz o sr. ministro na base 3.ª § 2.° do seu projecto:

"A administração do estado interessará o pessoal operario nos seus lucros com uma percentagem não inferior a 5 por cento do excesso d'esses lucros annuaes sobre réis 3:500:000$000 réis, podendo uma parte do quinhão, dos operários ser destinada a dotação de uma caixa de soccorros."

Diz mais ainda o sr. ministro na base 2.a § 7.° do seu projecto:

"Alem dos vencimentos (dos conselhos de administração o fiscal) deduzir-se-hão cada anno 1,5 por cento dos lucros liquidos superiores a 3.000:000$000 réis, dos quaes l por cento será distribuido proporcionalmente aos ordenados entre os membros do conselho de administração e 0,5 por cento igualmente entre os do conselho fiscal."

Logo a proposta do sr. Marianno dá os seguintes resultados:

Conselho de administração 1%
Conselho fiscal 0.5%
Pessoal operario 5%
Total 6.5% sobre lucros liquidos

Ora a proposta da commissão, base 3.ª § 6.° é esta: o estado interessará os conselhos de administração e fiscal, o pessoal operario e não operario, nos lucros da fabricação do tabaco, na percentagem de 5 por cento d'esses lucros annuaes sobre 3.500:000$000 réis, dos quaes pertencerão 1/5 ao conselho de administração, 3/50 ao conselho fiscal, 1/10 ao pessoal não operário e 32/50 ao pessoal operario.

Admittindo, pois, a interpretação do sr. relator de que lucros de fabricação são lucros liquidos, teremos, comparando as duas propostas:

Ministerio Commissão
Conselho de administração 1,0 % 1,0%
Conselho fiscal 0,5 % 0,3%
Pessoal não operario - 0,5%
Pessoal operario 5,0% 3,2%
Totaes 6,5% 5,0%

Já vê a camara, que as propostas estão bem longe de ser identicas. A commissão reduziu a percentagem total da participação de beneficio de 6,5 por cento a 5 por cento, introduziu novo participante, o pessoal não operario, e por estes dois factos diminuiu consideravelmente a participação dos operarios.

Appliquemos estes raciocinios aos calculos do sr. ministro.
Producto da venda de 2.200:000 kilogrammas a 3$340 7.346:000$000
Despezas de fabrico de 2.200:000 kilogrammas a 600 réis 1.320.000$000
Differença 6 026:000$000

A descontar:
Expropriações das fabricas 32:000$000
Reformas a operarios 20:000$000
Administração e fiscalisação 5:000$000
Pessoal não operario 72.000$000
Legado Paulo Cordeiro 28:000$000
Augmento de salarios 144:000$000
Desconto aos revendedores. 992:000$000
Quantia excluida da partipação de beneficio 3.500.000$000 5.193:000$000
Quantia sobre que incide a participação de Beneficio 833:000$000

As sommas totaes para participação de beneficio seriam pois:

Proposta ministerial 6,5% de 833:000$000 = 54:145$000 Proposta da commissão 5 % de 833:000$000 = 41:650$000

e a sua divisão far-se-ía pela seguinte fórma:

Proposta ministerial Proposta da Commissão
Conselho de administração 8:330$000 8:330$000
Conselho fiscal 4:165$000 2:499$000
Pessoal não operario -6- 4:165$000
Pessoal operario 41:600$000 26:656$000
Totaes 54:145$000 41:650$000

Como se vê, partindo dos calculos ministeriaes, a participação de beneficio concedida aos operarios foi muito reduzida.

É bom, pois, antes de affirmar, termos bem a certeza do que se affirma.

Assim eu sustento a proposta do sr. Marianno, e com ella combato a da commissão, porque não são uma e a mesma cousa, como se quiz affirmar.

Ora, sr. presidente, suppondo a existencia de 5:700 operarios, que eram em numeros redondos os existentes pelo inquerito especial a que se procedeu, teremos

Proposta da commissão 26 400$000/5.700 = 4$630
Proposta do ministro 41 250$000/5.700 = 7$240 participação de beneficio, media annual por operario.

A somma que deriva da proposta do sr. ministro é certamente pequena, mas a da commissão é ridicula!

De resto, sr. presidente, os vencimentos do conselho do administração são elevados, e n'esses não houve parcimonia por parte da commissão. Os membros d'esta commissão são cinco, fendo o presidente 900$000 réis de ordenado, cada vogal 60$000 réis e a participação do beneficio proporcional a estes ordenados.

Na nossa hypothese, os vencimentos serão:

Presidente 9006000 + 2:250$000 = 3:150$000 réis.
Vogal 6006000 + 1:500$000 = 2:1006000 "

Já vê o sr. ministro, já v. exa. vê que o projecto da commissão e do ministro não são identicos.
(Interrupção.)

Eu calculei e verifiquei; v. exa. calculará e verificará.

Ora, sr. presidente, como não tenho a ingenuidade de suppor que as minhas propostas, por muito justas e regulares que sejam, tenham auctoridade sufficiente para merecer qualquer consideração, e a minha experiencia par-

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lamentar tem-me indicado que os esforços n'este genero são completamente ineficazes, tendo diante de mim duas auctoridades insuspeitas para a maioria d'esta camara, a do sr. ministro da fazenda e a da commissão, acolho-me á do sr. ministro, porque é mais favoravel para as classes operarias e traduz melhor o principio consignado no projecto; em vista do que vou mandar para a mesa á seguinte proposta:

"Proponho que o §.6.° da base 3.ª do projecto da commissão seja modificado da seguinte fórma:

"a) A participação de beneficio para os operarios será de 5 por cento sobre os lucros liquidos da régie, deduzida a somma de 3.500:000$000 réis (§ 2.° da base 3.ª do projecto do ministro).

"b) A participação de beneficio para o conselho de administração será de 0,5 por cento sobre a mesma quantia (§ 2.° da base 2.ª do projecto do ministro).

"c) A participação de beneficio para o conselho fiscal, será de 0,5 sobre a mesma quantia (ibidem).

"d) A participação do beneficio para o pessoal não operario será de 0,5 por cento sobre a mesma quantia (proposta da commissão).

"Ficam prejudicadas as minhas emendas 3.ª o 4.ª á base 2.ª do projecto da commissão".

Emquanto á reducção do pessoal do conselho de administração havemos de apreciar isso mais adiante; assim, na minha proposta conservo as mesmas relações de participação de beneficio proximamente, que o sr. ministro dava aos conselhos de administração e fiscal, e, para mostrar o meu espirito de transacção, acceito a participação do beneficio para o pessoal não operario, introduzido pela commissão de fazenda, e conservo para os operários a parte, que lhes attribuia a proposta ministerial.

Se póde haver emenda, additamento ou proposta, como lhe queiram chamar, mais rasoavel do que esta, não sei; mas que tenha mais auctoridade perante a maioria da camara, não ha incontestavelmente.

Discutida esta face da questão vou apenas desenvolver algumas opiniões sobre o
projecto n'aquelles pontos, que principalmente interessam o aspecto, por que o tenho tratado. Todavia, antes de passar adiante permitta-me v. exa. que leia á camara tres additamentos, que ainda proponho ás bases, alem das que hontem já apresentei, alguns dos quaes estão hoje prejudicados com a proposta, que acabo de mandar para a mesa.

Sujeito ao elevado criterio do sr. ministro e da commissão as seguintes propostas:

"O preço da tarefa dos charutos de picar (charutos de 10 réis) será fixado em 80 réis por cada 100 charutos.

" As marcas actuaes ou typos estabelecidos pelas fabricas serão conservados, muito embora a administração possa crear typos ou marcas novas."

"Quando nas fabricas do Porto houver necessidade de operarios, serão preferidos os das fabricas de Lisboa, das classes pedidas, que, por interesses particulares legitimos, desejarem trabalhar n'aquella cidade. O mesmo se applicará ás fabricas de Lisboa relativamente aos operarios do Porto."

Para mais tarde reservo desenvolver e discutir uma a uma as minhas emendas e additamentos, sempre com a maior rapidez, enunciando noções e principios geraes; mas antes d'isso preciso mostrar á camara como fixei as minhas opiniões sobre o projecto.

Tomando a palavra no ponto em que a deixei hontem, de fórma alguma farei sumula ou resumo do que expuz; quem quizer póde ler o que eu disse, e quem não quizer, siga apenas o que vou expôr.

Declarei hontem que a régie, no meu entender, dava beneficio para o thosouro; mas acrescentei, e afiirmo-o hoje ainda, que só este beneficio por si não aconselharia a mudança de regimen, sobretudo não explicava, de fórma alguma, a sua preferencia sobre o monopolio particular.

Porque é que no momento actual acceito a régie cora preferencia ao monopolio? Porque é que não insto com o sr. ministro, para que sustente as suas primeiras idéas?

Porque, effectivamente, a régie, para mim, proporciona a facilidade de beneficiar as classes operarias, que seriam mais difficilmente beneficiadas pelo regimen da liberdade e do monopolio.

Mais ainda; estabelecida a régie, principalmente com as bases que desejo, a passagem para o monopolio é sempre possivel, com a differença de que as classes operarias ficarão na posse das vantagens, que actualmente se lhe concedem, podendo ainda obter novas garantias.

Aqui tem s. exa. manifestado o meu voto; aqui está porque acceito a régie, e não me preoccupo cora as tergiversações do sr. ministro, nem com a historia politica d'este projecto.

E porque vejo que a régie vae introduzir na legislação patria principios, de que mais tarde hão do participar outras classes alem da dos manipuladores de tabaco; e porque vamos sanccionar na legislação disposições salutares, não quero eu que paixões politicas venham sacrificar legitimos beneficios concedidos ás classes operarias.

Os beneficies d'esses principios,, effectivamente, não se estenderão unicamente ás classes interessadas na industria do tabaco. Não: os beneficios directos hoje concedidos aos manipuladores do tabaco, hão de indirectamente repercutir-se na outras classes operarias.

É porventura difficil introduzir- no mechanismo social estes principios; uma vez, porém, introduzidos o seu alargamento é relativamente facil. A experiencia d'esses principios elimina as duvidas e os receios, e facilita á propaganda um campo positivo e facil.

Ha dois annos, que um dos homens mais illustres do nosso paiz, um dos mais sinceros e dos nossos melhores parlamentares, o meu excellente amigo Consiglieri Pedroso apresentou um projecto de lei fixando o dia de trabalho; ora é necessario saber-se: esto projecto não mereceu sequer o parecer de uma commissão.

Agora a proposta ministerial fixa e garante o dia de trabalho em especial, é certo, para a classe dos manipuladores de tabaco; mais tarde ou mais cedo, porém, pela natureza das cousas, pela acção lenta e permanente das idéas no organismo social, este principio ha de ser lei do paiz.

A participação de beneficios tem sido a lucta constante e enorme das classes operarias era muitos paizes; pois a participação de beneficio está acceita pelo parlamento portuguez.

As caixas de reforma e de soccorros para as classes operarias são tambem principios conquistados e sanccionados pelo parlamento portuguez.

A uns cabe hoje o beneficio directo d'estas instituições, mas todos partilharão a vantagem incalculavel da adopção de principios, que têem sido a origem de luctas formidaveis n'outros paizes, luctas nem sempre coroadas de resultados favoraveis para as classes proletarias.

Que este exemplo a todos nos aproveite.

Tenham paciencia e trabalhem as classes operarias.

N'este ponto, sr. presidente, como gosto, triste ou alegremente, de tirar a philosophia das cousas e dos factos, aos operarios me dirijo.

Elles que meditem sobre se uma occasião opportuna, bem aproveitada, não lhes produziu mais do que dezenas de annos de devaneios politicos e de tentativas infructiferas!

E recordo-lhes, e hei de recordar-lhes, este exemplo; sendo, como é, a ordem social moderna- a harmonia dos interesses legitimos de todas as classes; as mais numerosas e pobres devem afastar-se de certa politica...

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Sr. presidente, isto dito, vou apreciar uma verba importantissima do projecto.
Qual seria o rendimento provavel medio dos direitos sobre o tabaco, se continuasse o regimen actual?

No mappa, que tenho presente, reuni os dados, que pude obter, sobre a quantidade, valor e direitos, no regimen da liberdade, da folha, dos charutos e do tabaco manipulado despachados nos differentes annos, não considerando o tabaco em rolo pela sua insignificancia.

[Ver tabela na imagem]

olha Charuto Tabaco manipulado (picado, cigarros, etc. ) Total

Sabe se que a legislação, que fixem e alterou os direitos por quilograma do tabaco é o seguinte:

[Ver tabela na imagem]
Rolo Folha Charutos Tabaco Manipulado

O crescimento de direitos provém, pois do desenvolvimento natural do consumo e do augmento sucessivo das taxas do imposto; para attender a ambas as cousas basta estudar o rendimento no periodo de regimen de cada lei.

[ver tabela na imagem]
Leia Periodos Numeros de anos Rendimentos de periodos Medias annuaes

Excluindo, pois, o anno de 18G4, de rendimento anormal por sor o primeiro, que se seguiu á abolição do monopolio, o rendimento medio foi:

regimen da lei do 1864 1.692:000$000
" da lei do 1871 2.292:000$000
" da lei de 1879 3.072:000$000

Ora a lei de 1871 augmentou os direitos primitivos em 10 por cento muito approximadamente, e a de 1879 addicionou 20 por cento aos da lei de 1871, o que equivale a dizer que no regimen da lei do 1879 os direitos primitivos de 1864 foram augmentados com 32 por cento; attendendo, pois, só aos effeitos fiscaes das leia o rendimento d'este ultimo periodo deveria ser de cerca de 2.224:000$000 réis, quando ascende a 3.072:000$000 réis, sendo esta differença manifestamente devida ao augmento annual de consumo e a melhor fiscalisação.
A lei de 27 de janeiro de 1887 restringirá o consumo dos charutos e tabacos manipulados estrangeiros, mas em compensação augmentará a importação do tabaco em folha, que é manufacturado nas fabricas portuguezas; não será, todavia, exagerado applicar a essas sobretaxas as quantias importadas em 1887.

Charutos - 32.100 kilos X 840 27:606$000
Manipulado - 91:000 kilos X l$840 168:360$000
195:966$000

Portanto esta lei nos charutos e tabaco manipulado deveria produzir um augmento de receita de cerca de réis 200:000$000; ora, tendo em vista o crescimento tambem necessario da importação da folha (em 1887 foi de cerca de 406.000 kilogrammas) não me parece exagerado admittir, que o rendimento medio do actual regimen deve calcular-se em 3.500.000,5000 réis.

O de 1887 elevou-se, effectivamente, a 3.800:000$000 réis; mas as suas condições são anormaes, e n'estas questões um só anno pouca confiança noa deve inspirar.
Ignoro os processos pelos quaes o sr. ministro fixou a verba de 3.500.000$000 réis que tantas vezes apresenta no seu projecto; é certo que ella me inspira confiança pelos calculos, que acabo de expor resumidamente á camara, reservando-me o direito do os publicar na integra.

Resta apreciar sobre outro aspecto os calculos de receita do sr. ministro. Devo dizer acamara, de antemão, que o systema porque os verifiquei é o mais rudimentar de todos.

Eis o resumo do calculo do sr. ministro: admitto um consumo medio annual de 2.200:000 kilogrammas de tabaco, e pelos dados fornecidos pela companhia nacional fixa em 3$340 réis o producto medio da venda do kilogramma, captivo das commissões a revendedores, e acceita

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a seguinte despeza de fabrico (expressão de s exa.) por kilogramma:

Custo do tabaco 303,0
Materias primas 56,9
Salarios (mão de obra) 128,8
Despezas geraes (administração, etc.) 91,9
580,6

ou para arredondar, 600 réis.

Isto posto, temos:

Receita bruta 2.200:000 X 3$340 = 7.348 000$000
Despeza de fabrico 2.200:000 X $600 = 1.320:000$000
6.028.000$000

A deduzir:

Expropriações das fabricas 432.000$000
Participação de beneficios 42.000$000
Caixa de reformas 20.000$000
Administração e fiscalisação 5 000$000
Pessoal não operario 72.000$000
Augmento de salarios 144:000$000
Legado Paulo Cordeiro 28.000$000
Percentagem a revendedores (l9,5 da receita bruta) 992.000$000 l 735.000$000

Rendimento liquido (captivo de direitos)... 4.293.000$000

Ora, como eu calculei em 3.500:000$000 réis o rendimento provavel dos direitos teremos:

Rendimento liquido 4.293:000$000
Direitos calculados 3.000.000$000

Augmento de receita provavel da régie 793:000$000

Como muito bem disse o sr. Centeno, questões d'esta ordem não se tratam por mais dezena menos dezena de contos; portanto não tenho a menor repugnancia em arredondar para 800.000$000 réis.

Devo notar a v. exa. que, partindo das bases do sr. ministro, não chego ao mesmo resultado, porque me parece que s. exa. não attendeu a algumas quantias importantes, que devem ser descontadas.

Entre os calculos do sr. ministro, que lhe produzem réis 4.434:000$000, e os meus, ha uma differença de 141:000$000 réis. Deus me livre, n'uma quantia de 4.500:000$000 réis de fazer questão do tão diminuta somma, quando em previsões d'esta natureza as origens de erro são tão grandes.

N'este ponto devo dizer a s. exa. que ha cousas que se calculam, que se vêem, e ha outras que se não podem calcular, mas que só prevêem.

Vamos applicar algumas correcções a estes calculos.

Primeira correcção: talvez não fatiasse n'este ponto se se não fosse a isso obrigado pelo meu illustre amigo o sr. Centeno, que no seu brilhantissimo discurso teve um lado fraco (também o teve Achilles) foi a resposta que se refere ao phenomeno perfeitamente singular, antes de ser explicado por s. exa., mas que nada tem de singular depois da explicação, do tabaco nas mãos das fabricas produzir 50 por cento a mais do seu peso depois de manipulado.

O meu illustre amigo o sr. Moraes Carvalho tinha feito esse calculo por um processo, por acaso fil-o eu por outro, mas chegámos ao mesmo resultado.

Parti eu de que as fabricas tinham annualmente as mesmas existencias, e não me enganei, porque o sr. Centeno o declarou hontem; s. exa. disse que os depositos, que passam de um anno para o outro, são proximamente iguaes; portanto um volume igual ao do tabaco annualmente despachado, sendo as existencias constantes, é transformado em tabaco de fumar e de cheirar.

Tomei os tres annos, que o sr. ministro da fazenda adoptou para os seus calculos, e achei a media da importação effectiva, realisada pelas fabricas, do tabaco em folha.

1884 1.625:500 kilogrammas
1885 1.806:700
1885 l 715:800 media 1.716:000 kilogr.

que produziram, segundo os calculos do sr. Ministro 2.200:000

Excesso da producção sobre a materia
Prima 434:000 "

É claro que esta differença carece de explicação, porque, a não se explicar, a base do sr. ministro da fazenda, de um consumo medio de 2 200$000 réis, não será exacta.

O sr. Antonio Centeno: - Peço licença a v. exa. para o interromper, simplesmente para uma explicação.

S. exa. tem nos annos que cita a importação do tabaco que entrou para dentro das fabricas, e tem o calculo do sr. ministro da fazenda, que, como muito claramente já disse, são 2.200:000 kilogrammas.

Ora estes 2 200:000 kilogrammas não representam O calculo d'aquillo que as fabricas têem produzido nas condições em que estavam, representam o que as fabricas hão de produzir, quando pela falta do tabaco estrangeiro cessar a competencia, que elle lhes está fazendo actualmente.

O Orador: - Não discuto então o calculo, nem o posso discutir, se elle não é derivado de bases estatisticas, mas de simples presumpções; acceito-o e calo-me, é o melhor.

Quer dizer, o sr. ministro da fazenda é um homem tão perspicaz, que já se funda até em estatísticas futuras.

O sr. Antonio Centeno: - Mas com toda a certeza. V. exa. sabe que antigamente o tabaco estrangeiro podia vir a Portugal, hoje não póde; claro é que os que fumavam tabaco estrangeiro, hão de fumar tabaco nacional e portanto a producção das fabricas ha de augmentar, para substituir osso tabaco estrangeiro. E quando assim não fosse, como este elemento foi apresentado unicamente para os resultados financeiros da proposta, quando isso não só desse, repito, o estado não perde nada, porque em logar do receber os direitos nas fabricas relativamente a 1$740 réis, segundo o calculo da régie, recebe 3$500 réis ou 4$000 réis do tabaco estrangeiro que se importar.

O Orador: - V. exa. attribue grande importancia á diminuição das entradas do tabaco manipulado o de charutos estrangeiros pelo augmento de direitos da lei de 27 de janeiro de 1887? Talvez, mas as estatisticas não dizem isso, por emquanto.
Em 1885 a entrada dos charutos foi de 29:765 kilogrammas o do tabaco manipulado 87:914 kilogrammas.

Em 1886 houve uma entrada anormal de tabaco manipulado que subiu a 229:353 kilogrammas, mas os charutos não cresceram sensivelmente, a entrada foi apenas do 32:267 kilogrammas.

Pois em 1887, já sob o regimen da lei do sr. Marianno de Carvalho, a importação dos charutos foi de 32:124 kilogrammas e o tabaco manipulado 91:457 kilogrammas.
Vê v exa. que o effeito protector do sr. Marianno do Carvalho foi em evitar as
entradas anormaes, mas nas entradas normaes dá-se uma outra circumstancia...

V. exa. sabe que n'este ponto, como em muitos outros, tem enorme vantagem sobre mim, mas póde v. exa. interromper me.

O sr. Centeno: - Conforme eu disse, depois do decreto de 27 de janeiro, que elevou os direitos do tabaco, durante o anno de 1887 ainda entrou muito tabaco, mesmo depois d'aquelle dia, pagando os direitos antigos, porque era o tal tabaco que vinha em viagem, ou que já estava encommendado,

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Portanto, ainda não ha estatisticas, que possam fornecer argumentos.

O Orador: - Por conseguinte, confiando lealmente na palavra de s. exa., espero para ver depois o que me dará a estatistica de 1888.

Por emquanto sirvo-me das que existem.

Sr. presidente, este excesso de fabrico sobre a materia prima, causa realmente surpreza, e pela minha parte, estava desejoso de ver a fórma por que o Centeno explicava este phennomeno, perfeitamente anormal

Vou passar muito rapidamente sobre o assumpto, depois do que s. exa. me disse; mas em todo o caso não posso dispensar-me de desenvolver n'este ponto os meus raciocinios.

Para mim as causas d'este excesso de fabrico eram tres: excesso de despeza pelo addicionamento de outras materias primas exigidas pela fabricação; fraude no peso das vendas; mistura de outras substancias, mais ou menos innocentes, não exigidas pela fabricação; contrabando.

O illustre deputado e meu amigo o sr. Centeno declarou, effectivamente, que a producção de 2.200:000 kilogrammas de tabaco manufacturado requerem 1.950.000 kilogrammas de tabaco em folha, isto é, o excesso do peso, pelo addicionamento das materias primas exigidas pela fabricação, é de 13 por cento.

Permitta-me entretanto a. exa. que lhe diga que 3 por cento n'uma questão d'esta ordem, é importante; ora, a opinião de homens que são tão conhecedores do assumpto como s. exa. e que são tão desinteressados como s. exa., não é a mesma.

Em um artigo publicado na Voz do Operario, de 8 do corrente, intitulado A régie, e escripto por um manipulador do tabaco, em nome da classe dos manipuladores, artigo que, entre parenthesis, está excellentemente escripto, diz-se que o augmento de peso é apenas da 10 por cento. Já ha, pois, uma differença; mas escusâmos de nos perder em divagações a este respeito.

A segunda causa nem toda a gente a conhece; o sr. Centeno, com uma grande isenção, veiu dizer ao parlamento que as fabricas tinham um kilogramma nominal e um kilogramma real, apresentando á venda kilogrammas com 800, 700 e até 600 grammas de tabaco!

Ora isto é importante, e explica por si só a origem ,das differenças enormes encontradas.

Acerca do kilogramma real e do kilogramma nominal do peso do venda do tabaco vou lembrar á camara, em muito poucas palavras, que póde constituir um excellente expediente. Está resolvido o problema do nosso deficit. O sr. Marianno de Carvalho prometteu matar o deficit, e mata-o com a régie, de accordo com o sr. Centeno e com o sr. Carrilho. O processo ó simples: o sr. Carrilho, que é, como todos sabem, sub-secretario perpetuo do ministerio da fazenda, chega ao fim do anno e, organisando o orçamento, encontra um deficit de 1.500:000$000 réis, por exemplo; dirige-se ao sr. ministro da fazenda, accusa-lhe a difficuldade, e pergunta-lhe qual deve ser a cotação do kilogramma nominal: 800 grammas, responde o ministro; e o deficit desapparecerá.

No anno seguinte, supponhemos que é ministro da fazenda, o sr.... quem será? Eis a difficuldade, porque é difficil de dizer quem póde substituir um homem de tanto valor como o sr. ministro da fazenda.

No anno seguinte o deficit eleva-se a 3.000:000$000 réis. Cotação do kilo nominal, 600 grammas, e o deficit desappareceu; quando muito manifesta-se sobre a fórma de um cigarro phtysico na mão do comprador. (Riso.)
Realmente é engenhoso; e foi preciso a combinação de intelligencia do sr. Marianno de Carvalho com a intelligencia o a experiencia do sr. Centeno para se chegar á resolução segura d'este grave problema, que se chama extincção do deficit orçamental.

Emquanto á terceira causa, para bem a desenvolver basta ter em vista o que o meu excellente amigo Centeno disse acerca da preparação do tabaco de cheirar; para fabricar um kilo de rapo basta meio kilo apenas de folha!

Bem, digo eu, como o tabaco de cheirar tem apenas, alem do tabaco materia prima, a agua e sal, isto é, agua salgada, segue-se que cada 1/2 kilo de tabaco teria de absorver cerca de 1/2 litro de agua salgada. Ora isto dava sopa! (Riso)

Então lembrou, talvez, o emprego do uma substancia muito absorvente, que toma facilmente côr, baratissima e essencialmente innocente, sob o ponto de vista da hygiene... a serradura. (Riso.)

N'este caso, empregando este artificio, não me parece difficil de 1/2 kilo do folha fazer l kilo e mais de tabaco de cheirar. Depois, os amadores não se queixam... é bastante.

Ora francamente, apesar da opinião do sr. Centeno, não imagino que a administração da régie deixo de empregar pelo menos o systema engenhoso do kilo real e nominal. Por este lado estou descansado; o excesso da producção será o mesmo...

Mas os calculos do sr. ministro emquanto ás verbas deduzidas podem soffrer tambem algumas contestações.

A verba de augmento de salarios calculada em réis 144:000$000, parece-me pequena.

O inquerito sobre as condições dos manipuladores de tabaco dá os seguintes resultados:

[Ver tabela na imagem]
Classes Salarios medios em Lisboa e Porto Salarios maximos iguaes em Lisboa e Porto

Como o projecto garante os salarios maximos iguaes em Lisboa e no Porto, vê se que os augmentos deverão ser importantes, principalmente se se attender a que só em Lisboa existem approximadamente:

Charuteiros 1:004
Cigarreiros 1.039
Empacotadores 482

Certamente não serei eu que condemne o projecto por esta rasão, tanto mais quanto, na realidade, mais dezena menos dezena de contos não tem importancia, quando se traduz um principio social util e justo.

A garantia do dia de trabalho aos operarios deve tambem trazer attendivel augmento de encargos. É uma disposição salutar, mas que acarreta certa despeza.

Se houver estagnação de producção, se o consumo for menor do que a producção, os depositos poderão abarrotar de tabaco manipulado.

Póde dar-se uma crise por abundancia.
Sei muito bem que homens prudentes e experientes podem prever estas crises e se não evital-as pelo menos minoral-as.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Peço licença para fazer uma observação, que tranquillisa o illustre deputado e o deixa satisfeito como tem estado.

Esta observação é que, emquanto no Porto havia tres horas de trabalho por dia, em Lisboa havia serões.

O Orador: - Talvez s. exa. não imagine que estava termando sobre este ponto para que me fosse dada essa resposta por v. exa. (Riso.)

Assim fica perfeitamente clara a doutrina da garantia do dia do trabalho em todas as consequencias.

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SESSÃO DE 11 DE ABRIL DE 1888 1047

Não discutirei tambem, se a administração do estado costuma ser peior ou melhor do que a particular.

Em vista d'estas considerações, no meu espirito não fica a minima duvida de que a régie ha de dar um excesso de lucro de 500:000$000 réis a 600:000$000 réis, pelo menos, feitas todas as deducções previstas e imprevistas

A estes raciocinios tirei-lhes a prova real, que coincide perfeitamente com as sommas indicadas pelo sr. Centeno.

Lembro-me de ter havido em tempo uma proposta para o monopolio particular dos tabacos. Não sei ha quanto tempo, mas não tanto que tudo esqueça.

Como se tem mudado de opinião a este respeito não sei; lembro-me, porém, de que. a base de licitação era de réis 4.250.000$000, e a camara toda sabe que a companhia Nacional vinha ao concurso; se é que não garantiu ao governo esta proposta.

Como o sr. ministro disse em aparte e muito bem, não era provavel que a companhia constituida por homens praticos no negocio, tivesse a ingenuidade de querer perder, ou errasse os calculos; portanto chego á conclusão de que, tomando esta base de 4.250:000$000 réis, e deduzindo 3.500:000$000 réis, receita provavel dos tabacos no actual regimen, os lucros liquidos serão, pelo menos, de réis 750:000$000.

Podem-me dizer: como kilogramma real e como kilogramma nominal? Se me dão licença não acredito que o estado não faça tambem kilogrammas reaes e kilogrammas nominaes. (Riso.)

Passemos adiante. O sr. Centeno disse qual foi em 1886 o rendimento das fabricas de tabacos.

Era um segredo d'elle e do sr. ministro, ao que parece, porque nós, deputados da opposição, não sabemos ler balancetes de companhias; essa sciencia está especialmente destinada ao sr. Marianno de Carvalho e ao sr. Centeno. Na opposição ninguem sabe o que é escripturação por partidas dobradas, cousa de tão alta transcendencia como a Philosophia da Natureza de Hegel!

Ora eu havia calculado esses ganhos liquidos em cerca de 800.000$000 réis; o sr. Centeno, mais auctorisado do que eu, porque é administrador da mais poderosa fabrica e sabe escripturação por partidas dobradas, calculou-os em 890.000$000 réis.

Estas contraprovas simples e claras satisfazem-mo. Francamente, gosto de raciocinios simples, de provas claras, e quando no meu espirito houvesse duvida sobre os computos, estas contraprovas obliteravam as.

Sob o ponto de vista financeiro o projecto, se não é excellente, tambem não é condemnavel; resta encaral-o no seu aspecto de socialismo d'estado e n'este sentido posso exigir mais, mas não combatei o.

Eu bem sei que o sr. Marianno de Carvalho, quando fallo em socialismo d'estado, sabendo perfeitamente que o fez, não gosta de ouvir pronunciar o nome; mais as cousas são o que são.

S. exa. fez socialismo d'estado como o sr. de Bismarck, com a differença que o sr. de Bismarck tinha um fim certo e determinado, e s. exa. tem outro, como hontem expuz á camara, embora por fórma alegre.

Eu sou, porém, d'aquelles simples o modestos, que acceitam sempre a dadiva ou a esmola sem investigar a sua origem psychologica. As intenções são com a Providencia e com a consciencia de cada um.

O facto é que ha vantagens para certas classes opera nas em particular e para quasi todas, em geral; o facto é que o projecto é de socialismo d'estado, ainda que custe ao sr. ministro a definição.

Dito isto, vou entrar especialmente na defeza das emendas, e tratarei de abreviar o mais possivel a minha exposição, porque não quero gastar tempo em desenvolver principios aliás de todos conhecidos.

Comecemos pelas emendas que hontem apresentei.

Propuz a diminuição do numero dos membros do conselho de administração.

Se v. exa. me perguntar: se posso produzir a este respeito argumentação cerrada e indiscutivel, direi que não. Parece-me, todavia, que tres directores bem pagos podem facilmente com o trabalho da régie, tanto mais quanto têem a seu lado e sob as suas ordens um pessoal habilitado e competentissimo, como é aquelle que vem das fabricas actuaes.

Não creâmos uma instituição nova, aproveitámos apenas uma já creada e, sobretudo, experiente.

Como v. exa. sabe, nunca defendi n'esta camara ordenados pequenos, porque os ordenados pequenos levam necessariamente a accumulação de cargos, e a accumulação de cargos conduz á irresponsabilidade do empregado e á annullação do trabalho. Entendo, pois, que, pela mesma rasão que o salario deve ser sufficiente para as necessidades dos operarios, o ordenado deve tambem ser sufficiente para as necessidades dos empregados, a fim de poderem satisfazel-as conforme a sua esphera social.

É facil, porém, de calcular, com os elementos que tenho presentes, que o presidente do conselho de administração terá, na peior hypothese, um ordenado de 3:200$000 réis, e cada vogal de 2:200$000 réis.

Ora, se os nossos calculos estiverem errados e forem verdadeiras as presumpções do sr. Marianno de Carvalho, esses ordenados subirão com a maior facilidade a 4:000$000 ou 5:000$000 de réis.

O sr. Alves da Fonseca: - Quem dera que chegassem a 10:000$000 réis.

O Orador: - 10:000$000 réis é de mais. Tudo tem um limite.

Que só pague bem a um empregado, de accordo. Que não se lhe dê hoje, o que se lhe dava ha vinte ou trinta annos, quando o ideal dos ordenados era 1:260$000 réis, de accordo tambem, visto que triplicaram os elementos indispensaveis á vida; mas que se dê 4:000$000 e 5:000$000 réis a empregados, não! Estas sommas são já riqueza Não, porque não ha serviço publico algum que explique ordenados d'esta ordem.

Não insistamos sobre este assumpto, porque eu fal-o-ía sem me importar com as consequencias, e poderia indicar logares que são remunerados por forma absurda, e injusta se attendermos a outros de não menor importando, trabalho e responsabilidade, cuja remuneração é bem inferior.

Vejamos a minha segunda emenda.

Os membros dos concelhos de administração e fiscal são incompativeis com qualquer emprego, diz, e muito bem, o projecto, seguindo esta corrente de incompatibilidades, contra a qual não me opponho; mas esqueceu á commissão e ao sr. ministro que a primeira de todas as incompatibilidades n'uma organisação d'esta ordem é a politica, porque realmente ura dos seus lados viciosos, como admiravelmente o definiu o sr. Consiglieri Pedroso, é a fortissima pressão eleitoral, que se póde fazer com a enorme massa de votos da régie. (Apoiados)

Por isso tiremos-lhes ao menos os maiores inconvenientes.

Pois se se tornam incompativeis estes logares com qualquer outra funcção publica, porque os não tornara tambem incompativeis com os cargos politicos, que exigem serviço trabalhoso e continuo. (Apoiados.) Não acho logico.

Pois se querem, como o sr. Marianno de Carvalho diz no seu relatorio, tirar toda a politica a esta nova instituição, porque lhe deixam na origem o peior fermento politico, as direcções fazendo parte do parlamento? Não acho logico.

Se vão procurar no parlamento, na camara dos deputados e na dos pares, os collegios eleitoraes dos membros do conselho de administração, ao menos evitem que esta eleição possa ter um caracter politico accentuado e ostensivo. Tornem incompativel o cargo de director com o pariato e com o cargo de deputado.

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Quando o sr. Consiglieri Pedroso encarava a questão debaixo do ponto de vista da politica, achei-lhe completa rasão.

É preciso que se note, que estamos n'um paiz ainda tão mal educado no regimen parlamentar, que chega a ouvir-se a homens publicos altamente collocados manifestações e phrases, que n'outro paiz não se pronunciariam impunemente.
Se é certo que ha homens, faço justiça ás opiniões e ás idéas do sr. ministro da fazenda, que são incapazes de ter odios e paixões politicas; outros ha a que sinceras convicções, quero acreditar, arrastem até á intransigencia e á perseguição do fanatismo religioso.

Não ha muito tempo que ouvi na camara dos dignos pares um homem de alta gerarchia politica, o sr. Hintze Ribeiro, afastar de si com um sentimento quasi de terror religioso a idéa do votar n'um candidato republicano; francamente n'um paiz cuja opinião está ainda organisada por esta fórma, tenho medo de entregar aos governos nina machina eleitoral terrivel.

Não condemnarei por fórma absoluta o projecto, porque tem este lado vicioso, sabendo, como sei, que tudo tem o seu lado bom e o seu lado mau; mas por isso procuro remedial o, tornando, ao menos, incompativeis os membros dos conselhos de administração e fiscal com os cargos politicos e administrativos.

No caminho das incompatibilidades, como em quasi todos os assumptos, não fico em meio. Estabelecida a incompatibilidade, ha de ser absoluta. Se os membros do conselho de administração não podem ler outros cargos publicos, não vejo motivo para os deixar accumular os cargos politicos.

Se o sr. ministro receia, com rasão, que a régie se torno nas mãos de um governo qualquer, não do sr. ministro da fazenda, que para estas questões eleitoraes, como é notorio, não tem geito algum, poderosa arma politica, torne os administradores incompativeis com os cargos politicos o administrativos, como logica consequencia.

O que s. exa. fez é que não percebo, porque francamente não sou tão habil que saiba ler por entre linhas.

Passo agora aos additamentos e emendas á base 3.ª, visto que as restantes da base 2.ª estrio prejudicadas.

O meu primeiro additamento consiste em propor um tribunal de arbitros.

Este principio já está estabelecido em varias nações como s. exa. sabe.

Não vou ler livro, que muito ha escripto a este respeito, mas citarei á camara a opinião de um homem, que naturalmente não é suspeito para alguem e muito menos para o sr. ministro da fazenda, como membro do poder executivo.

Todos sabem que o julgamento das questões suscitarias entro patrões e operarios, toem tido resoluções rasoaveis por meio dos conselhos de arbitros ou tribunaes arbitrais.

Todos sabem tambem que esses tribunaes ou conselhos são formados por um certo numero de operarios, positivamente operarios note-se, por um certo numero de representantes de patrões, ou pelos proprios patrões, e por arbitros de desempate.

Este systema está adoptado em Inglaterra e em mais alguns paizes com grande exito.

Como não vejo rasão alguma para excluir régie da regra geral proponho um tribunal de arbitragem, para o caso em que haja contestação entre os operarios e a administração. Esta proposta é a final a traducção mais rigorosa do principio do sr. ministro da fazenda, porque s exa. a diz que em certo caso serão ouvidos os delegados operario.

Em vez de os ouvir, que dar-lhes a garantia de julgarem elles proprios. Só havemos de ouvil-os, então tenhamos mais generosidade, o e concedemos-lhes o direito de julgar, salvo o recurso para o governo.

Estendo e alargo um pouco as idéas de s. exa., porque s. exa. n'este ponto quiz consignar o principio, e depois teve receio de o alargar em todas as consequencias logicas e necessarias.

De resto não devem intimidar alguem os tribunaes arbitraes.

Lerei á camara apenas um periodo de um publicista muito distincto do nosso seculo. Trata dos tribunaes arbitraes em Inglaterra, diz como elles foram creados, os resultados que têem dado, etc., etc. e depois, emittindo as suas opiniões pessoaes, diz:

"A arbitragem não é uma solução radical, como a participação industrial (de beneficio), dos problemas que se agitam no fundo d'estas luctas (sociaes), mas impede-as de se envenenarem, prepara o terreno para soluções diversas que a experiencia e a ratão podem fazer adoptar; e a lei que lhe deu a auctoridade de que carecia foi um grande serviço feito á Inglaterra."

Ora este publicista, que é muito mais radical do que eu, porque diz que as luctas sociaes terriveis não se resolvem só com isto, e exigem outras medidas mais completas, é... o sr. conde de Paris, sogro do Sua Alteza o Principe Real.

Não receiem chamar as classes operarias á vida activa, não receiem interessal-as na boa politica, fazendo lhes comprehender que são uma força social, e como tal devem ser intelligentes e conscientes, não se atemorisem em dar-lhes a dignidade propria dos cidadãos, de que ellas ás vezes têem apenas a intuição brutal, mas de que não comprehendem a responsabilidade e o alcance, habituadas como estão a viver separadas d'este moderno mechanismo social burguez.

Um dos processos de regeneração social, mais importantes, consiste em insuflar nas mascas a actividade da boa politica e a consciencia clara dos seus deveres civicos.

Não serei eu que desenvolva estas idéas. Estão na mente de todos; mas só alguem se póde ter bom claras, bem manifestas e bem fundadas é o sr Oliveiras Martins. (Apoiados.)

Sei que de algum lado da camara, não me lembro do qual, se accusou o governo de suscitar entre nós a questão social.

Sr. presidente, a questão social não se suscita. Não ha ninguem que possa nem impedil a nem creal a. São as condições economicas, as circumstancias sociaes que a produzem, e sobre ella os homens de maior energia intellectual e de mais puras convicções têem, quando muito, a força da direcção e da propaganda dos mais sãos e justos principios. Nada mais.

Alem da medicina revulsiva ha tambem a medicina preventiva.

Não nos esqueçamos de que os que vivem n'uma região pantanosa, embora não tenham ainda febres paludosas, devem antes de se expor aos miasmas tomar pequenas doses de quinino.

Não será talvez momento opportuno para fazer concessões, quando se levantam rebelliões na praça publica; ha politica preventiva assim como ha medicina preventiva, e sobretudo, sr. presidente, os direitos do uma classe, embora ella não saiba defendi-os, nem sequer mesmo emuncial-os, temos nós obrigação de os
sustentar, porque somos mais illustrados e mais prudentes.

Depois tambem proponho que o salario dos operarios, que servirem dez annos successivamente e sem nota, tenha o augmento do 5 por cento, até ao maximo de quarenta annos.

Procuro tanto quanto possivel approximar o salario da estabilidade do ordenado

Nada mais regular do que o operario assiduo c honesto, quando envelhece e enfraquece pelo trabalho, tire melhor resultado dos seus esforços.

É um incitamento ao trabalho e á seriedade e ainda um (...) ás virtudes particulares do trabalhador.

V. exa. comprehende perfeitamente que podia desenvol-

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SESSÃO DE 11 DE ABRIL DE 1888 1049

ver esta these, e mostrar como este principio deve ter benefico influxo sobre a moralidade e a producção do operario; a camara é, porém, muito illustrada para carecer d'esta demonstração.

Tenho a certeza que o sr. conde de Paris defende este principio.
(Interrupção.)

Vou mandar este livro do presente ao sr. Marianno, por isso dispenso-me de o ler.

Não devo, porém, deixar de dizer, que este principio está já na nossa administração. A camara municipal de Lisboa em dois serviços, o de limpeza e o de segurança, concede augmento de salario por diuturnidade de serviço, com a differença de que este augmento é de 10 por cento de cinco em cinco annos e indefinidamente; ora a minha proposta é bem mais modesta.

Havendo exemplos n'uma administração importante do paiz, não vejo motivo para não ser generalisado o principio.

A constituição actual do salario é ainda incompletissima. Infelizmente o salario medio não attinge, senão excepcionalmente, a cifra, em que o trabalhador tem a garantia da subsistência e a possibilidade, sendo regrado e economico, de constituir um pequeno capital na previsão da doença e da impossibilidade physica e na certeza da velhice. Em regra o salario mal chega para satisfazer as necessidades correntes é impretenveis da vida do operario.

Ora eu não sei que haja nada, que mais infunda profunda melancolia do que a miseria da velhice e da infancia.

Duas grandes fatalidades, sr. presidente, que se ligam por mysteriosos laços e nos pedem sympathica commiseração - a miseria da creança abandonada e a do velho exhausto de forças pelo trabalho.

Duas angustias terriveis, deixem-me empregar a palavra, uma alegre e esperançosa - a creança abandonada; outra sombria o bem triste - o velho pobre e desprotegido.

A caridade christã e catholica, respeitabilissima nas suas intenções mas incompleta nos seus resultados, a caridade official ainda mais imperfeita, as instituições sociaes de beneficencia, de auxilio mutuo, as associações de soccorros, emfim, têem debalde procurado resolver estes problemas sociaes, não chegando senão a minorar e a adoçar as agruras do tão grandes miserias.

Póde se fazer mais alguma cousa, por isso propunho que o operario, que durante quarenta annos, pelo menos, trabalhar assidua e honestamente, tenha direito a uma reforma, se a sua idade ultrapassar setenta e cinco annos.

O limite é bem elevado, certamente a vida laboriosa gasta depressa em qualquer mister, e principalmente n'este em que as doenças das vias respiratorias são imminentes e fataes

Esta medidas como as outras, que proponho, contribuirão para moralisar o operario, dando-lhe certa segurança de futuro, elemento tão grato ao homem, tão moralisador e tão conducente a excitar as bons paixões. Ora por outro lado não supponho que a minha proposta, sendo adoptada, traga attendivel despeza.

Para apressar a minha exposição, apenas me referirei em globo ás propostas, que apresento para a reqularisação do trabalho dos menores e das mulheres nas fabricas.

Parece-mo o minimo, do que se póde pedir a tal respeito.

V. exa. sabe que o sr. Saraiva de Carvalho, quando ministro, apresentou um projecto de lei sobre este importante assumpto; mais tarde apresentei eu tambem um trabalho parlamentar a este respeito. O sr Thomás Ribeiro, sendo ministro, fez igual tentativa, e a esta regra não escapou tambem o actual ministro, o sr. Emygdio Navarro.

Vãos e inuteis têem sido estes esforços!

Niguem contesta a importancia da medida; de vez em quando lembra-nos que uma população de 70:000 a 80:000 creanças estiola nas fabricas, sem a menor fiscalisação do estado; coramos até quando nos lembrâmos que as nações cultas seguem cautelosamente esta questão delicadissima, de cuja resolução depende a força e a energia physica e moral das ultimas classes populares; mas n'isto ficâmos, e as propostas, quer de iniciativa particular, quer ministerial (o que é para admirar) dormem o somno do esquecimento nas commissões.

Desprezam uns por egoismo, esquecem outros por incuria, recuam alguns pela despeza, que deve trazer a fiscalisação d'esta lei, porque é sabido que as leis sociaes, de protecção das classes pobres, não sendo bem fiscalisadas, são letra morta. Aos que recuam diante da despeza, lembro que é facil de calcular em quanto augmentará a riqueza do paiz pelo facto de não deixar sumir na cova extemporaneamente centenas de creanças, futuros trabalhadores, e productores, que são sacrificadas pela nossa incuria.

Toda a riqueza, na sua accepção verdadeira e util, resulta do trabalho; não póde ser um paiz rico, senão aquelle que tem uma raça sadia e activa, quer para a defeza, quer para a reproducção e para o trabalho; o que for, emfim, constituido por cidadãos furtos; porque, infelizmente, a força e a actividade da intelligencia dependem, em grande parte pelo menos, da robustez physica.

Morbida é a intelligencia, que se manifesta em corpo doentio.

Uma VOZ: - Mens sana in corpore sano.

O Orador: - Exactamente o aphorismo de Hippocrates pronunciado em grego ha milhares de annos, e que tanta gente esquece.
Por toda a parte se attende hoje a estes principios. Conservar, desenvolver o fortalecer a creança, eis o fim generoso e util a que devemos attender.

N'este intuito estão se fazendo tentativas assombrosas. Ainda ha pouco tempo me constou uma, que me encheu do espanto Referir-me-hei a ella cautelosamente, attendendo a ouvidos que nos escutam.

Trata-se de aproveitar, conservando-as para a vida e desenvolvendo-as, as creanças que extemporaneamente nascem e que ainda não podem desenvolver-se em condições geraes, sem o auxilio e acção directa da mãe!

Estão-se fazendo experiencias espantosas tal é o cuidado, que está merecendo em toda a parte a conservação da vida humana, que, infelizmente, tantas causas invenciveis eliminam e enfraquecem!

Parece, portanto, que estes meus additamentos têem valor para ser attendidos.
Proponho tambem a instrução obrigatoria para os menores empregados nas fabricas; parece-me logico que um paiz, que por todas as fórmas procura dessiminar a instrucção, aproveite um ensejo favoravel.

Segundo o inquerito, é grande o numero de menores nas fabricas, e lamentavel o estado de instrucção da classe dos manipuladores de tabaco. São estas as conclusões das duas commissões de inquerito de Lisboa e do Porto.

Aproveitemos, pois, a occasião, em que temos juntos um grande numero de menores, aos quaes podemos obrigar, sem reclamação possivel, á frequencia da escola.
Passo agora aos additamentos hoje apresentados.

O primeiro additamento e para que o preço da tarefa dos charutos de picar (charutos de 10 réis) seja fixado em 80 réis por cada 100 charutos.

Isto é uma especialidade tão completa que a ignoraria, só não me fosse indicada pelos proprios interessados.

Garante-se no projecto aos operarios os salarios maximos iguaes em Lisboa e Porto; acontece que para este typo de trabalho, ou marca como elles chamam, o preço é igual em Lisboa e Porto, e cada 100 charutos são pagos por 65 réis; havendo apenas em Lisboa, na fabrica de Xabregas, uma differença, por que se pagam ás mulheres por 60 réis.

Um operario desembaraçado, n'um dia de oito horas de trabalho, póde fazer 600 charutos de picar, e portanto 450 n'um dia de seis horas,

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1050 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Os salarios sento pois:

Dia de oito horas 390 réis
Dia de seis horas 270 réis

O que realmente é muito diminuto e inferior ás mais modestas necessidades do operario.

Proponho, pois, a elevação do preço da tarefa a 80 réis; os salarios ficarão sendo n'este caso:

Dia de oito horas 480 réis
Dia de seis horas 360 réis

Sommas que estão longe do ser exageradas, principalmente nos grandes centros como Lisboa e Porto.

Já que vamos adoptar o principio de elevar os salarios ao maximo em Lisboa e Porto, façamos esta equidade a estes, que não tiram beneficio algum, emquanto os outros vão ter sensiveis beneficios.

Peço á commissão e ao sr. ministro, que attendam esta reclamação, porque é justa. Não posso calcular o excesso de despeza, mas não deve ser grande, porque é muito pequena a producção d'este artigo.

Outra reclamação que me parece justa, é a que se refere ás marcas actuaes.

Proponho que os typos de trabalho das fabricas actuaes sejão conservados, podendo a administração crear quantos typos novos quizer.

Ora, isto parece insignificante, mas quer a camara saber o resultado que póde dar? Vou exemplificar.

Fabricam-se duas qualidades, ou marcas de cigarros. Ha o cigarro á portugueza e o cigarro á hespanhola. O cigarro á portugueza é pago a 185 réis por kilogramma, e o cigarro á hespanhola a 290 réis; ora é de saber que ha operarios para a marca hespanhola e operarios para a marca portugueza.

Emquanto houve concorrencia entre fabricas, não era licito a uma fabrica abandonar certa marca, porque é claro que as outras fabricas concorrentes a conservariam e lhe desviavam os consumidores; mas quando se acabarem as fabricas e a sua concorrencia, ficando só em campo a régie, póde ella acabar com qualquer marca, porque o consumidor não se deslocará, visto que não encontra em parte alguma o objecto do seu gasto e do seu consumo.

Não conheço os individuos, que hão de compor o conselho de administração, e poderei talvez confiar muito na justiça e na bondade dos seus caracteres; mas como é natural, que se queira produzir n'estas questões fiscaes grande rendimento, como resultante da extrema cautela e da extrema fiscalisação das corporações administradoras, tenho muito receio que a nossa administração deixe de fazer cigarros á hespanhola e os faça á portugueza.

Repito, a conservação das marcas actuaes estava imposta pela concorrencia das fabricas; se uma fabrica deixasse de fabricar qualquer marca, as outras faziam-n'o e aproveitavam-lhe os consumidores; mas agora que a régie póde, sem perigo, eliminar os typos e marcas que quizer, é indispensavel garantir o operario por outra fórma, porque aliás se podem completamente sophismar alguns dos beneficios, que lhe vamos conceder n'este projecto.

A minha ultima proposta refere-se á garantia, que deve ter o operario de Lisboa de passar para o Porto, quando lá houver d'elle necessidade, sendo das classes pedidas; e vice-versa.

É preciso conhecer a organisação intima das classes operarias entre nós, para conhecer como isto póde ser de grande vantagem para ellas, sem o maior inconveniente para o estado.

As fabricas do Porto têem, supponhamos, 2:000 operarios, e as de Lisboa 3:000; e tanto n'umas como n'outras os operarios são classificados por categorias ou por competencias. A régie, por que augmenta o trabalho no Porto, precisa ali mais operarios nas fabricas; em vez de admittil-os de novo, acceita os pedidos dos de Lisboa, a quem convenha ir para o Porto, sendo, já se vê, da mesma classe e dentro do numero pedido.

Ha n'isto vantagem. É claro que o operario, que tem familia no norte e vem para o sul procurar trabalho, ti-beneficio em trabalhar junto da familia. Hoje não vae para lá, porque teria de deixar o trabalho; mas, se o tivesse no Porto, preferiria esta cidade sem o menor inconveniente para a administração e manifestamente com grandes vantagens para elle e para os seus. (Apoiados.)

São estas as considerações que me suggeriu o estudo do projecto; desenvolvi-as com a maior rapidez, para não ultrapassar o limite do tempo, que é licito gastar nas discussões parlamentares.

Se v. exa. me permitte direi ainda que, theoricamente, iria muito mais longe; mas sou já bastante velho para saber que nas questões sociaes é bom não apresentar, senão o que é immediatamente realisavel; e que muitas vezes o desejo e o empenho, ou de mostrar sabedoria, que não tenho, ou de manifestar qualquer outra qualidade, contrariam a applicação de bons principios sociaes.
Espantado estou eu, digo-o francamente, do numero de socialistas que já ha na camara! Manifestam-se por toda a parte, supponho mesmo que não somos já menos de seis dentro d'este parlamento! Ainda bem.

Isto, vinte annos depois de uma epocha, em que o socialismo era uma doutrina demolidora e revolucionaria, já é uma comquista!

Escuso de pedir aos meus collegas socialistas auxilio. O socialismo é a manifestação mais pura, mais altruista, mais energica da solidariedade de interesses legitimos e de opiniões e doutrinas sinceras.

Não é preciso pedir aos socialistas protecção e auxilio reciproco; mas se me lembro que n'esta camara estão homens muito mais aquilatados, do que eu, pela intelligencia e pela sciencia, se mo recordo de que realmente existem n'este parlamento vozes de maior auctoridade do que a minha, vejo-me obrigado a lembrar-lhes: que a solidariedade de interesses, de opiniões e de doutrinas e conveniente que ás vezes, se traduza por palavras; sou obrigado a dizer-lhes: que o ultimo socialista d'esta camara pede aos seus collegas mais fortes pela intelligencia, pela auctoridade e pela sciencia o soccorro da sua palavra.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O sr. Alpoim: - (O discurso do sr, deputado será publicado em appendice a esta mesma sessão, em se restituindo as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: -Tem a palavra o sr. Franco Castello Branco.
O sr. Franco Castello Branco: - Faltam apenas vinte minutos para dar a hora, e é impossivel que eu n'esse curto espaço de tempo possa expor a ordem de considerações que tenho a fazer sobre este projecto, por isso se v. exa. concordar commigo peço para que me reserve a palavra para sexta feira.

Aproveitando a occasião, peço ao sr. ministro da fazenda o favor de communicar ao sr. presidente do conselho, que na sexta feira mais de uma vez me terei do referir a s. exa. e ser-me-ha muito agradavel que s. exa. esteja presente.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho):- Communicarei ao meu collega do reino os desejos do sr. Franco Castello Branco, e estou certo de que s. exa. virá assistir á sessão.

O sr. Presidente: - Amanhã ha trabalhos em commissões.
A ordem do dia para sexta feira é a continuação da que está dada.

Está levantada a sessão.

Eram quasi seis horas da tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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