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Discurso que devia ter logar a pag. 1084, col. 3.ª, lin. 22.ª

O sr. Pereira Garcez (sobre a ordem): — Começo por ler a minha proposta (leu).

Sr. presidente, esta proposta que vou ter a honra de mandar para a mesa, prende essencialmente com os mais graves assumptos, a cuja discussão se prestava a generalidade do orçamento, que foi votada depois de finda a sessão, sem se resolver previamente que a mesma sessão fosse prorogada, caso novo e insolito, que é preciso registar (apoiados).

Sr. presidente, esta proposta leva-nos naturalmente a encarar de novo o aspecto melancolico do deficit que se apresenta mais sombrio e carregado pelo augmento que vae ter por esta despeza, e por outras, de uma das quaes, que se eleva á importante somma de 279:621$040 réis, já o Diario do dia 4 nos deu conhecimento.

Suggere-nos portanto esta proposta, sr. presidente, novas considerações sobre a urgente necessidade de pensarmos nos meios de attenuar o deficit; desperta-nos ella, ao mesmo tempo, lembranças do passado, põe-nos diante dos olhos, ainda mais uma vez, as tendencias economicas da situação, que se revelam em palavras apenas garantidas pela idéa, symbolisada no cabimento; offerece margem para compararmos risonhas esperanças e promessas solemnes, com o facto real e positivo do adiamento de medidas salvadoras das nossas finanças, e abre assim vasto campo á discussão da questão de fazenda, que resurge inteira, para ser, como cumpre, devidamente apreciada.

Sr. presidente, a questão de fazenda é o deficit (apoiados); qualquer nova despeza, não prevista no orçamento, aggrava o deficit e o torna mais assustador; e n'esse aggravamento dá-nos mais um incentivo para instarmos por medidas que tendam a attenua-lo, e mais uma rasão para não aceitarmos adiamentos inadmissiveis, apresentando tambem novas necessidades de se compararem promessas feitas e promessas adiadas, de se combinarem precedentes que possam tranquillisar-nos sobre o futuro, de se apreciar a efficacia de remedios, garantidos pelo cabimento, e de se admittir ou não a idéa do adiamento como um desideratum aceitavel, em presença de circumstancias de tamanho risco.

Sr. presidente, eis-aqui como o deficit, cuja amarga catadura transparece em cada um dos capitulos do orçamento, exigindo de nós, cada vez mais, que examinemos a origem de que procede, e estudemos os meios de remedia-lo (apoiados); eis-aqui, sr. presidente, como o deficit que se nos depara em todos os capitulos do orçamento, renova, a cada passo, a questão de fazenda, e envolve tambem n'ella a cada passo o cabimento, o adiamento, e tantas promessas feitas e mallogradas, para se nos dizer no fim de tudo — esperae, dormi, acordareis ámanhã, e sereis salvos. (Vozes: — Muito bem.)

Sr. presidente, no grande livro que revela as vistas, as tendencias, os pensamentos, as idéas e os principios politicos, economicos e financeiros de uma situação, escreveu o governo a palavra; — esperae —. Ainda bem, sr. presidente; venha ella, venha a esperança, aceitemo-la, porque ai do homem que a não tivesse, mesmo nos transes da agonia. (Vozes: — Muito bem.)

Sr. presidente, a bondade infinita de Deus, para attenuar os males que affligem a humanidade, deu ao homem dois companheiros inseparaveis, o somno e a esperança. Disse-o o cantor da Henriada, em formossima poesia, e disse uma verdade. Felizmente ha de tudo isso para nós no orçamento: ha o somno, sr. presidente, e ha a esperança. Durmamos pois e esperemos. (Vozes: — Muito bem.)

E teremos de esperar por muito tempo ainda, sr. presidente, porque não ha de ser em janeiro de 1867, nem d'ahi a muitos janeiros que o gabinete actual ou qualquer outro poderá matar o deficit que já se eleva, segundo os calculos do sr. ministro da fazenda, a mais de 5.000:000$000 réis! Excede as forças humanas, sr. presidente, fazer milagres, e isso (especialmente pelo modo por que as cousas vão correndo) seria um verdadeiro milagre (apoiados).

Mas diz-se: «O adiamento da questão de fazenda não é a continuação do que se tem feito sempre! Será acaso um facto novo?»

Sim, é um facto novo, completamente novo, sr. presidente, segundo o que disseram os que sabem dizer as cousas, e segundo os principios que proclamaram aquelles, de quem devemos aprender as boas regras de administração publica. Os gabinetes passados, sr. presidente, pagaram uns as despezas que outros crearam, seguindo todos pelo mesmo caminho, impellidos pela febre do enthusiasmo, que se desenvolveu no paiz, e levado pela torrente que os arrastava, sem que nenhum quizesse ou podesse parar, porque parar era morrer, segundo a legenda escripta na bandeira do progresso accelerado (muitos apoiados). Mas nenhum declarou n'esta camara que estava aberto o abysmo, prestes a devorar-nos, e que tinha nas suas mãos os meios, de fecha-lo (apoiados). E quando houve um ministro que teve a ousadia e o inaudito atrevimento de apresentar n'esta camara receios de que o deficit fosse ainda maior do que se suppunha, esse caíu fulminado pelos raios da colera parlamentar (apoiados); esse, Sr. presidente, caíu e morreu! (Vozes: — Muito bem.) Disseram-lhe: «Quando um ministro da fazenda apresenta receios de que o deficit seja ainda maior do que se suppõe, deve apresentar tambem, e logo, b remedio indispensavel, se o não faz pratica um acto novo e inadmissivel»: e disseram-o, sr. presidente, a um ministro que tinha poucos dias de existencia e poucos dias tambem de tirocinio parlamentar! Pois agora que já não ha as duvidas e receios, mas a certeza de que o deficit é muito maior; agora que o deficit se apresentou elevado, não a pouco mais de 3.000:000$000 réis, mas a mais de réis 5.000:000$000, maior rasão ha ainda, sr. presidente, para que o nobre ministro da fazenda que revelou á camara e ao paiz a existencia d'esse deficit tão crescido e augmentado, apresente desde logo, segundo as suas doutrinas, os meios de extingui-lo (apoiados).

Em presença de taes circumstancias, e segundo as idéas do nobre ministro, o adiamento é pois, sr. presidente, um caso novo, novissimo; é uma perfeita novidade (apoiados).

Não tenho, sr. presidente, intuitos aggressivos; o meu fim não é censurar, accusar, ou taxar alguem de contradictorio: e podem ter os srs. ministros a certeza de que tenho por todos elles, como homens distinctos e cavalheiros respeitaveis muita estima e consideração. O meu fim é outro: não, trato de expor á camara as contradicções dos nobres ministros: não me importa isso para nada; o meu fim é pedir a execução dos principios que proclamaram quando eram opposição: tenho para isso o direito e o dever. Os principios não são variaveis á vontade dos homens; não se proclamam para terem applicação diversa, segundo os nomes dos individuos que se sentam n'aquellas cadeiras (apoiados). Os principios estabelecem regras fixas, sempre as mesmas e sempre iguaes para todos. Os principios são immutaveis, porque são eternos (apoiados).

A opposição habilita-se para subir aos bancos do poder pelos principios que constituem o programma do seu partido. Deve traduzi-los em factos quando consegue alcançar os fins a que aspirava. Se não for para isso, então não sei para que póde servir a organisação dos partidos, e quaes as vantagens que resultam das frequentes mudanças ministeriaes, a que dá origem o systema parlamentar.

Sr. presidente, na minha humilde opinião o orçamento não é um grande livro de grandes pensamentos. São cousas bonitas estas que se dizem para produzirem effeito, e que é um erro dize-las, porque se prestam a observações criticas, quando chega a hora da analyse, quando chega a hora de se comparar o que se diz e o que se faz (Vozes: — Muito bem); por isso, sr. presidente, a linguagem official deve ser séria e grave, significando apenas o que póde significar no campo das cousas positivas, que é o campo aonde se move a machina governamental. (Vozes: — Muito bem.)

Sr. presidente, o orçamento é a cousa mais prosaica do mundo; é apenas uma lei que contém muitos capitulos e muitos artigos, comprehendendo todos algarismos mais ou menos numerosos. O orçamento é apenas uma lei que comprehende duas extensas listas de receitas e despezas, legalmente auctorisadas. Não ha ahi poesia de pensamentos e idéas, e só revela, o estado financeiro do paiz.

O governo, sr. presidente, não póde, ainda que o queira, deixar de incluir no orçamento todas as receitas e despezas estabelecidas por lei, salvo, quanto ás despezas, aquellas que não estão, nem podem estar fixadas em quantias certas. D'essas póde o governo, se o julgar conveniente, e segundo as circumstancias, propor o augmento ou a diminuição: das outras não, porque o orçamento que não é uma collecção de leis organicas, não se presta a estatuir reformas no systema tributario, ou no exercicio das funcções publicas. Isso só se póde fazer por leis especiaes (apoiados).

Mas se o governo tem de confeccionar o orçamento em vista das receitas e despezas auctorisadas, e se ao mesmo tempo reconhece a urgente necessidade de reformas, e tem a este respeito idéas fixas, um pensamento solido, um plano assentado; se meditou, concebeu e formulou sobre a materia um systema mais ou menos completo, mas proficuo e realisavel, e se estudou devidamente os meios de executa-lo, póde e deve, sr. presidente, acompanhar o orçamento de propostas de lei, traduzindo em factos o plano que concebeu, declarando no relatorio do mesmo orçamento qual será o resultado d'essas propostas no sentido de attenuar ou extinguir o deficit (apoiados). É esta a maneira de se tratar da organisação da fazenda no acto da apresentação do orçamento; não me parece que possa haver outra (apoiados).

Agora, sr. presidente, se a situação actual que dirige os negocios publicos ha já sete mezes, e que subiu ás regiões do poder completamente preparada, depois de seis annos de lufa constante, tenaz e infatigavel com todas as administrações passadas, combatendo todos os actos dos seus adversarios, censurando os seus erros, especialmente os que tendiam a levar a confusão, a desordem e a ruina ás finanças do paiz, e declarando possuir os meios de curar os males a que esses erros davam origem: se a situação actual, composta de tão altas capacidades, depois de tão longo tirocinio e tão largo estudo, com perfeito conhecimento da questão financeira, que pôde apreciar detidamente em todas as suas relações, e que encontrou uma epocha felicissima, unica e excepcional de profunda paz e geral benevolencia, successão natural das procellas parlamentares e das violentas crises que o paiz teve de presencear ultimamente: se o gabinete actual, digo, que alem de todas estas vantagens, tem o apoio firme e seguro de uma maioria compacta e numerosa, dedicada ás pessoas e aos principios dos srs. ministros, tendo apenas contra si uma opposição sem chefe, completamente indisciplinada, uma opposição constitucional e conscienciosa, que não combate por systema, no intuito de embaraçar a marcha regular da administração, e cujos membros votam diversamente, mesmo em questões que se levantam n'esta camara, tendentes a censurar, posto que de um modo indirecto, algum acto ministerial, o que prova cabalmente que só obedecem ás inspirações da consciencia (muitos apoiados), havendo entre todos um só ponto de contacto em que se nota a mais completa uniformidade, isto é, na maneira cortez, decente, séria e digna