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Discurso proferido pelo sr. ministro do reino na sessão de 28 de março ultimo, e que devia ter logar a pag. 945, col. 3.º lin. 13.º do Diario n.° 72.

O sr. Ministro do Reino (Mártens Ferrão): — Sinto não ver presente o illustre deputado a quem tenho de responder; mas como de certo não vou dizer cousa que possa offende-lo, a camara permittir-me-ha que eu siga na ordem das reflexões, que fazia tenção de apresentar, os apontamentos que tomei do discurso do sr. deputado.

Não creia a camara que eu, n'uma discussão d'esta importancia, em que as paixões politicas na minha opinião devem ser afastadas, ponho de parte a rasão fria e me lance no campo da declamação, retribuindo por igual ao illustre deputado que se referiu a mim, ás minhas intenções e ao trabalho que apresentei, de certo com pouco favor!

O systema de declamar póde servir quando faltam rasões, mas quando ellas sobejam, quando ha argumentos, quando ha doutrinas, a declamação serve só de prejudicar o fundo, de desviar as attenções, de transviar o espirito.

Não creia a camara, e não receie que a propagação das doutrinas que se encontram no projecto que está submettido á discussão do parlamento, possa trazer perigo para a liberdade (apoiados).

A liberdade esta muito radicada entre nós. O systema representativo tem lançado profundas raizes; e nem com outra ordem de doutrinas que por vezes tenho aqui combatido, em que o systema parlamentar foi abatido, nem com essas doutrinas foi elle abalado. Não receie a camara pelas liberdades publicas, nem pense que podem haver intenções, projectos, discursos que a ponham em perigo ou lhe minem a existencia, por que não a tem podido abalar as doutrinas com que por mais de uma vez quizeram cercear as suas attribuições; reduzir o parlamento ao unico mister de fazer leis; negar-lhe a faculdade de superintender sobre os actos do executivo; e julga-lo estranho ou indifferente ás tentativas illegaes para arrancar o mandato aos eleitos do povo. Eu, sr. presidente, combati aqui sempre essas idéas. Se o illustre deputado as combateu ou sustentou não o direi eu, mas sim os registos parlamentares!

Se o systema representativo tivesse de perigar pelas doutrinas que se acham consignadas n'este projecto, já teria perecido ha muito quando Ratazzi e Cavour na sua lei de 1859 consignaram exactamente as mesmas disposições que

hontem aqui foram alcunhadas de liberticidas pelo illustre deputado (apoiados).

Se fosse possivel que a propagação d'essas doutrinas trouxesse perigo para a liberdade, ha muito teria ella desapparecido da Belgica, onde as mesmas disposiçoes se encontram nas leis organicas da sua administração; e estão ali em vigor desde 1835!

Se fosse possivel que a generalisação dos principios que se encontram n'esta proposta de lei, trouxesse perigo para a liberdade, tambem se teria illudido a imprensa liberal franceza, e especialmente os srs. Julio Simon e Julio Fabre, quando applaudiram as propostas de lei de 1865 relativas aos concelhos provinciaes, e aos concelhos communaes, onde se encontram as disposições e as doutrinas, que ao sr. deputado pareceram oppresivas da liberdade!

Eu hei de provar em vista da legislação das nações a que me tenho referido, que todas as disposições a que se referiu o illustre deputado que me precedeu, considerando-as como perigosas para a liberdade, se acham consignadas n'essas leis que se podem considerar como typo dos verdadeiros principios de administração em harmonia com as theorias mais largas de liberdade (apoiados).

E não estamos no baixo imperio como pareceu ao illustre orador por que vimos discutir, não em theoria, mas na pratica as questões de descentralisação.

Não estamos no baixo imperio, porque então estaria no baixo imperio toda a Europa onde estas questões estão sendo ventiladas na theoria, e na pratica, passando a serem consignadas em leis em quasi todos os paizes livres que cuidam da sua administração.

Não é um anachronismo querer reformar entre nós agora a administração, quando modernamente a administração publica tem passado por successivas reformas na Belgica, na Italia, na França, na Hollanda, e até na Prussia pela ultima lei de 1862?

Não é ir para o baixo imperio, não é discutir uma these esteril, é sim tratar de um assumpto grave e importante que tem merecido o cuidado e a solicitude de todos os governos que se têem succedido desde, 1834 até á actualidade. As reformas de 1835, o codigo de 1836, as leis de 1840, o codigo de 1842, e successivamente depois muitas outras auctorisações dadas aos diversos governos para tratar, já da divisão administrativa, já da reforma dos principios de administração, finalmente os projectos da situação politica que pouco tempo antecedeu a esta, tudo attesta que a questão da administração civil tem preoccupado os governos e os homens publicos, e que foi hontem de certo a primeira vez que aqui se ouviu proclamar que isso era uma these esteril, e que o paiz não carecia de remodelar a sua administração! (Apoiados.)

Sr. presidente, todos os governos têem entendido que era necessario e urgente acompanhar na administração a marcha successiva das idéas, e não parar e dizer: temos leis... não estão a par das necessidades e urgencia da actualidade, é certo, mas isso que importa?... basta ter leis.

Não são só os exemplos que apontei, é mais ainda, é o illustre deputado que me precedeu no debate, que veiu contradizer as suas idéas de ha um anno.

Pois s. ex.ª não se apresentou n'esta casa em 1865, não fez um discurso de programma de governo em que percorreu as diversas provincias de administração, e referindo-se ao ministerio do reino, não exhibiu o seu programma, mas programma, para quando? Para uma epocha muito longiqua, não por certo, programma para a actualidade de então.

E em que consistiu esse programma? Na extincção dos subsidios aos theatros, e na suppressão de alguns districtos administrativos? Esta registado nos annaes parlamentares? (Apoiados.) E ainda, ha poucos dias s. ex.ª se levantou n'esta casa e disse: «E preciso que quando se combate uma proposta do lei qualquer, se substituam as idéas que o deputado entende que devam prevalecer, como eu fiz em 1865». E quereria o illustre deputado então tratar da suppressão de districtos, não sei se hoje tem a mesma opinião, sem tratar da reforma da administração? Não o julgo possivel, porque isso seria absurdo.

A questão da suppressão de districtos liga-se com a questão da divisão administrativa em todas as suas escalas, e liga-se igualmente com a questão das concessões ás localidades na ordem de toda a administração civil.

Como é pois que se julga inutil e extemporanea na actualidade a discussão d'este assumpto, e se julgava urgente em 1865? Como é que se julga inconveniente que o governo attendendo especialmente a um ponto tão importante, se preparasse com muitos esclarecimentos, que as successivas administrações procuraram colligir para a resolução d'esta questão, e viesse ao parlamento trazer o fructo dos seus trabalhos e dos seus estudos, para que este na sua sabedoria o apreciasse e emendasse como entendesse conveniente, e dotasse o paiz com uma lei que satisfizesse as necessidades da actualidade? As necessidades da actualidade não são as de 1842. Não venho fazer censura ás leis de 1842, nem trato agora de as apreciar; mas a verdade é que ellas hoje não podem satisfazer ás condições em que se acha o paiz.

Naquella epocha predominava na Europa uma outra ordem de idéas administrativas, e essas foram seguidas no codigo de 1842. O partido que em diversos paizes combateu essa ordem de idéas, combateu-as tambem em Portugal, e reclamou constantemente a reforma daquelle codigo.

Mas não é só essa circumstancia, são tambem as condições do paiz que variaram successiva e consideravelmente; hoje ha outra ordem de exigencias economicas e administrativas a que é preciso attender, se não quizermos deixar successiva e pausadamente esterilisar as localidades á falta de recursos que as habilitem para se poderem desenvolver.

Mas não era opportuno na actualidade tratar da questão

de administração!... Não era opportuno começar o governo ha seis mezes a empregar-se no estudo das questões administrativas!... Não era opportuno porque? Porque havia de apparecer uma lei de consumo, e porque se haviam de fazer alguns meetings no paiz!

Se assim é, não era tambem opportuno em 1835 quando Rodrigo da Fonseca Magalhães propunha as bases para a reforma da administração; não era opportuno em 1836 quando Passos Manuel decretava o codigo administrativo: Mas não é opportuno porque circumstancias especiaes actuam na indole do paiz para que não possa tratar-se da sua administração?

Acaso estamos nós nas vesperas de algum grande cataclysmo? Pois não disfructâmos de tranquillidade imperturbável ha dezeseis annos? (Apoiados.) Pois receia alguem que essa tranquillidade seja profundamente abalada em um paiz que sabe as vantagens que tem gosado da paz e que conhece os encargos que lhe acarretariam o lançar-se no caminho da desordem? (Apoiados.)

Não venhamos ao parlamento pintar com tão feias cores o estado, porque todos nós conhecemos que não corresponde a esse quadro.

Tambem em 1856 se assignaram muitas petições, tambem se fizeram muitas reuniões contra medidas apresentadas pela situação que então se achava á frente dos negocios publicos, e a paz não foi alterada; e dois ou tres mezes depois, parte d'essas medidas e aquellas contra que mais se tinha trabalhado, estavam convertidas em leis em a mais minima perturbação da ordem publica.

Tambem em 1860, na epocha de uma grande reforma tributaria, se notou uma certa agitação nos povos, mas agitação toda factícia, sem fundamento e sem base; porque desappareceu assim que as questões deixaram de estar na téla da discussão. As reformas fizeram-se e as resistencias foram quasi nenhumas.'

Direi mais: póde Portugal ser dado como exemplo, porque em frente de reformas d'aquella ordem foi talvez o paiz que offereceu menos resistencia. Pois não sabem todos as resistencias que se levantaram na Belgica em 1860 contra a lei de consumo, que affectava consideravelmente a organisação da fazenda municipal? Todos que conhecem a historia contemporanea o sabem. Mas nem por isso se julgou inopportuna aquella lei. A lei estabeleceu-se e vigora em toda a Belgica, apesar de ter não poucos defeitos.

D'onde nasce a opportunidade e a necessidade de tratar de uma reforma de administração? Nasce das condições do paiz.

Nós temos uma representação nacional assente sobre bases completamente differentes das da representação districtal; da representação politica. A eleição indirecta desappareceu ha muito porque não se julgou util, porque se entendeu que não era o meio conveniente de representar a genuina opinião do paiz. Mas no districto subsiste ainda esse systema, que não é o systema politico do paiz. O parlamento districtal é de eleição indirecta, e a representação nacional é por eleição directa. Eis-aqui uma rasão importante para não adiar por mais tempo a reforma da administração.

Mas não é só isso, são as condições da viação publica, que todos os annos melhoram, se modificam, e que habilitam o paiz a estabelecer agrupamentos mais importantes de população, porque sem essa condição é impossivel um bom systema de administração local.

Eu ouvi, com pasmo, dizer-se, que a creação de mais largas áreas administrativas era a morte da. liberdade local, era a extincção da municipalidade; e olhava para o relatorio de Passos Manuel em 1836, e encontrava o seguinte:

«Assim, diz elle, a reducção dos circulos municipaes era indispensavel para que o novo systema administrativo aperfeiçoado não caísse em descredito, e fosse devorado pelas fúrias da centralisação e despotismo.

«Com o seu decreto de 6 de novembro ultimo, sobre a divisão do territorio, Vossa Magestade consummou essa grande obra; a operação da suppressão e mutilação dos concelhos era dolorosa; mas d'ella dependia a consolidação do systema administrativo, e Vossa Magestade, vendo que essa operação era necessaria, ousadamente a emprehendeu, esperando que o tempo aperfeiçoaria trabalhos, que ainda que uteis não se podiam nem espaçar, nem agora aperfeiçoar.»

Aqui tem a camara como Passos Manuel entendia esta questão muitos annos antes da epocha em que nos encontrâmos. Eis aqui como elle a entendeu não só theorica mas praticamente, supprimindo alguns centos de concelhos. Successivamente todos os poderes constituidos d'este paiz. têem entendido a necessidade de alargar mais a area para a representação local, formar maiores grupos de população, e dar-lhes, por consequencia, maior numero de attribuições. N'este pensamento, a reforma das leis de administração é successiva, é de todos os dias, é de todas as epochas á proporção que a população cresce, que os povos se approximam, que as vias de communicação estreitam e ligam povo a povo, parochia a parochia, municipio a municipio (apoiados).

E a necessidade do desenvolvimento local?

Pois quem ha que não reconheça que o desenvolvimento local cria a vida local e é hoje a primeira necessidade do paiz?

Mas como quer a camara que a vida local se desenvolva na parochia que hoje nem entidade administrativa é, e que chegou a oscillar até 50 fogos e menos ainda; que se desenvolva no municipio que não póde levantar por attribuição propria nem um real; no pequeno municipio, que vê uma grande parte dos seus exiguos proventos consumidos, absorvidos pelas despezas do pessoal? Esse systema traz a