SESSÃO NOCTURNA N.º 63 DE 10 DE MAIO DE 1898 1173
publico, da consciencia nacional, e tendo entre nós, em tempos idos, o exemplo da disciplinação dos espíritos e dos caracteres pelo ensino publico, em ordem ao absolutismo, pretendessem fazer um ensaio em prol do ideal cezarista.
O livro unico pôde servir intuitos reservados até mesmo na esphera dos interesses privados.
Foi instituido o livro unico sob color de extinguir uns suppostos monopolios de livros.
E com tal pretexto o estado creou para si, ou não sei bem para quem, o verdadeiro monopolio dos livros de ensino secundario,-monopolio que já deu brado em matéria de escandalos, monumentaes, e que dá largo pasto á maledicencia publica.
O que se diz, o que se conta, á bôca cheia, é espantoso.
Os livros do ensino secundario custam agora o triplo e o quadruplo do que custavam antes da instituição do actual monopolio e são, em geral, peiores; mas que importa isso comtanto que as bolsas de certos protegidos mearem?
Tão precipitadamente se tem procedido no assumpto dos livros, que se tem fornecido amplissimo ensejo para ser abocanhada cruelmente a dignidade de funccionarios, que devem estar ao abrigo de taes vicissitudes, para honra das instituições a de todos. (Apoiados.)
O livro unico serve tambem para perseguir e vexar os professores, que se não amoldam completa e subservientemente ás vontades dos mandões da instrucção publica.
Ainda ha pouco li no Diario do governo uma portaria declaratoria da injustiça de uma queixa apresentada por um professor do Porto contra o distinctissimo professor do lyceu de Lisboa, sr. Pedro Monteiro.
Deprehende-se da portaria, e é publico, que um professor portuense se queixou ao governo de que o sr. Pedro Monteiro não preleccionava philosophia pelo koran oficialmente adoptado, de que é auctor o alludido professor; mas preleccionava pelo compendio de que o sr. Pedro Monteiro é auctor, e auctor tão altamente cotado e apreciado.
Provou-se pela syndicancia, a que o governo mandou proceder, que a queixa era falsa, como logo viram todos os que conhecem o caracter e a superior correcção e illustração do sr. Pedro Monteiro.
Mas o que ha a notar especialmente é o vexame exercido n´um professor tão talentoso, tão justamente considerado e tão cumpridor dos seus deveres; é a delicada situação moral, em que a syndicancia collocou o sr. Pedro Monteiro perante os seus discipulos, expondo a sua auctoridade e o seu prestigio por todos reconhecido e acatado a suspeições e desapreços.
E isto porque? Porque o auctor do koran da philosophia, mal informado, viu o seu feliz monopolio e os seus interesses ameaçados. É isto toleravel? (Apoiados.)
Não entro na apreciação dos livros adoptados e impostos; conheço alguns e posso affiançar que são pessimos; se os adoptados antes da reforma não eram bons, os actuaes são geralmente peiores.
E, o que mais escandalisa, os livros são carissimos. Para cada anno ou classe de cada disciplina publicam os auctores um fasciculo; sommados as importancias de cada fasciculo, os livros sáem por um preço exorbitante.
É caso de se dizer: caro e mau... (Apoiados.)
Sr. presidente, sinto-me assás fatigado;
Estou convalescendo de uma grave enfermidade e por isso é-me impossivel levar mais longe, como tanto desejava, as minhas observações.
Não quero, porém, sentar-me sem declarar que não venho aqui advogar os interesses nem os intuitos de ninguem.
Fallo como sei e como posso em nome dos interesses publicos, e em nome das minhas convicções, exprimindo-as sem rebuço, como costumo e como é meu feitio.
Não fallo em nome do gremio do professorado livre, nem do professorado official.
Hoje não sou professor particular nem official; fui professor de ensino privado quasi desde a infancia, e devo principalmente a essa profissão o pouco ou nada que sou.
Fui professor official; exonerou-me de tão nobre missão uma politica reles e mesquinha, acanhada nos intuitos e covarde nos processos. Posso recordar a minha exoneração sem desdouro para mim. (Apoiados.)
Não fui exonerado por incapacidade, nem por outro motivo deslustroso; (Apoiados.) se na minha exoneração houve desdouro, não foi certamente para mim. (Apoiados.)
Não defendo, pois, aqui os interesses de ninguem; defendo os interesses do meu paiz, os da justiça e da instrucção publica. (Apoiados.)
Entendo que a reforma da instrucção secundaria, decretada pelo gabinete regenerador, precisa de profundissimas modificações para se tornar viavel e benefica.
O unico argumento que tenho visto aduzir para manter inalteravel a reforma é este: a experiencia é ainda pouca. A reforma só vigora ha tres annos; não póde ainda a experiencia mostrar o que ella dará.
Francamente, sr. presidente, revolta-me ouvir similhante sophisma.
Pois então a instrucção publica é materia para ensaios e experiencias?
Pois os absurdos que enxameiam na reforma precisam ser patenteados com experiencias? (Apoiados.)
Ha na reforma paradoxos e dislates de tal ordem, que não é mister aguardar os resultados da experiencia nem dos ensaios para os reconhecer.
E se o reconhecimento é facil, porque não se expungem desde já? (Apoiados.)
Parece incrivel que a reforma não tenha já sido modificada; pois que muitos inconvenientes são manifestos e os prejuizos são já palpaveis e irremediaveis.
Os aluamos de classe nada sabem, e são tão poucos que bem se lhes póde applicar o conhecido verso do mantuano: rari nantes in gurgite vasto..
O proprio lyceu de Lisboa está quasi abandonado, apesar dos diligencias, da dedicação e bons officios do illustradissimo e talentoso reitor, que leva a sua devoção pelo aproveitamento e educação dos alumnos até ao fanatismo. (Apoiados.)
Apesar dos trabalhos do distinctissimo reitor do lyceu de Lisboa, os aluamos de classe estão atrazadissimos. Nomeiem uma commissão que vá verificar o estado em que se encontram os alumnos de classe, e ver-se-ha a verdade, a triste e negra verdade.
Quando isto succede no lyceu de Lisboa, onde o reitor desenvolve uma actividade extraordinaria, para onde se tem feito um recrutamento especial de professores, e para onde, como é publico, se pescam alumnos á fisga, com um afan digno de melhor emprego, o que irá por outros lyceus?
Verdade seja que os lyceus nacionaes são inuteis; servem apenas de preparatorio para os centraes.
Têem os lyceus nacionaes cinco annos de curso; nenhuma disciplina fica completamente ensinada nos cinco annos, á excepção do francez e do desenho, que se aprendem em qualquer escola industrial.
Mas, facto curioso, os collegios particulares podem professar o curso completo dos sete annos como os lyceus centraes.
De fórma que a lei concede nas mesmas localidades que ao lado dos lyceus, que para nada servem, funccionem institutos particulares onde se ministra toda a instrucção secundaria!
Muito mais se me offerecia dizer; mas o meu estado de fraqueza não m´o consente.
Mando para a mesa a representação do comicio; está.