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estabelecer, e que até certo ponto excitariam o augmento da confiança publica? Os capitalistas teriam de certo muito mais confiança no governo, se desde as suas primeiras operações elle tivesse, manifestado a tendencia para fixar a divida fluctuante, para, a representar devidamente e para não permittir que ella subisse alem de certos limites.
Tudo isto é possivel, mas tudo isto não se fez. Não vejam n'estas palavras uma accusação ao nobre ministro da fazenda. Ainda espero que algum dia o nobre ministro, que é muito novo, poderá empregar a sua actividade nos commettimentos que a sua alta intelligencia lhe dictar. Agora não póde ser. Fiquem todos certos d'isto: agora não póde ser.
Não indago as causas não procuro saber quaes ellas foram. O facto para mim é que, reconhecida a capacidade do individuo, reconhecida a sua aptidão para conceber idéas e pô-las por obra, é necessario reconhecer tambem que obstaculos invenciveis impediram que realisasse os seus desejos. Será para outra vez; que não os venceu, nem os vence, agora, de certo, todos nós o sabemos.
Desamortisa os passaes, desamortisa os bens das corporações e dos estabelecimentos de instrucção publica, realisa mais ou menos perfeitamente esta operação que esta aqui, se a camara quizer votar o projecto; mas a divida fluctuante ha de ser teimosa, ha de ficar como era (apoiados). A divida fluctuante ha de existir sempre. A divida fluctuante é uma necessidade. A divida fluctuante é a representação da receita do anno. O governo tem uns certos encargos para o anno todo, encargos de todos os dias, e a receita verifica-se durante o exercicio inteiro, durante vinte e quatro mezes. O governo no principio do anno precisa estar habilitado com umas certas sommas, e para se habilitar a representar a receita da maneira que pareça mais regular, eu quereria que, por exemplo, o fizesse por bilhetes admissiveis no pagamento dos direitos de alfandega, no pagamento dos impostos directos, etc... O que acontece é que o governo realisa adiantamento com pequeno juro, e não falta aos seus pagamentos. É um expediente que póde ser aceito, que póde ser indicado e que foi até indicado pela commissão financeira externa nomeada pelo ministerio transacto, como se vê do seu relatorio publicado no Diario de 4 do passado, que tenho presente.
Vejamos pois se acaso será possivel uma modificação n'este projecto, de modo que elle fique sendo uma providencia puramente economica, perdendo o caracter de expediente financeiro. Vejamos, dizia eu, se não se póde fazer... retiro a expressão. Não vou indagar isso, não vou procurar isso, não o devo fazer, porque seria perfeitamente inutil. Deixemos tudo á acção do tempo; é melhor deixar á acção do tempo. Não procuro mais, até não convem procurar; eu entendo que não convem procurar.
Parece-me que é mais prudente restringir até as considerações que eu desejava fazer, porque os dias succedem-se uns aos outros, e são bem diversos n'estas nossas regiões politicas.
-Hontem não é hoje—. O dia de ámanhã poderá ser bem diverso do de hoje. O que n'um certo momento podia ser conveniente e proprio, em outro momento talvez não convenha: as circumstancias talvez de hontem para hoje mudassem.
Parece-me mais conveniente tratar especialmente da minha questão previa, porque tenho empenho em mostrar que ella é realmente necessaria. Não quero que se supponha que eu pretendo abusar d'estes expedientes parlamentares, que são vulgarissimos nas camaras; desejava ainda provar que realmente não me tinha servido d'isso para usar da palavra.
Digo que a minha questão previa é verdadeiramente uma pergunta importante.
«Se o § unico do artigo 2.° importa um voto do confiança dado ao governo, com o qual se alteram as disposições do artigo da lei da receita, relativo á dotação da junta do credito publico, e a regra estabelecida pelo artigo 2.° da lei de 16 de maio de 1866?»
Para fundamentar estas considerações tenho necessidade de citar alguns artigos de differentes leis, e ainda que estas citações são sempre fastidiosas, espero que a camara as desculpará, sabendo que não serão muitas. O artigo 2.° da lei de 16 de maio de 1866, diz o seguinte:
«Quando as circumstancias exigirem a emissão de novos titulos de divida publica, as propostas de lei, em que se propozer a creação de novos titulos de divida fundada interna ou externa indicarão a receita nova equivalente ao encargo da dotação dos mesmos titulos.»
Esta proposta de lei auctorisa o governo a crear e emittir novos titulos, mandando que lhes corresponda receita nova. Onde esta a receita nova que o governo creou?
O governo é, pelo projecto de lei que discutimos, auctorisado a dotar a junta do credito publico. Mas o que significa isto?
Peço a attenção da camara para este facto, porque me parece que temos andado n'um caminho errado.
É necessario que olhemos para a lei e vejamos o que é dotar a junta do credito publico. Estas dotações são feitas por lei. Quem dota a junta é a camara, porque se ella auctorisa o governo a dotar a junta, é a camara que delega no governo. Mas como quando se dota a junta ha de haver receita nova, a camara delega no governo a faculdade de crear impostos, visto que o incumbe de crear nova receita (apoiados).
Sendo assim, parece-me que a camara não quererá levar tão longe o seu voto de confiança.
Aqui nao ha nenhum sophisma, aqui ha lei clarissima.
Repito, a lei diz: «Quando houver emissão nova, ha de haver nova receita.» E não póde deixar de ser assim. Se continuássemos no caminho que até aqui temos seguido, as consequencias não poderiam deixar de ser terriveis (apoiados).
Noto á camara que ha uma quantidade enorme de projectos, tendo quasi todos um artigo commum: «É auctorisado o governo a crear e emittir mais ou menos titulos de divida publica.» Para se, effectuar o negocio dota-se a junta; e como se dota a junta? Vae-se ao rendimento da alfandega, ou a outro qualquer rendimento já conhecido, e extrahe-se uma parte para dotar a junta, quer dizer: não se cria receita nova, faz-se uma derivação da receita velha!
Se em logar de termos deficit, tivessemos um excesso de receita, applicava-se esse excesso para dotar a junta; mas temos deficit e por consequencia fica mais aggravado todas as vezes que auctorisâmos a emissão de mais inscripções (apoiados).
Portanto já se vê que temos andado n'um caminho errado.
Depois da lei de 16 de maio de 1866, veiu a de 16 de junho do mesmo anno que suspendeu aquella até ao fim de junho de 1867; quer dizer portanto que só para as inscripções, creadas depois de 1 de julho de 1867, é que foi necessario crear receita nova, porque todas as outras estavam ao abrigo da lei. Por exemplo, as inscripções creadas para o emprestimo de 3.500:000$000 réis não tiveram receita nova, porque a proposta para esse emprestimo"foi apresentado antes de 1 de julho de 1867. A lei é de 1 de julho, mas as propostas foram apresentadas anteriormente, e por este motivo não foi necessario crear nova receita. Não era applicavel, n'este caso, o artigo 2.° da lei de 16 de maio de 1866.
Mas, no caso presente, a lei é applicavel. Ha emissão de titulos? É preciso crear nova receita. Querem delegar no governo para a dotação da junta? Deleguem tambem n'elle para a creação de nova receita. Isto é de primeira intuição.
A camara não póde votar um projecto qualquer que permitta a emissão de novos titulos sem crear nova receita para pagar os respectivos juros, cumprindo a lei de 16 de maio de 1866.
Esta lei determina que sempre que haja de se emittir novos titulos se crie logo receita nova para occorrer aos respectivos encargos. Póde a camara votar a emissão de novos titulos sem a creação de nova receita? Não póde de fórma alguma. Póde revogar a lei de 16 de maio de 1866, póde mesmo suspende-la como já o esteve pela lei de 16 de junho de 1866, que suspendeu a lei de 16 de maio de 1866 até ao dia 30 de junho de 1867; procedendo assim, procede regularmente; de outro modo vae de encontro á lei. A camara é obrigada a dar exemplo do cumprimento da lei.
A carta de lei de 16 de junho de 1866, no § 3.° do artigo 1.°, diz que = o governo proporá ás côrtes, na proxima sessão legislativa, a creação de receitas que forem necessarias para pagar os juros dos titulos creados em virtude da auctorisação concedida na mesma lei para o levantamento de um emprestimo de 6.300:000$000 réis =.
Portanto a condição de crear nova receita, sempre que houver novas emissões de titulos de divida publica, esta estatuída, e é preciso satisfaze-la.
Diz o regulamento geral de contabilidade publica que — para a applicação dos fundos destinados á despeza da junta do credito publico receberá ella das estações competentes as sommas que lhe forem annualmente votadas pelo orçamento =.
Quer dizer que a junta não é dotada pelo governo. Não é o governo que dota a junta, é o parlamento.
A camara delega no governo para dotar a junta, mas auctorisa a dotação, creando as receitas sufficientes para pagamento dos juros, e vota agora a nova receita, creando novos impostos.
N'este caso um voto de confiança tem menos perigos. No caso contrario é demasiadamente larga a auctorisação, que eu não dou a governo nenhum por mais que o estime.
E necessario fixarmos bem claramente a nossa posição. Não se póde permittir a emissão de titulos de divida publica senão creando receitas novas, e não podemos crear receitas novas sem crearmos novos impostos. Não nos Aludamos.
A lei que determinou um limite á emissão de novos titulos, mas que não póde ser exequivel n'aquelle tempo, nasceu de um pensamento louvavel. Façamos justiça a todos. O que se quiz foi conseguir que as emissões não fossem desordenadas, que não viessemos a caír n'aquelle desvario das emissões do papel moeda, aceitando todos os pretextos para a creação de novos titulos.
Aquella lei trazia ao governo a obrigação de propor, conjunctamente com a emissão de novos titulos, a creação de nova receita para o pagamento dos encargos.
Ora, a este respeito faço eu uma simples pergunta ao sr. ministro da fazenda, e é natural que s. ex.ª me responda satisfactoriamente; a pergunta é esta: esta ou não revogada aquella lei de 16 de maio de 1866?
Mas note a camara que a dotação da junta, determinada por lei, já esta decretada para este anno.
Note a camara, que se o parlamento se fechar antes de discutir o orçamento, o governo não esta auctorisado para pagar á junta o que lhe deve pagar. Chamo a attenção do governo para este ponto.
Para 1868-1869 esta proposta pelo governo na lei da despeza a quantia de 7.961:000$000 réis.
Ora, figuremos duas hypotheses.
Supponhamos que a camara sente calor, e que chegado um certo momento não póde continuar a funccionar, e que o orçamento não se discute.
Permitta-se-me que eu figure esta hypothese. Apesar do enthusiasmo com que a camara pediu a discussão do orçamento, e das sinceras manifestações de contentamento com que n'esta casa se recebeu a noticia de que elle se discutiria, peço licença para duvidar de que o orçamento se discuta.
Estão dados para a discussão quatorze ou quinze projectos de lei. Estamos a fallar n'estes assumptos até ás quatro horas, e depois vamos jantar. A camara não quer sessões nocturnas, isto é, não quer as consequencias dellas.
As commissões têem trabalhos importantes de que se occupar, e trabalham até alta noite. E não se póde exigir mais.
Quando quer a camara que se discuta o orçamento? 1 Mas, se não se discute, sabem o que acontece? O governo dispõe de 6.563:000$000 réis para a junta do credito publico, que é a quantia que lhe marca a lei de meios pela qual esta auctorisado para applicar a receita publica & despeza publica; tem de lhe entregar 7.961:000$000 réis, e portanto acha-se com a falta de 1.398:000$000 réis! Nem o governo fica auctorisado para dotar a junta do credito publico com mais esta quantia, porque o que o parlamento lhe votou foram 6.563:000$000 réis, e não 7.961:000$000 réis.
Mais uma vez portanto digo que me parece que a minha questão previa tem fundamento.
Chamo a attenção do governo para este ponto. O governo deve dar o exemplo quando se trata do cumprimento das leis. E, quando se trata da applicação dos dinheiros publicos em sommas d'esta ordem, cumpre-lhe adquirir os meios necessarios para satisfazer os encargos que d'aqui lhe resultam, para que não possa dizer-se lá fóra que não tem esses meios, que a junta do credito publico deixa de estar convenientemente dotada.
N'estas circumstancias, parece-me que não seria inconveniente que a camara empregasse alguns instantes em considerar este assumpto antes de considerar o outro, porque estão ligados um com o outro.
A lei da desamortisação exige que se emittam inscripções, e a emissão de inscripções exige a creação de receita nova. Logo, antes de se votar, convem decidir se podemos crear ou não receita nova.
Mas se nós não prescindirmos, como não devemos prescindir, - da dotação da junta do credito publico, e nos resolvermos a decreta-la ámanhã ou em outro dia, "é provavel que essa dotação seja feita por applicação de receita velha.
Eu não sou exigente, estou prompto a concordar em que derive ainda mais uma vez da receita velha uma parte para ser applicada apagar o juro das inscripções emittidas, se não tivermos outra maneira de saír da difficuldade.
Mas é preciso não abusar d'este systema.
Nem eu admitto que, apresentando o governo quinze propostas, que se diz que envolvem augmento de receita, se conte com um augmento para a dotação, porque o reputo muitas vezes duvidoso
Ora, supponhamos que se contava para uma emissão de inscripções com o augmento da receita do tabaco. Imagine a camara que os homens que fazem o negocio de tabaco, sabendo que o direito vae augmentar, arranjavam o dinheiro necessario para despachar uma grande quantidade de tabaco hoje existente na alfandega, e outra que mandassem vir e que despachassem antes da lei estar promulgada; n'esse caso pergunto, onde estava o augmento proveniente da elevação dos direitos na importação do tabaco? Em parte nenhuma (apoiados).
Olhando para as propostas do sr. ministro da fazenda eu diria aqui dentro ha muito dinheiro; póde-se emittir uma certa somma de inscripções, porque a receita correspondente para dotar a junta ha de vir do augmento da receita do tabaco; mas se os negociantes do tabaco fizerem o que já indiquei, se elles, durante que o parlamento vote a lei e até que ella seja promulgada, se fornecerem do genero necessario para o consumo do anno seguinte, aproveitando o direito baixo, o resultado é que no anno que vem o governo não recebe um real d'esta proveniencia, e desde que não tivermos dinheiro para dotar a junta, as consequencias serão, todas em prejuizo do credito publico (apoiados).
E indispensavel portanto assegurar á junta do credito, publico a sua dotação, e a sua dotação não se assegura senão pelos meios regulares, isto é, creando receita nova, mas creando-a positivamente (apoiados).
Dirão porém: «Não contámos só com o augmento da receita do tabaco; contâmos com um conjuncto de providencias que hão de produzir augmento de receita». Tambem o governo passado contou com augmentos de receita, e quem sabe se elles se poderiam realisar?
Não quero cansar a attenção da camara, mas desejava que ella se possuisse da idéa de que precisâmos absolutamente assegurar a dotação da junta, não abdicando os nossos direitos, reservando para o parlamento essa dotação, não a delegando ao governo; e que tambem precisâmos cumprir a lei de 16 de maio, isto é, crear receita nova sempre que houver nova emissão (apoiados).
Reduzo pois a minha questão previa á pergunta que já li, e peço ao governo que a tome em consideração, porque esta questão previa, não sendo apresentada, como é de uso, com o fim de produzir uma votação, exige ser attendida, se, é que não estou em erro, ao menos como uma singela pergunta a que se deve dar uma resposta.
Falta-me ainda considerar o projecto debaixo do ponto de vista financeiro, falta-me ainda ver se elle dará as vantagens que o governo espera d'elle; porém eu quero ser breve para que a camara seja sempre commigo indulgente. Não pretendo ir agora indagar quaes são os meios por que; o governo ha de realisar essa desejada operação de reduzir a divida fluctuante. Receio as operações successivas, de que resulta augmento de encargos. Não admitto que se dispense