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sentada pelo sr. Barros e Sá, se discutisse conjunctamente com o projecto.

O sr. Garcez (sobre a ordem): — Sr. presidente, quando hontem me dirigi a v. ex.ª para obter a palavra sobre a materia fui envolvido n'um turbilhão de propostas sobre a ordem e casualmente apanhei uma que adoptei e que vou mandar para a mesa (riso).

E a seguinte (leu).

Agora algumas palavras para justificar a minha moção de ordem.

O projecto em discussão é muito nosso conhecido e nenhum como elle tem dado logar em differentes legislaturas a renhidos debates n'esta casa.

Muito antes do nobre ministro da fazenda nos auxiliar com o immenso cabedal dos seus conhecimentos financeiros; muito antes de s. ex.ª architectar o edificio que tem por alicerce e pedra angular o projecto em discussão, já nós pensavamos aqui n'esta casa na desamortisação dos bens prediaes das corporações de máo morta. Depois da porfiosa luta entre os que pugnavam pela venda immediata d'esses bens a troco de inscripções, e os que sem contestar o principio da desamortisação, nem a conveniencia da venda, pediam uma excepção para os passaes, e a faculdade para as corporações de optarem pelos valores que mais lhes conviessem para substituição das propriedades que eram compellidas a vender, veiu o accordo de 22 de junho de 1866; é a lei d'essa data, que conjunctamente á de 4 de abril de 1861 regulam a materia.

E note v. ex.ª que n'este accordo houve concessões mutuas, e concessões importantes, não sendo a menor aquella que nós outros, os que sustentávamos a conveniencia da manutenção dos passaes, fizemos permittindo que elles podessem ser desamortisados quando n'isso conviessem os parochos e as juntas de parochia.

Ora, sendo isto assim como é que mezes depois de feito este accordo tão solemne vem um projecto que revoga e annulla a lei, provocando o sentimento religioso do paiz, ferindo interesses e direitos legitimos e respeitaveis, e tudo isto no momento em que mais instava e urgia a tranquillidade dos espiritos, o socego dos animos para se poder, sem maior difficuldade, adoptar certa ordem de medidas indispensaveis á salvação publica? Como é que isto se faz na situação em que (está o paiz, sem temer o dirigir-lhe uma tal provocação? E que n'este desgraçado paiz nada é estavel, nada ha certo, e tudo esta á mercê dos devaneios politicos, a tal ponto que os interesses mais graves e serios da sociedade são compromettidos não poucas vezes por effeito de leis tão cerebrinas quanto insensatas.

Tudo entre nós anda ás avessas; em todos os tempos, em toda a parte, a revolução costuma vir das camadas inferiores para as superiores; entre nós são sempre promovidas pelos nobres, pelos ricos, pelos homens que occupam posições importantes, pelos doutores, e ás vezes pelo governo (riso).

De maneira que n'este paiz são os patricios que vão para o Aventino, e a plebe fica no forum (Apoiados e riso.) Tanto se promove a revolução com projectos de reformas administrativas inconvenientes, como com expoliações ineptas, e que de mais a mais não remedeiam necessidade alguma do thesouro.

Sr. presidente, estou tão compromettido n'este projecto que, por maior que fosse o meu, ministerialismo, não podia de maneira nenhuma vota-lo, E sacrificio superior ás minhas forças.

Declarei-o muito a tempo, preveni d'isso os nobres ministros, porque me palpitou o que havia de vir. Todas as vezes que ha um ministro da fazenda novo ha duas cousas que se fazem infallivelmente: reforma na secretaria, e novo projecto de desamortisação (riso).

Apesar da muita confiança que me inspira o talento elevado do nobre ministro da fazenda, não devia fazer de s. ex.ª uma excepção, e por isso foi ao nobre ministro que me dirigi dizendo-lhe — v. ex.ª tenha cuidado, não se deixe levar pela seducção e pelo canto da sereia; estes projectos de desamortisação têem perigo, e com fogo não se brinca. Tenho dito isso muitas vezes n'esta casa, referindo-me a diversos projectos; mas de ordinario as maiorias que se parecem sempre umas com as outras (riso), bradam em grita: «Avante»; até algumas vezes me têem dito: «Compre um cão, se tem medo» (riso).

E as maiorias têem desapparecido como fumo, e como fumo algumas vezes asphyxiaram, ennodoaram e denegriram os governos que cercavam (apoiados).

Antes de entrar na apreciação que desejo fazer do projecto, permitta-me v. ex.ª uma explicação para desfazimento de duvidas.

Eu sou partidario decidido da situação, como declarei, e as condições do meu apoio ministerial no primeiro dia em que os srs. ministros se sentaram naquelles bancos (os do ministerio). Se não gostei de uma certa tergiversação e do tíbio modo de ver a derogação de algumas leis infestas; se não gostei de certas adhesões susceptiveis no ponto de vista da salubridade politica (riso); se não gostei do recuo perante a responsabilidade de uma dictadura imposta pela força dos acontecimentos, nem por isso tenho deixado de apoiar o governo e de o apoiar lealmente; porque tudo tenho visto, e explicado umas vezes como estratagema politico, outras vezes á luz das difficuldades da situação em que se acham os nobre ministros, outras, finalmente, com os escrupulos de ss. ex.ªs; não fallo dos escrupulos pelo atropellamento de formulas constitucionaes, que n'esses não creio, mas de outros escrupulos, e esses devo eu respeitar. Effectivamente se a consciencia dos nobres ministros lhes disse que a dictadura nas suas mãos não podia conduzir a um fim utilitário; se a consciencia lhes disse que elles não podiam nem sabiam fazer uso da dictadura, devo curvar-me respeitoso (riso). Entretanto nem uma só vez tenho deixado de votar os projectos do governo, nem uma só vez lhes tenho recusado o meu apoio. E note v. ex.ª que não é porque eu esteja extactico e pasmado de admiração diante da alta concepção e grande alcance d'esses projectos; mas porque tambem não apresentam para mim inconvenientes taes que repugnem á minha consciencia, e que me obriguem a deixar de prestar o apoio que eu desejo effectivamente prestar á situação politica.

Devo porém confessar que fui um daquelles a que fez referencia o nobre deputado por Lisboa, o sr. Saraiva de Carvalho, quando disse que alguns de nós ministeriaes pugnávamos pelo alargamento das faculdades dictatoriaes. Emquanto acreditei no ministerio, fui um d'esses ministeriaes, e pertenci a esse grupo, porque estava persuadido, e ainda hoje o estou, que as difficuldades da situação em que nos achâmos são de natureza tal que não podem ser removidas pelo meios estrictamente parlamentares (apoiados). Fizeram mais e melhor as dictaturas de 1833, de 1836 e de 1851, com o desconto de muitos erros, do que todos os congressos de 1820 para cá. Ainda o outro dia nós vimos vinte e sete dos nossos collegas não poderem entender-se nem vir a accordo sobre uma proposta, em assumpto que me parece pouco importante, que queriam mandar para a mesa. Ora, por aqui se julgaria o que é o parlamentarismo, se a historia não estivesse ahi, e a historia é o tombo universal, para nos dizer o que elle é, para que elle serve e o que vale. No meio de todas estas difficuldades, que realmente são graves, confesso que escrupuliso em levantar embaraços á situação, e lamento que sejam ás vezes os proprios ministros que as criem e levantem.

Hei de votar todos os projectos trazidos até hoje a esta camara pelo sr. ministro da fazenda e pelos seus illustres collegas, menos o que esta em discussão. Tenho duvidas sobre certo augmento de direitos de tabaco; ainda as tenho sobre outros projectos, mas não são de natureza que me levem a subir a este logar para combate-los.

Sr. presidente, o que é o projecto n.° 13? Convem aprecia-lo e julga-lo no ponto de vista economico, financeiro e politico. Vamos a ver o que elle é debaixo do primeiro ponto de vista.

Não entra em duvida a utilidade e a conveniencia da desamortisação dos bens prediaes de corporações de mão morta; o principio da desamortisação não é invento do sr. ministro da fazenda nem de nenhum dos seus antecessores no regimen liberal; já existia no antigo regimen; quando a antiga monarchia prohibia ás ordens mendicantes o ter bens prediaes alem de uma cerca, pensava na desamortisação (apoiados). Quando prohibiu a todas as corporações o adquirir bens prediaes a titulo oneroso ou gratuito, sem consentimento expresso do governo, pensava na desamortisação.

Discrepo alguma cousa do meu amigo, o sr. Barros e Sá, sobre o modo por que elle considerou as corporações de mão morta; entendo que o estado se julgou sempre investido no direito de não as espoliar, más de indicar o modo dellas possuirem (apoiados).

É verdade que o nobre presidente do conselho disse effectivamente aqui ha uns annos o que ha poucos momentos nos lembrou o sr. Barros e Sá; mas é preciso entender e não alterar nem interpretar mal o que o nobre presidente do conselho n'essa occasião disse. O que s. ex.ª disse ou quiz dizer foi que = julgava conveniente propor um accordo com a santa sé—; e eu digo agora á camara que — igualmente assim julgo. E bom que cada qual não finja de mais liberal do que é (apoiados).

Tenho um certo respeito por aquelle passal chamado Roma, porque entendo que na residencia do chefe visivel da igreja não podem governar os principes da terra; e se para ser liberal é preciso renegar esta doutrina, sinto muito.

Ora, sr. presidente, devo lembrar a v. ex.ª, em defeza do sr. presidente do conselho, que n'estes bens, cuja desamortisação discutimos, ha muitas vezes uma cousa chamada— encargos pios. (Não sei se sabem o que são os encargos pios.) Pois envolvendo necessariamente a desamortisação os encargos pios, note-se bem que ha aqui alguma cousa que prende com o poder espiritual.

Ainda hontem ouvi annunciar uma interpellação ao governo a respeito de uns padres que não absolveram alguns fieis que tinham remido uns fóros pertencentes a corporações religiosas e pedirem-se providencias ao governo. Eu estou morto por ouvir o sr. ministro da justiça a tal respeito. Quero saber como se obrigará o confessor a absolver o penitente...

Uma voz: — Não póde ser.

Repito, estou morto por ouvir o sr. ministro da justiça, ou o sr. ministro da fazenda, que é competentissimo, porque desejo ser esclarecido sobre esta linha divisoria que separa o poder espiritual do poder temporal.

Mas voltando á questão. O que vale o projecto debaixo do ponto de vista economico?

Pergunto eu. Não esta decretada a desamortisação de todos os bens prediaes das corporações de mão morta, excepto os passaes, e nestes mesmos não esta permittido a desamortisação facultativa e condicionalmente? No projecto falla-se de uns certos bens juntos a estabelecimentos de instrucção publica. Na verdade não sei se isto tem referencia aos bens da universidade, que quasi todos têem sido vendidos, se tem referencia a alguns bens da escola polytechnica, tambem já desamortisados, bens que ella houve do antigo collegio dos nobres, que os houve do collegio dos jesuitas, e estes os houveram da divisão dos fieis e, principalmente, do celebre almirante de Castella. Não sei se se trata da cerca da escola polytechnica, destinada ha muitos tos annos para jardim botanico, ou da cerca dos Paulistas, pertencente á academia real das sciencias, destinada a certa melhoria dos arruamentos da capital, ou finalmente de algum quintal, pateo ou barraca pertencente aos lyceus (riso). Se é isto ou se é cousa similhante, deve ser objecto de mui pouca importancia. E por isso o edificio que o sr. ministro da fazenda quer levantar sobre esta base ha de saír acanhado, torto e de pessima apparencia.

Os passaes são o alvo principal a que mira o sr. ministro. Qual é o valor dos passaes? Nós temos um mappa publicado pelo ministerio da justiça, pelo qual se prova que as congruas de todas as freguezias dos dezesete districtos do continente do reino importam em 634:486$123 réis, que esta quantia comprehende 101:310$206 réis, rendimento dos passaes. Estes algarismos são eloquentes. E note v. ex.ª que o governo dá tal importancia aos rendimentos parochiaes destinados á sustentação do culto, e não levo em vista censura-lo por isso, que já derogou um artigo do codigo civil para restabelecer os chamados bens d'alma, que no meu bispado rendem 20000 réis, ou pouco mais, por cada finado rico (riso). Portanto temos uma base para julgar do valor dos passaes, pois que facilmente se passou d'este rendimento para o capital que produz, que deve orçar muito approximadamente por dois mil e alguns contos de réis, não se comprehendendo os passaes das ilhas, porque o mappa do ministerio dos negocios ecclesiasticos tem só referencia aos dezesete districtos do continente.

Nunca estive na ilha da Madeira e não sei se ha grandes passaes n'aquella ilha; mas nos Açores posso asseverar a s. ex.ª que muitas freguezias não têem residencias, e a maior parte dellas têem passaes de muito pouco valor. E isto reconhece-se facilmente.

Nós temos desgraçadamente nas ilhas a dotação do clero. Digo desgraçadamente, porque sou partidario da igreja livre, e portanto contrario á chamada dotação do clero. A dotação do clero nas ilhas dos Açores e Madeira, importa para. o estado n'uma despeza annual de 111:176$800 réis; é claro que se os passaes tivessem um grande valor, a importancia d'estas congruas não seria tão forte.

Eu nunca acreditei na discussão do orçamento n'esta sessão.

No dia em que eu vi o sr. ministro da fazenda apresentar a lei de meios, disse não sei para quem estava ao meu lado, não ha discussão do orçamento! E bem vi que s. ex.ª não olhava com bons olhos para o sr. Annibal, quando lhe perguntou por essa discussão (riso). Mas se alguma vez se discutir o orçamento, hei de provar uma cousa que ha de impressionar a camara. Hei de provar com o proprio orçamento, que nas ilhas da Madeira e Açores os impostos predial, pessoal, industrial, do registo, dos cereaes, da alfandega, do tabaco, etc.. que tudo rende 663:741$707 réis, não dão para a despeza das mesmas ilhas. Portanto, sr. presidente, podemos computar no continente e ilhas adjacentes.

Os passaes valem 2.400:000$000 réis. Já V. ex.ª vê que é uma insignificancia comparativamente á economia geral do paiz e por consequencia que o alcance economico do projecto é microscopico. - Qual é o rendimento collectavel de 2.400:000$000 réis de propriedades tiradas ás chamadas corporações de mão morta, e lançadas nas mãos da industria particular? Será quando muito de 120:000$000 réis, e o imposto lançado sobre esse rendimento na rasão de 10 por cento, será de 12:000$000 réis. É em 12:000$000 réis annuaes que o sr. ministro da fazenda quer restabelecer o equilibrio nas nossas finanças? Pois é este o valor do projecto. Mas vamos a considera-lo debaixo do ponto de vista financeiro.

Sr. presidente, discutindo-se as duas questões previas, póde dizer-se que tem sido tratada toda a questão, pelo menos no ponto de certo financeiro, já tem sido muito bem debatida, e eu não gosto de repetir aquillo que outros dizem.

Este projecto, no ponto de certo financeiro, reduz-se a termos muito simples, é um emprestimo forçado de quatro milhões e meio de libras. Já V. ex.ª vê que dou pelos calculos do sr. ministro da fazenda, segundo os quaes é de 20.000:000$000 réis o valor de todos os bens que hão de ser desamortisados.

Este emprestimo é feito a 6 por cento. Se as inscripções forem impostas a 50 por cento, em virtude do grande principio levantado pelo sr. ministro da fazenda, quando aqui nos tem dito centenares de vezes: o credito não obedeço nem ás portarias, nem ás leis civis, nem a discursos ou relatorios. Com sujeição a este grande principio a illustre commissão de fazenda marcou o valor das inscripções, e o illustre ministro aceitou esse valor. Porém aos encargos d'este emprestimo de 20.000:000$000 réis a 6 por cento ha que juntar a indemnisação pela cessação dos arrendamentos, como é previsto no projecto, seis mezes depois da publicação da lei. Isto ha de dar logar necessariamente a uma grande somma de reclamações, e a grandes indemnisações, porque não só ha prejuizo para os rendeiros, mas para as corporações e para os parochos, que não podem colher dos bens aquelles rendimentos que colhiam até agora por effeito de uma livre administração a seu modo, do que reputavam propriedade sua, e a perda para todos, e por consequencia para o thesouro, que tem de indemnisar, será tanto maior quanto mais se demorar a venda e as operações de compra e de venda em boas condições, tambem se não decretam, nem estão sujeitas a prasos fataes.

Ora, é esta a difficuldade principal do projecto da illustre commissão de fazenda, projecto que eu julgo mil vezes peior do que o do governo.

Se o projecto do governo era mau em principio, o da commissão de fazenda é pessimo, tanto em principio, como em regras de applicação.

Pelo projecto do governo as corporações continuavam como até agora a receber integralmente os rendimentos dos bens até que elles se vendessem; agora, por virtude do projecto da commissão, não acontece isto; põe-se interdicto a