1549
cousa alguma nos estatutos dos estabelecimentos de credito para que elles possam negociar com o governo (apoiados). Lembrem-se de 1846 e não liguem os estabelecimentos de credito com o governo (apoiados). Deixemos habilitados com os seus proprios estatutos para fazerem á vontade os seus contratos (apoiados). Não queira o governo, usando da sua força, dispensar as companhias do cumprimento dos seus estatutos; não dispensem os estabelecimentos de credito do cumprimento das leis que os regem, porque semearão assim n desordem e a desconfiança, aggravando os males que soffre a industria particular e o pequeno commercio.
Tudo isto é grave e o governo deve, a meu ver, pensar n'esta questão," porque em vez de dar garantias ao credito publico, vae prejudica-lo.
O que eu noto em tudo isto é um certo esquecimento do que esta determinado. Não teremos nós alguma lei para a amortisação da divida fluctuante? Temos uma lei. E não poderemos fazer as combinações financeiras que nos permitte a applicação d'esta lei? Note bem a camara que eu não me refiro á lei permanente, que permitte a amortisação; refiro-me á lei que permitte a successiva amortisação pela consignação de uma receita especial. "
Refiro-me tambem a uma providencia que o sr. ministro tem nas suas propostas, relativa ao pagamento dos atrazados. Esta completa a outra.
Não tem o sr. ministro entre as suas propostas, uma que se refere ás dividas antigas ao thesouro? E não estabelece ahi um meio, quanto a mim judicioso e efficaz, até certo ponto, para se obter o pagamento das dividas ao thesouro? Se ha uma somma, que não reputo muitissimo grande, mas que innegavelmente se póde realisar, não podemos nós aproveitar esta somma, applicando-a na amortisação da divida fluctuante? Não recebe o estado por conta dos exercicios findos, quantias mais ou menos importantes? A lei é clara: «As sommas que se arrecadarem por conta dos exercicios findos serão applicadas á divida fluctuante, mediante o resgate de letras.» Isto é o que diz o regulamento geral da contabilidade, e portanto, o sr. ministro da fazenda tem obrigação de cumprir esta disposição. Deve-o fazer, porque assim o manda a lei. Quaesquer que sejam as circumstancias, e apesar do deficit, é possivel sempre dar execução a esta regra, e não se imagine que um qualquer pretexto basta para que a regra se despreze.
Bem sei que se diz que temos um deficit, mas o deficit não aconselha a anarchia na administração da fazenda, nem a falta de respeito á lei. Assim como dotou a divida fundada, na junta, apesar do deficit, dotem tambem a divida fluctuante, comprehendendo dotação e juros na verba que votarem, e verão como cresce o credito, antes -da venda de qualquer dos passaes.
Se temos lei que nos permitte esta operação, porque não havemos de cumpri-la? Se essa proposta a que me refiro, reforça a verba que podemos applicar para amortisação da divida fluctuante, porque não approvaremos, porque não ampliaremos a proposta para que seja mais efficaz? Ha sempre uma verba de receita importante que vem dos exercicios findos, e esta verba deve ser applicada á amortisação da divida fluctuante.
Como disse, temos uma proposta do sr. ministro, que facilita a entrada de sommas que estão em divida, e facilita essa entrada recebendo em prestações em dinheiro, ou com o pagamento de letras.
Ora, se nós juntarmos a receita proveniente dos exercicios findos com a que provém d'esta proposta, se chegar a ser convertida em lei, teremos de certo um meio efficaz de attenuar a divida fluctuante.
Eu disse ha pouco que o sr. ministro da fazenda estava ás vezes melancolico, e repito que nunca o vi tão melancolico como no dia em que nos mostrou (não desenrolou) o sudario da divida fluctuante.
Se o desenrolasse, ficariam todos menos aterrados. De que servem os mysterios, que tornam o nobre ministro, n'esta parte, tão parecido com os seus antecessores? A divida fluctuante não é tão temerosa e ameaçadora como parece. Uma parte, ainda consideravel, da divida fluctuante, não é exigivel immediatamente. Ha muitos depositos, ha o dinheiro dás remissões e outras verbas, que estão lá quietas e que se conservarão sempre. Quando uma dellas sáe, entra logo outra em substituição. E depois eu não creio que os portadores de titulos sejam tão bravos como se diz, e que estejam sempre a ameaçar. Supponho até que uma grande parte d'elles deseja conservar ali o seu dinheiro, e conservar sobretudo a paz publica (apoiados).
Governem os governos bem; saibam merecer a confiança; administrem com zêlo; cumpram com fidelidade os seus compromissos; não queiram lançar os titulos da divida nova no jazigo onde repousam os titulos da divida mansa, e não tenham tanto medo dos credores da divida fluctuante, que tem sido sempre gente de bom conselho, e dada á boa paz!
O governo dispõe de muitos meios para poder fazer uma operação financeira tendente a amortisar a divida fluctuante tanto quanto seja possivel, e eu trato só do excesso da divida fluctuante, porque uma parte ha de constantemente existir, visto que é sempre a representação de receitas futuras.
Ora, se esta parte ha de existir sempre, e se póde ser representada por bilhetes admissiveis nos pagamentos ao estado, é certo que fica outra parte muito mais pequena, e de facil amortisação pelos meios indicados.
Perdõe-me o nobre ministro que eu me refira aqui uma vez ainda ao seu relatorio. Eu não comprehendo como se quer aterrar o espirito publico por esta fórma. Francamente, a nossa situação não é desesperada. Nós temos chegado a dizer aqui algumas phrases em virtude das quaes me parece que, lá fóra, quem nos ouvir, ou quem ler o que n'esta casa se diz, ficará aterrado, suppondo que o paiz não se póde salvar. Isto é um perfeito erro (apoiados). O nosso paiz tem que atravessar grandes difficuldades, mas o seu estado não é desesperado. O paiz tem recursos importantissimos, o que é preciso é saber aproveita-los. O que é indispensavel é que o governo não deixe passar uns poucos de mezes sem preparar trabalhos, de que resulte ee aproveitarem-se esses recursos (apoiados). Ô que não se póde perdoar é que se perca o tempo e que não se aproveite em tirar d'esses recursos a vantajem possivel.
O que é verdade é que nós temos os recursos de que se tem aqui fallado, e muitos outros de que não se tem fallado e que nos podem fazer saír da má situação em que estamos.
Deus me livre de que não houvesse para curar o mal, outro remedio se não esse que tem apparecido, mascarado por modos diversos em tantas propostas, que revelam ao mesmo tempo muito zêlo, muito patriotismo... e uma certa falta de conhecimento dos negocios publicos.
Eu confio muito mais nos meios, que se não têem proposto. Desde que se manifestou esta especie de epidemia de propostas, eu principiei a confiar muito mais nas propostas, que poderão apparecer depois da epidemia. E permitta-me a camara que eu faça agora uma referencia, pois que as não tenho feito muito frequentes e me não tenho desviado consideravelmente do assumpto.
A camara votou ha pouco a lei das aposentações; ora, na minha opinião, a verdadeira reforma na instrucção publica, por exemplo, não esta na extincção dos terços, nem tão pouco no regimento novo para as aposentações e jubilações; a verdadeira reforma esta na lei que reduzir o luxo da instrucção superior, que diminuir o numero de estabelecimentos (apoiados). D’ahi ha de resultar uma verdadeira economia, porque nós temos verdadeiro luxo na instrucção superior. Da reforma, assim concebida, resultará sobra de pessoal, ao qual se poderá dar o conveniente destino, com vantagem publica, e sem prejuizo dos seus direitos.
Quando o sr. ministro da fazenda, e eu, e outros mais que nós conhecemos, sairmos dos estabelecimentos de instrucção publica, onde já não devemos estar, e seguirmos outras carreiras, que temos abertas diante do nós, então é que ha de haver a verdadeira economia, porque nós seremos a tal sobra de pessoal. As economias realisam-se reformando d'este modo e não cortando brutalmente no orçamento (apoiados). O pessoal que excede não fica desgraçado; aproveita-se convenientemente; mas no orçamento ordinario do estado figure só a despeza ordinaria com os quadros normaes. N'essa reforma creio eu. Creio que a reforma dos serviços publicos por meio da organisação e determinação dos quadros reduzidos, ha do ser efficaz; mas é preciso faze-la corajosamente; é necessario ter a ousadia de arrostar com todos os embaraços. As propostas do percentagem fixa, deixando as cousas como estão, revelam a ausencia de uma certa coragem para extinguir os abusos, e levar tudo ao são, dê por onde der, e custe o que custar.
Citei o nome do meu amigo, e n'este caso collega, o sr. Dias Ferreira, ministro da fazenda, e o meu, porque assim era conveniente para responder com poucas palavras ao muito que se tem dito e escripto.
Reformem as leis, não queiram tornar dependente da abnegação de cada um a economia da fazenda publica. Reformem a organisação dos serviços. Se não o fizerem, por onde saír um por abnegação e amor da patria, entrará outro por amor da propria conveniencia. E o paiz perde ou fica nas mesmas circumstancias, porque o funccionario que sáe ganhava muito por accumular, e os que entram depois d'elle ganham muito mais porque não accumulam...
Se acreditam que se obtém economia por outra maneira enganam-se. A economia tem uma parto importante na organisação das finanças; mas é preciso realisada discretamente, e depois combina-la com a audacia dos commettimentos que são indispensaveis para o aproveitamento das forças productivas, e para o desenvolvimento da nossa riqueza publica.
Dito isto peço a v. ex.ª e á camara que desculpe ter-lhe tomado tanto tempo, e espero que á minha pergunta se dê uma resposta; mas peço desde já ao sr. ministro da fazenda que não se incommode a responder agora, não porque o não julgue habilitado para isso, mas porque o negocio é, quanto a mim, excessivamente grave, e merece alguns instantes de meditação.
Vozes: — Muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Se o § unico do artigo 2.° é um voto de confiança, com o qual se alteram as disposições do artigo da lei de receita, relativo á dotação da junta do credito publico, e a regra estabelecida pelo artigo 2.° da lei de 16 de maio de 1866? = Fradesso da Silveira.
Foi admittida, e entrou em discussão com a materia.
O sr. Barros e Sá: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Considerando que o homem gosa pela lei natural da faculdade de se apropriar de tudo aquillo que for conducente á conservação e melhoramento da propria condição, e de se associar, pondo em commum os esforços e meios individuaes para qualquer fim que não prejudique os direitos de outrem ou da sociedade;
Considerando que similhantes direitos são originarios e inalienaveis;
Considerando que o municipio, a parochia, a igreja e os estabelecimentos de instrucção, de caridade e beneficencia são verdadeiras associações reconhecidas pela lei, que constituem pessoas moraes e quasi de entidade juridica;
Considerando que taes associações, ou corporações, têem capacidade para exercer todos os direitos civis relativos aos seus institutos;
Considerando que entre esses direitos se comprehende o de adquirir bens immobiliarios nos termos, fórma e condições prescriptas no artigo 35.° do codigo civil, o que constitue o direito de propriedade;
Considerando que o direito de propriedade é sagrado e inviolavel, e esta garantido em toda a sua plenitude pelo artigo 145.° § 21.° da carta constitucional, utilidade publica legalmente verificada e indemnisação previa ao seu valor, mas não do seu rendimento;
Considerando que o principio constitucional da inviolabilidade comprehende e abrange toda a especie de propriedade, tanto a individual, como a commum, a perfeita como a imperfeita, nos termos dos artigos 2:176.° e 2:188.° do codigo civil;
Considerando que o projecto em discussão, estabelecendo como regra e principio que o governo venderá, por conta do estão, os bens, direitos dominicaes, cujo dominio e posse pertence á igreja, aos municipios, ás parochias e aos estabelecimentos de caridade, beneficencia e instrucção, prescreve a usurpação e confisco da propriedade de taes corporações e contraria ao disposto no § 21.° do artigo 145.° da carta constitucional;
Considerando que subrogação dos bens das indicadas corporações por titulos de divida fundada do preço arbitrario e despoticamente taxado, sem audiencia dos interessados e legitimos senhores, de 50 por cento, não satisfaz a completa indemnisação do valor dos mesmos bens, mas importa a espoliação de quasi a quarta parte do seu valor real;
Considerando que a inviolabilidade do direito de propriedade constitue garantia constitucional dos direitos civis e politicos dos cidadãos portuguezes;
Considerando assim que o artigo 145.° § 21.° da carta constitucional, envolve disposição constitucional nos termos do artigo 144.°:
Proponho como questões previas que a camara resolva:
1.° Se o projecto de lei carece de seguir os tramites indicados no artigo 140.° da carta constitucional;
2.° Se a presente camara tem poder e auctoridade para dispensar, alterar ou revogar o § 21.° do artigo 145.° da carta constitucional da monarchia. = Barros e Sá.
O sr. Ministro da Marinha (Rodrigues do Amaral): — Mando para a mesa uma proposta de lei reformando os depositos do contingente de recrutas para o ultramar.
Aproveito esta occasião para me declarar habilitado para responder á interpellação do sr. Joaquim Thomás Lobo d'Avila, sobre as pescarias do Algarve, e v. ex.ª designará para este fim o dia que julgar mais conveniente.
O sr. Presidente: — A proposta do sr. Barros e Sá é uma verdadeira questão prévia, que deve tomar o logar da questão principal. Em primeiro logar vou consultar a camara sobre se a admitte á discussão.
Foi admittida.
O sr. Presidente: — Agora segue-se naturalmente tomar esta proposta o logar da questão principal, ou então...
O sr. Santos e Silva: — Peço a palavra.
O sr. Presidente: — Tem a palavra.
O sr. Santos e Silva: — Eu não sei bem o que se votou, mas ouço dizer...
O sr. Presidente: — Se o sr. deputado me dá licença, eu explico o que se tem passado. O sr. Barros e Sá apresentou uma questão previa que foi já admittida á discussão. E da natureza das questões previas tomarem o logar da questão que se agita, e por consequencia segue-se, ou desde já votar-se a questão previa, se acaso nenhum sr. deputado pedir a palavra sobre ella, ou então se alguem quizer pedir a palavra, é occasião propria para o fazer.
O sr. Santos e Silva: — Se v. ex.ª me dá licença, observarei que ainda ha muito pouco tempo outro sr. deputado mandou para a mesa outra questão previa, e que a camara decidiu, creio eu, como costuma decidir n'estes casos, que ella se discutisse conjunctamente com a materia. Mesmo o sr. deputado que mandou a moção não fez questão d'isso.
Pedia eu pois em nome da commissão que essa questão previa que acaba de se apresentar, qualquer que fosse o intuito do sr. deputado que a mandou para a mesa, ou fosse porque effectivamente tivesse desejos de que ella se ventilasse, ou fosse unicamente como um pretexto para fallar, se discutisse conjunctamente com a materia principal, porque com isso não se perde nada, e ao contrario ganhamos o tempo que podiamos perder, se o estivessemos a dividir com uma questão que se torna depois inutil.
De mais a mais transtornava-se a inscripção, porque a questão previa não evitava que se tratasse da materia. Peço pois que essa proposta ou questão previa entre em discussão conjunctamente com a materia (apoiados).
O sr. Presidente: — Eu não estava na cadeira da presidencia, quando o sr. deputado Fradesso da Silveira apresentou a sua questão previa. Disseram-me depois que s. ex.ª não tinha insistido n'esta classificação, porque até certo ponto não a considerava como questão previa.
A moção porém do sr. Barros e Sá é effectivamente uma questão previa, porque começa logo por contestar á camara a competencia para legislar sobre o assumpto.
Uma moção que começa por contestar á camara a competencia de legislar sobre qualquer materia é evidentemente uma questão previa, porque, se por acaso for approvada, caducou o assumpto principal.
Por consequencia a mesa persiste na idéa de considerar a moção do sr. Barros e Sá como uma questão previa, que deve tomar o logar da questão que se agita; mas se a camara prefere o outro systema, póde resolve-lo, e eu vou consulta-la a este respeito.
Consultada a camara, resolveu que a questão previa apre