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N.º 25.

SESSÃO DE 31 DE MARÇO.

1855.

PRESIDENCIA DO Sr. SILVA SANCHES.

Chamada: — Presentes 81 Srs. Deputados.

Abertura: — Um quarto de hora depois do meio dia.

Acta: — Approvada.

CORRESPONDENCIA.

Officio: — Da camara dos dignos pares, participando que tendo alli sido adoptada a proposição de lei, enviada por esta camara sobre a accessão de Sua Magestade ao tractado de 8 de maio do anno passado, ácerca da ordem de successão eventual dos estados de El-Rei de Dinamarca, fôra reduzida a decreto de côrtes geraes, que foi sanccionado. — Inteirada.

O sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — O sr. João Damazio Roussado Gorjão offereceu, para serem distribuidos aos srs. deputados 100 exemplares de um folheio com o titulo de — Exposição franca, sincera p leal da humilde opinião de João Damazio Roussado Gorjão sobre as conveniencias de suprema importancia na situação actual do paiz. — Mandam-se distribuir.

O sr. Presidente: — A camara talvez queira que se declare que foi recebido com agrado ( Muitos apoiados). Então, assim se declarará na acta.

Representação: — Da camara municipal do concelho do Carregal, pedindo uns casebres que existem em Oliveira do Conde, em Cabanas e em Correllos, para os seus materiaes servi em de auxilio á construcção de uma casa para camara, tribunal de juiz ordinario, e outras repartições publicas. — Á commissão de fazenda.

Deu-se pela mesa expediente ao seguinte

Requerimento. — « Requeiro que se peça ao governo a cópia da consulta da commissão externa sobre a questão dos vinhos do Douro; e todos os mais papeis concernentes a tal objecto que serviram de fundamento para o decreto de 11 de outubro de 1852.» — Eugenio F P. Bastos, (como relator da commissão de vinhos).

Foi remettido ao governo.

SEGUNDAS LEITURAS.

1.º Proposta: — «Que seja revogada a resolução da camara, que estabeleceu, que nenhum projecto de lei que importasse augmento de despeza, entrasse em discussão sem que fosse ouvida a commissão de fazenda.» — F. J. Maia.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, é para dizer poucas palavras. O sr. Maia fez aquella proposta, naturalmente, porque ignora a existencia de uma lei — a de 6 de novembro de 1841 — que determina muito expressamente — não seja votada verba nenhuma de despeza, sem ao mesmo tempo vir indicada a fonte da receita donde ha-de satisfazer-se. Esta lei não está em desuzo, ou, se o está, não se acha derogada; e em quanto não fôr derogada, devemos pedir a execução dos seus preceitos. Por consequencia, nem a camara póde tomar conhecimento da proposta do sr. Maia; devendo, a ser coherente comsigo mesmo, primeiro que tudo fazer-se uma propo-la para ser derogado o principio salutar consi-

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gnado naquella lei. E para que é a lei! É para evitar que o governo traga qualquer augmento de despeza, sem ao mesmo tempo vir indicada a fonte de receita com que ha-de fazer face a essa verba de despeza. E na lei de 16 de novembro do mesmo anno de 1841 tambem está expressamente determinado que — não se proponha pensão alguma, sem haver, pelo menos, duas pensões vagas, uma para substituir u pensão proposta, e outra para ficar como economia; principio salutar de que nem os ministros nem a camara têem feito o menor caso. Pedi a palavra para fazer estas breves e pequenissimas considerações ao auctor da proposta. Parece-me que s. ex. acreditará no que digo, e convirá em que a sua proposta não podia ser offerecida á camara, nem discutida, e muito menos approvada.

O sr. F. J. Maia: — Sr. presidente, as observações do sr. deputado não são applicaveis á minha proposta; nella não se tracta de revogar, nem mesmo alterar a lei, que eu sei muito bem que existe. Mas o que julgo desnecessario é que, previamente a entrar em discussão, vá á commissão de fazenda qualquer proposta, ou seja de iniciativa individual de qualquer deputado, ou, ainda mais, de alguma das commissões da camara. Se a camara intender que deve approvar essas propostas para augmento de despeza, ella providenciará convenientemente aos meios de facear essa despeza; mas não incumbir unicamente á commissão de fazenda este cuidado. E assim evita-se o dizer-te o que se tem dicto desta commissão — que ella quer exercer uma especie de supremacia sobre as outras commissões.

O sr. Nogueira Suares: — A proposta do sr. Maia importa uma modificação no nosso regimento interno. Ainda ha pouco se sustentou aqui o principio de que todas as propostas que importassem augmento de despeza, fossem á commissão de fazenda; e o sr Maia intende que não se cumpra esta disposição regulamentar. E uma questão de regimento propriamente dicta. E pois que ha uma commissão especial para este objecto, proponho, como questão previa, que a proposta do sr. Maia vir a essa commissão, e que a camara não vote acêrca della sem a ouvir.

O sr F. J. Maia — Eu convenho em que a minha proposta vá á commissão do regimento.

O sr. Cunha Sotto- Maior. — Sr. presidente, opponho-me á proposta do sr. deputado que me precedeu, porque eu não acho na commissão do regimento auctoridade para alterar uma lei, que está em vigor, embora não seja cumprida. O meio facil; e unico de encarar esta questão e de a resolver, é uma proposta revogando a lei. Em quanto esta lei não fôr revogada a proposta do sr. deputado Maia, e a substituição offerecida pelo sr. Nogueira Soares não podem ser acceitas pela camara, porque não tem auctoridade nenhuma para por meio de um regulamento interno, que é o seu regimento, alterar uma lei. Ora, o pensamento da lei... é necessario que nós não vejamos só as palavras materiaes, mas vejamos o pensamento moral de uma disposição qualquer: qual e o pensamento da lei? O pensamento da lei é — que não se vote verba nenhuma de despeza, sem estar indicada a fonte de receita. A commissão de fazenda instrue qualquer proposta de um deputado com os esclarecimentos precisos, mas a commissão de fazenda não resolve; a commissão de fazenda e meramente consultiva, e não são imperai nas as suas decisões. O illustre deputado quer que qualquer proposta de augmento de despeza posa ser discutida sem se ouvir a commissão de fazenda. Não me importa que seja ou não ouvida, porque mesmo sendo ouvida, estando pela proposta para augmento da despeza, se o governo não estiver por ella, a discussão foi inutil, e não significa cousa nenhuma. E necessario, sr. presidente, em assumptos financeiros saber em primeiro logar se o paiz póde comportar todos os dias augmentos de despeza, Eu estou capacitado que o paiz não nada em dinheiro como muito gente se persuade; o paiz, o que se chama — o estado — está pobre, esta individado, está sobrecarregado de mil obrigações, e de mil contractos que não cumpre. Nós somos deputados; mas antes de o sermos eramos homens, e tinhamos ou mais ou menos inclinações e affectos; chegamos á camara, e um propõe uma pensão, outro um augmento de ordenado, outro um pagamento, e não ha dinheiro em Portugal para isso: o dinheiro não chega para estas cousas. A nossa despeza deve limitar-se ao restrictamente necessario, e fazer com que o paiz não esteja infinitamente acabrunhado com impostos novos, e applicados improductiva, illegal e arbitrariamente. Portanto eu voto contra todo o augmento de despeza.

O illustre deputado propõe um augmento de despeza, seria bom que s. ex. indicasse ao mesmo tempo a fonte de receita; então ficaria conservado o equilibrio. Sr. presidente, aqui não ha espirito de opposição, ha desejo de que por uma vez marchemos por um caminho... já não peço o optimo, peço uma cousa que seja menos má do que isto que esta actualmente.

O sr. Presidente — O sr. Nogueira Soares propoz uma questão previa, que é a seguinte: — Hade antes de tomar-se resolução alguma sobre esta propo-la, ser ella remettida á commissão do regimento?

O sr. Nogueira Soares — Eu concordo completamente com as idéas que acaba de expender o sr. Cunha, e felicito-me de que uma vez ao menos as nossas opiniões sejam conformes. Sei que são muitas as despezas que pesam sobre o nosso orçamento, e que as não devemos augmentar; bastantes sacrificios temos feito para as diminuir, e ainda não podémos conseguir completamente o equilibrio entre a receita e a despeza; por isso concordo com o sr. Cunha para que se não vote verba alguma de despeza sem termos certeza de que ha receita para lhe fazer face. Sei que existe a lei de 16 de novembro a que o illustre deputado se referiu, e que ella determina que nenhuma pensão seja concedida sem vagarem duas para haver a economia de uma; mas creio que essa lei não tem nada com a proposta apresentada pelo sr. Maia. lin não disse ainda se approvava ou não essa proposta; em geral posso dizer ao illustre deputado que acceito todos os embaraços que se possam apresentar e que tendam a evitar o augmento de despeza, e por isso desejo que todas as questões que possam trazer em resultado esse augmento de despeza, sejam minuciosamente consultadas e examinadas por todos as commissões que tem de tomar conhecimento dellas, e especialmente a do orçamento; mas isso, repito, não tem nada com O que pede o sr. Maia. A proposta do sr. Maia é, que seja revogada a resolução da camara, para irem á commissão de fazenda todas as propostas que tragam augmento de despeza; quer dizei, o sr. Maia não propõe que deixe de se cumprir a lei de 16 de novembro, mas unicamente, que não seja

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A commissão de fazenda a encarregada de apresentar os meios para as despezas que outras commissões pio-põem. Mas como esta proposta importa a alteração de uma pratica regimental, é por isso que eu intendi dever propôr e ainda insisto porque essa proposta seja remettida á commisão do regimento para sobre ella dar o seu parecer.

O sr. Roussado Gorjão: — O meu illustre collega «nobre amigo o sr. Maia, antes de apresentar a sua proposta leve a muita bondade de a mostrar aos seus collegas da commissão de fazenda e de lhes dizer que linha tenção de a apresentar á camara em seu nome. E exacto quanto acaba de dizer o sr. Cunha, mas é tambem exacto que a obrigação imposta pela lei de 1841, é para que todas as commissões que houverem de apresentar alguma proposta que importe augmento de despeza, indiquem ellas mesmas a fonte fie receita d'onde deve saír essa despeza. A proposta pois que fez o sr. Maia, é tanto mais rasoavel quanto não póde caber na alta sabedoria da camara que seja imposta á commissão de fazenda a obrigação de procurar fontes de receita para todos quantos augmentos de despeza as outras commissões se lembrarem de propor: e não só isso cia para a commissão de fazenda um encargo quasi superior ás suas forças, mas até summamente doloroso, porque todas as commissões podiam fazer as suas propostas com mais liberdade, e o odioso pezava todo sobre a commissão de fazenda, e as mais das vezes se veria na dura necessidade de emittir uma opinião contraria, e então o resultado seria aquelle de que já tem havido suspeitas, tia commissão de fazenda querer exercer supremacia sobre todas as outras, o que ella não deseja Portanto, o que eu creio de rigorosa justiça, é que quando qualquer commissão fizer alguma proposta que importe augmento de despeza, seja ella quem indique desde logo a fonte de receita d'onde deve saír essa despeza; e assim preparada ir então á commissão de fazenda. D'outro modo a commissão de fazenda não póde fazer nada.

O sr. Cazal Ribeiro: — Não me opponho á proposta do sr. Maia; mas como se citou uma lei de rujas disposições, como são enunciadas, não tenho perfeito conhecimento, pedi a palavra para observai á camara que, seja qual fôr a interpretação dessa lei, não póde ser rigorosamente aquella que lhe dá o meu amigo o sr. Cunha com quem aliàs concordo nas mais ideas economicas e administrativas, e as acho muito louvaveis; mas não póde ser essa a interpretação da lei, porque o direito de deliberar no parlamento não póde ser regulado senão pelos principio-estabelecidos na lei fundamental, ou no seu regimento interno, e esta materia é de sua natureza regulamentar. (O sr. Cunha Sotto-Maior: — Aqui está. (Leu)

E exactamente o que eu dizia; esta lei regula unicamente a iniciativa ministerial nas propostas que importarem augmento de despeza; e de forma alguma póde servir para regular os trabalhos da ca-mira. que se rege como disse, ou pelos principios estabelecidos na lei fundamental, ou pelo seu regimento interno. Sendo pois esta a idéa que eu tinha, pedi a palavra, não para o caso presente, mas para não deixar passar desapercebida a idéa que se apresentou, e que depois se podesse invocar como precedente. Concluindo, voto que a proposta vá á commissão do regimento, para dar o seu parecer, e creio que a camara está nesse accôrdo.

E pondo-se logo á votação

Se a proposta do sr. Maia havia de remetter-se á commissão do regimento? Resolveu-se affirmativamente.

CONTINUARAM AS SEGUNDAS LEITURAS.

2. Projecto. — Ainda que o objecto de que vou tractar, fosse já submettido á consideração da camara electiva do parlamento nacional ultimamente dissolvido, em um judicioso relatorio, e projecto de lei apresentado á mesma camara, com a data de 14 de junho do anno proximo passado, pelo conde de Samodães (Francisco) então deputado por Lamego; e como o dito projecto não chegou a ter effeito algum, e eu esteja intimamente conhecedor, e convencido dos graves inconvenientes que traz comsigo a moderna, e mal fundamentada pratica actualmente seguida, no que respeita aos provimentos dos governadores e secretarios dos governos ultramarinos: pareceu-me muito proprio, e conveniente submetter de novo á esclarecida consideração dos dignos representantes do povo portuguez o mesmo transcendente objecto; servindo-me das idéas já expressadas no dito relatorio e projecto, com algumas alterações que me parecem indispensaveis.

Ninguem entre nós ignora que, desde o anno de 1834, se ha seguido como regra constante o serem promovidos aos postos immediatos os officiaes militares destinados a exercer os ditos cargos de governadores e secretario; dizendo-se sempre serem taes promoções sem prejuizo do officiaes mais antigos das respectivas classes, e não poderem vigorar, se os agraciados deixarem de exercer os cargos a que se destinam por todo o tempo marcado em seus respectivos provimentos.

Nem todos sabem, porém, mas convem que todos saibam, que sempre se procura illudir, e muitas vezes se illudem as ditas condições, especialmente a primeira, com grande e verdadeiro prejuizo dos preteridos; e que em caso contrario, isto é, quando taes condições vigoram, em vez de prejuizo particular, resultam para o serviço, e para a fazenda publica, não nu nos que para a boa administração das provincias ultramarinas, mui graves e sensiveis inconvenientes.

Quando os militares, na dita fórma promovidos, regressam dos indicados cargos, por terem completado o tempo de seus ditos provimentos — ou hão de ser empregados em algum ramo do serviço de suas respectivas profissões — ou hão de ficar por muito tempo em inteira inactividade, ou disponibilidade. No primeiro caso não podem deixar de prejudicar altamente os seus anteriores camaradas mais antigos; pois, ou hão de preferir-lhes, e commandal-os, como já tem acontecido, ou hão de occupar cargos e commissões que deveriam pertencer-lhes. No segundo caso, são consideravelmente maiores os inconvenientes resultantes; pois não podendo o estado utilizar o serviço de similhantes militares, por mais habeis que sejam, tem comtudo de os sustentar, e pagar-lhes, como se effectivamente servissem.

A condição relativa no tempo que os mesmos militares devem servir no ultramar pua conservar os postos de que se tracta, tambem póde trazer ao serviço publico, e á administração das provincias ultramarinas consideraveis transtornos. Se qualquer go-

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vernador por ommissões, descuidos, ou fallas repelidas, se tornar improprio para continuar a exercer lai cargo, tornar-se-ha forçoso, que seja delle quanto antes removido. Se o fôr, sem que elle o requeira, e sem se lhe formar culpa, tem de conservar-se-lhe o posto que levara; o que vem a importar premio, em substituição de castigo; e se o não fôr, lerão as provincias, e os povos de soffrer os effeitos de sua inépcia e desvarios, ainda que não cheguem a constituir crimes.

Existe, além de tudo isto, a transcendente anomalia de não haver classe, em cujo quadro effectivo possam ter regularmente entrada os officiaes de tal maneira promovidos, quando acabam, e regressam de exercer os sobreditos cargos. Não são restituidos áquelle em que antes existiam, por se acharem já em um posto superior; e não o podem ser ao desse mesmo posto, por não prejudicar seus antigos camaradas, embaraçando-lhes o seu regular accesso a elle. Logo devem, em todo o caso, ficar supranumerarios, ou avulsos.

Segue se, daqui que existindo, como existem, quatro governos geraes, dois governos superiores de provincias, doze governos subalternos de districtos, e seis secretarios dos governos geraes e superiores, e sendo ordinariamente por tres annos os provimentos dos que vão exerce-los: leremos, no fim de um trinnio, vinte e quatro entre officiaes generaes, e outros, quasi todos superiores, fóra dos correspondentes quadros, e fóra do effectivo serviço; mas dentro, e muito dentro, das ordinarias listas de despezas, e folhas de pagamentos. E ainda que todos estes officiaes, fossem sómente capitães, custariam ao estado seis contos novecentos e doze mil reis (6:912$000 réis) em cada anno; mas forçosamente hão de custar muito mais, em razão de Seus maiores postos; devendo tal despeza crescer consideravel mente no fim desse primeiro triennio.

Em nenhum tempo esta circumstancia deixaria de ser altamente attendivel; mas no presente apuro de nossas debeis finanças, ella não póde deixar de merecer a mais séria consideração.

Nunca se costumou em Portugal], antes do dito anno de 1834, dar em geral recompensas antecipadas, e menos postos de accesso, aos sobreditos governadores e secretarios dos governos ultramarinos; e nem por isso deixou sempre de haver quem exercesse taes cargos. Dava-se a cada um o que já merecia por seus anteriores serviços, ou por sua maior antiguidade; e dava-se-lhes occasião de ir nos mesmos cargos mostrar novos merecimentos, e fazer novos serviços, para merecer novas e maiores recompensas. Deu-se por ventura alguma recompensa antecipada, ou algum posto de accesso, ao grande Affonso de Albuquerque, ou ao forte D. Joio de Castro, quando foram governar a India? Por certo que não, nem elles se lembraram do pertende-lo.

Os governos subalternos eram ordinariamente exercidos por antigos e benemeritos officiaes, dos que effectivamente serviam nas respectivas provincias ultramarinas; e era essa a quasi unica recompensa que elles sempre esperavam, e muitas vezes conseguiam por seus merecimentos, e bons serviços; sendo ao mesmo passo um poderoso estimulo para os animar e conduzir a proceder e servir dignamente, Agora porém?. Agora, faz-se, e acontece o que todos sabem!..

Os secretarios dos governos raras vezes eram militares de profissão, nem em geral se carece de que o

sejam; e menos de que occupem seus cargos por tres annos, como os respectivos governadores. Antes conviria que servissem por mais tempo, e que não fossem conjunctamente rendidos.

Ha quem diga, mas não é exacto o dizer-se, que difficilmente se acharão militares que queiram ir exercer taes cargos, sem as ditas antecipadas recompensas, e accessos; quando, pelo contrario, é muito de crêr que bastantes appareceriam, os quaes, se vissem dar aos mesmos cargos a consideração que deve corresponder-lhes, antes quereriam ir nelles merecer premios e recompensas, do que ir para elles com recompensas ou premios, que não tivessem antes merecido; pois quem não desconfia do seu merecimento, desdenha briosamente similhantes antecipações. Em falla de militares proprios, não deixariam de encontrar-se cavalheiros de outr.is classes, que podessem bem desempenhar (como muitos, em outros tempos o fizeram) as variadas funcções de ião elevados cargos; accrescendo a tudo isto a certeza de que nas provincias ultramarinas tambem existem alguns militares dotados de verdadeira instrucção, e verdadeiro merito; mas como estes nunca passearam as ruas de Lisboa, talvez por isso não mereçam ser lembrados.

Muito mais podera dizer-se ácerca deste assás importante objecto, se o que fica expendido não fosse sufficiente para firmar as idéas, servir de fundamento, e tornar sobremaneira attendivel o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º Os governos do ultramar são comprehendidos nas tres seguintes classes:

1. classe — governos geraes de provincias, que são: India, Moçambique, Angola, e Cabo-Verde,

2. classe — governos superiores de provincias, que são: Macáo e Timor, e S. Thomé e Principe.

3.1 classe — governos subalternos, ou de territorios, que são: Solor, Damão, Diu, Cabo Delgado, Sofala, Inhambane, Benguella ele. etc.

§ unico. A cada um destes governos corresponde um governador, e um secretario.

Art. 2.º Não se concederá posto algum de accesso aos governadores, e secretarios das provincias, e territorios ultramarinos, em razão de serem providos em taes cargos, se o mesmo accesso lhes não pertencer por suas antiguidades nas classes a que corresponderem; continuando a ser contados como effectivos nas mesmas classes para as suas ordinarias promoções.

Art. 3.º Os cargos de governadores de primeira e segundo classe serão sempre de commissão, e conferidos por simples decretos, que servirão de diplomas aos providos, sem dependencia de carias patentes, ou outros similhantes documentos.

Art. 4.º Os provimentos dos governadores, áquem Se refere o artigo antecedente, serão communicados por cartas regias ás camaras municipaes das capitaes das respectivas provincias; e por avisos da secretaria de estado da marinha e ultramar aos governadores que houverem de ser substituidos, ou a quem, na falta delles, se achar exercendo taes cargos.

Art. 5.º Tanto os governadores subalternos, como os secretarios dos governos de primeira e segunda classe, serão da mesma fórma providos por simples decretos para lhes servirem de diplomas; ou por portarias dos governadores das respectivas provincias, dependentes de confirmação regia, quando extraordinariamente vagarem, e convier serem sem demora providos.

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§ unico. Os mesmos governadores de provincias farão, neste caso, as communicações convenientes, em harmonia com as disposições do artigo 4.º da presente lei; e darão conhecimento II respectiva secretaria de estado dos provimentos que fizerem, e das causas delles.

Art. 6.º Provimento algum de governador para o Ultramar será feito por praso inferior a quatro annos; sendo de cinco annos, pelo menos, os dos secretarios dos governos de primeira e segunda classe.

§ unico. Os secretarios dos governos de terceira classe nos mesmos termos ouvidos por nomeações dos governadores das correspondentes provincias, servirão tambem por cinco annos ao menos; e na falta delles serão taes cargos sei vidos por officiaes militares, ou pessoas idoneas das respectivas localidades, nomeadas pelos governadores dellas.

Art. 7.º Se algum dos mesmos governadores, e Os secretarios de nomeação, ou confirmação regia, reque-lerem demissão de taes cargos antes de findarem Os prazos de seus respectivos provimentos, o governo, com o parecer do conselho ultramarino sobre as rasões que allegarem, poderá conceder-lhes as ditas demissões.

Art. 8.º Se por algum imprevisto motivo convier substituir, ou transferir de cargo qualquer dos governadores ou secretarios, a quem se refere o artigo antecedente, o governo, consultando o conselho ultramarino, e com o seu parecer sobre os motivos que para isso houverem, levará a effeito a substituição ou transferencia, sem attenção ao tempo dos respectivos provimentos.

§ unico. Os governadores das provincias ultramarinas praticarão o mesmo, com o parecer dos competentes conselhos de governo, para com os governadores subalternos, e secretarios de governos de nomeação sua, que não tiverem conseguido confirmação regia.

Art. 9.º Ficam isentos dos pagamentos de direitos de mercê, direitos de sello, despezas de juramento, e de todas as mais despezas estabelecidas por leis ou estylos anteriores, todos os providos, em virtude da presente lei, nos cargos de que tracta o § unico do artigo 1.º della.

Art. 10.º Continuam em vigor as regras, e tabellas existentes, relativas a pagamentos por conta do estado das despezas de ida e volta, ajudas de custo, e mais adiantamentos pecuniarios aos governadores e secretarios de que se tracta; ficando cada um obrigado a restituir o que houver recebido, se não partir para o seu destino, quando assim lhe for determinado por auctoridade competente.

Art. 11.º Os governadores de 1.ª classe gosarão, durante a sua permanencia em taes cargos, a contar do dia do embarque para seus destinos até áquelle do regresso a suas effectivas situações, das graduações, e distinctivos de tenentes-generaes do exercito, e de todas as honras que pertenciam aos antigos capitães-generaes, como por lei se acha estabelecido.

§ 1.º Os governadores de 2.ª classe gosarão, nos mesmos lermos, dos distinctivos e graduações de brigadeiros.

§ 2.º Os governadores subalternos gosarão das honras, graduações e distinctivos de coroneis do estado-maior do exercito.

§ 3.º Os secretarios dos governos de 1. classe telão as graduações e distinctivos de tenentes-coronéis

do mesmo estado maior; os de 2.ª classe as de majores; e os do 3.ª as de capitães.

Art. 12.º Os governadores e secretarios dos governos do Ultramar, que sendo militares de profissão tiverem graduações iguaes ou superiores ás que lhes são concedidas pelo artigo antecedente, gosarão, em quanto exercerem taes cargos, das honras e distinctivos correspondentes ao gráo immediatamente superior àquele que já tiverem.

Art. 13.º Os serviços ultramarinos, nos cargos de que tracta a presente lei, serão considerados como serviços distinctos; e portanto os que os houverem regularmente desempenhado, quando recolherem a suas effectivas situações, ou classes, serão preferidos, segundo suas circumstancias, para os empregos, cargos, e commissões das mesmas classes, que cones-ponderem aos postos em que se achai em.

§ unico. O tempo empregado nos mesmos serviços ultramarinos, será contado em dobro para reformas, e outras recompensas, aos que nelles se houverem dignamente empregado, e a suas legitimas familias.

Art. 14.º Se algum dos governadores ou secretarios, providos em virtude desta lei, vier a fallecer no exercicio do respectivo cargo, ou durante a viagem de regresso para sua anterior situação, a familia que lhe pertencer terá direito a uma pensão vitalicia, paga integralmente por conta dos rendimentos da provincia em que acabasse de servir, nos seguintes termos:

§ 1.º Se existir ião sómente a viuva, ou uma só filha orphã, a pensão será igual a metade do soldo da effectiva patente, ou do ordenado do cargo de seu marido, ou pai.

§ 2.º Se existir a viuva, com uma ou mais filhas solteiras, ou com filhos menores para educar, a pensão será igual ao soldo, ou ordenado do posto, ou cargo do fallecido, sem deducção alguma.

Art. 15.º Se os mesmos governadores e secretarios fallecidos não tiverem postos militares, nem cargos civis, a que corresponda algum determinado soldo, ou ordenado, se regularão as referidas pensões da maneira seguinte:

§ 1.º Os governadores de 1.ª classe serão considerados, para o direito de suas familias a taes pensões, como se tivessem sido effectivos brigadeiros.

§ 2.º Os governadores de 2. classe serão, nos mesmos lermos, considerados como coroneis.

§ 3.º Os governadores de 3.ª classe, e os secretarios dos governos de 1. classe, serão para o mesmo fim considerados majores; os secretarios dos governos de 2.1 classe como capitães, e os de 3. classe como tenentes.

Art. 16.º As provanças relativas a fruicção de similhantes pensões, e ao direito de conseguidas, conforme os artigos 1 (. e 15.º desta lei, se farão summariamente pela verdade sabida, e sem dependencia de meios judiciaes.

Art. 17.º As familias dos governadores e secretarios fallecidos nas provincias, e territorios ultramarinos, em que exercerem seus cargos, achando-se nas mesmas provincias e territorios, lerão passagem paga por conta do estado, para as teri.is de Mias naturalidades.

Art. 18.º Todos os governadores e secretarios dos governos ultramarinos, ainda que militares não sejam, gosarão do foro militar, e serão julgados em conselho de guerra, nos crimes que passam imputai

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se-lhes commettidos durante o tempo de sua permanencia nos sobreditos cargos.

Art. 19.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos srs. deputados, em 29 de março de 1853. = Frederico Ledo Cabreira, deputado por Castello Branco.

Dispensou-se a leitura — Foi admittido — Mandou-se publicar no Diario do Governo — E remetteu-se á commissão do ultramar.

3. Proposta. — «Renovo a iniciativa do artigo 2.º deste projecto (o n. 14 da sessão de 1850,). = Santos Monteiro.

É o seguinte:

Projecto (n.º 14). — Senhores: A commissão de instrucção publica, lendo examinado a proposta de lei n. 5 — E, que tem por fim augmentar os ordenados de dois amanuenses da secretaria da inspecção geral dos theatros; e sendo de opinião a commissão que este ordenado é diminuto, em relação ao serviço prestado pos estes amanuenses, serviço este que já occupou oito individuos; intende que a proposta é justa, e por conseguinte póde ser convertida no seguinte projecto de lei.

Artigo 1.º O ordenado de 180$000 réis, que actualmente percebe um dos amanuenses da secretaria da inspecção geral dos theatros, será de ora em diante de 240$000 reis; e o ordenado de 150$000 réis do outro amanuense da mesma secretaria, ficará sendo de 160$000 réis.

Art. 2.º A importancia do emolumento de um por cento, deduzido das quantias arrecadadas de matriculas e cartas de formatura, que pelo artigo 110.º do decreto de 5 de dezembro de 1836 se acha estabelecido a favor do thesoureiro dos fundos da universidade, será dividida em duas partes, ficando uma dellas a pertencer ao dicto thesoureiro, e sendo a outra concedida ao official da contabilidade da secretaria da mesma universidade.

Art. 3.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, em 12 de março de 1850. — Jeronymo José de Mello = Lourenço José Moniz = João de Sande Magalhães Mexia Salema — Luiz Augusto Rebello da Silva — Francisco de Assis de Carvalho = D. José de Lacerda — Conde de Linhares (D. Rodrigo).

Foi admittido — E remetteu-se á commissão de instrucção publica.

4.º Projecto (n.º 16 B). — Senhores Pela extincção e reforma de differentes repartições publicas foram prejudicadas muitas pessoas; mas as leis providenciaram logo, que os prejudicados sei iam attendidos pelo governo como fosse de justiça, propondo ás côrtes o que dependesse de medida legislativa Apesar de tão justa providencia ha ainda pessoas que tendo por aquelle motivo perdido os seus empregos não foram até agora attendidas, como o deviam ser Para remediar este mal tenho a honra de offerecer-vos o seguinte projecto de lei.

Artigo I. Os empregados das repartições extinctas, ou os que ficaram fóra dos quadros das novamente organisadas, serão pelo governo attendidos, empregando os de preferencia nos logares que forem vagando, e que correspondam aos que serviam, ou que, sendo inferiores, requererem ser assim mesmo nelles empregados.

Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario. — O deputado por Lisboa — AL A. Vellez Caldeira Castello Bronco.

Foi admittido — E remetteu-se à commissão de fazenda.

5.º Projecto (n º 16 C). — Senhores: E cousa que nos honra o desejo que todos, sem excepção, (em mostrado de apagar os vestigios, que ainda ha, das antigas dissenções civis; com o fim de tornar effectivo este desejo para com todas as classe de individuos, que ainda não foram attendidos, tenho a honra de offerecer-vos o seguinte projecto de lei.

Artigo 1.º E extensivo a todos os empregados civis, de qualquer natureza, que o eram durante a usurpação e por isso foram demittidos, ou deixaram de ser empregados nas repartições posteriormente organisadas, o beneficio do decreto de 16 de janeiro de 1834.

Art. 2.º Quando, porém, com utilidade do serviço possam ser convenientemente empregados, o governo os preferirá para os empregos que correspondam, quanto isso seja possivel aos que anteriormente occupavam.

Art. 3.º Fica revogada toda a legislação em contrario. — O deputado por Lisboa — Manoel Antonio Vellez Caldeira Castello Branco.

Foi admittido — E remetteu-se d commissão de fazenda.

O sr. Alves Martins: — Pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei fundado em uma representação, que os parochos de Barcellos dirigiram a esta camara, contra as imposições municipaes que se lhes exigem, e é tambem uma especie de declaração á lei de 29 de julho de 1839 que diz, que as congruas dos parochos são isentas de decima, porque sempre se consideraram as congruas como de natureza alimenticia. Na maior parte do reino tem-se intendido assim, mas não em Barcellos aonde, bem como em outras partes, exigem contribuição municipal aos parochos, e por consequencia a commissão ecclesiastica intendeu que devia dar uma interpretação authentica á lei.

O sr. Presidente: — Dar-se-lhe ha o devido andamento.

O sr. Jeremias Mascarenhas; — Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa o seguinte requerimento (Leu).

Ficou para se lhe dar andamento na sessão seguinte

(Continuando) Aproveito esta occasião para dizer a v. ex.ª que tenho a palavra pedida para quando estiver presente o sr. ministro da marinha, e era sobre dois objectos que julgo urgentes. Como s. ex. não está premente, mas acha-se presente o sr. ministro da fazenda, talvez possa responder em seu logar, ou então esperarei para amanhã se agora não puder responder.

O sr. Presidente: — Veremos se o sr. ministro da malinha apparece.

O sr. Arrobas: — Sr. presidente, peço ser inscripto para apresentar um projecto de lei.

Aproveito esta occasião para chamar a attenção das commissões de fazenda, e de guerra sobre um objecto que está affecto á sua consideraçao — é o requerimento da irmã do sr. João José da Silva Aguiar, liste official foi morto no campo da batalha, victima da explosão de uma bomba, e por isso a pertenção desta senhora é de toda a justiça. Já aqui na

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camara se levantaram umas poucas de vozes a favor desta pertenção, que desde 18-13 ale hoje ainda não póde ser attendida apezar do parecer de uma com missão dessa época, que julgou que estava nó caso da lei para se deferir. Em 13 Mi voltou de novo á Camara, e votando em 6 de maio desse anno a commissão de fazenda, de guerra, e de marinha uma pensão para as familias das victimas da explosão da fragata D. Maria, nada se resolveu a respeito desta pertenção. Em 1848 voltou outra vez', e á camara enviou-a ao governo para a tomar era consideração devida. Em 1849 foi-lhe indeferida, e em 1850 veiu um novo requerimento a esta camara, e julgando-se que estava no caso da lei, em 22 de abril estava o parecer respectivo dado para ordem do dia, mas não chegou a discutir-se. De maneira que neste paiz parece que é impossivel haver justiça para certas pretenções. Ainda o outro dia o sr. José Estevão, e o sr. Guerreiro levantando a sua voz para defender a iniciativa que a camara tinha sobre pensões, fallaram neste caso especial. Ha um mez que existe nas commissões, e porque não tem protecção, está exposta a não ser ainda attendida. Não me refiro á concessão da pensão, é ao tempo que existe a pertenção sem ser resolvida, e é por esse motivo que eu aproveitei a occasião para chamar a attenção das respectivas commissões a este negocio.

O sr. Presidente: — Eu desejo saber se o sr. ministro da fazenda póde assistir a toda a sessão, por que nesse caso Continúo a dar a palavra aos srs. deputados que a têem pedido para antes da ordem do dia, senão passa-se á ordem do dia, porque eu vejo que se vai prolongando muito esta primeira parte.

O sr. Ministro da fazenda (Fontes Pereira de Mello): — V. ex. sabe perfeitamente que a discussão da resposta ao discurso da corôa, na camara dos pares exige a presença do governo. Não sei mesmo se será indispensavel que eu alli concorra, mas em quanto aqui estou, acho-me prompto para ouvir as considerações dos nobres deputados, sobre os actos da dictadura

O sr. Presidente: — Então creio que o mais regular o entrar na ordem do dia, e depois acabará o expediente, e darei a palavra aos srs. deputados que a pediram para antes della.

ORDEM DO DIA

Continua a discussão do projecto n. 7. (Vidè sessão de 29 de março).

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. barão de Almeirim, para continuar o seu discurso, que lhe ficou reservada da sessão anterior.

O sr. Barão de Almeirim (Continuando o seu discurso da sessão antecedente): — Sr. presidente, alguem notou hontem que eu laxando de espoliador o decreto de 30 de agosto passado, em que se linha tirado o fundo de amortisação ao banco de Portugal, tinha neste meu ataque involvido tambem A commissão de fazenda da camara passada, e lhe havia irrogado tambem a censura de espoliadora, visto que ella linha tambem lançado mão deste fundo. Por consequencia intendo que era do meu dever dar alguma explicação, nesta occasião, do modo porque julguei que havia espoliação no decreto de 30 de agosto, e não a havia no modo como a commissão de fazenda do anno passado appreciava o decreto de 3 de dezembro. A commissão de fazenda não pertendia extinguir aquelle fundo; dava-lhe uma nova fórma, mas conservava-o como garantia dos credores do estado; dava mais amplitude a esse estabelecimento, e dotava-o convenientemente para o habilitar a fazer face aos seus encargos antigos, e áquelles que lhe eram lançados de novo Por conseguinte a commissão de fazenda não podia taxar-se de espoliadora por aquella forma. A commissão de fazenda, tendo em vista, de mais a mais, os interesses da fazenda publica, queria por aquelle meio o melhoramento do futuro, na venda dos bens e foros pertencentes ao fundo. Portanto a commissão de fazenda não destruia nada, conservava o mesmo que existia, mas o que queria era a reforma desta instituição com vantagem da fazenda, e sem prejuizo da garantia dos credores, Além disso a commissão de fazenda vinha aqui apresentar um projecto de lei que havia de seguir todos os tramites legaes, meio este pelo qual se poderiam ale derogar as leis que tinham constituido aquelle estabelecimento. Mas o governo que estava constituido illegalmente em poder discricionario, lançando mão daquelle fundo, extinguindo-o completamente, e deixando sem garantias nenhumas os credores, póde muito bem dizer-se que commetteu um acto de espoliação.

Disse mais eu hontem, por occasião de tractar da reforma de finanças, intentada pelo governo, que nenhuma base havia para se estabelecer uma reforma de finanças, a não ser a reducção de todas as despezas improductivas do estado, e a execução daquellas que eram productivas com toda a economia possivel.

Tractei de demonstrar a primeira parte, isto é, que o governo não só não tinha effectuado nenhuma reducção nas despezas improductivas do estado, mas que effectivamente as linha augmentado em quasi todas as repartições publicas, e adduzi para isso diversos exemplos; mas não tractei da segunda parte, quero dizer, de mostrar que o governo, mesmo nas medidas que promulgou para promover os melhoramentos materiaes do paiz, e consumar despezas productivas do estado, não tinha seguido a regra geral, fazendo-as com a maior economia possivel. O governo contractou o estabelecimento de um caminho de ferro, que ligue Portugal com a Hespanha e o resto da Europa; não ha duvida nenhuma que é este um melhoramento de summa transcendencia, o que póde operar grande fortuna no paiz em geral; por consequencia eu approvo effectivamente o intento do governo, mas não posso deixar de reprovar o preço porque o governo tem contractado e ajustado a feitura desse caminho. Segundo o contracto que se publicou, o governo ajustou com a empreza do caminho de ferro de leste a construcção desse caminho por 50:500$000 réis por kilometro; este preço é excessivo. Todos os alentos baseados nos preços estabelecidos para estas obras nos outros paizes, mostram que ha um excesso, e um excesso exorbitante no preço ajustado. Para que tal preço logo á primeira vista se apresente como suspeito de ser effectivamente exorbitante, basta verse que elle foi estabelecido pelo emprezario.

Tal é o estado desgraçado porque se tem conduzido este negocio, que o emprezario que ha de construir a obra, foi quem estabeleceu as condições que o governo acceitou; foi o proprio emprezario que

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disse, que a obra havia de custar 3.600 contos, e o governo sujeitou-se á avaliação feita por aquelle que tem de executar a obra!... Sabemos que em todos os paizes o preço porque se tem ajustado estas obras, é muito mais inferior. Na Hespanha os caminhos de ferro que estão justos, não excedem, pela maior parte, o preço de 40 contos de réis por kilometro; aqui temos nós por consequencia como pela comparação deste preço com aquelle, porque o governo ajustou, apparece um excesso de 10:500$000 réis por kilometro; mais de 50 contos contos de réis por legoa portugueza!... Vê-se por tanto, que sendo o caminho de ferro daqui a Santarem de 12 leguas, pelo menos, a empreza não ganhará, feito o calculo só por esta fórma, menos de 600 contos!

Ha dias fiz eu aqui um requerimento pedindo que o governo mandasse a esta camara os documentos, sobre os quaes o governo linha acceitado ou tinha arbitrado este preço; mas esses documentos ainda cá não appareceram. E necessario notar que, se nos outros paizes o preço estabelecido de 40 contos de réis por kylometro dá margem ainda para lucros, no nosso paiz esse preço devia dar muito maiores lucros, porque no nosso paiz sabemos todos que o sustento geralmente é barato, e os jornaes são muito baratos; os materiaes que em grande parte entram nestas construcções, tambem são por baixo preço; e o terreno a percorrer daqui até Santarem, de facil construcção.

O governo querendo promover a instrucção agricola, querendo por essa fórma promover o desenvolvimento da prosperidade publica, comtudo na creação do instituo não seguiu tambem a regra de promover essa prosperidade publica com a maior economia possivel; porque, como já disse hontem, o instituto agricola não ha de dar resultado nenhum proficuo á nossa agricultura, estabelecido como elle está no decreto da 16 de dezembro, e apresenta-se desde já no orçamento uma verba de 33 contos; suppondo eu que esse instituto lerá o mesmo resultado que tem tido muitos outros estabelecimentos de natureza similhante, que não tem sido levados a effeito, todavia vejo que desde já está levada a effeito uma verba de 33 contos, porque já figura no orçamento. (O sr. Cunha Sotto-Maior: — Parle já foi gasta) Isto é que é real e positivo.

No methodo seguido para a arrecadação dos impostos, ha tambem uma despeza immensa. Os impostos directos que hoje se pagam no paiz, regulam, pouco mais ou menos, por 1:500 contos annuaes, e a despeza feita para a arrecadação desta quantia, excede a 136 contos de réis!.. Só por este enunciado se vê, que ha um excesso immenso de despeza para arrecadar tal receita, e se o governo se applicasse, como devera, a estabelecer a organisação das finanças em bases solidas, havia de tomar a peito a reforma deste methodo de arrecadação, porque effectivamente o pessoal é immenso em todas as repartições de fazenda começando pelo thesouro, e continuando em todos os governos civis do reino; em todas estas repartições ha um excessivo numero de empregados, nesta verba podiam-se economisar muitos contos de reis, e a fazenda podia ser muito mais bem servida de que é. Além destes, muitos outros exemplos podia apresentar para provar que a marcha do governo não tem sido de modo nenhum aquella que devera seguir para entrar na melhor organisação da publica, porque não tem de modo nenhum diminuido as despezas improductivas do estado, nem tambem tem tractado de realisar aquellas que são productivas, pelos meios mais economicos, como aconselham todos os economistas.

O artigo 10.º do decreto de 24 de dezembro estabelece um novo processo para as subrogações de bens de capella e bens de vinculos, e por este novo processo vai tornar-se muito mais difficultosa qualquer subrogação que se queira emprehender. Naquelle artigo estabelece-se que nenhuma subrogação se possa concluir sem que seja ouvido o ministerio publico e as misericordias, e é natural que estas se opponham a essas subrogações, porque as misericordias devem intender que têem mais segurança, maiores garantias lendo como segurança dos seus direitos as propriedades, do que sendo essas garantias devolvida para inscripções e outros papeis de credito, porque se fazem as mesmas subrogações; e por consequencia hão de obstar e hão de embaraçar o andamento dessas subrogações. Além disso no processo que se estabelece para liquidar essas contas de legados pios não cumpridos, cria-se um juiso novo, um juiso de commissão, um juiso extraordinario, que é absolutamente prohibido pela carta constitucional, tira-se o julgamento destas questões do poder judiciario, e entrega-se ao juiso e ao poder administrativo. Por consequencia intendo eu que estes decretos devem ser tambem mandados a uma commissão que sobre elles dê o seu parecer, não devem ser approvados conjunctamente com os outros.

Terminarei portanto mandando para a mesa a seguinte proposta, a qual peço que seja tomada em consideração no andamento desta discussão para ser votada em tempo competente. Antes de lêr a proposta direi que segundo a minha opinião todos os projectos a que diz respeito o parecer n.º 7 que está em discussão, deviam ser tractados como outros tantos projectos de lei para serem considerados nas differentes commissões; mas antevendo eu que a opinião da camara não será esta, mando a minha proposta para a mesa, para que seja tida em consideração, uma vez que não se julguem como meros projectos de lei todos os decretos promulgados pela dictadura.

É a seguinte:

Proposta: — «Proponho que os seguintes decretos da ultima dictadura não sejam votados em globo conforme se propõe no parecer n.º 7, para que sendo enviados ás competentes commissões estas dêem o seu parecer sobre cada um delles, a fim de serem as medidas resolvidas com perfeito conhecimento de causa. Os decretos são os seguintes:

«Decreto de 15 de agosto ultimo extinguindo a roda do sal de Setubal.

«Decreto de 11 de setembro, que contém a reforma das sete casas.

«Decreto de 4 de novembro sobre fianças dos recebedores da fazenda.

«Decretos de 10 de dezembro, promulgando o codigo penal, f reforma judiciaria.

«Decretos de 30 de agosto, e 18 de dezembro sobre a organisação da fazenda publica.

«Decreto de 16 de dezembro, creando o instituto agricola.

«Decretos de 5 de novembro de 1851, e 21- de dezembro de 1852, sobre contas de legados pios não cumpridos.

VOL. III — MARÇO — 1853.

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«Decreto de 31 de dezembro estabelecendo o imposto predial de repartição. — Barão de Almeirim. Foi admittida.

O sr. Pinheiro Ozorio — Sr. presidente, vou apresentar á consideração da camara os motivos que tive para pedir a palavra, e estou convencido que não de completamente desculpar o meu atrevimento. O illustre deputado que me precedeu, traçou com cores bem carregadas os males que estavam imminentes sobre a agricultura, resultantes do decreto de 31 de dezembro de 1852, que estabelece a contribuição de repartição. E como chamou em seu auxilio, ou pelo menos a partilharem das suas idéas os proprietarios das provincias, que tem assento nesta camara, sendo eu um desses proprietarios, intendo do meu dever prestar-me no chamamento do meu nobre collega. Além disto não posso votar pela approvação de todas as leis da dictadura como tencionava, sem declarar qual é a minha opinião em relação a algumas.

Sr. presidente, refiro-me principalmente aos decretos de 11 de outubro, que dizem respeito á questão vinhateira do Douro; e as explicações que vou apresentar, devo-as ao meu paiz, devo-as principalmente á parte dos eleitores do circulo, que tenho a honra de representar, e tanto mais. quanto que alguem na ultima eleição se esfoiçou por me attribuir idéas, que não tenho, nem nunca tive a respeito do Douro. Bem facil é de ver o motivo por que assim se procedeu; mas tambem é verdade, que desde que tive n honra de acceitar o distincto cargo de deputado por aquelle circulo, me constitui na obrigação de me declarar franca e lealmente. O meu fim pois não é responder a cada um dos argumentos apresentados pelo illustre deputado que me precedeu; mesmo porque isso me seria impossivel, fallando-me as foiças,

O talento e todo o cabedal preciso para una lai empreza.

Sr. presidente, o illustre deputado fallou contra as dictaduras. Eu, com s. ex., reprovo as dictadura», porque vejo nellas a annullação completa do systema parlamentar. Mas se isto é uma verdade, tambem não posso deixar de reconhecer, que ha casos, em que ellas devam ser pelo menos consideradas como uma consequencia necessaria de factos, que não podemos deixar de reconhecer como factos consummados.

Além disto ha épocas na vida dos povos, que sem as dictaduras não significariam outra cousa senão um completo abandono de todos os melhoramentos, tanto moraes, como materiaes. Talvez alguem chame absurda esta opinião, não imporia; homens grandes a tem seguido Não ha muito, que lord John Russell dizia na camara dos communs, que não duvidava que as dictaduras fossem precisas em algumas circumstancias, e, ainda mesmo, accrescentava elle, nos povos mais adiantados. Por conseguinte reconhecendo as dictaduras, de que tractamos, como factos precisos e necessarios, devemos principalmente attender aos actos, e examinar se são Contrarios ou não aos interesses do nosso paiz.

Passarei a fazer algumas reflexões relativas aos actos da dictadura, principiando pelos decretos de 11 de outubro. A questão do Douro na sua accepção é, e não póde ser outra -se se deve adoptar o Systema da ampla liberdade de commercio, ou o de estricção e protecção. — Não serei eu, sr. presidente, que venha aqui pedir para o Douro a ampla liberdade do commercio; os chamados principios dessa liberdade ampla sei quaes elles são; mas tambem sei desgraçadamente quaes tem sido as suas consequencias.

Mais de 15 annos de fome e miserias para aquella paiz fallam mais alto que quintos principios se possam apresentar, e que a mais bem deduzida dialéctica. Talvez alguem me dirá, que os acontecimentos do Douro são devidos a mais algumas causas. E verdade; porém a primeira e a mais essencial é sem duvida o systema posto em practica em 1834. Poucas considerações bastarão para comprovar isto. O vinho do Douro estando na sua pureza não tem receio, não o póde ter, de concorrer no mercado com outro qualquer vinho, porque se não é o mais fino vinho do mundo, é pelo menos igual áquelles que o são. Álem do que tem a qualidade,» e tem a vantagem de poder imitar, e com proveito, todas as qualidades exquisitas que ha de vinho.

O que o vinho do Douro precisa, é que se lhe abram os mercados, é que lhe seja garantida a sua qualidade e pureza nesses mercados, e se não consinta que outro roubando-lhe o nome, esconda assim a sua fraqueza e miseria, enganando os consumidores. Se assim não fôr, o que resulta será o descredito do vinho do Douro, da mais rica producção da nossa industria agricola, e como consequencia a ruina do commercio e da lavoura.

Infelizmente já os factos nos demonstram esta verdade, depois de 1831. O que presenciámos nessa época? Cada um comprou o vinho que quiz, e o levou para onde quiz; levou-se aos mercados vinho do Douro e completamente adulterado, e misturado com outros vinhos, até do Minho; e a todas estas bellas composições se deu o nome de V in lio do Douro; e tudo isto foi practicado por homens, que tendo apenas a mira no interesse, se esqueceram dos males que acarreavam sobre si e á agriculta, o que effectivamente aconteceu pelo descredito a que levaram o vinho do Douro. Portanto, as restricções que quero para o vinho do Douro, são só aquellas que forem precisas para garantirem ao consumidor a sua pureza e qualidade; em tudo o mais quero liberdade, e se houver alguem que me demonstre evidentemente, que o meu fim se consegue com restricções, declaro já que adopto o systema livre em toda a sua plenitude. Por esta occasião folgo de declarar que approvo os decretos de 11 de outubro, porque tendem áquelle fim; não digo que não teem defeitos, mas em quanto não vir outros mais perfeitos voto por elles. Declaro porém, que se a esperiencia demonstrar que são de prejuizo para o Douro, serei o primeiro a pedir a sua revogação. E ainda assim não fica completo o meu systema, é preciso fazer mais alguma cousa, força é confessa-lo.

Sr. presidente, não basta abrir mercados ao vinho, e acredita-lo nos mesmos mercados, é preciso tambem olhar especialmente para os lavradores, po-los a coberto da agiotagem e da usura, e não os deixar em posição de não poderem grangear suas vinhas, ou de venderem seus linhos fóra de tempo competente, e por tal preço, que lhe não cubra a despeza da producção.

É bem sabido que taes males se estão todos os dias verificando, e é por isso urgente tractar de os evitar, e rum elles n decadencia da agricultura. É

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quaes serão os meios? Intendo que o estabelecimento de um banco rural, pelo menos na Regoa, será um poderoso auxilio e protector dos vinhos do Douro. Esle banco deve fazer emprestimos aos lavradores por um juro modico e rasoavel, sem delongas, e com as seguranças precisas, mas que não tenham por fim desviar os pretendentes.

£ não posso deixar de aproveitar esta occasião para recommendar o lembrar esta idéa, tanto ao nobre ministro das obras publicas, commercio e industria, como aos meus illustres amigos e collegas, que teem interesse em promover II felicidade do Douro e do nosso paiz. Bem sei e conheço, que não é só o Douro que precisa de bancos ruraes; mas é uma verdade, que nenhuma outra localidade precisa mais delles, nem tem mais direito para ser attendida.

Sr. presidente, a producção do Douro, debaixo de qualquer ponto de vista que seja considerada, e riquissima; e além disso os seus habitantes são em extremo industriosos. Naquelle paiz é cultivada a videira com perfeição, e tem-se reduzido a cultura terrenos, que em outra qualquer parte se julgaria impossivel que ahi podesse haver vegetação.

Além de que ainda hoje pesam sobre aquelle paiz tributos excepcionaes, que me fazem crer que tem sido tractado como terra de conquista, e isto principalmente em tempos em que o valor do vinho não cobre a despeza da producção.

Por todos estes motivos que acabo de expender, parece-me, como disse, que a agricultura vinhateira do Douro merece ser especialmente attendida, tractando-se quanto antes do estabelecimento de um banco rural na Regoa.

Sr. presidente, ha um outro objecto a respeito do qual tambem não posso deixar de fazer algumas observações: são os caminhos do Douro. E uma necessidade urgente tractar quanto antes da viação no paiz do Douro: ha ahi caminhos que não se acredita, não se vendo, que por elles se conduzam pipas cheias de vinho em carros, lin alli quintas e propriedades que quasi estão incommunicaveis do resto do paiz: com taes tropeços é impossivel prosperar, tanto a agricultura, como o commercio. Mas o que ha de verdade a este respeito é que as municipalidades não fazem Os caminhos, e não Os fazem principalmente porque lhes fallam os recursos.

Tambem não deve esquecer olhar attentamente para o triste estado em que está o rio Douro o qual não só embaraça a navegação e conducção do vinho, mas o que ainda é mais para lastimar todos os annos sacrifica grande numero de individuos. Estas necessidades são palpaveis, e tenho contentamento em vêr que já foram sentidas pelos actuaes srs. ministros; porque em um dos decretos de 11 de outubro se determina, que o imposto de 500 réis em pipa ahi estabelecido, não sendo applicado a promover o commercio da agoa-ardente, o seja para as obras que facilitem as vias de communicação por onde transita o vinho do Douro. Por agora fico satisfeito em deixai consignada mais esta necessidade a que é preciso attender.

São estas, sr. presidente, as minhas Idéas em relação ao Douro, pelas quaes estou prompto a responder, e que tambem despresarei todas as vezes que se me apresentem Outras melhores. Este systema, pois, que venho de expender, é aquelle que desejo seja posto em pratica quanto ante, não aquelle que foi lançado por leira pelos decretos de 11 de outubro de 1852, que linha principalmente seu fundamento na lei de 21 de abril de 1843. Similhante systema é insustentavel em theoria, e ainda mais na pratica, e era apenas querido por meia duzia de homens, e outros tantos afilhados, que tinham com elle sympathisado.

Sr. presidente, o pensamento dos auctores da lei de 21 de abril era sem contradicção o quererem beneficiar a agricultura do Douro; força é confessa-lo, é preciso fazer justiça ás suas intenções, mas foi Ião ma a redacção que se deu áquella lei, que estou convencido, que bem longe de conseguir o seu fim, veiu ainda aggravar o mal, que pertendia evitar (Apoiados)

Ao tempo da confecção daquella lei intendeu-se que havia no Douro, pouco mais ou menos, uma superabundancia de 20,000 pipas de vinho, e por conseguinte a lei concedeu a uma companhia 150:000$ reis annuaes, com a obrigação de comprar 20,000 pipas. Mas á lei esqueceu-lhe o mais essencial neste ponto, que era o marcar o logar do consumo, ou mercado aonde deviam ser levadas as 20,000 pipas. Esta falla notavel e sensivel fez que o vinho que até alli era comprado pelos taberneiros e negociantes, o passasse a ser pela companhia, e por esta levado aos mercados lucrativos do Porto e Brasil, e o motivo desta transformação era 150:000$000 reis, que podia perder annualmente; quer isto dizer, dispendia a nação 150:000$000 réis por anno, para conseguir o resultado de mudar o comprador as 20.000 pipas no Douro.

Este systema ainda produzia uma pequena vantagem, é força dize-lo, não estou aqui para occultar a verdade. Esta vantagem era a certeza que linha o lavrador da venda de parte do seu vinho. Mas repare-se bem, que este beneficio ficava a puder de vista pelos inconvenientes, que resultavam de tal systema. Sem fallar em que o lavrador ficava a maior parte das vezes com o seu tonel meio de julho, e sujeito por isso a deteriorar-se, a lei de 24 do abril, impondo á companhia a obrigação de comprar vinhos de segunda e terceira qualidade, promoveu consideravelmente a plantação e augmento deste vinho, porque os proprietarios dos terrenos proprios para o produzir, enthusiasmados com a lai ou qual protecção que a lei lhes dava, tractavam de fazer plantações, e tanto mais que em taes terrenos, assim estas, como depois o grangeio annual, é mais barato. Por conseguinte a lei, lendo em vista dar extracção a um accrescimo que havia de vinho, veiu promover e desenvolver mais esse accrescimo.

Não fallarei em outros muitos defeitos que tem a lei de 21 de abril, porque não quero continuar n abusar da paciencia da camara, e só farei mais algumas reflexões, em quanto ao seu regulamento.

Sr. Presidente, a lei era má, mas o regulamento era pessimo. Este regulamento era um escarneo vivo, um escarneo completo feito á lavoura. Ahi se determinava que devia ser classificado em primeira qualidade o vinho que tivesse para si, e para dar. Além disto as provas eram feitas por assentadas, cada unia dellas composta de tres provadores, e só um escolhido pela lavoura — já se vê para ficar em minoria. Mas quer a camara -saber o fim de tão bellas disposições? O fim não era outro senão lançar em segunda e terceira qualidade vinhos de primeira, para que a

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companhia comprasse estes pelos preços daquelles. Basta recorrermos aos factos, para nos convencermos da inefficacia e absurdo de similhante systema: apontarei apenas um que tirará todas as duvidas.

Em 1818 houve, como todos sabem, uma novidade muito abundante, e o resultado foi chegar o preço do vinho a tal estado de que não ha memoria na historia ‘daquelle paiz, e ter-se-ía assim conservado senão fosse a escacez dos annos seguintes. Se isto é verdade, pergunto agora, aonde estão as vantagens de um systema que não póde conseguir que em uma colheita mais abundante o preço do vinho seja ao menos igual ao custo da producção?

Tenho mostrado qual era o systema existente no Douro antes dos decretos de 11 de outubro de 1852, systema, que, segundo intendo, utilidade alguma podia produzir para o nosso paiz. Passarei a expender a minha opinião relativamente ao decreto que estabelece a contribuição de repartição.

Sr. presidente, quando vi o illustre deputado que me precedeu, pintar com tão negras cores os resultados da contribuição de repartição, confesso que na verdade fiquei assustado, porque já tinha visto aquelle decreto, e não me tinha parecido isso, e intendia que de certo não tinha lido os artigos em que estavam consignadas ião terriveis provisões. Mas em verdade depois que novamente li o decreto e seu relatorio, convenci-me que não ha motivo para taes receios. Porque, que é o que diz o decreto? Substitue o systema do lançamento da decima e alguns impostos annexos pelo da contribuição de repartição, e isto com o fim de cada contribuinte pagar em relação aos seus teres. Já se vê, portanto, que não me e possivel deixar de adoptar o pensamento do decreto, porque revolta-se-me a consciencia de ver as desigualdades que ha nos lançamentos da decima, de provincia para provincia, de districto para districto, de concelho para concelho, de freguezia para freguezia, e na mesma freguezia de individuo para individuo; revolta-se-me, digo, a consciencia de ver, por exemplo, que Pedro que tem uma fortuna igual á de João, pague muito mais que elle.

Mas o ponto mais capital e interessante é examinar se o novo systema produz augmento na contribuição? De certo que não, porque é este um dos pontos mais expressos no citado decreto; e póde o illustre deputado ler a certeza que se se tractasse de augmentar a contribuição, eu havia de ser o primeiro a votar contra esse augmento, porque tenho a convicção de que a decima lançada ao capital immovel é a que está mais subida, e no ponto a que podia chegar, não obstante a sua desigualdade. Portanto quando se tractar do augmento estaremos de accôrdo, porque não ha de ser o meu voto que tem de opprimir o povo.

Passarei a dar tambem a minha opinião a respeito do codigo penal, que tão combatido tem sido. Não admira, todos os ‘codigos tem sido mais ou menos combalidos, mas nem por isso perdem o seu valor.

Intendo que quem tem combatido o codigo, tem amesquinhado muito uma tal questão; e digo que tem amesquinhado muito a questão, porque outra cousa não é querer avaliar a bondade ou maldade, vantagens ou inconvenientes do codigo só pela analyse destacada e isolada de alguns de seus artigos. (Apoiados)

Sr. presidente, nesta questão ao que se deve principalmente attender é a examinar se o systema geral do codigo está ou não em conformidade com os principios, e mais do que a nossa legislação antiga criminal, que elle veiu substituir (Apoiados) e do mesmo modo ver donde resultarão mais vantagens para o nosso paiz, se da execução do codigo, se da legislação que veio substituir.

Sr. presidente, o codigo é mais humano, e está mais em conformidade com os principios; e para o provar não é preciso fazer grandes dissertações. O codigo tractou de proporcionar o mais que era possivel as penas aos delictos; porque não vejo que seguisse o systema de conter os homens nos seus limites pelo terror do sangue, cujo systema é o seguido pela ordenação, e por todos os codigos da mesma idade.

Não vejo que o codigo castigue igualmente com a pena de morte como a ordenação o crime de furto de marco de prata, e ajuntamento illicito de christão com indio ou mouro, e o crime imaginario de feiticeira e encantos. Não vejo que o codigo estabeleça a desigualdade proveniente das épocas feudaes, desigualdade revoltante, e que a cada passo se encontra na ordenação; porque tambem não vejo que o homem nobre, só porque é nobre lenha uma pena mais pequena que o peão ou plebeo que commetteu o mesmo crime. Não vejo finalmente que o codigo castigue como a ordenação crimes pequenos, crimes insignificantes, crimes imaginarios com a pena de morte, e com as penas crueis.

Se se attender ás suas vantagens practicas, estas tornam-se muito mais attendiveis que a sua bondade intrinseca. Com a practica do codigo acaba a incerteza que quasi sempre ha na legislação criminal antiga, a qual, o que ainda é mais, chega em alguns casos a annullar a luminosa instituição do jury. (Apoiados)

Apresentarei dois exemplos que provam todas estas verdades. Não ha muito tempo que vi condemnar á pena de morte um homem por ler furtado uma almotolia de azeite, e mais dois ou tres objectos de igual valor, com pequena differença; e tambem não ha muito tempo que vi condemnar em seis mezes de prisão a um réo a quem o jury tinha dado como provado o facto de sacrilegio, e a circumstancia aggravante de ser chefe de salteadores! Em vista de taes exemplos pergunto, será melhor o codigo ou a legislação que veiu substituir? Intenda-se porém que eu votando pela approvação do codigo não direi que elle esteja completamente illibado de erros, mas voto por elle, porque é mil vezes melhor que a legislação que veiu substituir. (Apoiados)

Sr. presidente, são estas as reflexões que tinha tencionado apresentar á consideração da camara; mas antes de concluir cumpre-me agradecer profundamente aos meus illustres collegas a attenção que me prestaram, que por a julgar immerecida tanto mais sensivel se me toma. (Muito bem)

O sr. Avita: — Sr. presidente, antes de fazer uso da palavra sobre a materia, tenho necessidade de pedir á illustre commissão especial, ou ao governo, uma explicação que poderá naturalmente constituir uma questão de ordem, mas a que não quero dar taes proporções, só sim que me seja permittido apresental-a como uma pergunta, sem que se considere, que esta preenche o direito, que tenho de fallar sobre a materia, direito de que usarei depois da resposta dada. O projecto, que a illustre commissão submette á consideração da commissão, e que actual

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mente se acha em discussão, é concebido n'um só artigo que diz o seguinte: — Os decretos, contendo disposições legislativas promulgados pelo governo no exercicio dos poderes extraordinarios desde o principio de maio de 1851 até 31 de dezembro de 1832, continuam em vigor, em quanto não forem alterados pelo poder legislativo — Ninguem dirá, sr. presidente, que sobre um assumpto desta importancia ha clareza de mais.,, >

Eu vejo que na collecção dos decretos da dictadura, cujo exame e approvação faz o objecto deste debate, se diz na frente do primeiro volume o seguinte = Colleção das medidas legislativas promulgadas pelo governo desde o dia 10 de maio de 1851 até ao dia. 13 de dezembro. do mesmo anno, para ‘ser presente ás côrtes geraes =, e no outro volume se diz tambem = Collecção das medidas legislativas promulgadas I pelo governo desde 26 de julho de 1852 até 31 de dezembro do mesmo anno; para ser presente ás côrtes geraes da nação portugueza = Ha tambem um additamento, mas é ás medidas comprehendidas no segundo volume.

Já se vê por consequencia que se tracta da approvação das medidas tomadas em duas épocas distinctas desde 10 de maio até 13 de dezembro de 1851, e desde 26 de julho até 31 de dezembro de 1852.

A pergunta pois que tenho a fazer á illustre commissão, ou ao governo, é a seguinte: — Se nos actos das dictaduras, cuja approvação se propõe, se comprehendem só os decretos, contendo disposições legislativas, que foram promulgados nestas duas épocas, ou se se comprehendem algumas outras medidas, e neste caso quaes ellas são.

Esta pergunta vou mandal-a por escripto para a mesa, por que, desejo uma resposta cathegorica, visto que, sobre assumptos desta natureza toda a obscuridade não póde deixar de ser prejudicial.

Se a redacção.do projecto que se discute, fosse como eu intendo devia ser, e como proporei mesmo que seja, se por ventura o governo ou a commissão me der a resposta, que eu espero me seja dada, a redação do projecto deve ser no sentido em que acabo de fallar, isto é, deve designar expressamente as duas épocas, e deste modo evitar-se-ia a necessita de da minha pergunta, e deixar-se-ia de fazer ao corpo legislativo uma grande affronta. Peço perdão de usar desta palavra, mas intendo que não é esta a occasião em que venhamos fazer cumprimentos em prejuiso dos bons principios: mas pelo modo porque o projecto se acha redigido, intendo que comprehende uma offensa aos principios do governo representativo, por isso que suppõe a existencia de uma dictadura, ou a assumpção de poderes extraordinarios, inclusivamente n'uma época em que o parlamento estava funccionando....

Neste caso pois espero, que ou a illustre commissão ou o governo aceite o meu convite e responda, e eu reservo-me para depois tomar a palavra sobre o assumpto. A minha pergunta é a seguinte (Leu)

«Proposta. — Requeiro que a illustre commissão especial, ou o governo, sejam convidados a declarar se nos actos das dictaduras, cuja approvação se propõe agora, se comprehendem só os decretos contendo disposições legislativas, que foram promulgados do principio de 1851 a 15 de dezembro do mesmo anno, e de 26 de julho de 1852 a 31 de dezembro do mesmo anno, e constam das collecções que foram distribuidas nesta camara ou se se comprehendem algumas outras medidas, que não venham naquellas collecções. Neste ultimo caso requeiro, que se declare quaes são essas medidas, e em que época foram promulgadas» — Avila. — O sr. Ministro da fazenda (Fontes Pereira de Mello): —..Sr. presidente, eu não sei se a minha resposta. á pergunta do illustre deputado, me poderá collocar em difficuldades futuras; no entretanto desejando sempre mostrar que o governo procede de um modo cavalheiroso e-sincero, e querendo mesmo, nesta occasião dar uma prova disto ao parlamento e ao illustre deputado, que deseja saber se nos actos da dictadura actualmente sujei los ao exame da camara, se comprehendem mais algumas medidas, que por ventura não viessem incluidas nas collecções aqui apresentadas; julgo do meu dever declarar que, intendo que o parlamento sanccionando como lei o projecto da commissão, não sancciona senão os decretos que; se acham comprehendidos nis suas colleções que foram apresentadas e mandadas para a mesa. (Apoiados) Esta é a minha opinião, e intendo que o governo não podia lizamente propôr outra cousa. (Apoiados)

Se algum decreto houver, que não conheço, que não sei que haja, e que creio até que não ha, mas se algum houver, que não esteja comprehendido nestas colleções, porque o illustre deputado que fez a pergunta deve suppor que não foram os, ministros que estiveram a collocar estes decretos nas colleções, intendo digo, que sobre elle deve haver uma proposta nova, e uma discussão especial (Vozes: — Muito bem.) Creio que a minha resposta satisfará aos desejos do illustre deputado

O sr. Avila: — Agora peço que a illustre commissão declare se acceita ou não a declaração do sr. ministro da fazenda

O sr. F. J. Maia: — (Como relator da commissão.) Acceito a declaração, por isso que estou de accordo com ella.

O sr. Avila: — (Continuando o seu discurso) Vista a declaração franca e leal do «r. ministro da fazenda, eu vou corresponder a s. ex.ª do mesmo modo, dizendo francamente o motivo por que fiz a minha pergunta, e espero que o sr. ministro da fazenda e a illustre commissão especial, não duvidarão substituir a redacção do projecto, pela redacção que indiquei, visto que ella exprime completamente a idea do sr. ministro.... (O sr. Justino de Freitas: — Não é preciso.) Pois eu acabo de demonstrar que daqui podia resultar um equivoco, e o illustre deputado diz que não é preciso?!

Sr. presidente, tem-se aqui diversas vezes empregado uma fraze, que eu peço licença para applicar agora, e é, que não espero que a illustre commissão especial queira ser mais ministerial do que o governo. (Apoiados)

Estou convencido que o illustre ministro da fazenda senão opporá a que a sua resposta seja consignada na acta, porque a acta deve conter e descrever todos os actos importantes que se passam na camara, liste facto é altamente importante, e assim como na acta se ha de inserir a minha pergunta, intendo que tambem nella se deve dar conta da resposta de s. ex.ª (Apoiados)

Espero tambem que a camara me fará a justiça de acreditar, que não me move nas considerações que

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-vem apresentar, nenhum espirito de hostilidade pessoal aos srs. ministros'; e parece-me que tenho procurado demonstrar, que não desejo collocar o governo Cm difficuldades: bera-pelo contrario, seria para mim o momento mais feliz aquelle em que me podesse convencer de que devia prestar apoio á politica do governo, porque', assim como ha pessoas, que nasceram para ser opposição, eu não nasci-para isso, e é sempre: fazendo muita repugnancia ás minhas tendencias naturaes', que faço opposição ao governo; —

Agora vou corresponder á lealdade com que o sr. ministro respondeu á minha pergunta. O motivo della é o seguinte: — Ha tres dias que annunciei nesta casa uma interpellação ao sr. ministro das obras publicas, e da fazenda, a fim de perguntar ao governo se intendia que podia contractar definitivamente um caminho de ferro de Lisboa á fronteira de Hespanha, em auctorisação do corpo legislativo. Na approvação dos decretos da dictadura, pelo modo porque se acha redigido o projecto em discussão, receiava que fosse tambem comprehendido o programma de 6 de maio de 1852, e reputava que este facto, que não tinha justificação, havia, de collocar o governo e a camara n'uma pessima situação.

O decreto de 6 de maio de 1852 foi um puro acto do poder executivo. Unia commissão especial tinha proposto nesta casa uma auctorisação ao governo para contractar um caminho do ferro de Lisboa á fronteira de Hespanha, estabelecendo as bases para esse contracto: o governo adiando a camara, e querendo neste intervallo manifestar o seu desejo de promover a construcção daquella linha ferrea, que reputava de grande interesse para o paiz, formulou um programma, segundo as bases apresentadas pela commissão a fim de-ganhar tempo. Depois disto esperava eu, que o governo logo que o parlamento se abriu, viesse promover a discussão do projecto, que tinha se servido de base áquelle programma, para ficar definitivamente auctorisado a contractar; mas não aconteceu assim, e o governo fazendo essa concessão, fê-la sem lei, e violou o proprio programma, que estabeleceu, porque a concessão não foi feita de accôrdo com elle.

Sr. presidente, a camara foi dissolvida, porque o podér moderador usando da sua prerogativa optou pelo ministerio, n'uma questão, em que a camara lho não prestou o seu apoio. Intendo que o poder moderador foz bem, porque só assim se podiam convenientemente resolver as difficuldades da situação; — mas o que é certo, é que se procedeu á eleição de uma nova camara, e que estamos em 31 de março, isto é, na vespera do encerramento da sessão ordinaria, sem que se tenha votado aquella auctorisação, nem ao menos tivesse o governo pedido que ella se discutisse. O governo acaba de conceder definitivamente a construcção desse caminho a uma companhia que se diz habilitada para isso alterando o governo o seu proprio programma, porquê o sr. ministro das obras publicas, commercio e industrial não póde dizer, que a essa companhia se deu a concessão definitiva, segundo as condições do programma, porque desde que o governo subscreve com j da somma, que se presume necessaria para a feitura da primeira linha os caminho de ferro é evidente que a companhia não subscreveu com os 5/4. que o programma exige: mas não é esse o objecto, que eu tenho em vista; não quero entrar agora mais desenvolvidamente sobre este assumpto; nem discutir o merito do contracto: o que pertendo é constatar o facto de que o sr. ministro ha de trazer este negocio ás côrtes (O sr. Ministro da fazenda,: —.Apoiado) e provar que tinha razões: para pensar que no projecto da commissão especial podia, vir encapotada essa auctorisação segundo ai redacção do. mesmo projecte».

Peço perdão deter empregado a palavra encapotada; que não emprego em. máo sentido.: quero dizer, que viesse incluida essa auctorisação, sobre tudo quando o sr. ministro das. obras, publicas, o do commercio lendo-declarado que a concessão ficava dependente da approvação do poder legislativo, até hoje ainda não apresentou-a respectiva proposta como urge fazer attendendo-se a que essa proposta deve ter uma; discussão larga, e pausada, e o começo dos trabalhos está já annunciado parai 25 deste mez; o que não sei como se poderá fazer. Foram estes os Motivos que tive para fazer esta pergunta;. comprazo-me comia respostai do sr. ministro das obras publicas, e reservo-me para dizer a minha opinião sobre o contracto quando elle se discutir.

Sr. presidente, a camara não deve estranhar que eu combata, as dictaduras. Tenho ouvido, que os homens de uma certa opinião politica que tem defendido as dictaduras, estão arrependidos de o terem, feito: não me compele esta qualificação, porque ainda me não arrependi ainda não-votei dictadura, alguma. Todas as vezes que se tem apresentado, ao corpo legislativo medidas dictatoriaes, as-tenho combatido; uma unica dictadura houve que não combati, mas votei contra ella: foi a. dictadura; de que v. ex.ª fez parte, e que foi depois continuada; pelo ministerio de 6 de outubro do nobre duque de Saldanha.. Obrei, assim, porque intendi não ser generosidade da minha parte combater uma, dictadura, que não tinha na camara um; só representante, um só dos ministros responsaveis por ella. estou sempre, prompto a defender os ausentes, e nunca a combate los. Demais esse ministerio exerceu, a dictadura em circumstancias muito criticas, circumstancias, em que talvez os mais escrupulosos a tivessem lambem-exercido; porque era untai dictadura filha de uma revolução, que ameaçou, trastornar completamente a ordem deste paiz. Uma das maiores revoluções que temos, lido é sem duvida a de 1846 A esta dictadura seguiu-se outra que teve logar para acabar Com a guerra civil e os; homens que a exerceram, estavam sentados na camara, e eram os mesmos chefes da administração; mas os da primeira não se achavam presentes, e por! esse motivo limitei-me a dar silenciosamente o meu voto contra; porque intendi e intendo, que as dictaduras são a. negação do systema representativo. A carta prevê d caso em que é necessario suspender algumas das garantias individuaes, mas declara expressamente, que nenhum poder do estado póde suspender a constituição..

Não se diga tambem, que eu exerci a dictadura, porque não é exacto. Nunca procurei exceder as minhas attribuições, e desejo-que todos os. homens publicos se convençam de que estão sobre um abysmo desde o momento, em que sáem da esfera legal. O systema representativo merece ser uma realidade, parque contém em si os meios para resolvei todas as difficuldades.

Comprehendo o systema absoluto o systema despotico, a systema republicano, e o systema representativo; mas não comprehendo um systema que só é, representativo no nome, porque esse systema é uma

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hypocrisia, que compromette a todo», e não dá garantias a ninguem. — É, portanto, o peior dos governos.

A operação de 31 de dezembro foi feita em vista das auctorisações que recebi, menos em quanto ao ponto. E o decreto de 13 de novembro era um acto que todos e quaesquer ministros não podiam deixar de practicar; porque era o resultado de uma lucta, que se deu entre o ministerio, e um estabelecimento importante deste para — lucta, que tem produzido os seus resultados, bina repartição publica desobedeceu ao governo, não cumprindo uma ordem, que este podia dar; e como o governo não tinha na lei os meios necessarios para se fazer obedecer, adoptou uma medida provisoria, que submetteu ao corpo legislativo logo que este se abriu.

Senti muito, sr. presidente, que os acontecimentos de abril não dessem logar a que esta medida fosse discutida, porque nunca recuei diante do exame dos meus actos: respondo por elles, e desejo que se entre na sua apreciação: o que quero só é imparcialidade.

O nobre deputado que acaba de fallar, disse, que para elle a questão não era o facto da dictadura, mas sim a natureza das medidas. Peço perdão, para dizer ao illustre deputado, que a doutrina constitucional não é essa — o governo podia, sim, adoptar medidas de grande alcance, excellentes, que mereces sem ser approvadas; mas, não obstante, podia ser accusado, por ler assumido attribuições, que lhe não pertencem. A questão não é o merito das medidas, mas sim a maneira por que ellas se publicaram. Sr. presidente, não ha déspota nenhum, que quando viole a constituição do estado, não diga que o que quer é o bem do seu paiz. Não sustentemos, pois, taes doutrinas, que são a justificação do systema absoluto. — Tomo a repelir uma observação que hontem, fiz: acredito, que todos nós, comprehendendo os srs. ministros, queremos, o systema representativo: não tractemos, pois, pelos nossos actos, pelas opiniões que emittirmos, de desacreditar este mesmo systema, porque bastantes inimigos; já elle tem.

Sr. presidente, eu comprehendo, que n'um conflicto, que se dá entre o ministerio, e a camara decliva, póde o poder moderador dissolver a camara; mas este facto equivale a dizer o poder moderador ao paiz — vós sabeis qual é o conflicto, que s (. dá entre o governo e o poder legislativo; portanto resolvei este conflicto, por meio da eleição a que se vai proceder. — Se o paiz quer, que triunfe a opinião da camara, manda os mesmos deputados; e se quer que triunfe a opinião do governo, elege deputados que o sustentem. Mas poderá alguem dizer, com a mão na consciencia, que foi isto o que aconteceu depois de dissolvida a camara passada? Ninguem o dirá. Agitava-se uma grande questão, que era a approvação de um artigo do decreto de 3 de dezembro, e sobre esse objecto emitti a minha opinião. O governo em dezembro de 1851 viu-se em graves embaraços, por virtude de uma grande somma de antecipações, que pesavam sobre a receita do estado, e depois de ensaiar todos os meios para saír desse apuro, affirmou não ler achado senão aquelle, que estava comprehendido no decreto de 3 de dezembro. Por esse decreto o governo ordenou a cessação do pagamento do semestre dos juros da divida consolidada interna o externa, que começava em janeiro de 1851; o governo suspendeu o pagamento da quota para a amortisação da divida externa nesse mesmo semestre; o governo lançou o. por cento sobre todos os vencimentos dos empregados publicos; o governo applicou ás despezas, publicas uma grande parte do imposto das notas, que ale alli só era applicavel para a amortisação das mesmas notas, e aproveitou esta occasião para a capitalisação dos vencimentos dos empregados publicos, desde a ultima lacuna, o os quatro semestres de juros em divida. A. camara, a quem esta questão foi. submettida, dividiu-se em opiniões: a commissão de! fazenda, e varios deputados, mandaram para a mesa substituições; a mesa foi obrigada a submetter á votação o decreto por quesitos, e a capitalisação, que era o pensamento capital do mesmo decreto, foi rejeitada por uma grande maioria. Nestas circumstancias o poder moderador dissolveu a camara. O que dizem as doutrinas constitucionaes, que se devia fazer? Devia-se esperar que a nova. camara viesse resolver a questão. Mas não foi isto o que aconteceu; porque o governo, assumindo a dictadura, ordenou logo a junta do credito publico, que pagasse os juros do semestre corrente, o que prejudicava uma parte essencial do decreto de, 3 de dezembro.

Eu, sr. presidente, segui com toda a, attenção os factos practicados nessa época, e feriu-me muito desagradavelmente esse primeiro desvio dos principios constitucionaes; porque o sr. ministro da fazenda não podia deixar de prever, que desde o momento em que s. ex. mandava á junta, que pagasse o semestre corrente, linha resolvido uma parte essencial do decreto de 3 de dezembro. Depois seguiu-se a passagem das inscripções, com o que ficou completamente em execução o mesmo decreto.

Por esta occasião não posso deixar de declarar, que desapprovo o procedimento da junta, que lendo declarado, que não passava as inscripções, sem que uma lei o ordenasse, violou depois este principio, porque o decreto de 3 de dezembro ainda hoje mesmo não é lei do estado, que obrigue a junta. Sinto muito ter de censurar este acto da junta; porque as minhas relações, quando ministro, com aquelle estabelecimento, me obrigam a confessar, que sempre achei nelle a mais fiança e leal. cooperação para tudo o que era de interesse publico, e reconheci o zelo, dedicação e integridade dos seus membros no desempenho de suas funcções. Reconheci que a junta tem prestado grandes serviços, na boa e imparcial gerencia dos negocios que lhe estão encarregados; mas intendo tambem, que lendo resultado á entrega das inscripções, em quanto uma lei lh'o não ordenasse, não devia passar as mesmas inscripções, fallando essa lei.

Desta maneira o decreto de 3 de dezembro, na, parte da capitalisação, que era a primeira questão, que devia ser submettida ao corpo legislativo, já hoje é um facto consummado: e a segunda dictadura começou, portanto, debaixo de máos auspicios; começou logo pela preterição de um dos principios essenciaes do systema representativo.

Mas diz-se — o governo não tinha lei de meios, nem lei eleitoral; e o governo tinha necessidade de uma e outra. Convenho; ou nunca havia de censurar o governo por ter decretado, por um acto seu a cobrança das contribuições; havia de dar-lhe por isso um bill de indemnidade sem repugnancia; e o mesmo havia do fazer quanto á lei eleitoral: mas o governo fez mais do que satisfazer a uma necessidade constitucional, porque foi estabelecer no decreto elei-

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toral um principio altamente inconstitucional, altamente destruidor do principio em que se fuma o systema representativo. Eu já chamei a attenção da commissão sobre este principio quando se discutiram as eleições, e hei de chama-la de novo agora. Sem ter a pertenção de entrar na analyse de todos os actos da dictadura, porque não tenho recursos intellectuaes para isso, nem mesmo quando os possuisse, tinha forças fysicas para esse trabalho, não posso com tudo deixar de examinar algumas medidas, para sustentar o voto, que hei de emittir a respeito do parecer, que se discutte, e que desde já declaro á camara, que lhe não é favoravel.

Quanto ao decreto eleitoral de 30 de setembro, já declarei a camara que havia nesse decreto provisões altamente importantes que garantem a liberdade da urna, e a fidelidade do processo eleitoral; mas sinto que no artigo 90 viesse uma disposição que destroe pela base o systema representativo. A base do systema representativo são as eleições; o fim da eleição é representar a opinião do maior numero; e por isso que todas as leis eleitoraes que temos lido, teem exigido sempre no primeiro escrutinio a maioria absoluta, e só no segundo a maioria relativa. Fallo das eleições directas, porque nas indirectas exige-se maioria absoluta nos tres primeiros escrutinios.

Convenho em que a opinião que Triunfa no ultimo escrutinio, muitas vezes não representa a opinião do maior numero, mas pelo menos representa a opinião do maior numero que está de accordo: porém que se viesse estabelecer o principio que devem ser proclamados deputados os que tivessem obtido, no primeiro escrutinio, a quarta parte dos votos dos votantes, isto é que nunca me persuadi que se fizesse. Em Portugal tem havido muitas leis eleitoraes; tem havido leis eleitoraes pelos dois systemas, pelo systema de eleições indirectas, e pelo systema de eleições directas, que são aquellas que eu supponho que exprimem a verdadeira opinião dos eleitores. (Apoiados) Para mostrar o vicio das eleições indirectas, direi que n'um collegio aonde havia 34 eleitores da opposição, e 33 que seguiram a politica do governo, a influencia do governo pôde corromper um dos 34 eleitores, e a opposição ficou reduzida a 33. Pergunto se a maioria daquella eleição representaria a opinião daquelle colligio? Não de certo, porque os eleitores de parochia ficaram com n mesma opinião que tinham antes de ser corrompido o eleitor de parochia, que havia desertado das suas bandeiras. Quem tem pratica de eleições, sabe que muitas vezes cidadãos que tiveram maioria relativa no primeiro escrutinio, perderam-a depois no segundo escrutinio; porque o que acontece em geral é, que quando os pallidos se acham divididos, depois de contarem os seus votos e ensaiarem as suas forças no primeiro escrutinio, vendo que não póde triunfar a sua bandeira, fazem nos seguintes escrutinios as transações e combinações que lhes convem. Portanto exigindo o decreto eleitoral de 30 de setembro, no primeiro escrutinio, só a quarta parte dos votos dos votantes, falsea o systema representativo, porque expõe a camara electiva a ser composta de deputados, que não teem a seu favor a presumpção de exprimirem a opinião do maior numero.

Esta disposição é tambem nova não só nas nossas leis eleitoraes, mas nas leis dos outros paizes. Confesso que ainda não pude comprehender como esta doutrina foi inserida naquelle decreto, se não por um equivoco. Quando se tracta destes assumptos, vamos sempre procurar o que se faz em França; e em frança não se faz nada disto. As leis eleitoraes francezas, durante a monarchia dos Bourbons, exigiam a maioria absoluta no primeiro escrutinio, e além disso a quarta parte dos votos do numero total dos eleitores recenseados: não bastava se') a maioria absoluta, se não houvesse a quarta parte dos votos da totalidade dos eleitores inscriptos no recenseamento, assim como não bastava esta quarta parte dos votos, se não houvesse a maioria absoluta. Veiu depois a revolução de julho, diminuiu o censo, mas conservou a disposição da maioria absoluta no primeiro escrutinio, exigindo mais a terça parte dos votos dos eleitores recenseados. Quando foi destruida esta disposição? Foi destruida em 1849, quando a republica estava proclamada, quando se dava o suffragio universal: então exigiu-se só a oitava parte dos votos, não dos votantes, mas de todos os eleitores inscriptos nas listas do recenseamento. A Belgica seguiu as leis da França monarchica. Nós fizemos porém mais do que a republica, porque nos contentamos com a quarta parte dos votos dos votantes, que é muito menos do que a oitava parte dos votos dos eleitores inscriptos.

Espero, que o governo, e os cavalheiros, que concorreram para a redacção deste decreto, hão de reconhecer a exactidão destas observações, e a necessidade de substituir aquella disposição por uma doutrina mais em harmonia com as theorias do systema eleitoral, sobretudo n'um paiz monarchico como aquelle, em que lemos a fortuna de viver.

Vou entrar agora no exame do decreto de 30 de agosto, mas antes de o fazer devo prehencher um dever de consciencia, e de lealdade, que satisfaço comtudo com muita repugnancia. Fallo da justificação dos calculos que vem n'uma portaria minha que se tem tornado celebre, justificação, a que não esperava ser obrigado, porque me pareceu sempre que os homens que mais teem alimentado este debate, deviam ser os primeiros interessados em evitai-o. Asseveram algumas pessoas, que n'um occasião em que se tractava aqui de uma questão relativa ao banco de Portugal, o sr. ministro da fazenda dissera, que aquelle restabelecimento linha exigido do ministerio, de que eu fazia parte, por uma operação, que eu procurava que fosse feita por intermedio delle, 17 ¼ por cento. Eu não ouvi dizer isto a s. ex., que até leu a portaria em que eu recusara a proposta do banco, e em que se prova plenamente, que aquelles 17 ¼ por cento não eram todos para aquelle estabelecimento. As expressões que eu ouvi a s. ex.ª nessa occasião invocando o meu testimunho, foram — que eu intendera que essa opperação sahiria ao thesouro pelo encargo de 17 ¼ por cento em relação a um anno, e eu apoiei a s. ex. assim como hei de apoiar sempre que nos encontrarmos no mesmo terreno, e em que estimarei nos encontremos muitas vezes.

Mas abriu-se logo uma larga polemica no parlamento e na imprensa pertendendo-se demonstrar que eu tinha errado os calculos, que vem na mesma portaria, ou que a tinha assignado irreflectidamente, não sendo obra minha.

Eu não sei se o sr. ministro da fazenda por acaso lançou os olhos alguma vez (póde ler acontecido) ás minutas da correspondencia que teve logar a este respeito entre mim e o banco de Portugal: e se assim I foi, lá havia de achar s. ex. a minuta dessa portaria

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feita por mim. (O sr. Ministro da Fazenda — Sim senhor, encontrei). Porque eu não quero fazer a injuria aos empregados do thesouro de deixar crer que fossem capazes de me dar para assignar um documento desta ordem errando os calculos, que elle contém, nem quero que tomem a responsabilidade do que não fizeram. A portaria de 2 de dezembro desse mesmo anno assim como a do dia immediato, e muitas outras, são obra minha.

Sustento que os calculos dessa portaria são exactos, e sustento e sustentarei sempre que os argumentos que se teem apresentado para os combater, são todos sofísticos, para o que basta vêr os calculos que se teem publicado pela imprensa periodica a este respeito.

Dizem os defensores do banco — A operação era ao juro de 1 por cento ao mez, e 2 por cento de commissão para o banco: se durasse um anno, custava pois 9 por cento para o prestamista, e 2 por cento para o banco — total 11 por cento. Accrescentam que não se acceitando essas condições, se foi fazer a mesma operação por meio da junta do credito publico, ao juro de 1 por cento ao mez — lotai n'um anno 12 por cento: havendo assim de perda para o thesouro 1 por cento, ou 4 contos de réis, visto que a operação era de 400 contos.

Este argumento foi tambem já reproduzido na camara dos dignos pares do reino, e fizeram-me muito favor os homens que o empregam, em não se lembrarem de fazer durar a operação dois annos, porque então obteriam resultados ainda mais vantajosos para o seu systema, porque nessa hypothese os juros, sendo a operação feita pelo banco, seriam 11 por cento nos 2 annos — commissão 2 por cento — total 20. Sendo feita a operação pela junta, seriam os juros 24 por cento nos 2 annos, do que resultava uma perda para o thesouro de 4 por cento ou 16 contos de réis. E se levassem a operação a 3 ou mais annos, poderiam ainda provar melhor a modicidade da commissão exigida pelo banco, que é o que se pretende.

Desgraçadamente, para os que assim raciocinam, a operação não durava nem um, nem dois, nem tres annos, porém, unicamente cinco mezes, porque o praso de uma operação é o que vai do desembolso dos prestamistas ao seu embolso, e esta era feita por meio de leiras todas a cinco mezes. E tanto imporia que os 400 contos fossem levantados todos de uma vez, como que fossem divididos em prestações semanaes de 25 contos, com tanto que essas prestações fossem pagas impreterivelmente em cinco mezes. Cada uma dessas prestações figurava uma operação ou um levantamento de dinheiro embolsavel em 5 mezes, sobre o qual o banco pretendia ler uma commissão de 2 por cento.

A commissão que podia, pois, não ser exaggerada em relação a uma operação que durasse um anno, dois, ou lies, era exorbitante em relação a 5 mezes.

Mas a prova da fidelidade desta maneira de argumentar dos 11 e dos 12 por cento, está nas contas da despeza dessa operação, e eu não sei como na presença desta conta se possa dizer que a operação que eu fiz na junta do credito publico, saíu mais caia do que no banco.

Eu tenho esta demonstração por escripto, porque a minha intenção é pedir que venha amanhã no Diario do Governo, para que não se julgue eu pertendo surprender os meus adversarios.

Esta demonstração comprehende a conta das despezas dessa operação feita pela junta, e da outra que se lhe seguiu, e que foi feita tambem na junta, e vêr-se-ha comparada essa despeza com a que devia ler lugar no banco, que aconteceu perfeitamente o contrario, do que pertendem os defensores deste estabelecimento.

1. operação — 400 contos — Embolso em 5 messes — Decreto de 0 de setembro de 1850 — Junta do credito publico.

Juro — 1 por cento ao mez, em 5 mezes

5 por cento-.....................20:000$000

Gratificação aos empregados......... 480$000

Total....... 20:480$000

2.ª operação — 400 contos — Embolso em 6 mezes — Decreto de 8 de Fevereiro de 1851. — Junta do credito publico.

Juro — 10 por cento ao anno, em 6 mezes,

5 por cento..................... 20:000$000

Gratificação nos empregados......... 480$000

Total....... 20:480$000

Total das operações................40:960$000

As mesmas operações custariam no banco, segundo as condições propostas pelo mesmo a 30 de agosto de 1850:

1.º operação.

Juro — 5 por cento ao mez, em 5 mezes, 3 S 15:000$000 2 por cento de commissão para o banco 8.000$000

Total....... 23:000$000

2. operação.

Juro — ½ por cento ao mez, em 6 mezes 4 18:000$000 2 por cento de commissão para o banco 8:000$000

Total....... 26:000$000

Total das operações................ 49:000$000

Despeza na Junta.................. 40:960$000

Para mais no banco................ 8:000$000

Quando o juro fosse reduzido a I por cento ao mez nas operações feitas na junta, como aconteceria na 1. operação que pertendi levar a effeito, por intervenção da mesma junta, a economia de uma operação para o levantamento de 400 contos feita na junta sobre uma operação feita no banco da mesma somma e ao mesmo juro, que é a comparação que se deve fazer, seria de 7:520$000, que é a differença que vai de 8 contos de réis exigidos pelo banco a 480$000 réis, em que imporia a despeza que se fez na junta.

Eis-aqui como as operações que fiz na junta, saíram mais caras do que sairiam, se as tivesse feito pelo banco!

Vol. III — Março — 1853.

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Os calculos da portai ia de 2 de setembro de 1850 são irrespondiveis. Não se póde negar que um levantamento de dinheiro a 5 mezes, mas que o thesouro pagava de facto em 4 mezes, pagando comtudo um juro de f por cento ao mez em 5 mezes, e 2 por cento de commissão, não custava sobre esses 4 mezes 5 ¼ por cento; o que em relação a um anno dava um encargo de 17 ¼ por cento. O que se póde dizer, que o banco desses 17 ¼ por cento não lucrava 7 ¼ por cento, porque para isso seria necessario, que descontasse todas as letras no fim dos 4 mezes, o que poderia não ter logar. Convenho. O verdadeiro lucro do banco era o de 2 por cento, que sobre uma operação, que o thesouro pagava necessariamente em 4 urzes, custava ao thesouro em relação a um anno 5/12 por cento: e álem disso linha o banco o lucro do 5 por cento sobre todas as leiras, cujo desconto viessem pedir os portadores, desconto que na totalidade das leiras dava em relação a um anno 15/12 ou 1 ¼ que com os 6 por cento perfazem 7 ¼ por cento em relação a um anno. Este lucro de 1 ¼ por cento era pois contingente para o banco; mas o encargo para o thesouro era o mesmo, logo que elle era obrigado a fallecer o dinheiro para o desconto, tivesse este ou não tivesse logar.

E nem se diga que a commissão de 2 por cento em o premio fia garantia do emprestimo, porque o banco offereceu ao governo duas propostas, uma em que garantia, e outra em que não garantia o emprestimo, e em ambas pedia a mesma commissão de 2 por cento. Além de que essa garantia era toda nominal, já pela pontualidade, com que o governo entregava ao banco as receitas destinadas para o pagamento do emprestimo, já porque nas caixas do banco se depositavam até se pagar o ultimo leal do mesmo emprestimo 200 contos de réis de letras pagaveis pelos rendimentos das alfandegas de Lisboa e Porto, para que no caso que acontecesse, que no dia do vencimento das leiras da operação fallasse alguma quantia para realisar o pagamento, o banco podesse negociar aquella parte dos 200 contos, que fosse necessario para se effectuar o pagamento. Mas esta hypothese nunca se deu: bem longe disso, no dia 6 de setembro de 1850 tinha o banco recebido 828:920$348 léis para o pagamento das tres operações, de que se encarregou na importancia de 1:160 contos, sendo Os encargos dessas operações até esse dia 500 contos, e havendo por consequencia nas caixas do banco um excellente a favor do thesouro da importancia de 268:929$318 réis.

Os defensores do banco devem ainda reflectir, que se a conta tivesse sido feita unicamente para a hypothese da garantia, segundo as condições propostas pela assemblea geral daquelle estabelecimento, o encargo, do thesouro seria ainda maior do que o de 17 ¼ por cento, que consta da portaria alludida.

O banco exigiu para esta hypothese, que as sommas destinadas ao pagamento das leiras entrassem uns suas caixas por consignações diarias, logo que o emprestimo fosse approvado, na proporção que a direcção julgasse necessaria. Ora obrigando-se o governo a fazer descontar as letras no fim de 4 mezes, é evidente, que a direcção não poderia deixar de exibir, que o toai das consignações diarias nos primeiros 4 mezes fosse, pelo monos, de 100 contos, para ficar o banco habilitado durante o 5.º mez a descontar as letras da 1. serie, que importavam naquella quantia; o que tornaria necessario que as consignações mensaes em cada um daquelles mezes fossem de 25 contos. A operação reduzir-se-hia, pois, a um levantamento mensal, durante 4 mezes, de 100 menos 25 contos, ou de 75 contos, pagando o governo o juro de por cento no mez durante 5 mezes, e do 2 por cento de commissão ao banco, sobre 100 contos.

A despesa de cada um dos 75 contos, que o thesouro recebia, seria pois a seguinte:

Juros 2/4 cento ao mez a 5 mezes,

3 ¾ sobre 100 contos...............3:750$000

Commissão de 2 por cento para o banco

sobre 100 contos.................. 2:000$000

Total...... 5:750$000

Esta despesa em relação a cada um dos

5 mezes seria de................. 1:150$000

O que em relação a um anno daria um

encargo...................... 13:800$000

Que em relação a 75 contos seria de 18 por 2/5 cento.

Esle encargo, cuja exactidão se não pôde por em duvida, é ainda superior ao de que falla a alludida poria ria de 2 de setembro de 1850.

Não deviam esquecer-se os defensores do banco, de que a maior censura á exigencia da commissão de 2 por cento feita por aquelle estabelecimento a 30 de agosto de 1850, está na representação da sua direcção ao governo com data de ti de junho do mesmo anno, representação que eu vou lêr á camara, porque se esqueceram tambem do que em um celebre livro de capa verde mandaram publicar para fazer passar o meu nome á posteridade coberto de infamia. Aconteceu porém o contrario, porque esse livro pelos documentos, que contém, a maior parte dos quaes eu nunca fiz publicar, é a melhor prova da longanimidade, o da paciencia, com que sempre me comportei para com esse estabelecimento (O sr. Ministro da fazenda: — Apoiado) Aqui está esta representação, e peço á camara que se digne continuar a prestar-me a sua attenção, porque demonstrações de cifras carecem de toda a attenção para se comprehenderam: (Leu)

“ Senhora: A direcção do banco de Portugal cumprindo com o que lhe foi ordenado, pela portaria do ministerio da fazenda de 25 de maio ultimo, acerca da percentagem que o governo tem resolvido conceder ao banco pelas despezas occasionadas pelo contracto de 21 do dicto mez de maio, em consequencia do augmento do trabalho que deve sobrecarregar o pessoal deste estabelecimento; tem a honra de levar á presença de Vossa Magestade que. para compensação das diversas despezas com as transferencias dos Unidos pertencentes ao mencionado emprestimo, commissões aos agentes, e mais gastos do expediente e contabilidade, propõe a Vossa Magestade lhe sejam abonados 2 por cento de todas as sommas que forem entregues ao banco para serem applicadas ao pagamento das leiras que representam o dito emprestimo. etc. “

O emprestimo de que falla esta representação, era pago pelas decimas das provincias, e por isso a

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-direcção pedia uma percentagem para a» despezas das transferencias do producto das mesmas decima» para Lisboa, e commissões aos agentes, que para a recepção daquelles dinheiros era o banco obrigado a ter nos diversos districtos, listas operações eram por tanto muito caras, e eram desmoralisadoras, porque nas provincias via-se sempre com muito máos olhos a passagem do dinheiro dos cofres do estado para os agentes do banco, principalmente quando se retardavam os pagamentos aos servidores do estado, e os contribuintes pagavam por isso de má vontade. Eu querendo obviar a todos estes inconvenientes, e por outra parte desejando diminuir os encargos dessas operações, mudei de systema, e resolvi-me a applicar para as mesmas operações receitas tiladas todas das alfandegas de Lisboa e sete casus. Deste modo o banco não tinha precisão de ler agentes nas provincias, e por consequencia poupava-se a despeza que se fazia com elles, e com as transferencias dos fundos. Accresce, que nas outras operações o banco levantava sempre altos clamores, logo que se dava qualquer desvio nos fundos destinados para estes pagamentos, apesar de ter certeza de que eram promptamente applicado outros para esse fim. O delegado do thesouro do Algarve, por exemplo, participava, que para pagar um pret, nu qualquer outra despeza ingente, foi obrigado a lançar mão de 10 contos de reis, que tinha em cofre, pertencentes ás operações que se faziam por intervenção do banco. Eu escrevia logo ao banco dizendo-lhe, que visto lhe não serem necessarios aquelles 10 contos de réis antes de um mez, por já ter o banco recebido do thesouro as sommas necessarias para fazer frente aos encargos da operação até áquelle praso, lhe mandava uma letra daquella importancia, a vencer a 20 dias, com o que, ficava o banco a coberto de toda e qualquer responsabilidade. Quer a camara saber o que o banco respondia? Que era um grande sacrificio que fazia em adherir; mas que prestaria mais esse glande serviço á causa publica, esperando que taes abusos nunca mais se dessem! De documentos destes esta cheio o livro que o banco mandou publicar, e de que já fallei. Era pois urgente acabar com esse estado de cousas, em que era constantemente ferida a dignidade do governo: e a medida que me resolvi a adoptar, lhe punha um termo, ao mesmo tempo que reduzia consideravelmente as despezas do thesouro naquellas operações.

A conta das despezas (Jus operações de 28 de agosto de 1849, e 20 de fevereiro de 1850, que tambem eram pagas com rendimentos das provincias, conta que é o documento n.º 2 do relatorio de 7 de janeiro de 1851, prova que essas despezas sobre 700 contos, montavam a 8:314$000 réis, ou a 1/10 por cento, quer dizer, que se se diminuissem essas despezas, restava só, no caso de se concederem os 2 por cento-pedidos pelo banco na representação que li, para as outras despezas do serviço dos empregados do banco e gerencia do mesmo estabelecimento por cento. Ora, as despezas de Transferencia dos fundos das provincias, o commissão aos agentes não podiam ter logar na operação proposta ao banco, e que depois teve logar na junta, porque as consignações que se estabelecia m para o seu pagamento, cru in deduzidas, como disse, da alfandega grande de Lisboa e da alfandega das sete casus. Como pedia, pois o banco a mesma commissão do de 2 por cento, não tendo logar aquellas despezas. Isto é, porque exigiu 2 por cento para as despezas, para que se contentava antes com ~~ por cento, ou com menos de meiado? Parece-me que não será facil responder satisfactoriamente a esta pergunta.

Estou convencido de que aquella commissão tinha sido pedida para ser recusada, principalmente lendo em vista as expressões empregadas pela commissão nomeada pela assemblea geral. £-la commissão disse no seu parecer, que o banco prestava ao governo o seu credito, sem o qual os precedentes emprestimos não teriam tido logar, lin não podia deixar de considerar taes expressões como uma injuria feita ao governo, e tractei de o desaffrontar, fazendo a operação por meio da junta do credito publico. Quer a camara saber o que aconteceu? Em cinco dias estava subscripta toda a operação; o que nunca tinha tido logar nas operações feitas por intermedio do banco. A junta não garantia nada, nem podia garantir: logo o governo tinha credito, e a injuria que se lhe tinha cuspido nas faces, não tinha o menor fundamento. (O sr. Ministro da fazenda — Apoiado).

Hei de exprimir todo o meu pensamento. O banco nesta occasião linha entrado em um máo caminho, para que fôra levado por mais de uma suggestão: e quem quizer descrever os factos com imparcialidade, não deixará de ver que essas suggestões oram para procurar difficuldades á administração, e faze-la cair, fosse como fosse. Eu não fallo do sr. ministro da fazenda, eu não tenho a convicção de que o sr. ministro da fazenda, apesar de nos honrar com a sua opposição durante o tempo em que fomos ministros, tivesse cooperado para os acontecimentos, que derribaram o ministerio de 18 de junho. Póde ser que não seja assim; mas eu não tenho facto algum absolutamente que me leve a crer, que o sr. ministro da fazenda na opposição que nos fazia então, tivesse em vista outra cousa que não fosse fazer-nos cair pelos meios constitucionaes e parlamentares. (O sr. Ministro da fazenda: — A poiado).

Tractava-se então de fazer cair o ministerio, não importava por que meios. Eu mentiria á minha consciencia, se dissesse que nesta guerra que o banco me fez, não entrava tambem o mesmo pensamento. Eu sei com certeza, que nessa occasião alguns dos homens que aconselhavam os 2 por cento, sabiam que eu não acceitava essa condição, que me era mais facil sair do ministerio, do que acceita-la: por consequencia essa condição foi apresentada como meio de provocar uma crize ministerial. Mas é igualmente justo dizer, que os homens, em proveito de quem todas as difficuldades se crearam, não deviam nunca lançar em tosto ao banco o seu procedimento de então, nem tirar d'um partido para o anniquillar, porque effectivamente tudo o que se tem feito anniquilla o banco. Não digo que seja esta a intenção do sr. ministro da fazenda; mas o facto prova que s. ex.ª não viu como intendo que devia ver a questão, e que s. ex. está assassinando aquelle estabelecimento, quero crer que sem saber que o assassina.

Se eu continuasse na administração, a minha intenção era procurar p ir lodo» os meios tornar o governo independente do banco (Apoiados) e o banco independente do governo. A vingança unica que eu havia de tirar da guerra que aquelle estabelecimento me tinha feito, era esta, era separal-o das tendencias desgraçadas que se lhe tinham dado, e

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fazer com que elle podesse ler uma existencia propria em logar de estar vinculado ao governo, e de soffrer os vaivéns das consequencias da sua posição politica. Eu intendo, que o governo devia vir a um ajuste com O banco, que esse ajuste devia ter por base uma liquidação dos creditos do banco sobre o thesouro, e um pagamento racional em titulos de divida publica, que habilitasse o banco a embolsar os seus accionistas de uma parte de seu capital, e reduzisse o banco ás proporções, a que deve ser reduzido para poder funccionar, 4 a 5 mil contos, nada mais. (O sr. Maia: — Apoiado).

Um illustre deputado exprimiu aqui um pensamento, que eu senti ver depois combalido pelos factos, e foi o seguinte: — o banto precisa viver, e preciso viver bem, como deve viver um banco; o fundo de amortisação não se deve tirar ao banco, porque sem elle o banco não póde viver, o banco morre, e morrendo ha de se querer fazer outro debaixo de influencias, que eu não quero proteger. — Parece-me, que foram estas pouco mais ou menos as suas palavras. Estou completamente da opinião que o illustre deputado linha então, que não sei se tem hoje, mas que devo ciei que leiu, menos em suppor, que não supponho, a possibilidade de se foi mar um novo banco matando-se este. O fundo de amortisação tinha-o eu collocado em deposito na junta do credito publico: a minha intenção não era que este fundo voltasse ao banco: a minha intenção era dar ao banco uma indemnisação correspondente e de accordo com elle, para o que largas conferencias tive com o banco. E se nessa occasião não dominassem ainda as tendencias do anno antecedente, o banco havia de ter acceitado com gratidão as propostas, que eu lhe fiz. Isto não eram negocios tractados em segredo; eu fiz uma reunião na Terra Sancta, a que concorreu a direcção do banco, a direção da companhia das obras publicas (por que negocios havia communs aos dois estabelecimentos), a junta do credito publico, a commissão de fazenda desta casa, a da outra casa do parlamento, e o ministerio. Já se vê que não era uma reunião secreta. Eu tenho todos os documentos relativos a essa proposta, e ainda creio, que ella podia servir de base para uma solução pacifica da questão do banco com as modificações, que os factos decorridos tornam necessarias.

O governo offendeu-se, e offendeu-se sem razão (sejamos justos) da resistencia que o banco fez á appropriação — eu não quero empregar termo nenhum offensivo — do fundo de amortisação. Pois que havia de fazer o banco? Pois o sr. ministro da fazenda se fosse director do banco, não faria o mesmo?... Eu fazia o mesmo, pondo de parte alguns dos meios de que o banco se serviu, algumas das manifestações, que eu não fazia: eu não teria reunido, por exemplo, as assembléas monstros, isto é, as assembléas de todos os accionistas. Que se póde esperar de assembléas a que são chamados todos os que lêem uma acção, isto é, tresentas a quatrocentas pessoas? Vão electrisar-se uns aos outros, e não podem de taes assembléas esperar-se medidas sensatas. Eu rio logar da direcção do banco havia de ler representado sempre, com inergia e firmeza contra oficio do governo, e entendia que não havia cumprido o meu dever para com os accionistas se o não tivesse feito.

O governo appropriando-se do fundo e:peciul de amortisação para construir o caminho de ferro do norte, disse, que dava uma compensação ao banco de Portugal, e uma compensação equivalente — Porem eu direi, que para se conhecer que não é exacta esta proposição, basta lançar os olhos sobre o orçamento do anno economico de 1053 a 1854 apresentado pelo actual sr. ministro da fazenda, aonde se vê que ha um excedente de 530 contos entre a receita do fundo de amortisação e os encargos do decreto de 30 de agosto de 1852: logo estes 530 contos foram tirados ao banco, é uma receita de que o sr. ministro da fazenda privou o banco, e aos outros interessados no fundo de amortisação. E se s. ex.ª tem tenção de dar uma compensação equivalente, então neste caso não resta nada para o caminho de ferro. O que eu pertendo, é demonstrar que não havia exactidão no relatorio do decreto de 30 de agosto de 1852. E devo tambem notar que aquelle excedente entre a receita e encargos do fundo de amortisação era applicado a amortisar uma parte dos creditos que pesavam sobre o mesmo fundo, ou em acções com juro, ou em acções sem juro.

O argumento do sr. ministro a respeito da compensação que diz dar ao banco, é o seguinte: s. ex.ª tomou por base que as acções com juro só tinham recebido até aqui 2 por cento ao anno, e que por consequencia estabelecendo o juro designado no decreto de 30 de agosto de 1852, que é, depois das acções com juro e sem juro serem trocadas por obrigações no thesouro, as primeiras na razão de 100 por cento, e as segundas na razão de 40 por cento, ficam vencendo o juro, repilo, de 2 por cento nos dois primeiros annos; 2 e um quarto por cento no terceiro anno, 2 e meio por cento no quarto, e assim progressivamente até perfazer o juro de 3 por cento, juro que ficarão vencendo permanentemente d'ahi por diante. E além disto, determina-se, que se a receita daquella parte do caminho de ferro, que for feita á custa do fundo de amortisação, exceder Os encargos do mesmo fundo segundo o decreto de 30 de agosto, o excedente será applicado á amortisação das obrigações do thesouro creadas pelo mesmo decreto para substituir as acções com juro e sem juro sobre o fundo de amortisação.

Primeiro que tudo devo ponderar que a base que s. ex.ª adoptou, já não é exacta hoje, por que por virtude das inscripções que se tem resgatado, o fundo de amortisação já tinha agora os meios necessarios para satisfazer a todos os seus encargos.

E preciso ler tambem em vista, que as acções com juro que possue o banco, representam capitaes emprestados ao par pelo banco ao governo o ao juro de 5 e 6 por cento, e as acções sem juro que possue o mesmo banco, representam recibos dos empregado» publicos que haviam sido descontados pela companhia confiança nacional a ½ por cento ao mez, e alguns a 5/4 por cento ao mez. Com arções sem juro tambem se mandou pagar nos empregados publicos que não tinham descontado Os seus recibos. As acções com juro venciam 5 por cento de juro, sujeito lis deducções, o que o reduziu a. e por cento, e tinham além disto o direito, ou o privilegio de serem amortisadas na ametade da venda dos bens nacionaes, o da remissão e venda de fóros, e as acções sem juro tinham um rateio de 15 por cento ao anno, por virtude do qual em 6 annos e meio podiam estar a amortisadas; e além dito eram recebidos na quarta parte

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da venda dos bens, nacionaes, o da venda, o remissão dos fóros.

Nas acções com juro, que tinha o banco, havia ainda uma grande somma, que linha a seguinte origem. Tinha o governo imposto ao banco a obrigação de pagar outros creditos de particulares sobre o lhe-somo, numa importancia não pequena, creio que era na de 973 contos, e de os pagar em inscripções de 5 por cento, calculadas a 62 por cento; o que obrigou o banco a desembolsar em inscripções uma quantia excedente a 1:500 contos.

Nas dividas que são a origem do fundo especial de amortisação, entram ainda 640 contos que o banco emprestou á administração presidida pelo nobre Duque de Palmella, de parte da qual, ou durante a qual, n'um certo tempo foi ministro da fazenda o nosso presidente; e 600 contos que o banco emprestou á administração presidida pelo nobre duque de Saldanha, que se lhe seguiu.

Por virtude destas estipulações, e sendo o banco quasi o exclusivo possuidor das acções com juro vendia-as ao par em notas do banco de Lisboa: mais tarde o banco reduziu o preço dessas acções a 80 por cento, e as acções sem juro valiam no mercado pouco mais de 40 por cento. Ora, as acções com juro, sendo trocadas por inscripções, que definitivamente vem a ter o juro de 3 por cento, ficam reduzidas ao valor, quando muito, das inscripções de 3 por cento, que é hoje de 38, isto é, menos da ametade do valor que tinham antes do decreto do governo. E as acções sem juro são trocadas por obrigações do thesouro, na proporção de 40 por cento, quer dizer, são precisos 250 em acções sem juro para obter uma obrigação de 100, que vence definitivamente o juro de 3 por cento, o que traz o valor daquellas acções a pouco mais de 15 por cento, em logar de 40, que valiam antes do referido decreto.

Vou agora demonstrar que o governo nada podia fazer nem póde com este decreto; e que este decreto não póde ter senão um fim politico, e nunca o caminho de ferro do Porto a Santarem. Se a intenção do sr. ministro da fazenda fosse fazer esse caminho de ferro, s. ex. não tinha precisão de dar á medida que tomou, a direcção que lhe deu, e de certo tempo em diante devia retiral-a. Se s. ex. quizesse fazer o caminho de ferro, o expediente natural era ter deixado o fundo de amortisação na junta do credito publico. E uma cousa notavel nos actos desta dictadura: ha um decreto de 10 de maio, que manda entregar o fundo ao banco, e outro de 30 de agosto que mandou tirar o fundo no banco. Não quero dizer com isto, que o sr. ministro da fazenda está em contradicção comsigo, mas está em contradicção com uni dos seus antecessores na pasta da fazenda, que foi membro desta mesma administração. Na hypothese do caminho de ferro o r. ministro devia ler mandado o fundo de amortisação para a junta do credito publico, ordenando-lhe, que satisfizesse os encargos do mesmos fundo, e applicasse todo o excedente nu compra de titulos de divida fundada; do que resultaria que quando começassem os encargos do caminho de ferro, o fundo estava mais augmentado, -do que no principio. Se o sr. ministro tivesse feito isto, s. ex.ª tinha desfeito as suspeitas, que ha, de que esta medida só leve por fim fazer entrar nos cofres do thesouro este fundo para applicar a sua receita as despezas publicas. S. ex. já disse que esta receita estava de parte, e eu peço licença para duvidar disto. Eu se fosse ministro, e tivesse no thesouro 200 contos de réis, sendo-me precisos, não os pedia emprestados, e restitui-los-ia depois, quando fosse necessario, lendo assim poupado ao thesouro o premio do emprestimo. Não creio pois que a receita do fundo de amortisação esteja intacta como s. ex.ª asseverou.

Ha outro fado, quanto-a mim inconveniente, que foi o que o sr. ministro praticou obrigando a junta a entregue-lho as inscripções; porque desse ponto resultaram tambem as suspeitas de que o governo o que quiz, foi lançar mão dessas inscripções, para levantar dinheiro sobre ellas, e dizia-se nesse tempo que apenas o si. ministro esteve de posse das inscripções, mandara chamar os credores que tinham em seu poder algumas leiras de contractos, e lhes propoz que trocassem essas inscripções pelas letras: sendo o motivo dessa troca que ninguem queria emprestar dinheiro sobre as inscripções: logo o governo queria as letras dos contractos para levantar dinheiro sobre ellas. Houve quem pensasse que o pensamento do governo era esse: não digo que o fosse; mas é sempre má a situação de qualquer governo, quando se vê forçado a tomar medidas financeiras que dão logar a este» receios.

Repilo, que o governo nunca podia ter pensado seriamente em fazer um caminho de ferro do Porto a Santarem com o fundo de amortisação, porque esse fundo, segundo o sr. ministro o avaliou na sessão de 16 de julho de 1852 é composto da maneira seguinte

Bens e fóros em poder de donatarios 900.000$000

Na posse da fazenda............. 3.160:000$000

Fóros em divida................ 1.000:000$000

Total........ —. 5.060:000$000

ENCARGOS DO FUNDO.

Acções com juro................ 4.700.000$000

Juros em divida................. 600:000$000

Acções sem juro, depois de trocadas

por obrigações do thesouro...... 210.000$000

Acções á companhia das obras publicas....................... 1.310.000 $000

Total......... 6.240.000$000

Inscripções resgatadas, e que podem ser consideradas, como representando acções................. 2.600:000$000

Restam......... 4.310:000$000

Juro definitivo de 3 por cento..... 130:200$000

Que a 5 por cento representa o capital de...................... 2.600:000$000

Capital do fundo................ 5.060:000$000

Restam......... 2.360:000$000

S. ex.ª, não póde sustentar, que ha-de fazer um caminho de ferro do Porto a Santarem com 2:360 contos.

Eu tenho fallado com alguns collegas nossos, que intendo serem competentes a este respeito, e tenho-lhes ouvido, que o caminho de ferro do Porto a San-

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tarem póde representar um espaço de 40 leguas, cada uma das quaes não póde custar menos de 300 contos, o que dá uma despeza de 12:000 contos. O fundo da amortisação não póde dar como já demonstrei nem para 1/5 desta despeza.

Por artigos de jornaes que não foram desmentidos sei, que o sr. ministro aluiu negociações com o banco, as quaes não produsiram resultado, por não ler querido este encarregar-se da cobrança das contribuições nas provincias que o sr. ministro lhe propunha. A este respeito declaro com franqueza, que collocado no logar de s. ex. não tinha feito tal proposta ao banco, não só pelas considerações que ha pouco expendi como tambem porque intendo que o governo se não deve desarmar dos seus meios de influencia, entregando a um estabelecimento a cobrança e administração da receita publica, influencia, de que muito se póde abusar. Mas no logar do banco tinha acceitado essa proposta. Consta-me tambem, que o banco fizera unia offerta, que deploro, que o sr. ministro não tivesse acceitado, e esta era a de subscrever para o caminho de ferro do norte com 1:000 contos.... (O sr. José Estevão: — Esse offerecimento do banco era uma burla).

E não posso deixar de notar ao illustre deputado, que classificou de burla este offerecimento, que muito me admira que assim pense, e não ache que burla seja a subscripção do governo de l:l200 contos para o caminho de ferro de leste; quantia que o governo não póde ter á sua disposição, sem violar o proprio decreto que o-applica para o caminho de ferro do norte. (Apoiados).

Burla verdadeira, sr. presidente, é tudo quanto se tem passado a respeito do caminho de ferro de leste, concedendo-o o governo a uma companhia que nem tem com que fazer o deposito de 40:000 libras, exigido pelo respectivo programma (Apoiados). Daqui o que se prova, é que tudo quanto se fizer desse caminho, ha de ser á custa do governo porque ha de ser elle que ha de carregar com todos os onus, em quanto que as vantagens hão de ser para a companhia. (Apoiados do lado direito) Sobre este assumpto e que eu esperava que a voz poderosa do illustre deputado se levantasse no parlamento para accusar todas estas decepções, e stygmatisar este modo de proceder, pelo qual se pretende illudir o paiz. (Apoiados.)

Esperava tambem que o illustre deputado censurasse, e censurasse altamente a comédia que aqui se nos está fazendo representar, fazendo-se discutir e approvar decretos que já estão revogados, como acontece a este decreto de 30 de agosto, que todo o mundo sabe que já está revogado, applicando-se ao caminho de ferro de leste os meios que empregava para o caminho de ferro do norte; como acontece com o decreto da contribuição de repartição, que já está revogado, antes de ter sido approvado, e que não será levado á execução pelo menos este anno, como demonstrarei quando mais particularmente me occupar deste assumpto.

E necessario que estas questões se tratem na sua verdadeira altura. E uma burla a subscripção do banco, e não o é nem o decreto de 30 de agosto, nem tudo o que se tem feito com o caminho de ferro de leste! Eu esperava que o sr. ministro viesse submetter ao parlamento uma proposta de lei, que tivesse por base retirar o decreto de 30 de agosto, afim de que o banco podesse subscrever para a empresa do caminho de ferro de leste, com a somma de 1:000 contos, porque eu antes queria nesta situação difficil, que o fundo fosse entregue no banco, subscrevendo elle com 1:000 contos de réis para o caminho de ferro, do que auctorisar o governo a subscrever com os 1:200 contos que se pretende; porque linha a certesa na primeira hypothese de que tudo quanto havia a respeito do caminho de ferro, não era uma comédia (Apoiados) Hoje estou convencido de que tudo quanto se leni feito é para continuar o paiz nesta illusão: que não ha companhia de caminhos de ferro; que não ha companhia Hislop; que não ha nada disto. Que posso eu esperar de uma companhia que diz que não se hade tirar um só real ao publico (aos accionistas) em quanto não virem as obras começadas, ella, que não tem com que fazer o deposito 1... (O sr. Corrêa Caldeira: — Apoiado, muito bem — estão a lançar poeira aos olhos do povo.)

O illustre deputado, pois, obraria melhor se stygmatisasse todos esses factos, não devendo omittir ainda a circumstancia de se ter concedido a empreza do caminho de ferro a uma companhia que não cumpriu as condições do programma, o qual foi alterado na parte essencial: do que resulta o dever-se considerar este contracto como feito sem praça... (Vozes — Deu a hora.) Ouço dizer que deu a hora, e por isso se v. ex. m'o permitte, continuarei ámanha.

O sr. Presidente: — Continua com a palavra para amanhã o sr. Avila, e acham-se inscriptos os srs. Pessanha (João), Mello e Carvalho, Cunha, Vellez Caldeira, Garcia Peres, Avila, pela segunda vez, e Cunha tambem pela segunda vez, todos contra o projecto n. 7. E a favor os srs. Maia, e Arrobas. A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje. Está levantada a sessão. — Passava das quatro horas.

O 1.º REDACTOR

J. B.GASTÃO

FIM DO VOLUME III.

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