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1172 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O resultado é que não é raro encontrar homens instruidos, sem noção alguma de sciencias sociaes, o que aliás não obsta a que discutam os mais complicados problemas da política, da economia e do direito publico.

Mas, Sr. presidente, dizia eu que o que sobretudo deslumbrou os nossos reformadores, ao lerem a organisação de alguns gymnasios allemães, foi a funcção, que os allundidos gymnasios fazem desempenhar ao estudo do latim, a pautada e exagerada dynamisação do ensino e a accumulação de disciplinas em cada anno.

Não tiveram em conta a diversidade de disposições psychicas e physiologicas dos alumnos, resultante já de condições etinologicas, já do condições historicas.

Nem o alumno portuguez carece de sete annos, com aulas quasi diarias, para aprender o latim, como seccede ao alumno allemão, nem o alumno portuguez póde distribuir proveitosamente a sua intellectualidade, mais prompta e mais viva, por sete, oito e nove disciplinas em cada anno, como o allemão.

O alumno portuguez bebe com o leite uma língua, que é uma transformação do latim, e por isso não admira que em quatro, annos aprenda a mesma lingua que ao alumno allemão custa sete ou nove annos de aturados estudos.

A raça germanica tem uma organisação psychica um pouco differente da raça latina; os alumnos da raça germanica não fazem grande sacrificio, ao que parece, em applicar-se a oito ou nove disciplinas n´um anno, aprendendo uma dose homeopathica de cada uma; os alumnos da nossa raça parecem incapazes de tão ampla distribuição da attenção.

É o que mostra a experiencia da Italia e da Hespanha e o que está patenteando a debandada dos alumnos de instrucção secundaria no nosso paiz.

Sou ecclosiastico e amo a lingua latina; mas quando examino o plano da actual lei de ensino secundario e se me deparam sete annos de latim, com aulas quasi diarias, não posso occultar que reputo esta exigencia um dislate com pretensões pedagogicas dignas de outras eras. Sete annos de latim é latim de mais. (Apoiados.)

Quem examinar os programmas da reforma e os comparar com o numero de disciplinas que a lei impõe ás creanças em cada anno, sente-se horrorisado, e fatalmente ha de ajuizar, ou que a reforma foi adrede feita para aniquilar a instrucção publica, e n´este caso entrou como elemento no plano de política absolutista, desenvolvido pelo gabinete anterior, ou que os reformadores foram servidos pela mais deploravel ignorancia das verdadeiras bases, em que deve assentar uma reforma de ensino para o nosso paiz.

Obrigar uma creança de doze annos á assimilação das materias indicadas nas nove disciplinas do terceiro anno, é esgotar completamente as energias intellectuaes da creança, é cretinisal-a, é praticar um crime revoltante. (Apoiados.)

Leiam esses programmas das nove disciplinas do terceiro anno, portuguez, latim, francez, allemão, geographia, historia, mathematica, desenho e sciencias naturaes, comprehendendo a zoologia e a botanica, e depois de lerem consultem a sua consciencia e a sua experiencia e digam se ha cerebro infantil capaz de em oito mezes assimilar tudo aquillo, e se não é de recear que as creanças, tomando a serio o seu papel de estudantes, fiquem idiotas em poucos mezes. (Apoiados.)

Sr. presidente, não discutirei agora as virtudes e mais partes Attribuidas aos decantados processos de methodo decretados pela reforma; se quizera apreciar este ponto, aliás importantissimo, da reforma, diria que até na applicação de um optimo principio o reformador exagerou por tal fórma que, se as mas instrucções fossem seguidas á risca, produziriam n´algumas disciplinas os mais lamentaveis resultados.

Os processos pedagogicos são hoje objecto de largos estudos e acaloradas discussões.

O denominado methodo intuitivo tem valor até certa idade e em certas disciplinas; levado ao exagero do exclusivismo inhabilita as intelligencias para as elevadas abstractas o generalisações, que constituem as mais intensas aspirações da sciencia.

À intelligencia dos alumnos deve ser guiada com muita prudencia e segurança desde os primeiros ensaios da intuição até aos mais arrojados vôos da synthese reflexa e da abstracção.

Cada processo de methodo tem a sua opportunidade, e no reconhecimento e applicação d´esta é que está a halibilidade do reformador e do pedagogista. (Apoiados.)

Ora, a reforma actual nutre a pretensão de generalisar os processos do methodo intuitivo, o que reputo um imperdoavel e gravissimo erro. (Apoiados.)

Nem todas as sciencias se prestam a ser ensinadas vantajosamente pelos processos do methodo intuitivo exclusivo.

Sr. presidente, a reforma, a que venho alludindo, produziu uma unica e singularissima originalidade, impondo ao ensino secundario o mesmo livro para cada disciplina.

Não ha legislação alguma que prescreva o livro unico; n´isto foi o nosso legislador verdadeiramente original.

E que desastrada originalidade!

Resuscita-se o affrontoso e esterilisador processo do ipse dixit; reduz-se o professor a machina e o estudante a papagaio.

Ao professor impõe-se o livro unico e ameaça-se com as mais atrozes penalidades, como a demissão, se deslisar um apice do texto do livro.

O estudante é obrigado a estudar o livro e, em o tendo decorado, asseguro-se-lhe a approvação e o diploma de sabio na respectiva disciplina.

O professor não póde sair do texto adoptado, nem rejeitar a sua doutrina; nem póde interrogar senão sobre o que está no livro.

O estudante em decorando o livro é um alumno distincto.

É um systema algo parecido com o do mahometismo na propagação da sua doutrina.

Se o livro unico não é o koran dos mussulmanos da instrucção publica, então não sei o que seja, nem para que sirva... (Apoiados.)

Ha uma flagrante contradicção n´esta reforma; ao passo que parece fiar tudo do professor, como verdadeiro agente do ensino que é e deve ser, maniata-o completamente impedindo as suas iniciativas, tolhendo-lhe inteiramente a acção, pois o reduz a mero leitor do texto, podendo mesmo ser substituido por um phonographo com manifestas vantagens para o orçamento das despezas com a instrucção...

Sempre tive para mim que todo o ensino deve principalmente visar a desenvolver a intelligencia dos alumnos, a estimular lhes as espontaneidades, a guiar os alumnos a pensar, reflectir, raciocinar, apreciar, discutir, n´uma palavra, a assimilar conscientemente o que lêem, o que ouvem, o que observam, etc. (Apoiados.)

O ensino decretado pela reforma visa, ao que parece, a enriquecer a memoria, atrophiando a percepção.

Tal systema é absurdo; se é propositado, é um crime revoltante, porque tende a amesquinhar a dignidade humana, a converter os cidadãos illustrados no rebanho de Panurgio.

O livro unico póde effectivamente servir fins politicos detestaveis.

Os philosophos e historiadores teutonicos prepararam desde os fins do seculo passado o espirito nacional e a grandeza da Allemanha actual; mas nunca n´esta grande nacionalidade houve o livro unico.

Talvez os nossos reformadores, tendo na Allemanha o exemplo da influencia do ensino na formação do espirito