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todos estes bens, e depois de assim interdictos diz-se ás corporações agora -arrecadem o rendimento—, e ellas não o podem arrecadar.

Despedidos os rendeiros de sua propriedade passal a ser explorada pelas proprias corporações, o resultado é que não rende nada; se se faz um arrendamento provisorio, o preço do arrendamento diminuirá consideravelmente, porque o rendeiro a cada momento póde ser despedido, e emquanto se não effectuar a renda, as corporações, os institutos pios, os hospitaes, as irmandades e os parochos hão de ser indemnisados d'este prejuizo, que deve ser muito grande, e ha de abrir porta a muitos e muitos abusos.

Por isso a illustre commissão de fazenda preveniu-se, emittindo as inscripções a 50 por cento n'esta operação: ha aqui evidentemente um lucro de 4.000:000$000 réis para o estado se os bens valem effectivamente 20.000:000$000 réis, e lá isso Deus e o sr. ministro da fazenda é que o sabem. Porquanto o estado entrega 40.000:000$000 réis ás corporações: estes 40.000:000$000 réis compra-os os governo no mercado por 16.000:000$000 réis, pois que o preço das inscripções é de 40 por cento, e se não compra, é porque não precisa de comprar, tem de sobra; é machina de fabrico. Mas estes 4.000:000$000 réis serão absorvidos pelas indemnisações que a final são pagas pelas corporações e pelos parochos a si mesmo. Isto é injusto, sr. presidente, é violento e atroz.

Ora, agora ha na medida ainda outra cousa muito grave, e é o recorrer ao credito predial, e o ser necessario para isso derogar um artigo da sua lei organica. É assim que vae envolver-se uma instituição nascente, que precisava de todo o auxilio e cuidado para não ser compromettida em operações arriscadíssimas e altamente compromettedoras.

E o que admira é ser isto feito por um governo, em que é presidente do conselho o governador da companhia do credito predial, e em que é ministro da fazenda um advogado do mesmo estabelecimento.

Parecia-me que na posição de ss. ex.ªs deviam zelar mais do que ninguem os interesses e a sorte futura d'aquelle estabelecimento, que ninguem dirá que não é util.

De modo que se o governo levantasse um emprestimo a 6 por cento, a 7 ou 8, de 4.000:000 de libras, como têem feito muitos dos seus antecessores, fazia uma operação mais vantajosa do que esta (apoiados), sem levantar apprehensões nas consciencias, nem promover desgostos por virtude das consequencias que este projecto necessariamente ha de trazer. Eis o motivo por que o combato.

Vou resumir as minhas considerações, embora muitas tivesse para apresentar, porque não desejo levar a palavra para casa, e pretendo que a camara me faça a graça de me deixar concluir.

Vozes: — Falle, falle.

O Orador: — A commissão de fazenda, no seu relatorio, aliás muito bem escripto, considera a questão no seu verdadeiro ponto de vista, quando diz, que este projecto é o percursor, o carril para a dotação do clero.

Pois é por isso tambem que eu o combato.

E não me digam que a dotação do clero é uma imitação do que se pratica em França, porque então perguntarei se as circumstancias de Portugal são as mesmas da França. Ha setenta e nove annos, sr. presidente, tinha a França um grande deficit, e após d'elle veiu a revolução.

O deficit é o maior revolucionario que eu conheço.

Estou em discordancia com o sr. ministro da fazenda, que diz no relatorio que precede esta medida que = se nós temos deficit é porque temos tido tantas revoluções, e temos andado tão occupados n'ellas que nem tempo temos tido para pensar no deficit =.

Ora por quem é! Nós temos tido dezesete annos de paz ultra-octaviana (riso), tempo de sobra para organisar as finanças mais desequilibradas. Não ha nação nenhuma que em dezesete annos de paz não componha as suas finanças por muito mau que seja o seu estado.

Pois é precisamente n'estes dezesete annos de paz que as finanças se têem descomposto e desorganisado.

O deficit filho das revoluções? Não ha tal! O deficit é como que filho d'esta casa, veiu para aqui de pequeno (riso), aqui foi educado, animado e fortalecido, até que chegou ás alturas em que esta!

Quem me diria a mim que elle havia de ser indicado pelo meu nobre amigo, o sr. Carlos Bento, para chefe da opposição, e que a maioria havia de ter d'isso taes ciúmes, que veiu logo reclama-lo para seu chefe, pela voz auctorisada do sr. Coelho do Amaral!

O deficit tem feito uma larga carreira. Eu tenho visto levantar pela politica muitos homens insignificantes, sem merito, sem serviços e som virtudes; porém carreira como tem feito o deficit nunca vi. Podem tirar d'ahi o sentido todos os especuladores e intrigantes politicos, que não são capazes de subir tanto como. elle.

Eu não approvo este projecto por isso mesmo que elle conduz á dotação do clero, que é tambem uma excellente maneira de dar importancia ao deficit.

Sr. presidente, se a dotação do clero importa hoje em 679:000$000 réis, eu previno o sr. ministro da fazenda de que ella ha de triplicar. Desde o momento em que o serviço da igreja for retribuido pelo estado, virá immediatamente a organisação do serviço, que é uma cousa que me faz estremecer sempre que n'ella ouço fallar; virá logo a designação de freguezias de 1.ª classe, de 2.ª classe, de 3.ª classe, etc...; depois virá a necessidade de sustentar a dignidade, a independencia do clero; a carestia da vida, etc. «de tudo isto ha de resultar que o estado» não. fará com. 2.000:000$000 réis annuaes o que o povo faz hoje, é muito bem, com 679:000$000 réis. Mas o augmento dai despeza é o inconveniente minimo. As vistas daquelles que instam pela dotação do clero são outras.

E pensa a camara que com a dotação torna o clero menos reaccionario?

Os srs. Menezes e Ribeiro da Silva: — O clero não é reaccionario.

O Orador: — E verdade, e uma grande verdade. O clero não é reaccionario, nem eu comprehendo reacção onde não ha acção contra a religião. A reacção religiosa é uma idéa importada do estrangeiro, d'onde nós importámos tudo.

Já esteve aqui em Lisboa um embaixador francez que dizia que ninguem podia pensar em Portugal sem licença da França; assim tambem já houve um inglez que disse que o Tejo não podia correr sem licença da Inglaterra. E como não hão elles dizer isso, se nós até importámos de França e da Belgica molestias. Em lá havendo molestia nova, que nem se quer aqui se conheça, já nós cá a temos. É por effeito d'esta mania desgraçada que importámos tambem a reacção religiosa, visto que em França a havia, e até mandámos vir mestres, chamados lazaristas, para ensinar aqui, do mesmo modo que mandámos vir modistas, jogadores de florete, cabelleireiros, etc...

Sr. presidente, a situação da França é muito diversa. Já disse que a França tinha, no tempo a que me referi, um grande deficit, e um governo que nem teve a coragem de dar cabo do deficit, nem a de reconhecer a força das idéas do seu tempo; veiu a revolução. E n'isto de revoluções todos sabem que é como o comer e o coçar; o caso esta em principiar. A revolução foi andando, e depois de ter em subido ponto levado o povo ao delirio, lembrou-se de deitar abaixo o culto catholico. Foi a religião abaixo, cortaram o pescoço aos padres, e venderam os bens da igreja; e todos sabem que os bens da igreja em França não eram como os dos nossos conventos e institutos religiosos, eram de muito maior valor. Venderam esses bens, crearam-se, como nós aqui fizemos, uns papeis azues de credito para os comprar, e com esses bens se enriqueceram muitos patriotas eximios (riso).

V. ex.ª sabe que em toda a parte ha patriotas eximios, e tambem em toda a parte elles têem tendencias para comprarem bons predios por pouco dinheiro (riso).

Isso é cunho universal de todos os patriotas eximios (riso). Passados alguns mezes a França, que tinha decretado um culto de rasão, decretou que não houvesse rasão na França, e teve a condescendencia de annuir a que houvesse um Ente Supremo. Desde que a França admittiu o Ente Supremo, entrava no bom caminho catholico, e com effeito chegou lá; e quando lá chegou, como quem é catholico tem de aceitar o catholicismo como elle é, teve de ir a Roma, e lá n'uma sentença chamada concordata foi condemnada a pagar as custas que tinha feito, e a dotar a igreja.

Eis-aqui a grande differença que ha. E pergunto se nós, que não fizemos felizmente o mesmo que a França, estamos nas mesmas condições? Não, sr. presidente, mil vezes não.

Quando em certa reunião na secretaria da guerra eu fallei na igreja livre, disse-se lá que a igreja livre foi um invento de Montalembert, que queria servir-se d'esse meio de reacção, como agora em França se queriam servir do ensino livre para combater certas theses, sustentadas talvez bem inoffensivamente, n'uma escola de medicina, por um estudante d'essa mesma escola, no acto de bacharel; é um modo acanhado de ver uma grande questão.

Mas agora pergunto eu: Cavour seria tambem reaccionario? Cavour seria um homem de idéas fofas, um homem especie de baldio politico, ao serviço de todos os partidos? (Riso.) Seria Cavour um homem pequenissimo nas grandes cousas, e só grande nas cousas pequenas? Cavour seria tudo isto?

Não era, sr. presidente, e comtudo Cavour aceitou a idéa.

A igreja é livre pela força da revelação divina, pela natureza da sua missão, e porque assim o mandou o seu divino fundador, quando disse: dae a Cesar o que é de Cesar, e dae a Deus o que é de Deus. A igreja é tão livre que não precisa nem teme de nenhum poder temporal, e a prova é que quando ella tem feito mais progressos é exactamente nos tempos em que a perseguição tem sido maior.

Compenetrado d'estas idéas, identificado com estes principios, tenho sempre pugnado pela liberdade da igreja, sem comtudo com isto dizer que o estado não exerça n'ella uma fiscalisação salutar na parte material e administrativa, como a exerce em todas as outras associações; porque é bom que o estado vele por todos os interesses, e não deixe nunca explorar a credulidade pela hypocrisia; ha muitas especies de hypocrisia e muitas especies de credulidade.

O estado n'aquillo que é essencialmente da igreja não tem nem póde ter intervenção alguma, e faz muito mal em a querer ter.

Ha muito que dizer n'este sentido, mas já deu a hora ha muito, dou as minhas observações por concluidas, e declaro que voto contra o projecto.

O sr. Presidente: — Tenho a declarar á camara que os srs. deputados que foram nomeados para comporem a deputação que ha de ir receber Sua Magestade a Rainha, e assistir ao Te Deum, têem de comparecer no local respectivo ámanhã pelas onze horas da manhã.

O sr. Mathias de Carvalho: — Tinha annunciado uma interpellação, de que havia pedido a urgencia ao sr. ministro da justiça. Não sei se s. ex.ª entendeu que tinha respondido pela publicação que veiu ultimamente no Diario de Lisboa. Como me não contento só com essa publicação, continúo a instar para verificar a minha interpellação, e por isso peço á mesa que tenha a bondade de officiar n'esse sentido a s. ex.ª

O sr. Presidente: — A primeira sessão é no sabbado, e a ordem do dia é a continuação da que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e um quarto da tarde.