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APPENDICE Á SESSÃO NOCTURNA DE 7 DE JULHO DE 1890 1096-A

O sr. Francisco José Machado: - Sr. presidente, tenho a honra de continuar o meu discurso interrompido na sessão diurna para proseguir na discussão do projecto relativo ao addicional de 6 por cento.

Acabei de ler na sessão diurna o artigo do Economista francês firmado pelo sr. Le Roi Boulieu, em que este illustre economista mostra quaes as causas determinantes da baixa dos nossos fundos e do abalo do nosso credito. N'aquelle artigo se manifesta bem a impressão que lá fora produziram as medidas dictatoriaes do governo, e assim ficam rebatidos os argumentos apresentados pelo illustre relator da commissão na parte em que disse, que a dictadura feita pelo governo tinha merecido os applausos de nacionaes e estrangeiros.

Estava eu, portanto, analysando esse artigo que tinha sido publicado no jornal o Economista francez, quando deu a hora e fui por isso obrigado a interromper a analyse de tão importante documento, mostrando á camara a impressão que tinham produzido nas praças estrangeiras as palavras do relatorio do sr. ministro da fazenda, as medidas dictatoriaes do governo e as despezas exageradas em que elle se metteu, derivando dahi a baixa dos nossos fundos, as difficuldades do emprestimo, e a não cotisação na bolsa de Paris das obrigações do mesmo emprestimo.

Não obstante os conselhos tão prudentes que nos dá o Economista Francez, continuámos procedendo de uma maneira contraria ao que nos diz o sr. Lê Rói Boulieu que é o auctor do artigo.

Parece que a opinião d'este illustre economista devia ser para o governo perfeitamente insuspeita. Elle não está dominado pela paixão politica, e diz o que o seu critério lhe indica, e o que o seu estudo lhe descobre.

Portanto, em virtude dos decretos de dictadura as obrigações do emprestimo de 9.000:000$000 réis não poderam ter cotação em Paris, porque ninguém quer arriscar os seus capitães emprestando-os a um paiz cujo governo, gasta doidamente, e ainda por cima mostra que as instituições se acham ameaçadas. O governo e só o governo é o culpado d'este desastre financeiro.

Aconselha este economista que façamos economias nos trabalhos públicos, que não construamos por ora tantos caminhos de ferro, nem tantos portos de mar, porque isto será lançar-nos num caminho verdadeiramente perigoso e arriscado.

Parece que a doutrina d'aquelle artigo devia ser muito meditada, pelo governo e por nós todos, para não procedermos levianamente, no que podemos comprometter mais ainda o futuro do paiz e a sua situação financeira, já muito abalada pelos desatinos do governo. Devemos caminhar com prudencia e moderação, reduzir as despezas publicas, organisar melhor a arrecadação dos impostos existentes de modo a fazer entrar e nos cofres da nação tudo quanto é devido ao estado, e assim conseguiríamos o almejado equilíbrio orçamental.

Depois disto, e só depois disto, é que devia ter logar o augmento de impostos, se porventura ameaçasse perigo a situação financeira.

Primeiro, devia proceder-se a economias; segundo, devia regularisar-se a cobrança e assim poderia ser equilibrada a receita com a despeza. Não necessitava que o Economista Francez nos d'esse estes prudentes conselhos, porque está na mente de todos, que esse é que seria o caminho único para chegarmos ao resultado desejado.

Emquanto que o Economista Francez sustenta agora estas idéas, e apresenta o estado das nossas finanças pouco lisonjeiro, este mesmo jornal tinha uma opinião completamente differente, em 17 de novembro de 1888.

Nesta epocha aconselhava aos seus assignantes a empregarem os seus capitães em fundos públicos portuguezes de 3 por cento que eram os que nessa occasião offereciam mais garantias.

Agora diz, que a nossa situação financeira é precaria em virtude das medidas da dictadura, que causaram uma má impressão em toda a Europa. Eu não invento nada, leio a opinião de homens distinctos, estranhos às nossas luctas partidárias e tiro as conclusões dos factos que acabo de apresentar á camara.

Se os portadores dos titulos de D. Miguel têem desacreditado as nossas finanças o sr. ministro da fazenda e o principal e único culpado, porque disse no seu relatorio, que a situação transacta tinha administrado mal, deixado exhausto o thesouro, e um deficit assustador. Isto não é verdade como o provam os factos posteriores apresentados pelo próprio sr. ministro da fazenda, e como eu hei de ter a honra de provar na continuação d'este discurso.

Portanto vê v. exa. o que um jornal insuspeito escreve, dizendo no entanto que as circumstancias do paiz não são muito precárias se houver cuidado em fazer economias. Ora, esse cuidado é que não ha, porque o governo capricha em despender cada vez mais doidamente, os dinheiros públicos.

O governo é que não quer fazer economias, o que este quer é que o paiz faça sacrifícios e lhe dê dinheiro para as despezas enormes da dictadura, e para satisfazer os caprichos aos amigos.

O relatorio do sr. ministro da fazenda censura as despezas da situação passada, mas este governo não só as sustenta mas ainda as aggrava mais.
Sr. presidente, vou responder agora ao illustre relator da commissão, que disse que nunca a situação da pátria foi tão melindrosa.
N'isto disse s. exa. uma verdade.

Mas s. exa. acrescentou que as medidas do governo tinham merecido o applauso de nacionaes e estrangeiros.

De nacionaes só se os mereceram dos amigos mais íntimos do governo; do paiz posso afiançar que não mereceram. Pelo menos não mereceram nem o meu applauso nem o dos meus amigos políticos, nem da parte do paiz que não está ligada intimamente com os srs. ministros.

Devo declarar a v. exa. com a franqueza que me caracterisa, que as medidas dictatoriaes do governo, principalmente as que se referem á imprensa, me causaram uma profunda e dolorosa impressão.

Ver eu, que no meu paiz um escriptor, tem menos garantias do que o assassino; ver eu, que aquelle que, commette os crimes mais extraordinarios tem mais garantias do que aquelle que num momento de paixão escreve um artigo violento, isto foi para mina um motivo de dolorosissima impressão, e pergunto a mim mesmo que crimes praticaram os ministros, que amordaçaram a imprensa para que elles não venham a lume.

O parricida tem mais regalias que o jornalista! Pois isto póde ser? Eu não sei quaes são as idéas do partido progressista a este respeito, mas a minha opinião é que, quando este partido for ao poder, uma das primeiras cousas que tem obrigação de fazer é abolir o decreto que se refere á liberdade de imprensa, mas devo fazel-o depois de ter apanhado nas malhas da sua rede todos os jornalistas do partido progressista. (Apoiados.- Riso.)

Desculpem s. exas. Eu rectifico. Isto foi um lapso, como muitas vezes acontece. Ainda no outro dia o sr. Hintze Ribeiro, querendo fali ar de Portugal, fallava da Inglaterra; ainda no outro dia, s. exa. muitas vezes, querendo dizer que fora queimada a bandeira portugueza no Chire, disse que fora queimada a bandeira ingleza, e s. exa. não se riram, e nós não nos rimos.

O sr. Hintze que é um parlamentar experimentado, enganou-se; o que admira, pois, que eu me engane?

Eu queria dizer, que a minha opinião, e não sei qual seja a do partido progressista, porque não fallo em nome d'elle, é que, quando este partido progressista for ao poder, uma das primeiras cousas que deve fazer é abolir o decreto que se refere á imprensa, mas depois de ter apanhado nas malhas da sua bem tecida rede os jornalistas do partido re-

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generador, que é para elles experimentarem a bella obra que fizeram e para ver se gostam.

Eu fiquei verdadeiramente surprehendido, quando estudei este assumpto, ao ver que em 1850, quando Costa Cabral publicou a lei de imprensa, que era mais liberal do que esta, mereceu da parte do partido regenerador as mais vehementes censuras.

(Áparte que não se ouviu.}

Peço perdão; eu tenho o relatorio desta lei, porque estudei o assumpto para discutir o bill como tencionava fazer, sé me tivesse chegado a palavra.

Fazendo o confronto entre a lei de Costa Cabral e a do sr. Lopo Vaz, acho que esta é incomparavelmente mais reacionaria.

Sabem todos os que são desse tempo e os que têem estudado o assumpto, os vehementes protestos que se levantaram da parte do partido liberal.

Pôde dizer-se que a repressão da imprensa foi a origem da revolução de 1851. Subindo ao poder o sr. duque de Saldanha, o seu primeiro cuidado foi revogar a lei de imprensa, dando assim satisfação á opinião publica que estava indignada.

Quer v. exa. e a camara ver o que diz o relatorio que precede essa lei?

«Attendendo a que a lei de 3 de agosto de 1850 sobre a repressão dos abusos da liberdade de imprensa excitou a maior animadversão publica, apenas foi apresentada às cortes, manifestando-se a opinião illustrada contra uma providencia que as circumstancias ainda aggravaram; e sendo certo igualmente que a lei de 3 de agosto de 1850, longe de assegurar o uso e de punir o abuso de um direito sacratíssimo, solemnemente declarado no codigo politico, pelo contrario, podo suspeitar-se haver sido concedida para suffocar e opprimir a imprensa;

«Attendendo que a sobredita lei é a flagrante violação do § 3.° de artigo 145.° da carta constitucional da monarchia, porque alem de difficultar por moio de excessivos depósitos, a livre manifestação do pensamento, ainda sophisma esse resto de liberdade que permittiu, pelo temor de novas penas e pela classificação dos delictos;

«E, sendo claro outrosim, que a carta constitucional quiz que a imprensa fosse independente dos vexames da censura, e de quaesquer disposições preventivas, pondo-lhe só os justos limites da responsabilidade dos abusos, o que a lei de 3 de agosto de 1850 destroe declaradamerite, viciando a saudável instituição do jury, tirando ao accusado muitas das garantias da defeza e estabelecendo innovações oppressoras na competencia e organisação dos tribunaes e na forma do processo cujos rigores exacerbou:

«Attendendo a que esta lei importa a negação dos principios do direito constitucional e de liberdade de pensamento: hei por bem decretar o seguinte, etc.»

Ahi tem v. exa., sr. presidente, e a camara, o que diz o relatorio que revogou a lei de Costa Cabral, muito mais liberal do que esta.

Sabe v. exa. quem assigna este relatorio?
Nada menos do que:

Duque de Saldanha.
José Ferreira Pestana.
Joaquim Filippe de Soure.
Marino Franzini.
ervis de Athouguia.
Marquez de Loulé.

Estes é que são os factos, que não ha sophisma que os possa destruir.

E sabe v. exa. e sabe a camara o que succedeu? Os mais distinctos homens que militavam na politica desse tempo, ein numero de sessenta, assignaram um manifesto ao paiz protestando contra a lei de imprensa de Costa Cabral, que, mais uma vez repito, era mais liberal do que a do sr. Lopo Vaz.

D'esses sessenta, ainda hoje restam treze, e vou ler á rara contra a suffocação das liberdades, que tanto sangue custaram para serem implantadas e que fazem ainda parte do numero dos vivos:

Antonio de Serpa Pimentel!!!
José Vicente Barbosa du Bocage.
José Maria Latino Coelho.
Carlos Bento da Silva.
Thomás de Carvalho.
Gomes de Amorim.
Luiz de Almeida e Albuquerque.
Bulhão Pato.
Sousa Brandão.
Luiz Augusto Palmeirim.
Conde do Casal Ribeiro.
Francisco da Ponte e Horta.
D. Antonio da Costa.
Entre estes treze ha um judas.
Quem será elle?
Está na mente de todos, escuso de pronunciar o seu nome.

Parece incrivel que haja homens, que no ultimo quartel da vida pratiquem actos, que desmintam o seu passado glorioso!

Estes nomes deviam merecer toda a consideração ao illustre partido regenerador e antes de decretarem uma lei desta natureza, deviam attender aos precedentes do seu partido e ao procedimento daqucllc3, que instituíram o partido de que se dizem hoje representantes.

Não sei o que fará o partido progressista, porque estou fallando só em meu nome, mas a minha opinião é, que logo que elle volte ao poder, deve revogar immediatamente esta lei de imprensa, que é uma verdadeira iniquidade, mas note a camara, tendo primeiro apanhado, repito, nas malhas da sua rede, os jornalistas regeneradores, para ver que tal lhes doe e que tal acham a bonita obra que fizeram.

O illustre relator da commissão, que fez um discurso primoroso, a que estive constantemente attento, e felicito-o pela sua brilhante estreia, tambem fsz outras considerações com as quaes não posso concordar.

Defendeu s. exa. com o calor das suas convicções e da sua prestimosa palavra o augmento de ordenado aos magistrados judiciaes.

Foi tambem uma das despezas que o governo regenerador fez, que s. exa. disse que era justificadissima, porque era indispensavel augmentar os vencimentos destes funccionarios, porque não tinham o necessario para a sua decente sustentação.

Concordo em parte com a opinião do illustre relator, o que pergunto, porém, é se os juizes morreriam de fome, ou se o mundo se acabaria por esperarem alguns dias mais que o parlamento se abrisse para nós termos todo o prazer de votar esse augmento de ordenado?

A rasão porque isto se fez já aqui a disse alguém, e foi até um deputado da maioria muito estimado de nós todos, disse-o no calor da discussão, talvez impensada e involuntariamente, mas s. exa. foi quem disse aqui, que se deu este augmento de ordenados, para que os magistrados judiciaes fizessem tudo quanto o governo quizesse na questão da liberdade de imprensa.

Uma voz: - Isto não póde ser.

O Orador: - Não fui eu que o disse.

Ninguem tem mais consideração pelo poder judicial do que eu e tanto, que não perfilho similhantes idéas.
Mas disse-se aqui e foi um deputado da maioria.

O sr. Abilio Lobo: - Onde está isso escripto?

O Orador: - Ouvi-o eu e ouviu toda a camara, é quanto basta.

O sr. Abilio Lobo: - O seu ouvido podia trahil-o, faz favor de citar o Diario das sessões em que vem isso escripto.

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O Orador: - Não sei se vem ou não escripto, nem disso quero saber, o que sei é que foi dito ncs1a casa e é por isso mesmo, que o governo devia ter posto a magistratura judicial acima de todas estas suspeitas e de toda esta discussão.

O governo devia ter trazido á camara a proposta para augmentar os ordenados aos magistrados judiciaes e andava assim mais correctamente e não dava Jogar a que se fallasse da magistratura judicial que está acima de todas as suspeitas.

O governo devia ter posto o poder judicial fora de todas as discussões, o por isso mesmo o governo devia ter trazido á camara a proposta para augmentar os ordenados dos juizes, e creio que todos nós a votariamos. (Apoiados.) A magistratura judicial está acima de toda a suspeita e o que não queria, era que se podesso suppôr, que os juizes estavam subordinados á vontade do governo, porque não estão.

Já disse a v. exa., que desejo, que a magistratura judicial esteja acima do toda a suspeita.

Não está presente o cavalheiro que proferiu as palavras a que alludi, mas se estivesse, eu dizia-o do mesmo modo.

(Interrupção.)

Não tenho nada com o Diario das sessões.

Não quero fazer accusação a ninguém, julgo que a magistratura judicial está acima de tudo isto; mas o governo não devia, em dictadura, augmentar os ordenados da magistratura para que se não podesse dizer o que se disse em plena camara. Se tem vindo á, camara a proposta para se augmentar o ordenado dos juizes e dos delegados, a magistratura judicial não perdia nada com isto.

(Interrupção do sr. Lopes Navarro.)

O governo não podia despender os dinheiros públicos, só a camara dos deputados é que póde votar augmentos de despeza. Mas não fui eu, que disse isso; esta asserção saiu dos bancos da maioria.

(Apartes.)

(Susurro.)

O sr. Presidente: - Peço licença para observar ao illustre deputado, que desde que está repetindo perante a camara um dito, com que ella não concorda, sem apresentar o individuo que o disse, será melhor abster-se de fazer referencias.

O Orador: - Mas a minha questão era esta. Entendo que o governo não podia, em dictadura, fazer esta e outras despezas e vir depois pedir á camara, que lho vote um imposto. (Apoiados.)

Assim como veiu apresentar a proposta para lançar o imposto, tambem devia esperar que a camara estivesse reunida para trazer aqui a proposta para o augmento de ordenados aos magistrados judiciaes, e nós votávamos tudo com muito prazer; (Apoiados) não era um favor que o governo fazia, os representantes do paiz é que votavam aquillo a que a magistratura tinha direito.

Mas, o governo queria que a magistratura lhe ficasse devendo esse favor.

Augmentar ordenados em dictadura e vir depois pedir que lhe votemos impostos é que não póde ser.

Sr. presidente, eu tenho a declarar a v. exa. e á camara, que se não querem que me desvie da ordem de considerações que estou a fazer, não me interrompam; desde o momento em que me vem fazer reflexões eu hei de defender-me (Apoiados) conforme souber e poder.

Declaro a v. exa. e á camara que não desejo nem quero offender ninguem. Não trato questões pessoaes, trato questões politicas; aprecio os actos do governo, como sei e posso, conforme o meu critério e estudo. (Vozes: - Muito bem.)

O illustre relator do projecto atacou tambem a creação dos julgados municipaes, dizendo que os juizes de algumas comarcas ficaram prejudicados com a creação d'esses julgados. Se s. exas. entendem que essa creação e um mal, porque não a supprimiram? (Apoiados.)

Pois s. exas. entendem que o ministerio transacto commetteu um erro e uma falta, em virtude da qual ficou prejudicada a magistratura judicial, e tendo feito tanta cousa em dictadura, não supprimiram a lei que creou os julgados municipaes? (Apoiados.) Tiveram coragem, e foi preciso ter bastante, para se substituírem ao parlamento, decretando a dissolução da camara municipal de Lisboa, alterando a lei de imprensa, fazendo, emfim, tudo que quizeram, e só não tiveram coragem de revogar uma lei que reputam um mal?

E não só não revogaram como crearam mais julgados municipaes! (Apoiados.)
Se é um mal, como dizem s. exas., uma vez que têem por seu lado a maioria apresentem um projecto tendente a revogar o decreto, que creou os julgados municipaes! (Apoiados.)

e os julgados municipaes prejudicavam os juizes do algumas comarcas, é todavia certo que favoreciam muito os povos. (Apoiados.)

Póde ser, que a um outro juiz fossem cerceados os seus vencimentos; mas acima dos interesses materiaes de um ou outro individuo, entendo que está o interesse e a commodidade dos povos. (Apoiados.)

Mas, do povo não quer o governo saber.

Todos sabem, que os julgados municipaes necessitavam ser completados com a reforma judiciaria apresentada pelo meu amigo sr. Veiga Beirão, que remedeiava em parte os inconvenientes que tinham resultado para um ou outro juiz, ou empregado judicial do cerceamento que tinham soffrido nos seus proventos.
Desde que essa proposta não foi convertida em lei, o governo não tem culpa alguma, porque o mal ia ser remediado pela proposta que foi presente á camara, mas esse mal está em parte remediado e a pena que eu tenho é que o governo o fizesse em dictadura para eu ter o prazer de votar o augmento de ordenado aos magistrados judiciaes.

Diz o illustre relator que não era daqui, que vinha o odioso ao governo, porque a despeza com os ordenados dos juizes era pequena, apenas 27:000$000 réis.

Declaro a v. exa. que fiquei surprehendido com esta declaração, e fui examinar o orçamento do ministerio da justiça para 1890-1891 e encontrei um augmento de réis 198:000$000 comparado com o orçamento de 1889-1890.

Ora se não se crearam novos serviços n'aquelle ministerio, para que é uma verba tão elevada?

Não posso concluir senão, que a verba que eu acabei de citar é a que se gasta com a magistratura.

Eu sei que, parte dos emolumentos dos juizes, reverte para o thesouro, mas já hoje alguém me disse que as custas são tão exageradas, que as partes fogem de intentar uma acção para não se metterem com a justiça.

(Interrupção.)

Então, já que o illustre deputado sabe tanto, digam-me qual é a rasão deste augmento de 198:000$000 réis no orçamento do ministerio da justiça?!

Qual foi o serviço que se creou no ministerio da justiça para que a despeza d'aquelle ministerio augmentasse este anno mais 198:000$000 réis?

O governo regenerador, affirmando que o partido progressista fez grandes despezas, faz d'estas economias. (Apoiados.)

Para que são estes 198:000$000 réis que se pedem a mais este anno para o ministerio da justiça?

Os meus illustres collegas nesta casa, e que são juizes, têem muita rasão, mas eu não estou zangado com s. exas., o que eu estou é analysando apenas os documentos officiaes. O que eu estou dizendo não se refere aos meus collegas; a minha questão é com o governo, e eu, como deputado

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da nação, tenho o direito de lhe tomar estreitas contas do modo como gastam os dinheiros do paiz.

A camara ha dever o sudario que eu vou desenrolar, dos augmentos de despeza que este governo económico tem feito.

O paiz está atravessando uma crise assustadora. Muitos dos nossos lavradores do Alemtejo não tiveram este anno productos para semear as suas terras no anno que vem. A industria vinicola, que era a nossa principal fonte de riqueza, chegando a haver ha três annos uma exportação de vinho no valor de 16.000:000$000 réis, não dá talvez este anno para o consumo do paiz. (Apoiados.} E a camara comprehende facilmente o que representava para um paiz pequeno como o nosso uma somma avultada como aquella de 16.000:000$000 réis, que era distribuída pelos pequenos lavradores.

Se esta fonte de receita cessar eu não sei onde querem que os pobres lavradores v.ão buscar dinheiro para pagar os impostos. Os ministros em vez de se preoccuparem com isto, gastam doudamente. Com o ministerio da justiça já nós sabemos que temos de gastar mais 198:000$000 réis.

Vejamos agora a despeza propria de todos os ministerios.

A despeza dos ministérios foi calculada:

[Ver tabela na imagem].

Aqui temos só num anno, um augmento de 1.614:000$000 réis proximamente na despeza dos ministerios; e nós é que somos os esbanjadores!

E isto não são orçamentologias, porque eu não sei d'essas artimanhas.

Talvez ainda venha a aprender; mas, por emquanto não conheço essas manobras de cifras. O que eu sei é o que dizem os algarismos e o orçamento.

Quando eu apresentei aqui algumas representações contra o addicional de 6 por cento, disse logo que opportunamente havia do demonstrar o que estavam sendo de gastadores estes ministros, e era por isso que não tinham auctoridade para pedirem mais impostos.

Mas parece, que d'esse lado da camara não suppunham que eu fosse capaz de fazer esta demonstração. Pois já vêem que se illudiram. Veja a camara quanta audacia é precisa para que um governo, que só n'um anno augmentou as despezas com os juros da divida publica em réis 352:000$000, e a despeza propria dos ministerios em réis 1.614:000$000, ao todo perto de 2.000:000$000 réis, venha agora dizer que o addicional de 6 por cento é resultado da má gerencia financeira do partido progressista. Repito, é decerto por que não esperavam, que d'este lado da camara houvesse quem lhe respondesse de uma maneira tão cabal e completa como eu o estou fazendo. (Apoiados.)

Os encargos da divida publica estavam orçados:

[Ver tabela na imagem].

Só num anno se augmentaram os encargos da divida publica em 352:000$000 réis, que com os 1.614:000$000 réis em que é augmentada a despeza dos ministerios, dá a bonita cifra de 1.960:000$000 réis ou perto de réis 2.000:000$000.

Para ser franco devo declarar que o governo fez umas economias de perto de 200:000$000 réis, mas essas economias são a sua eterna condemnação. Comprometto-me a proval-o Essas economias são quasi todas phantasiosas.

Todas as verbas orçamentaes vem augmentadas, excepto algumas pequenas, que fingem vir reduzidas.

O illustre relator do projecto para poder dar o seu apoio ao governo precisa que elle faça economias ao mesmo tempo que augmenta as receitas.

Foi isto o que s. exa. disse e que eu tenho nos meus apontamentos.

Ora, nas circumstancias em que o governo se tem collocado, e que acabo de mostrar á camara, s. exa. não póde votar o projecto, porque os actos do mesmo governo estào em desaccordo com os desejos do illustre deputado.
Como ha de o sr. Campos Henriques dar o seu apoio a um governo, que faz o contrario do que s. exa. entende devia fazer para chegarmos ao equilibrio orçamental?

Tambem o illustre relator concorda em que o addicional dos 6 por cento aggrava as desigualdades já existentes. S. exa. foi justo confessando que o addicional aggrava essas desigualdades. Pois o sr. ministro da fazenda igualmente reconhece que o addiciooal aggrava extraordinariamente as desigualdades existentes. O sr. relator tambem conhece o mesmo e, todavia, vão lançar-se nesse caminho em vez de procurarem outra receita, que lhes podesse dar o mesmo ou maior rendimento do que lhe ha de dar este imposto. (Apoiados).

E uma cousa curiosa virem s. exas. declarar, que effectivamente o addiccional dos 6 por cento aggrava as desigualdades existentes e não se entibiaram perante o facto de lançar esse addicional nem se importaram que essas desigualdades se aggravem cada vez mais. (Apoiados).

Imaginava, que o illustre ministro da fazenda tinha recursos de sobra para procurar outro expediente em que podesse encontrar um augmento de receita que compensase este addicional.

Acho que o illustre relator do projecto foi perfeitamente justo, concordo com a opinião de s. exa., mas o que não comprehendo é como sendo os processos do governo differentes d'aquelles que s. exa. deseja, s. exa. possa estar ao lado d'elle n'esta questão.

O sr. Campos Henriques tem boas theorias, mas defende as contrarias e vota naturalmente por essas.

Tambem o illustre relator censurou o governo progressissa por não ter restabelecido o imposto do rendimento que havia feito votar em 1881. Confesso, que me surprehendeu esta declaração de s. exa. Pois se o partido progressista não lançou imposto nenhum, como queria s. exa. que elle lançasse o imposto do rendimento? (Apoiados.)

Então os impostos lançam-se por prazer, ou porque são necessarios?

Não lançou o imposto de rendimento porque não lançou nenhum. (Apoiados.)

Uma voz: - Então os addicionaes para os tribunaes administrativos?

O Orador: - E os serviços dos districtos que passaram para o governo? (Apoiados.)

O sr. Presidente: - Peço ordem.

O Orador: - Nós, podemos estar aqui á boa paz. O illustre deputado perguntou-me se o governo progressista não tinha lançado addicionaes para os tribunaes administrativos. Lançou, mas tambem os districtos ficaram alliviados de uns certos encargos, os quaes passaram para o estado. (Apoiarias.) Não sabe v. exa. que a engenheria districtal passou com todos os seus encargos para o ministerio das obras publicas. Os districtos ainda ficaram aliviados com os addicionaes que o governo lhes lançou, e depois ainda foram aliviados, por se destinar uma parte da receita dos cereaes para diminuir esses addicionaes. Isto são factos, que não podem ser contestados.

O sr. relator queixou-se de que o partido progressista podia ter lançado o imposto de rendimento. Eu direi que o partido progressista, pelo contrario, alliviou muitos impostos, como eu hei de mostrar á camara, (Apoiados.) e

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que não lançou o imposto de rendimento, nem nenhum outro.

(Interrupção.}

Já, que me lançam neste caminho, vou dizer tudo.

Eu, sr. presidente, não tenho a culpa de alongar a discussão, porque quando eu apresentava á camara representações contra o addicional que se discute, lançaram-me o repto, suppondo o governo e os meus collegas da maioria que eu não era capaz de discutir este projecto.

Ora, eu quando trabalho faço o que posso; e, portanto, só s. exa. me provocam, não acabo de discutir esta semana, nem talvez este mez. (Apoiados.}

Experimentem, e verão se sou capaz ou não?!

Por consequencia, não sou eu, que tenho a culpa de que a questão se allongue.

Dizem os meus collegas da maioria, que nós fizemos emprestimos maiores do que os que fez o partido regenerador. Mas note-se, que esses emprestimos foram para pagar os encargos deixados pelo governo regenerador. (Apoiados.)

Os emprestimos feitos durante quatro annos da gerencia progressista foram de 45 000:000$000 réis, mas destes 45.000:000$000 réis pagou 7.200:000$000 réis de indemnisação às fabricas de tabaco, valor que existe; e se o governo quizer, amanhã póde realisar essa quantia.

Pois s. exas. imaginam, que se não fossem os réis 7.200:000$000 o governo ia fazer o monopolio? A rasão principal por que o faz é porque quer apanhar esses réis 7.200:000$000 para governar a sua vida, emquanto não arranja dinheiro.

Todos nós, os que andámos mettidos na politica, sabemos estas cousas; para que havemos de estar a illudir-nos uns aos outros?!

O fim principal é este. Dos 40.000.000$000 réis tirando 7.200:000$000 réis, firam 37.800:000$000 réis.

Vamos a ver quaes foram os emprestimos, que o governo regenerador contrahiu num período igual.

Contrahiu n'esse periodo, emprestimos no valor de 37.000:000$000 réis; mas deixou quando caiu em 1886 12.000:000$000 réis de divida fluctuante, o que corresponde a 49.000:000$000 réis, que é mais de 37.000:000$000 réis. (Apoiados)

Já v. exas. vêem que não podem atirar a pedra.

Se, pois, nós contrahirnos emprestimos, tambem o governo regenerador os contrahiu, três ou dois cada anno, para acudir ao desequilíbrio orçamental.

Hei de ler os apontamentos que tenho aqui a esse respeito, o a camara ha de ficar edificada da boa gerencia deste governo.

Os restantes emprestimos, que nós contrahimos foram para pagar encargos, que s. exas. nos legaram e que eu hei de dizer mais tarde quaes foram.

Eu desejaria, que nem uns nem outros fizessem emprestimos. Grande cousa seria que podessemos regularisar a nossa situação financeira de modo que parássemos nessa vertigem de pedir emprestado sem conta, peso, nem medida.

Não teria duvida em me collocar ao lado do governo se elle tivesse feito economias, e só depois disso viesse pedir-nos, que votássemos augmento de impostos para não haver necessidade de contrahir mais emprestimos. (Apoiados.)

(Apartes.)

S. exas. provocam-me e eu não desgosto dessas provocações.

Não se queixem depois, não digam que sou eu, que tenho a culpa de se alongar esta discussão, o que eu não desejo.

Portanto, a censura dirigida ao meu partido pelo illustre relator cio projecto, de não ter posto em pratica o imposto de rendimento, não tem cabida. Desde o momento em que o partido progressista não teve necessidade de lançar impostos não havia de lançar o de rendimento, embora fosse medida sua revogada pelo partido regenerador. (Apoiados.) Mas o que não comprehendo é como s. exas. queriam que nós fizéssemos uma cousa que s. exas. acharam tão má que a destruiram? Se o imposto do rendimento é tão mau para o paiz e tanto que o revogaram, como o pedem s. exas. outra vez? Não se lembram todos da grande campanha na discussão do projecto creando o imposto de rendimento, que passou, é verdade, mas á custa de grandíssimas difficuldades? (Apoiados.)

Tendo caido o governo progressista em 1881, subiu ao poder o partido regenerador, presidido pelo sr. António Rodrigues Sampaio, e um dos seus primeiros cuidados foi revogar a lei que creou o imposto do rendimento, deixando ficar duas classes apenas sujeitas a este imposto.

O partido regenerador entendia, que os funccionarios publicos e os possuidores de fundos públicos não podiam ser tributados com o imposto do rendimento e foi este um dos maiores ataques dirigidos pelo partido ao mesmo imposto.

Pois foram justamente estas duas classes, que ficaram pagando, sendo immediatamente abolido em relação às outras classes, que na opinião do illustre partido regenerador deviam pagar. Seria, pois, mais racional, que s. exas. estabelecessem o imposto do rendimento para estas classes em vez de lançarem os 6 por cento. (Apoiados.)

Pois se agora acham esse imposto tão bom, porque não substituem os 6 por cento por elle?

Se o sr. ministro da fazenda fizesse a vontade ao sr. relator, que parece sympathisar mais com o imposto de rendimento do que com os 6 por cento, declaro que lhe dava o meu voto, porque assim pagava quem tinha mais rendimento e os pobres ficavam mais alliviados. (Apoiados.)

Por consequencia, este é um imposto mais racional, porque quem mais tem mais paga. (Apoiados.)

Disse tambem o sr. relator, que não nos assustassemos com as despezas que se iam fazer com as medidas decretadas dictatorialmente, o principalmente com as medidas de defeza nacional, porque essas despezas se haviam de ir fazendo conforme o permittirem as circumstancias do thesouro.

Mas então, se essas medidas para a dcfeza nacional, não eram para nos pôr complutamente ao abrigo de qualquer offensa de uma qualquer potência estrangeira, para que se fez então tudo isso em dictadura? (Apoiados.)
Eu julgava, que o governo se tinha collocado em dictadura, para decretar medidas urgentes e exccutal-as immediatamente, vindo depois dar conta às cortes do que tinha executado.

Mas o que eu vejo é que o governo não executou essas medidas e prepara-se para ficar em dictadura depois de fechadas as cortes, por isso que nem ao menos no projecto se diz que o governo pede auctorisação às cortes para executar essas medidas (Apoiados) e que vem depois dar conta do modo como as executou. (Apoiados.)

Oh! sr. presidente, eu admiro a facilidade com que o governo quer dispor do dinheiro do povo, (Apoiados) e não disse no projecto: E, p governo virá dar contas às cortes, do uso que fizer destas auctorisações.

O governo, para sair fora de todas as normas nem estas palavras sacramentaes, que vem em todos os pedidos de auctorisação fez inserir nos que aqui trouxe. (Apoiados.)

Portanto, para que foi a dictadura? O sr. relator diz-nos, que não nos incommodassemos, porque essas despezas não têem perigo nenhum, por isso que se hão de ir fazendo conforme as circumstancias do thesouro o permittirem.
Mas então para que foi a dictadura?

Eu não quero entrar largamente na analyse destas medidas, ainda que estava no meu direito de o fazer, porque como representante do povo tenho o dever de saber em que é que se gasta o dinheiro que o governo lhe vão pedir,

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1096-F DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

(Apoiados.) mas não entro n'esse caminho, que nos levaria muito longe.

O que me admira é que o governo tenha a coragem de vir aqui apresentar medidas sem base em que se fundem, esquecendo se do que em tempo que não vae longe fazia e dizia o seu partido.

O sr. Fontes, em 1884 decretou em dictadura a reforma do exercito; mas essa reforma assentava numas certas bases; mas agora é o vago, o desconhecido, o indefinido. (Apoiados.) E depois o povo que pague tudo isto!

Ora, desde o momento em que não haja respeito pelo systema parlamentar, desde o momento em que o governo prescinde de nós, e nem ao menos nos vem dar contas do que gasta, para que havemos de estar a perder tempo e trabalho? (Apoiados.)

O fim do governo é dar cabo do systema parlamentar, que o incommoda.

O mais correcto seria o governo, desde o momento em que entende, que necessitava de se auctorisar com medidas, que depois não teve tempo para executar, vir ao parlamento e dizer: eu entendi, que me devia substituir ao parlamento promulgando estas medidas e agora venho pedir ao parlamento que me releve desta responsabilidade.

Isto, infelizmente, tem-se feito; mas o que ainda se não fez, foi um governo decretar medidas, que não se executaram antes do parlamento se abrir, não se executarem emquanto o parlamento está aberto e ficar preparado para viver em permanente dictadura gastando á larga, e tão á larga, que o paiz vendido não chega para essas despezas.

Quando termina a auctorisação que o governo tem de gastar?

Nunca. O governo póde estar em dictadura ainda alem da campa.

Mas emfim, já é uma consolação sabermos que estamos livres de uma guerra próxima. O sr. relator deu-nos esta consoladora noticia.

Ora, nestas condições, porque é que não havemos de inserir todos os annos no orçamento alguma cousa para as despezas militares? Porque não havemos de saber quanto se vae gastar?

Eu, sr. presidente, tenho a certeza de que nem ao menos o governo sabe quanto se vae gastar neste anuo, como não sabe qual é a base em que hão de assentar as reformas militares.

Mas, emfim, como não temos receio nenhum de uma guerra e a despeza com o exercito e armada e com os armamentos necessários para nos pormos ao abrigo de qualquer golpe de mão, ha de fazer-se conforme as forças do orçamento, largos dias têem cem annos; sabe Deus se ella chegará a effectuar-se.

Já ouvi mesmo dizer, que a compra dos cruzadores está posta de parte, e ainda bem, por causa desses boatos que ahi corriam. (Apoiados da esquerda.) Não quero adiantar mais, porque todos sabem onde eu quero chegar.

Sr. presidente, eu podia ainda citar uma ou outra medida do partido regenerador para confronto, se visse que s. exas. seguiam as tradições do seu partido; mas não, os ministros que estão n'aquellas cadeiras não são regeneradores, afastam-se das gloriosas tradições do seu fallecido chefe e afastam se completamente.

Não me levem s. exas. a mal estas palavras porque estou apenas apreciando os factos.

O partido regenerador já não existe.

O partido regenerador morreu, porque já não regenera, já não tem rasão de existir!

Vozes: - Quem o auctorisa a fazer essas affirmações?

O Orador: - Descancem os illustres deputados, soceguem os seus nervos tão irritaveis, que eu nada digo que não possa provar.

O sr. Antonio de Serpa Pimentel foi redactor do Jornal do commercio como todos sabem; pois em 18 de novembro de 1885 escrevia s. exa. um artigo, que eu copiei logo para um caderninho de lembranças, calculando, que ainda me podesse vir a servir, e effectivamente não me enganei.

Se eu não tenho sido tão previdente os meus collegas crucificavam-me agora.
Mas como ia dizendo, o sr. Antonio de Serpa Pimentel, actual presidente do conselho escrevia no Jornal do commercio em 18 de novembro de 1885 o seguinte:

«O partido regenerador vive ainda como aggregação, porque já não tem rasão de viver como idéa. Vive tambem um pouco pela falta de vida dos outros. Vive talvez mais dos erros d'estes do que das suas virtudes proprias.

«O partido regenerador já não regenera.»

E continuava:

«Nós não temos necessidades politicas. Do que temos necessidade é de administração.»

Já vêem os meus illustrcs collegas que as suas iras devem dirigir-se contra o sr. presidente do conselho.
Eu n'esta parte concordo com s. exa.

O partido regenerador já não regenerava em 1885!

Se então o partido regenerador já não vivia das suas virtudes próprias, o que fará agora? Quando eu mostrar que este governo, que tem a pretensão de se chamar regenerador rasgou as paginas gloriosas, do partido de Fontes Pereira de Mello, e tem destruído as suas mais nobres tradições, os meus collegas hão de ficar abysmados, e hão de concordar, que o partido regenerador baixou na sepultura com aquelle illustre estadista.

Dizia o sr. Serpa em 1885, que de administração é que nós tinhamos necessidade, e dizia bem.

Eu pergunto a s. exas. quaes são os actos de administração praticados por este governo, que mereçam uma corta consideração da parte do paiz.
Eu não conheço um só.

Se praticaram algum acto de administração com o qual o paiz utilisasse, fazem-me o favor de me interromper, e dizer qual elle foi, porque não o conheço.

Mas, eu vou demonstrar, que os homens que hoje constituem o governo, têem caprichado em inutilisar os actos mais importantes do partido de Fontes Pereira de Mello, que foi illustre chefe do partido regenerador.
Vamos a isso:

1.° O governo actual trata de revogar a reforma do exercito do 1884, que foi o ultimo acto de iniciativa rasgada do distinctissimo estadista Fontes Pereira de Mello, o em que elle tivera tanto empenho que, não podendo conseguir a sua approvação na camara dos pares, fechou o parlamento, e quarenta e oito horas depois d'elle encerrado, assumiu a dictadura para a levar a effeito.

Por aqui se vê claramente, qual o empenho, que o illustre chefe do partido regenerador punha na promulgação da reforma do exercito.
Mas isto ainda não é tudo.

Eu hei de demonstrar que depois da morto de Fontes Pereira de Mello houve logo idéa de destruir aquella reforma. Tenho dados positivos para provar esta asserção. Eu afianço aos meus collegas, que depois da morte do illustre chefe do partido regenerador, houve idéa de destruir aquella reforma, mas durante a sua vida ninguém se atreveu a fallar em tal, agora, depois da morte de Fontes, é que tem havido grande vontade de revogar a sua ultima obra.
Mas continuando na questão de que tratava.

Eu tenho uma opinião firme, não costumo renegar as minhas opiniões; entendo, que a cavallaria e a infanteria é a base do exercito.

A infanteria e a cavallaria devem ser as primeiras armas a ser organisadas, e depois todas as outras devem ter a sua organisação subordinada aquella. Creio, que não é isto que se vae fazer, e por isso a infanteria e cavallaria estão descontentes.

Deviam deixar estar o que está, e o sr. Fontes dizia que não era conveniente estar a fazer organisações do exer-

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APPENDICE Á SESSÃO NOCTURNA DE 7 BE JULHO DE 1890 109G-G

cito muito a miudo. O governo ha de arrepender-se de não seguir esta theoria.

Mas, o governo o que se importa já com as opiniões do sr. Fontes? Elle já não existe, e então toca a destruir tudo quanto elle deixou.

Quem lhe diria a elle, que seriam os seus proprios amigos que dariam os golpes mais crueis em todas as suas medidas !

2.° Revogou o governo ou vae revogara reforma da camara municipal, que é do sr. Barjona de Freitas, com a responsabilidade de todo o partido regenerador.

S. exas. diziam, que era uma lei muito liberal e fizeram mesmo empenho que passasse nesta camara. Pois essa lei tambem já está condemnada.

3.° Revogou a lei da imprensa, que era do sr. Barjona de Freitas e de todo o partido regenerador, decretando outra draconiana.

4.° Revogou tambem o direito de reunião, depois do governo regenerador o ter mettido no ultimo acto addicional da carta constitucional. Pois nem a carta escapou!

õ.° Revogou a liberdade de associação, que está no código civil, e que é tambem do sr. Barjona de Freitas.

6.º Revogaram a lei, que permittia o julgamento pelo jury em quasi todos os crimes, excepto nos minimos, e que era proposta dos srs. Casal Ribeiro, José Estevão, Passos Manuel e bispo de Vizeu. Todos estes indivíduos deviam merecer de s. exas. maior respeito e admiração.

7.° Revogou tambem a reforma eleitoral da camara dos pares, que foi feita d'elle sr. Fontes por occasião das reformas politicas.

Eu creio que o partido progressista tinha apresentado uma proposta para modificar esta lei, mas essas idéas eram nossas, e o governo tinha obrigação de governar com os seus principios e não destruir os actos mais importantes dos seus homens mais eminentes.

8.° Revogou ou vae revogar a lei de instrucção primaria que é de Sampaio, e com a qual o partido regenerador tanto se orgulhava.

Depois disto o que fica?

A vaidade balofa dos srs. ministros e as suas medidas reaccionarias e tributarias.

Pobre partido a que estado te reduziram e pobre paiz que se deixa governar por homens1 sem idéas, sem planos e sem criterio.

Quem via estes homens quando deputados da opposição, criticarem todas as medidas do governo, chegava a suppor que elles valiam alguma cousa, e que teriam estudado e preparado alguns projectos que tivessem jeito.

Qual tem sido a surpreza de toda a gente quando examina o que este governo tem feito e nada encontra de útil e proveitoso!

Quizeram mostrar-se dictadores e tornaram-se ridículos.

Quizeram mostrar-se financeiros, e se não formos parar á bancarota é por milagre.

Legislando sem critério, dão cabo de tudo quanto de bom tinha feito o seu partido.

Ás leis mais importantes que levaram largos ânuos a elaborar, foram exterminadas pelos decretos da dictadura, e as que ainda o não foram está sobre ellas eminente o cair-lhe o garroto em cima. Os actuaes ministros renegam tudo quanto é do seu partido.

Tenho passado em revista as idéas e opiniões do sr. ministro da fazenda e do sr. relator do projecto, permitta-me v. exa., sr. presidente, que eu agora me refira a alguns dos assumptos de que tratou o sr. Teixeira de Vasconcellos.

Censurou s. exa. o luxo das escolas industriaes, por causa dos muitos professores largamente remunerados.

S. exa. disse que havia muitos professores largamente dotados, com grandes ordenados. Eu admitto que s. exa. tenha essa opinião, porque cada qual tem o direito de ter a opinião que quizer: mas se s. exa. tem essa opinião, o que eu não comprehendo é como dá o seu apoio ao governo, que faz exactamente o contrario do que s. exa. entende.

Pois o governo podia reformar ou alterar a organisação dessas escolas.
Mas não fez isso, conservou o que estava e ainda ampliou mais. Prova de que achou bom.

O sr. Arouca transformou a escola de desenho que havia em Portalegre, em escola industrial, augmentando a despeza era 6:000$000 réis; isto é, organisou aquella escola com o mesmo luxo que s. exa. condemna.
Mas ha mais ainda.

O sr. Eduardo José Coelho creou uma escola industrial em Braga, mas como essa escola não podia começar logo a funccionar, s. exa. abandonou o ministerio sem ter nomeado os professores. Subiu ao poder o tal governo das economias, e desde logo nomeou os professores para aquella escola, que lá estão a ganhar sem trabalhar.

Com que auctoridade moral vem então accusar o governo progressista de ter feito esbanjamentos, uma vez que nomearam professores para uma escola que ainda não funcciona e que já custa 6:000$000 réis?

Eu mostrarei ao sr. Teixeira e Vasconcellos o que fez o governo.

O sr. Eduardo José Coelho entendeu e muito bem, que era um pouco pesado estar o governo a pagar a professores que não trabalhassem, e por isso não os nomeou.
Veiu o sr. Arouca, um ministro económico, e o primeiro cuidado que teve, foi nomear os professores. Poucos dias depois de ser ministro estavam nomeados todos; mas note-se que a escola ainda não funcciona.

Isto é roupa de francezes? Já os srs. ministros fazem como os francezes fizeram quando cá vieram?

Se s. exas. vêem pedir sacrifícios ao povo para fazer estas cousas, o povo deve responder-lhe com o basta.

O sr. Arouca encontrou em Portalegre uma escola de desenho industrial com a qual se despendiam 900$000 réis e como achasse pouco transformou-a logo em escola industrial, gastando-se com ella 6:000$000 réis. É por isso que eu digo: para amigos, mãos rotas.

O governo faz ouvidos de mercador quando se lhe falla de economias.

S. exas. vão ver o sudário que aqui tenho e que vou expor á camara. Quando tratar da parte financeira deste projecto verão s. exas. com que auctoridade o governo vem pedir sacrificios aos povos.

Disse o sr. Teixeira e Vasconcellos que o sr. Marianno de Carvalho não tinha podido conseguir a contribuição industrial por meio de licenças.

Como v. exa. sabe, quem se escapa ao pagamento do imposto são aquelles que não querem pagar.

E quem tem a responsabilidade deste facto? São s. exas., que aproveitaram para fazer politica de um movimento que se levantou no paiz, desorientando a opinião pnblica, instigando esses que não querem pagar, para se levantarem contra o que a lei mandava.

Assim é, que s. exas. deitavam lenha para o lume.

Era, portanto, natural que os relapsos, que não queriam pagar se levantassem contra essa exigencia. S. exas. faziam isto que acabo de dizer, em logar de auxiliarem a organisar as cobranças para se obrigar aquelles que deviam pagar.
Não era uma contribuição nova que se ia pedir ao povo, era a regularisacão de uma contribuição já existente para obrigar a pagar os que se isentavam pelos mil processos ardilosos que o contribuinte inventa.

Se v. exas. não tivessem atacado o governo do modo como atacaram, talvez não se vissem agora na necessidade de lançar os 6 por cento.

S. exas. censuraram acremente, quando opposição, o projecto dos quarteis, dizendo que era um meio para o go-

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verno progressita fazer politica. O governo progressista não teve tempo de executar esse projecto e o governo actual tambem não tem pressa do lhe dar execução.

Se não concordam com elle, porque não trazem outro? O governo não o faz, porque es»c projecto não dá empregos onde possam anichar amigos.

Estão aqui deste lado da camara dizem uma cousa, vão para ali para as cadeiras do poder já dizem outra, e isto não póde ser, é necessario que o governo tenha um plano detalhado, que tenham convicções arreigadas, de contrario estamos a brincar com o paiz.

S. exas. queriam augmentar as receitas! Não tivessem feito quando opposição com que as licenças não fossem por diante, porque as licenças eram boas, obrigavam a pagai-os que se queriam escapar, e que se escaparam, graças aos processos da opposição.

Ainda bem que vejo presente o sr. Serpa Pinto; eu desejava conversar com s. exa.

Quando se discutiu a fixação da força publica tive a honra do apresentar uma proposta analoga á que s. exa. apresentou em 1888, para que a força publica, fosse fixada em 50:000 homens; eu declarei que votava o projecto tal qual estava, mas que fazia esta proposta que tinha sido apoia da pelos seus correligionarios quando foi apresentada por s. exa. Pois quer s. exa. saber o que me fizeram? Zangaram-se commigo; ficaram furiosos; eu tive pena que s. exa. cá não estivesse presente para me defender.

(Interrupção do sr. Serpa Pinto.}

Apesar da minha idéa ser muito sensata, porque era copiada da de s. exa. não ma acceitaram; s. exa. disse n'aquella occasião que os 30:000 homens não chegavam para dar a devida instrucção ao exercito e que havendo dinheiro apenas para pagar a 23:000 homens não permittia que os diversos regimentos tivessem a instrucção necessaria.

Ora isso é o mesmo que se dá hoje e ainda as circumstancias são mais aggravadas.

(Interrupção que se não percebeu.}

Peço perdão, v. exa. tambem não é absolutamente exacto, s. exa. está um pouco confundido.

S. exa. sabe que onde se dá a instrucção é na brigada que está reunida em Monsanto, e sabe tão bem, como eu, como é composta essa brigada e que os corpos que para ali deram contingentes estão sem ninguem.

O outro dia, o regimento de infanteria n.° 12, que tem um contingente na brigada, tendo necessidade de reunir uma força mais numerosa na cidade da Guarda, onde tem o seu quartel, teve de ser reforçado com um destacamento de infanteria n.° 23, que está era Coimbra!

Note a camara, que eu tambem desejo que os corpos estejam em força sufficiente para poderem receber a devida instrucção, mas é com gente pertencente aos próprios regimentos e não com os contingentes de outros corpos, porque isso produz uma amalgama incomprehensivel.

Assim nem ganha a instrucção nem a disciplina. O regimento instrue-se e manobra com todos os seus soldados no completo, com todos os seus officiaes. É assim que entendo as cousas.

Disse o sr. Teixeira de Vasconcellos, referindo-se á minha humilde pessoa: pois então o illustre deputado quer economias e vem pedir augmento da força do exercito?

Os nossos collegas do Minho, em se lho faltando em augmentar mais uma duzia de soldados, não ha quem os ature.

Todos sabem, que os povos do Minho têem grande horror á vida militar; mas é necessario que os cavalheiros influentes convençam o povo de que não ha motivo para esse horror. No Minho faz-se tudo para livrar um rapaz do serviço militar. Soube outro dia, que em Santo Thyrso foram á inspecção vinte mancebos ha dois annos, ficaram apurados creio que dez ou doze e d'ahi a pouco não estava lá nem um só; tinham todos emigrado por Vigo, para o Brazil, protegidos pelos influentes locaes.

O sr. Teixeira de Vasconcellos: - Em Amarante não succede isso.

O Orador: - Então felicito a s. exa. porque o povo de Amarante não tem reluctancia para o serviço militar!!

E caso para se lhe levantar uma estatua e dar os parabéns a s. exa. por tão grande conquista.

Tambem disse s. exa. «que não era necessario desenvolver as bellas artes!» Então para que se vão crear o ministerio das bellas artes?! Se não são necessárias as bellas artes, a que fica reduzido o pobre ministerio do sr. Arroyo? Daqui a pouco não serve tambem para a instrucção e então para que é o ministerio da instrucção publica. (Apoiados.}

Ora v. exa., quando tratou de analysar a administração progressista, chorou lagrimas, não direi de sangue, sobre esta desgraçada herança, que dos ministros progressistas passara para os ministros regeneradores! Ahi, fez v. exa. uma verdadeira jeremiada e chorou lagrimas pungentes sobre essa desgraçada administração e sobre a herança, que do partido progressista passara para o regenerador.

Vou mostrar quaes são essas enormes dificuldades que o partido progressista legou ao seu successor e como o governo as attenuou.

Vou agora fazer a diligencia de começar a entrar na parte económica e na parto financeira da actual administração; vou agora analysar as receitas e as despezas feitas pelo governo progressista e pelo governo regenerador para provar á camara e ao paiz, com que auctoridade o governo vem pedir os impostos!

Fui aos orçamentos, estudei os quanto me foi possível, e estou habilitado a responder categoricamente às asserções do meu illustre amigo o sr. Teixeira de Vasconcellos, e afiançar-lhe que a herança legada pelos progressistas não foi absolutamente nada desgraçada; v. exas. é que a têem tornado verdadeiramente lastimosa.

No orçamento feito para este anno pelo sr. Augusto José da Cunha encontra-se, segundo a confissão do sr. Franco:

[Ver tabela na imagem].

Entra o governo regenerador em 13 de janeiro e começa a gastar á larga, sendo logo o orçamento modificado da seguinte maneira:

[Ver tabela na imagem].

O sr. ministro da fazenda diminuiu de propósito as receitas para que o deficit apparecesse maior e tanto que nestas receitas faltam as verbas que o sr. Franco passou para o fundo permanente da defeza nacional e que constituiu receita do estado.

Se os progressistas continuassem no poder o orçamento estava perfeitamente equilibrado, porque o augmento da receita e as sobras dos ministérios chegavam de sobejo para cobrir este deficit de 838:000$000 reis.

Todos sabem que em todos os ministerios ha muitas sobras provenientes de varias causas taes como mortes dos empregados, licenças, etc. etc.

No ministerio da guerra que é aquelle que conheço melhor, ha pedidos de licença registrada, ha mortes, inactividades temporarias, etc. e tudo isto dá sempre sobras.

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APPENDICE Á SESSÃO NOCTURNA DE 7 DE JULHO DE 1890 1096-I

D'esta maneira o orçamento póde dizer-se que ficava completamente equilibrado. Se o governo progressista quando esteve no poder gastou á larga como dizem os illustres deputados, parece que o governo regenerador, quando subiu ao poder não devia gastar tão á larga.

No orçamento elaborado pelo sr. Augusto José da Cunha as receitas eram de 41:000 e tantos contos de réis e no orçamento elaborado pelo actual sr. ministro da fazenda essas receitas desceram logo a 39:000 e tantos contos de réis. Como é que o orçamento se reduziu em tão pouco tem pó do 41.000:000$000 réis a 39.000:000$000 réis?

É que, o sr. ministro da fazenda começou a esmo, á sua vontade a passar para o fundo da defeza nacional receitas que eram incluidas no orçamento ordinário. E evidente que assim deviam diminuir no papel naturalmente as receitas. Como já disse e repito, o fim do governo foi exclusivamente comprometter o mais que lhe foi possivel á administração transacta para depois mostrar que tinha feito uru grande serviço ao paiz. Como o seu fim era apenas este, tratou, como disse, de diminuir quanto póde a receita, não entrando em calculo as receitas que podiam produzir os cereaes como demonstraram os srs. Mattozo Santos e Ressano Garcia, baixando por um jogo malabar de cifra a receita de réis 41.000:000$000 a 89.000:000$000 réis. Desde o momento em que o governo propositadamente foi diminuir as receitas o augmentar as despezas, havia de apparecer necessariamente um desequilíbrio muito grande, o assim póde o sr. ministro arranjar um deficit nas receitas ordinárias de 3.407:000$000 réis. (Apoiados da esquerda.)

Por este processo queria v. exa. mostrar, que a situação que lhe legara o partido progressista era detestavel.
Vamos á gerencia do anno de 1889-1890.
N'esse anno, temos:

[Ver tabela na imgem].

Vê-se, pois, que o equilibrio estava estabelecido entro as receitas e as despezas ordinarias.

Voltemos às contas de 1890-1891, e mostremos, segundo os dados do relatorio do sr. ministro actual da fazenda, quaes os encargos para este anno:

[Ver tabela na imagem].

Este é o deficit calculado e confessado.
O deficit real ha de ser muito augmentado; e isto não obstante os impostos que se vão lançar.
Não é diflicil provar, que o defficit ha de ser maior, porque não entrei em conta com as despezas ultramarinas, que em geral sempre excedem as verbas orçamentaes. Portanto, o deficit ordinario e extraordinario para 1890-1891 ha de ser superior a 5.913:000$000 réis, numeros redondos; mas eu posso dar a infeliz noticia á camara de que o deficit ha de ir alem de 8.000:000$000 réis.

Ora, o paiz vae pagar o sacrificio de 6 por cento, mas o sr. ministro da fazenda já nos diz que o deficit ha de ser superior a 8.000:000$000 réis.

São as conclusões que eu posso tirar dos dados apresentados pelo sr. ministro da fazenda.

Ora, se o estado das nossas finanças não nos devia assustar muito por um lado, por outro lado a attendermos a que o governo vae na vertigem das despezas, com certeza nos devemos amedrontar.

Emquanto aos encargos da divida publica vejo que do exercicio de 1889-1890 para e de 1890-1891 ha um excesso de 352:000$000 réis.

Já s. exas. vêem que a verba destinada para encargos da divida publica vae crescendo de uma maneira assustadora de exercício para exercício, e é effectivamente doloroso sabermos que 50 por cento das receitas publicas sejam destinados para pagar os encargos da nossa divida.

Ainda podiamos ter esperança do que parassemos na vertigem das despezas, mas vejo com magna que nada d'isso succede.

Este governo tem gastado largamente, sem conta, peso, nem medida.
Tenho o dever de como deputado da nação, fiscalisar o emprego dos dinheiros publicos.

O que eu acho verdadeiramente extraordinario é que os illustres deputados se zangue com o que eu digo, e não queiram que nós nos zanguemos quando s. exas. dizem que o partido progressista foz uma administração desgraçada, o que não é verdade.

O sr. Abilio Lobo: - Foram os correligionarios de s. exa. que o disseram.

(Ha outros apartes.)

O sr. Presidente: - Eu peço aos srs. deputados que não interrompam o orador.

O Orador: - O que é que os meus correligionarios disseram? Que o governo progressista augmentou as despezas.

É exacto; mas eu já hoje tive occasião de demonstrar á camara, que esses augmentos foram votados com applauso unanime de todos os illustres deputados regeneradores.

Os illustres deputados querem agora fulminar o partido progressista, dizendo que foi a sua administração que provocou a necessidade de novos impostos; e não querem que nós nos defendamos dessa arguição? (Apoiados.)

Eu já disse, que não quero melindrar nem offender ninguem.

A minha questão não é com os illustres deputados, é com o governo, porque é este que responde pela applicação dos dinheiros publicos.

Para que estão pois a zangar-se commigo, quando eu estou muito bem com e. exas.?

O illustre relator disse e disse muito bem, que, para se chegar ao equilibrio orçamental era necessario diminuir a despeza e augmentar a receita. Perfeitamente de accordo.

É claro, pois, que o illustre deputado deve dar o seu apoio ao governo com a condição do que elle faça economias e augmento as receitas.

Mas o que eu desejava era que o illustre deputado me disse quaes eram as economias feitas por este governo.

Pela minha parte declaro a v. exa., que nem eu, nem nenhum dos meus collegas d'este lado da camara podemos ainda descobrir onde é que estão as economias feitas por este governo.

O que nós vemos é que as despezas feitas pelo partido progressista, e que tão censuradas têem sido, estão sendo ainda mais augmentadas pelo actual governo.

Se os illustres deputados sabem onde o governo, fez economias digam, porque eu, por mais que procure, não sou capaz de encontrar.
Mas continuemos. Eu tenho aqui cousas curiosas.
Vamos às despezas com o ministerio do reino.

Para poder comparar a despeza que se fez o anno passado pelo ministerio do reino com a deste anno, imaginei que esse ministerio ainda estava reunido ao ministerio da instrucção publica.

Vou, por consequencia, ver qual a despeza feita pelos dois ministerios para fazer a comparação e encontro o seguinte:
Despeza:

Ministerio do reino e de instrucção publica em 1890-1891:

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1096-J DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

[Ver tabela na imagem].

É quanto nos vera a custar o prazer de vermos ministro o ar. Arroyo. Taes são as economias que o governo nos apresenta.

Em todos os ministerios ha um acrescimo de despeza no exercicio de 1890-1891 comparado com o de 1889-1800.

Mas nós é que somos esbanjadores. E já que o somos, como s. exas. dizem, bom era que se contentassem com os nossos esbanjamentos, mas vão muitissimo mais alem. (Apoiados.)

Vamos ao ministerio da justiça:
Até n'este ministerio houve um esbanjamento enorme.
Nos annos seguintes a despeza foi:

[Ver tabela na imagem].

No ministerio da justiça em que se augmentou a despeza apenas com o ordenado dos juizes, que dizem ser de 27:000$000 réis, vemos a verba orçamental acrescentada com perto de 198:000$000 de réis; ainda assim creio que os emolumentos não perfazem a differença de 27:000$000 réis para 198:000$000 réis! O outro dia o sr. Elvino de Brito, fazendo o calculo, disse que o mínimo da despeza com o ordenado dos juizes e delegados, era de 80:000$000 réis a fora os emolumentos. O que eu sei apenas, é que o ministerio da justiça pediu a mais do que o anno passado 198:000$000 réis para gastar nas despezas. O mesmo aconteceu em outros ministerios onde se não recebem emolumentos.

Ministerio dos estrangeiros:

Até n'este ministerio se augmentaram as despezas. N'estes ultimos annos as despezas com este ministerio foram as seguintes:

[Ver tabela na imagem].

O sr. Hintze augmentou em 97:000$000 réis a despeza de um anno para outro, tendo gerido a sua pasta apenas cinco mezes!

Estas é que são as economias do actual governo.
Para que passou o sr. Hintze os consulados do Antuerpia, Riga e Bordeus a 1.ª classe? Só com isto augmentou a despeza em 11:000$000 réis.

O augmento de 39:000$000 réis que se deu de 1886-1887 para 1887-1888 resultou da creação dos consulados de Cantão, Pretoria, Demorara, Honolulu e S. Francisco da California, cuja necessidade era de todos conhecida.

E o governo progressista teve de fazer despezas extraordinarias com as exequias nas cortes estrangeiras por alma de Sua Magestade El-Rei o senhor. D. Luiz I.

Mas o sr. Hintze Ribeiro gastou mais 97:000$000 réis de que no anno anterior, tendo gerido apenas cinco mezes aquella pasta.

São estas as economias que o governo actual faz, e depois quer ter força moral para ir pedir mais dinheiro ao paiz. (Apoiados)

Ora, estas despesas, que são muitas, foram feitas, em parte, porque se passou de 2.ª para 1.ª clase os consulados do Antuerpia, Riga e Bordéus.

Outras foram feitas com as diplomacias do sr. Hintze em Londres e com o sr. Barjona.

Eu não sei o que originou a passagem d'estes consulados de 2.ª para 1.ª classe.

Não me consta, que os cônsules, que ali estão, fizessem mal o serviço, pelo menos nunca ouvi fazer reclamação alguma. Esse serviço não augmentou; portanto para que foi esta elevação, de 2.ª a 1.ª classe, d'aquelles consulados?
É facil a resposta.

Os amigos exigiram e o sr. Hintze fez-lhe a vontade.
Bemdito sr. Hintze e bemdito governo, que tanta complacencia tem para com os amigos á custa dos dinheiros do povo.

E o governo progressista é que foi esbanjador?!
E v. exas. é que são os economicos?!
Eu admiro como se atrevem a fazer taes declarações depois d'estes factos tão esmagadores!

O sr. Hintze pediu para despezas diversas do seu ministerio mais 71:000$000 réis e para despezas extraordinarias mais 25:000$000 réis, o que perfaz a bonita quantia de 90:000$000 réis.

Vamos agora ao ministerio das obras publicas. Vejamos o que em cinco mezes de gerencia gastou o sr. Arouca, que se quer apresentar aqui como heroe das economias.

Este ministerio, como v. exa. póde imaginar, mereceu-me uma especial menção. Quando vejo apresentar-se aqui aquelle ministro querendo fazer a figura do Catão, inculcando-se como ministro de economias, quando no seu ministerio não tem feito senão esbanjamentos escandalosos que ferem a dignidade do paiz, tive de ir estudar, porque desejo censurar o ministro se os seus actos não estiverem em harmonia com as suas palavras. Posso dizer á camara que as despezas no ministerio das obras publicas, excedem tudo quanto se possa imaginar. V. exas. vão ficar espantados, e, embora não queiram confessar, hão de dizer no seu intimo: «Não sabiamos nada disto» ! O orçamento custa muito a estudar, ainda bem que mo provocaram, porque para a outra vez terei mais facilidade em estudal-o.
Ministerio das obras publicas.
Despezas ordinarias:

[Ver tabela na imagem].

No anno de 1890-1891 comparado com 1889-1890 ha um augmento de despeza na importancia de 513:000$000 réis.

Pois então o ministro que quer arvorar a bandeira das economias não se contenta com o orçamento do ministerio progressista, que na opinião de s. exa. era esbanjador, e augmenta sobre esse, mais de 513:000$000 réis! (Apoiados.)
Pois então, se um ministro que faz isso é um ministro economico, e o governo progressista, na opinião de s. exa., foi um governo de esbanjadores, está desvirtuado o sentido das palavras. (Apoiados.)

[Ver tabela na imagem].

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APPENDICE Á SESSÃO NOCTURNA DE 7 DE JULHO DE 1890 1096-K

Portanto é esta a differença para mais no exercício que terminou em 30 de junho.

Foi quanto o ministerio das obras publicas gastou nos ultimos cinco mezes da sua gerencia. É este o governo das economias! (Apoiados.)

Depois de apresentar este sudario, como terão s. exas. a coragem, e a força moral para votarem o augmento de 6 por cento a todos os impostos? (Apoiados.)

Nas despezas ordinarias gastou o ministerio das obras publicas, a mais do que estava calculado, 1.341:000$000 réis.

Nas despezas extraordinarias gastou em obras publicas 4.472:933$693 réis.

Portanto só neste ministerio no exercício de 1889-1890, que já terminou, gastaram-se 10.456:291$532 réis. (Apoiados.)

Vamos a destrinçar isto e ver em que se gastou esta aluvião de dinheiro.

Vamos a ver como todas as verbas foram excedidas e como houve pouco cuidado nas despezas publicas.

As eleições foram o factor mais poderoso para o augmento das despezas que se deu no ministerio das obras (Apoiados.)

Notem s. exas. para despezas eventuaes, averba orçamental do ministerio das obras publicas era de 40:000$000 réis; pois agora pedem 105:000$000 réis! Isto é, mais 60:000$000 réis do que a verba que estava calculada!... Isto é pasmoso!

Esta verba das despezas eventuaes têem soffrido as seguintes alterações:

[Ver tabela na imagem].

Em que gastou o sr. Arouca esta enorme quantidade de dinheiro?
E note-se, que o sr. ministro das obras publicas geriu a sua pasta apenas cinco mezes. Imagine-se o que ha de ser este anno! É verdade, que o sr. ministro da fazenda diz que fechou a porta, mas o sr. ministro das obras publicas ha de abril-a com chave ou com gazua. (Riso.)

Ora, para que pede o sr. Arouca este considerável augmento de dinheiro?

Eu não encontro explicação do motivo por que se gastaram estes 100:000$000 réis em despezas eventuaes. É possível que o sr. Arouca a dê; mas elle não quer dar explicações, e portanto nós não servimos aqui para nada; somos verbos de encher. (Apoiados.) Os meus collegas que se resignem a este papel; eu não estou resolvido, porque a minha obrigação é zelar os dinheiros públicos e saber em que elles foram gastos.

S. exas. são maioria; têem o numero, votem, mas devem exigir que o governo que apoiam diga em que gasta o dinheiro. Eu pela minha parte quero sabel-o, (Apoiados.)

S. exas. dizem que o governo progressista avolumou as despezas; pois s. exas. avolumaram-nas ainda mais, como succede às despezas eventuaes do ministerio das obras publicas, na importância de 105:000$000 réis! (Apoiados.)

E depois vem dizer que fizeram economias, e nós esbanjamentos e é em virtude dessas economias que vêem pedir mais impostos.

Eu sei sommar, e por consequencia não preciso da arithmetica do Besout. O sr. ministro da fazenda é que necessita. Continuemos, porque temos muito que ver.

Vamos ver no capitulo 6.° Diversas obras, estamos ainda no ministerio das obras publicas.

V. exas. vão ver. Não imaginam o sudário que aqui está!

V. exas. fizeram mal em me provocar, porque já deviam conhecer que eu não era homem que se provoque assim:

[Ver tabela na imagem].

Que escandalo!

Para onde foi este dinheiro?

Que destino deu o sr. ministro das obras publicas ao dinheiro do povo. Isto é para apitar!

Eu comprehendo, que num anno excepcional se gastasse mais; mas vou a todos os annos e encontro verbas pouco mais ou menos approximadas e em anno nenhum encontro verba que se approxime de 1.387:000$000 réis. (Apoiados.)

Onde se gastou este dinheiro? E têem s. exas. a coragem de vir para aqui dizer que em virtude da má administração progressista é que se viam obrigados a lançar impostos!

Isto é falso. (Apoiados.)

Isto não se diz, a não ser que s. exas. supponham que deste lado da camara não ha quem seja capaz de estudar o orçamento. Bastava reduzir esta verba a metade para termos logo uma economia de 700:000$000 réis, que é metade do que ha de render os 6 por cento.

Vamos á escola industrial de Braga.

Esta escola foi creada pelo governo progressista em 23 de fevereiro de 1888. Foram muitos os pedidos, como póde suppor-se, para se fazerem logo as nomeações de professores para essa escola, mas o governo progressista resistiu a todas as pressões e não os nomeou nem mesmo em testamento, porque entendeu não dever nomeal-os sem a escola funccionar.

Chegaram os regeneradores e essas nomeações foram immediatamente feitas, não obstante a escola ainda não funccionar! Mas os professores e o restante pessoal começaram desde logo a ganhar.

Isto é inacreditavel! (Apoiados.)

Querem v. exas. ver qual é a verba que nos vae custar a escola industrial de Braga?

[Ver tabela na imagem].

Parece, sr. presidente, que fizemos alguma descoberta de minas de oiro e que estão todas em exploração e por isso podemos gastar milhões quasi inutilmente.
Sr. presidente, o que é extraordinario é que a escola industrial de Braga está próxima do lyceu, dando-se o caso de se ensinarem ao mesmo tempo disciplinas iguaes em dois estabelecimentos do estado! Isto não é uma duplicação desnecessaria? Não é um esbanjamento enorme e escusado?
Pois nós estamos tão ricos, que se atire assim o dinheiro á rua?
E o povo, desgraçado, ha de pagar para tudo isto?!
Isto traz uma despeza enorme.

Creou-se a escola industrial de Braga, mas como n'aquella cidade ha um lyceu de primeira classe, onde se lecciona o

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1096-L DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

francez e o inglez, parecia que na escola industrial de Braga não era preciso crear cadeiras onde se ensinassem estas línguas.

O sr. Alves Passos: - O illustre deputado está a fallar no escola industrial de Braga, que desconhece completamente. Aquella escola foi creada pelo governo progressista, que nomeou quatro professores, uma professora, um amanuense e dois guardas.

Os quatro professores restantes cujas cadeiras estavam creadas pelo governo transacto, e que foram nomeados pelo actual sr. ministro das obras publicas.

O Orador: - Mas quem nomeou os professores para Braga, fomos porventura nós? Não disse o sr. Teixeira de Vasconcellos que as escolas industriaes eram um luxo e um esbanjamento?

Se o governo entendia, que era um esbanjamento para que não supprimiu esta escola cujo pessoal ainda não estava nomeado.

Na escola industrial ensinam-se muitas disciplinas que se ensinam no lyceu, e repito, os professores não foram todos nomeados pelo governo progressista. Para que se apressou o sr. ministro das obras publicas a fazer a nomeação d'esses professores?

Com que auctoridade despende o sr. ministro das obras publicas dinheiro que não é seu?

De mais, a escola industrial de Braga nem ainda funcciona...

Vozes: - Funcciona.

O Orador: - Já funcciona? As informações que eu tenho é que não funcciona. Ainda hontem recebi uma carta de Braga e de pessoa de toda a confiança, que me diz o que acabo de affirmar á camara!

O sr. Alves Passos: - Já, sim senhor; funccionam cinco cadeiras, e ainda ha dias acabaram os exames.

O Orador: - Como v. exa. diz que funcciona eu não o posso duvidar; mas em todo o caso, se s. exas. censuram a creação das escolas industriaes pela despeza que trouxeram para o thesouro, porque é que não estando ainda nomeados os professores para a escola de Braga, s. exa. os nomearam ?

O sr. Teixeira de Vasconcellos accusou o governo progressista de ter feito grandes esbanjamentos; mas então, não tendo esse governo nomeado os professores para Braça para que é que este os nomeou?

Isto é gastar á larga. Até ha uma verba, para tinta e outros artigos, de 300$000 réis. Parece que a tinta era para tomar um banho.

Tudo isto dá a bonita somma de 6:660$000 réis. E a respeito de industria em Braga, é melhor não faltarmos nisso. A minha questão é que o sr. Teixeira de Vasconcellos censurou o governo progressista pelo luxo das escolas industriaes, sem se lembrar que o governo regenerador sustenta, esse luxo e repete-o. Não discuto se ha escolas que foram bem ou mal creadas; o que digo, é que, se s. exas. encontraram as escolas decretadas, e não encontraram o pessoal nomeado, para que o nomearam?

O sr. Alves Passos: - Já declarei a v. exa. que a maior parte dos professores e o pessoal menor estava nomeado.

O Orador: - Mas não estava nomeado o pessoal todo como v. exa. ainda ha pouco confessou.

Portanto, para que nomeou este governo os restantes professores, augmentando a despeza, num anuo em que vae pedir mais impostos?

Para que é o luxo d'aquella escola com tão luzido pessoal, numa terra onde não ha industria e onde ha um lyceu em que se leccionam todas ou quasi todas as aulas que se vão leccionar na escola industrial?

Pois então as escolas são más porque nós as creámos, e são boas quando são creadas por v. exas.?

Vejam lá em que ficam?!

Mas eu desejava saber se quando o governo progressista caiu tinham sido publicados os decretos da nomeação dos professores no Diario do governo ?

O sr. Alves Passos: - Tinham, sim senhor.

O Orador: - Apesar de ler sempre com cuidado o Diario ao governo, não me lembro de ter visto essas nomeações.

O sr. Alves Passos: - Estavam nomeados alguns professores e depois foram nomeados os restantes, o mais Ínfimo dos quaes sou eu.

O Orador: - V. exa. é de certo o mais competente. Mas o que me consta é que, quando o ministerio progressista caiu, não estavam ainda assignados os decretos de todas as nomeações.

O sr. Alves Passos: - Estavam para ser nomeados pelo sr. Eduardo José Coelho, mas consta-me que illegalmente.

O sr. Eduardo José Coelho: - Quantos nomeou o sr. Arouca?

O Orador: - Eu ouvi dizer que os professores foram nomeados a 21 do janeiro e nós caimos ali desse me.

Tragam-me os Diarios de janeiro.

No Diario de 24 de janeiro aqui encontro nomeados uns poucos de professores para a escola industrial de Braga.

Se v. exa. querem ver aqui está o Diario. Mas a minha questão não é com v. exas. é com o governo. (Apoiados.)

O sr. Alves Passos: - Eu explico melhor. Foram nomeados tres professores estrangeiros, suissos, um de Braga que é já vitalio, quatro, e uma professora, cinco. Os quatro restantes foram nomeados depois. Desses, eu sou o mais indigno.

O Orador: - Eu já disse que v. exa. é de certo o mais competente.
O que vejo é que, sempre chegámos a apurar a verdade o que o sr. ministro das obras publicas nomeou, como eu disse, professores muitos ou poucos para a escola industrial de Braga. Já vê a camara que eu disse a verdade. Mas, se estavam nomeados alguns professores quando o governo actual subiu ao poder, para que os não demittiram?

Uma voz: - Isso não podia ser.

O Orador: - Não podia ser?

Então o governo demittiu em favor dos amigos funccionarios que tinham sido nomeados pelo governo progressista, e não podia demittir em favor do thesouro e do contribuinte?!

S. exas. imaginam que eu não lhe conheço a historia?!

O governo progressista tinha despachado o presbytero José Marques de Oliveira para a igreja de Santa Maria de Sande do concelho de Guimarães, e o sr. ministro da justiça a pedido do sr. Franco Castello Branco, demittiu este padre para nomear um amigo do seu collega da fazenda, o padre João Candido da Silva, abbade de Santa Maria de Gémeos, que é um grande influente politico.

Este grande escandalo poude fazer-se em favor de um amigo, agora em favor do contribuinte é que nada se póde fazer!

A minha questão nSo é com s. exa., é com o ministro. Aos ministros é que eu tenho de pedir contas das despezas exageradas que fazem. S. exas. fazem muito bem em pedir; eu, quaudo os meus amigos forem ministros, hei de pedir também. S. exas. pedem melhoramentos para as suas terras, eu não tenho que os censurar por isso. Entendo até que fazem muito bem. O que eu digo a s. exas. é que os professores foram nomeados em 24 de janeiro e o partido progressista deixou de estar no poder em 11. Eu fui ao orçamento do anno passado e não encontrei lá nada a este respeito, e fui ao orçamento deste anno e VI a escola de Braga largamente dotada e ainda outras cousas assombrosas.

Eu pergunto para que é que s. exas. repetem factos que condemnam. Se s. exas. dizem que isto é um escandalo, para que é que o praticam.

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APPENDICE Á SESSÃO NOCTURNA DE 7 DE JULHO DE 1890 1096-M

Vamos agora á escola industrial de Portalegre.

Em Portalegre havia uma escola de desenho industrial, mas o sr. Arouca, entendendo, que o anno era de vaccas gordas, transformou-a em escola industrial, com o tal luxo tão condemnado pelo sr. Teixeira de Vasconcellos.
A despeza que se fazia era a seguinte:

[Ver tabela na imagem].

O sr. Arouca entra para o ministerio das obras publicas e, entendendo que isto de pequenas despenas era cousa com que elle se não entendia, porque é contrario ao seu modo de ver, e ao programma do seu partido, transformou logo a escola de desenho industrial em escola industrial, e, em vez de 9004000 réis, fica a gastar-se 7:160$000 réis!

O que dirá a isto o sr. Teixeira de Vasconcellos? S. exa. não sabia estas e outras proezas do seu amigo Arouca, porque se não, não atacaria tão a fundo os progressistas.

Tambem fomos nós que fizemos esta despeza? S. exas. dizem que a creação das escolas industriaes foi mal feita, que se faz com ellas muitas despezas, mas não as reduziram, pelo contrario augmentaram-nas.

Eu comprehendo, que achassem mau o que se fez, estavam no seu pleno direito de quererem melhor.

Mas por que não reduziram essas e outras despezas que reputam exageradas?

Vejamos o luxo da escola de Portalegre.

[Ver tabela na imagem].

S. exas. estão não pleno direito de achar mau tudo o que nós fizemos; mas, porque é que não modificam o que lhes parece mau; porque e que o não revogam; e porque é que, ao contrario, o ampliam ainda? (Apoiados.)
Isto é extraordinario!

S. exas. teêm o plenissimo direito de analysarem a administração progressista e de a criticarem; mas, para terem auctoridade moral, é necessário, que não repitam o que ella fez. (Apoiados.} Ou então s. exas. são como os pregadores que dizem aos fieis: faz o que eu disser e não faças o que eu fizer?!

Mas vamos a ver para diante.

Estas duas verbas, como a camara vê, importam em perto de 13:000$000 réis. Se nós formos ver qual é a contribuição predial nos districtos de Angra, Funchal, Horta e Ponta Delgada, conheceremos que ella é tal, que este addicional de 6 por cento produzira treze contos e tanto.

Portanto e necessario augmentar com estes 6 por cento a contribuição predial de quatro districtos, para se fazer face a este augmento de despeza; para se pagar este esbanjamento!

Têem s. exas. o direito de exigir que estes quatro districtos paguem o augmento dos 6 por ceato para dar para estes esbanjamentos? (Apoiados.)

Para isto é que se vão pedir sacrificios ao povo portuguez?

E para pagar esbanjamentos que o sr. Teixeira do Vasconcellos acha luxuosos?

O sr. Arouca precisa lançar o augmento de impostos a quatro districtos para obter dinheiro para estas economias!

E para se pagar o que se tem feito na Azambuja que se querem mais impostos?!
E ainda no outro dia houve uma cousa extraordinária!

Fallando eu aqui das obras, que se estão effectuando no concelho da Azambuja, não me referi á camara municipal desse concelho; mas a camara municipal protestou, e indignou-se com o que eu aqui disse, como se eu me importasse com os protestos e as indignações d'aquella camara ou de quem quer que seja, quando eu digo a verdade e cumpro o meu dever.

Proteste e indigne-se a camara da Azambuja á sua vontade, que eu faço tanto caso desses protestos e dessas indignações como da primeira camisa que vesti.

Mas é extraordinario que a camara da Azambuja protestasse quando ou não fiz,uma única referencia sequer que lhe fosse desagradavel!

A camara municipal da Azambuja tomou as dores pelo sr. ministro das obras publicas.
A camara da Azambuja precisava de certos melhoramentos, e pediu-os ao sr. ministro. Fez muito bem.
O sr. ministro, que era amigo, fez-lhe esses melhoramentos. O sr. ministro é que tem a responsabilidade.

E como se eu pedisse a s. exa. que me arranjasse réis 100:000$000 para fazer a minha independência, e como se o sr. ministro nos arranjasse. A responsabilidade não era minha, era do sr. ministro.

A camara da Azambuja, que tinha a mamadeira e não a queria perder, veiu protestar. Pois proteste á sua vontade que isso hade incommodar-me muito.
Ora, imagina a camara da Azambuja que mo importa que clia proteste, quando só digo a verdade? !...

Proteste as vezes que quizer. Está no pleno direito de protestar, assim como eu estou no pleno direito de dizer aquilio que entendo (Apoiados.} e sobretudo de zelar os dinheiros do contribuinte. (Apoiados.)

A camara da Azambuja vae saber o que lucra com os protestos e o serviço que fez ao seu amigo Arouca!

O que é facto, é que se estão fazendo na Azambuja obras municipaes, que o sr. ministro das obras publicas paga com o dinheiro do thesouro.

Eu não censuro a camara municipal, quem eu censuro é o governo. A camara agora protesta porque eu disse que o sr. ministro das obras publicas estava fazendo favores aos amigos.

Repito, e confirmo o que disse, porque a construcção das estradas não foram dadas de arrematação, em praça, foram dadas aos amigos á, porta fechada.

O sr. ministro das obras publicas disse, que as obras eram feitas por conta do terço que o governo devia á camara municipal, mas então o. terço devia ser dado á camara municipal, e ella que mandasse fazer as obras a sua custa.

Era a camara quem devia pagar, e não o governo. Pois o governo póde mandar fazer obras de canalisação, estradas municipaes, tribunas em igrejas, dando-se os fornecimentos dos materiaes e a construcção d'essas obras, sem praça, sem concurso, aos amigos e á porta, fechada?!

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1096-N DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Formou-se ali um syndicato para fazer estas obras, de que até faz parte um caseiro do sr. Arouca.

E a camara municipal protesta por eu dizer isto, que são verdades?

Pois a camara imagina, que eu tenho medo? Eu não tenho medo da camara, nem de ninguem, quando estou no pleno uso do meu direito, zelando pelos interesses do paiz.

A camara não negou o facto; mandou um telegramma para um jornal, dizendo que estava indignada com o que. eu dissera, mas não disse que não era verdade.

A camara está indignada, mas mais indignado «ainda estou eu. A camara recebe o dinheiro, e indigna-se ainda por cima.

Isto tudo o que me faz parecer é que estamos em um paiz da Gran-Duqueza. Apanham a mamadeira, mamam e depois ainda choram.

Pois vão chorando que hão de lucrar muito com isso!

O sr. Arouca mandou fazer na Azambuja obras que deviam ser feitas por conta da camara, e que são as seguintes:

[Ver tabela na imagem].

Ora, 6 por cento sobre a contribuição predial dos onze districtos que em 1888-1889 pagaram:

[Ver tabela na imagem].

Portanto o sr. Arouca, n'esta despeza illegal, absorve o augmento da contribuição predial de onze districtos ou cento e vinte e dois concelhos!

É necessario que cento e vinte e dois concelhos paguem o addicional de 6 por cento para dar para este esbanjamento. E estes é que são os ministros das economias! O sr. ministro das obras publicas ha de fazer favores aos seus amigos e o povo ha de pagar mais 6 por cento de addicionaes para pagar esses favores?! É para isto que nós todos havemos de pagar, que eu hei de pagar do meu miseravel soldo mais 6 por cento?!

Este é que é o facto!

Vejam qual é o rendimento da contribuição predial dos districtos que apontei e tirem-lhe 6 por cento, verão que dá a conta exacta como acabo de apresentar á camara.

Todavia as despezas feitas com as obras no concelho da Azambuja foram na importancia de 52:000$000 réis. Ainda ficava alguma cousa para mandar resar um cego.

Por isso digo, com que auctoridade moral este governo vem pedir ao paiz mais, o sacrificio de 6 por cento?! Continuemos.

Diz um jornal regenerador que o governo progressista deixou os cofres do estado exhaustos.

Vamos ver isto!

O sr. ministro da fazenda affirmou no parlamento que o sr. Eduardo José Coelho deixou o orçamento do ministerio das obras publicas completamente esgotado. Isto é falso, como vamos ver.

Percebe-se que convém ao sr. Arouca, para desculpar os seus desperdícios, e ao sr. Franco para arranjar argumentos com que justifique o seu famoso addicional, lançar todas as responsabilidades do augmento nas despezas aos seus antecessores, mas enganara-se. O paiz vae-os conhecendo melhor, e os números faliam mais alto do que as espertezas dos novos ministros.

Para provar que é falso o que se imputa ao ministro das obras publicas progressista, farei o corpo de delicto ao orçamento rectificado do sr. Franco, comparando o que n'elle se diz com as tabellas de despeza, approvadas por deecreto de 29 de junho de 1889
Vejâmos o que resulta desta comparação.
Conservação de estradas:

[Ver tabela na imagem].

Para um ministro economico seria mais que sufficiente este saldo para a gerencia de cinco mezes, tanto mais que é no primeiro semestre do anno, quando se fazem as distribuições pelos districtos que se gasta mais; pois não lhe bastaram 288:000$000 réis; o economico sr. Arouca pediu 50:000$000 réis. Vá a camara vendo estas bellezas, e vá o paiz notando o motivo por que lhe pedem mais impostos.

Pessoal e material de caminhos de ferro:

[Ver tabela na imagem].

No orçamento rectificado não se diz quanto estava gasto pela verba do pessoal, o que se sabe é que o económico sr. Arouca se não contentou com o saldo descripto e pediu mais 131:000$000 réis! Mas vamos andando que ha mais e melhor.
Correios, telegraphos e pharoes:

[Ver tabela na imagem].

No relatorio do sr. Franco, que precede o seu orçamento rectificado, denunciam-se diversos augmentos de despeza para transporte de malas, compras de carruagens e de material telegraphico e impressos, donde se depre-

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APPENDICE Á SESSÃO NOCTURNA DE 7 DE JULHO DE 1890 1096-O

hende que a verba de material e despezas diversas precisa ser reforçada com 30:800$000 réis.

Segundo diz o próprio sr. Franco nenhuma das outras verbas foi exedida. Pois o austero e zeloso sr. Arouca pede mais 142:000$000 réis!

Agora vamos ver o que e esbanjar dinheiro.

Diversas obras.

As tabellas de despeza auctorisam n'este capitulo:

Para as obras hydraulicas .................... 365:000$000
Edificios publicos o outras obras............. 370:000$000
Construcção e grandes reparações de pharoes .. 40:000$000
Fornecimento de madeiras ..................... 4:000$000
779:000$000

Diz-nos o sr. Franco no seu relatorio, que estava já requisitada toda a importancia da verba para edificios pullicos, e auctorisadas e em via de execução obras que tornavam indispensavel este augmento. Não notarei agora as tricas de que se serviu o governo por occasião das eleições, suspendendo obras auctorisadas pelo seu antecessor para suspender em seguida essas suspensões, basta consignar que o sr. Eduardo José Coelho deixou esgotada a verba de edificios publicos, o não excedeu nenhuma das outras auctorisações para diversas obras, como se vê do orçamento rectificado pelo sr. Franco.

Pois querem saber quanto o ultra-economico sr. Arouca pede a mais? 607:000$000 réis!! É pasmoso! Para pouco mais do cinco mezes pede este governo das economias quasi o dobro da verba orçamental, que o seu antecessor gastou n'um semestre inteiro. Mas não param aqui as economias. Para serviços agricolas pediu o governo quasi o dobro da verba orçamental, e não se diz no orçamento rectificado que o governo transacto tivesse esgotado a respectiva verba. Para serviços de instruccão industrial e commercial pede-se tambem quasi o dobro da verba orçamental, e igualmente se não affirma que as auctorisações fossem excedidas pelo sr. Eduardo José Coelho. Nas despezas eventuaes do ministerio pede-se mais 60:000$000, réis quasi o dobro da verba orçamental, e o sr. Franco não diz que a verba estava excedida. Alem disso o sr. Arouca exigiu mais 3:164$000 réis para outros serviços, sem se saber que serviços são estes, que nunca tiveram designação no orçamento. Haverá agora no ministerio das obras publicas despezas secretas? Aqui têem os leitores as economias do actual governo, eis-ahi está a quem o contribuinte vae entregar o producto do vexatorio e iniquo imposto do addicional de 6 por cento.

Que o paiz saiba a seriedade e intenções dos ministros que querem figurar de Catões.

E depois vêem dizer que s. exas. são economicos, e que nós é que somos esbanjadores!

Contra isto e que eu me levanto, e é por isso que eu digo que s. exas. não têem auctoridade para pedir impostos. Não se imagina o sudario que se encontra em toda a administração d'estes cinco mezes!

Vamos agora á defeza com a policia preventiva.

Isto é extraordinario!

Com a policia preventiva gastou-se desde 1 de janeiro até 13 de maio - em cento e trinta e tres dias - só em Lisboa, 45:000$000 réis.

Peço aos meus collegas que dêem attenção a este caso, que é grave e serio. Vou argumentar com os documentos officiaes.

São documentos vindos do ministerio do reino; não é nada inventado por mim; como não é inventado nada do que tenho dito. Vem tudo nos documentos officiaes.

Feita a proporção, corresponde a 61:000$000 réis em seis mezes, ou cento e oitenta e tres dias!

Emquanto o partido regenerador gastou nada menos de 61:000$000 réis, em seis mezes o partido progressista gastara n'um periodo igual, isto é, no primeiro semestre do anno economico corrente, 11:000$000 réis apenas!

Isto consta, repito, dos documentos officiaes, que os meus collegas podem examinar, porque aqui os tenho á sua disposição.

Isto é que é extraordinario, e tudo é tirado dos dados fornecidos pelo ministerio do reino!

Não são phantasias; é a verdade nua e crua.

É isto o que foi gasto pelo governo das economias, em nome das quaes se atreveu a vir pedir ao parlamento que lhes vote mais impostos!

Nunca se viu um impudor assim! Nunca vi um desprezo tão grande pela verdade e pelo paiz!

O que é facto, o que ninguem póde contestar, é que em seis mezes os regeneradores gastaram mais 50:000$000 réis com a policia preventiva do que os progressistas em igual periodo.

Se formos ver qual é o augmento que ha de produzir o addicional de 6 por cento lançado sobre a contribuição predial dos districtos de Lisboa e Coimbra, que têem cincoenta e quatro concelhos, conheceremos que esse augmento é de 51:000$000 réis.

Veja, portanto, o paiz que é necessario tributar com mais 6 por cento os contribuintes d'estes cincoenta e quatro concelhos para termos dinheiro que chegue para pagar o esbanjamento feito com a policia preventiva durante seis mezes.

Calcule v. exa. quanto saiu daqui para as eleições, porque naturalmente é onde foi parar este dinheiro. (Apoiados.)

Imagine v. exa. o que se fez com este dinheiro! Que de corrupções, que de veniagas não representa este dinheiro!

Pois o partido progressista em seis mezes gasta apenas 11:000$000 réis; e o partido regenerador, num período análogo, gasta a somma que eu indiquei á camara?!

E diz o sr. ministro da fazenda que é preciso tributar o paiz! Para que?! Para pagar estes escandalos?!!

Ainda se o governo tivesse feito economias, vá.

Mas, se, em logar de economias, fez esbanjamentos de toda a ordem!... (Apoiados.) Alem d'estes escandalos ha outros do mesmo jaez.

As economias serão as despezas com os officiaes que mandou violentamente reformar?

Eu não queria entrar neste caminho; mas, visto que o governo accusa o partido progressista de ser esbanjador, vamos a ver quem fez esbanjamentos?!

O governo actual, na sua idéa de reorganisar o exercito, começou a reformar officiaes a torto e a direito, começou a mandar á junta officiaes que podiam prestar ainda, e durante muito tempo optimos serviços.

Um distincto coronel de estado maior, VI eu com as lagrimas nos olhos porque lhe cortaram a carreira. E este official é muito distincto, está forte e robusto, tanto quanto é possivel estar-se n'aquella edade.

Este coronel do estado maior a que me refiro é o sr. Joaquim José Profirio Correia.

Este coronel quando lhe constou que ia ser reformado, foi ao ministerio da guerra e disse que se achava tão robusto que estava prompto a fazer o serviço, que fosse incumbido a qualquer capitão; que encarregassem qualquer capitão de um serviço por mais espinhoso que fosse, que elle o acompanharia e se porventura fraquejasse o reformassem então; mas que, emquanto isto não succedesse lhe não cortassem a carreira, porque desejava ainda servir o seu paiz e deixar monte pio mais vantajoso á sua familia.

Nada lhe valeu, o sr. ministro da guerra foi inexoravel com este official e com o thesouro.

O que succedeu a este, succedeu igualmente a muitos outros.

Nunca se viu uma ferocidade assim, nem um desrespeito

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1096-P DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tão grande pelas garantias dos officiaes, que durante largos annos serviram a patria com honra, brio e dignidade.

Nada d'isto valeu aos officiaes a quem o sr. Antonio de Serpa resolveu cortar a carreira (Apoiados.)

Desculpou-se s. exa. aqui outro dia, quando eu me referi a esse assumpto, dizendo que não era o culpado porque a junta dera por incapazes aquelles officiaes.

Mande s. exa. submetter á junta um individuo com quarenta ou cincoenta annos de idade e pergunte-lhe se esse individuo está perfeitamente bom. Verá o que lhe respondem.

Parece-me que, com difficuldade se encontrará um homem completamente sadio, de perfeita saude, com cincoenta annos de idade e tendo passado parte d'esse tempo na vida militar.

Agora o que não creio é que os officiaes que foram reformados estivessem completamente incapazes de todo o serviço, principalmente quando o exercito não vae entrar em campanha.

Disse o sr. Antonio de Serpa aqui o outro dia, que eu tinha atacado ou censurado a junta! Eu não censuro aqui senão o governo, que manda ajunta todos aquelles que deseja reformar, deixando então outros, que pelas suas idades pouco serviço podem prestar. E é sem appellação, nem aggravo!

Mas para que se reformaram tantos officiaes? Dizem que foi para metter o exercito no são.

Oh! sr. presidente, parece incrivel que isto se diga!

Os generaes que ficaram no serviço activo, e muitos coronéis, têem idade superior a maioria dos que foram reformados.

Mas, se o exercito ficasse no são, o thesouro é que ficava muito combalido, e tão combalido que o paiz tem de pagar mais impostos, e o povo de pagar todos os esbanjamentos, que cada um dos ministros se lembrou de fazer.

Ainda se estivessemos na imminencia de uma guerra, e fosse preciso que nos preparassemos para ella, vá, que isso se fizesse, mas n'uma epocha de paz, ir aggravar o thesouro com uma despeza tão avultada, não se comprehende. São 46:668$000 réis de despeza este anno até 30 de abril com os reformados do exercito e 17:160$000 réis com os reformados de marinha ao todo 63:828$000 reis! É pasmoso!

Emquanto estes officiaes existirem, gasta o paiz todos os annos perto de 64:000$000 réis! É assombroso! E, depois d'isto vem o governo pedir ao povo que pague mais impostos.

Só generaes de divisão e vice-almirantes reformados este anno até 80 de abril, foram 14; generaes de brigada e contra almirantes, no mesmo periodo, 13; total 27.

Vamos agora á guarda municipal e á policia civil.

O governo tremeu, e foi necessario entregar a sua conservação á policia, para que esmagasse o povo pelo crime de expandir o seu amor patriotico.

Fez-se um decreto destemperado, em dictadura, em que a guarda municipal do Porto tambem tem musica, e augmentaram-se figuras na musica da guarda municipal de Lisboa!

A musica da guarda municipal de Lisboa só serve para tocar na procissão do Senhor dos Passos, mas só esta parte da reforma custou 8:000$000 réis annuaes!

Pois quem faz esbanjamentos d'esta ordem, e em poucos dias tem uma historia d'esta natureza, póde ter a coragem de vir pedir impostos?

Sr. presidente, hei de empregar todos os meios ao meu alcance para esclarecer a camara e o paiz da inopportunidade e da pouca auctoridade que o governo tem para apresentar este projecto e exigir a sua approvação.

Governaram os progressistas, achando-se a guarda municipal e a policia civil organisada, como estava; mas apenas sobe ao poder o partido regenerador, publica, em dictadura, um decreto, em que a despeza com este serviço é augmentada em 156:313$848 réis!

Para que é tanta policia? O governo tem medo do povo? Se tem medo vá-se embora.

Eu não tenho duvida em policiar a cidade de Lisboa com seis cavallos; mas desde que se doem ordens destemperadas, é claro que não obedecem, e fazem muito bem em não obedecer. Se o governo tivesse o prestigio necessario para governar, não necessitava do mais policia do que a que tinha. Mas o governo teve medo e o paiz é que lhe ha de pagar esse medo com mais 6 por cento sobre todas as contribuições.

A par do augmentoda policia, vem o decreto restringindo a liberdade de imprensa.

Todos sabem a horrivel impressão que esse decreto causou, a ponto de que o sr. Thomás Ribeiro deixou de escrever para o seu jornal, não querendo sujeitar-se a deixar de dizer o que entendia em sua consciencia, nem a sentar-se no banco dos réus.

Eu tenho pena de não estar em Lisboa n'essa occasião e não escrever para os jornaes; se estivesse, desobedecia logo a tão absurda lei e escreveria contra a lei para defender as liberdades do meu paiz. Não me importava que me mettessem no Limoeiro ou no castello de S. Jorge ou a bordo de algum navio. Estiveram nas masmorras muitos homens notaveis no tempo de D. Miguel por defenderem as liberdades d'este paiz, e não era muito que eu lá fosse parar tambem pelo mesmo motivo. (Apoiados.)

Tenho pena, que o sr. Thomás Ribeiro não fosse mais energico; o que s. exa. devia fazer era escrever mais, e se o governo tivesse a coragem de o metter no Limoeiro, havia de lá ir ter muita gente com elle! Eu não me sujeito assim, havia de reagir, e hei de reagir sempre que as ordens sejam absurdas e inconvenientes! Quando o governo se substituo ao parlamento, é assim que se faz; era assim que o paiz devia responder. (Apoiados.)

Não se obedece a quem manda o que não póde mandar.

Trouxessem aqui a lei da imprensa e saisse ella com a sancção do parlamento que nada tinhamos que objectar.

Eu não tenho medo absolutamente nenhum da imprensa. Que me ataque á sua vontade! S. exas., que têem medo da imprensa, de alguma cousa se arreceiam. (Apoiados.) Mas o mais notável é que ninguém faz caso d'aquella absurda lei, e o governo não tem força para a fazer cumprir.

Eu não quero denunciar ninguem; mas pergunto a todos que me ouvem, não se vêem por ahi todos os dias artigos de jornaes, que deviam ser processados? Pois já viram proceder os delegados das respectivas varas ou comarcas contra algum jornal? Mas o peior e o arbítrio, porque emquanto que uns ficam livres, outros são condemnados.

Haja em vista o que succedeu com aquelle valente e brioso estudante de Coimbra que lá está na cadeia.

Pois o decreto diz, que se o delegado não cumprir o que n'elle se determina o procurador regio dá parte e o delegado é castigado. Pois não dá parte nenhuma; ninguem faz caso do governo!

Eu, se n'essa occasião estivesse na imprensa, tinha protestado e tenho pena, repito, que o sr. Thomas Ribeiro deixasse de escrever no jornal o Imparcial e não reagisse. Tinha muita gente ao seu lado; e se fosse para o Limoeiro era o mesmo, tinha ido por defender as liberdades do seu paiz. (Apoiados.)

No tempo de D. Miguel estiveram nas masmorras muitos liberaes, e se for preciso, eu lá vou. Tambem o sr. Serpa Pinto se sacrificou pelo seu paiz. (Apoiados.)
Isto é extraordinario!

Mas vamos continuando.

Sr. presidente, vou agora ao ministerio da guerra, para provar a v. exa. e á camara que não houve um só ministerio em que as despezas não fossem enormemente augmentadas. (Apoiados da esquerda.)

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APPENDICE Á SESSÃO NOCTURNA DE 7 DE JULHO DE 1890 1096-Q

Se ao menos se soubesse para onde vae este dinheiro era uma consolação; mas nem se sabe que destino elle tem.

Vozes: - Deu a hora.

O Orador: - Sr. presidente, é-me impossivel terminar as considerações que ainda tenho a fazer, porque já agora quero analysar toda a administração d'este governo, comparal-a com a do governo transacto que eu tive a honra de apoiar, para que todo o paiz saiba de que lado está a rasão e a justiça.

Como deu a hora peço a v. exa. a fineza de me reservar a palavra para a sessão seguinte.

Vozes: - Muito bem. Muito bem.

(O orador foi muito comprimentado pelos seus collegas.)

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