O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1203

N.º 64

DE 24 DE ABEEL DE 1896

Presidencia do ex.mo sr. Antonio José da Costa Santos

Secretarios- os ex.mos srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga

José Eduardo Simões Baião

SUMMARIO

approvada a acta e lido o expediente, tiveram segunda leitura dois projectos de lei. - O sr. Ferreira de Almeida justifica o pedido para se ausentar da camara no desempenho de uma commissão de serviço.-Os srs. Teixeira de Vasconcellos, Carlos Braga, Adolpho Guimarães e Mello e Sousa apresentam representações; o sr. Lobo do Amaral um projecto de lei; e os srs. Ferreira Marques, Manuel Fratel, Ferreira da Cunha, Abilio Beca, Adolpho Pimentel, Jacinto do Couto, visconde do Banho e Teixeira de Sousa pareceres de commissões.

Na ordem do dia entra em discussão o projecto do lei n.° 65, que auctorisa o governo a contratar a collocação de 9:000 contos de réis de obrigações dos tabacos. Impugnaram o projecto os srs. João Arroyo, Ferreira de Almeida, Marianno de Carvalho e Dias Ferreiro, apresentando os tres primeiros algumas propostas, e defenderam o projecto os srs. presidente do conselho e Teixeira de Vasconcellos. O projecto foi approvado, em sessão prorogada a requerimento do sr. Pereira o Cunho.-O sr. presidente nomeia a deputação que ha de apresentar a El-Rei alguns decretos autographos das côrtes geraes, e é approvada a ultima redacção do projecto n.º 65, mandada para a mesa pelo sr. Teixeira de Sousa

Abertura da sessão-Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada, 60 srs. deputados. São os seguintes: - Aarão Ferreira de Lacerda, Abilio Augusto de Madureira Beça, Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Adriano da Costa, Antonio de Almeida Coelho de Campos, Antonio Barbosa de Mendonça, Antonio de Castro Pereira Côrte Real, Antonio Hygino Salgado de Araujo, Antonio José Boavida, Antonio José da Costa Santos, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Teixeira de Sousa, Antonio Velloso da Cruz, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto Dias Dantas da Gama, Conde de Anadia, Conde de Pinhel, Conde de Tavarede, Conde de Valle Flor, Conde de Villar Secco, Diogo de Macedo, Fidelio de Freitas Branco, Francisco Rangel de Lima, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, João José Pereira Charula, João Lopes Carneiro de Moura, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Rodrigues Ribeiro, Joaquim do Espirito Santo Lima, José Adolpho de Mello e Sousa, José Bento Ferreira de Almeida, José Eduardo Simões Baião, José Freire Lobo do Amaral, José Gil Borja Macedo e Menezes (D.), José Joaquim Aguas, José Joaquim Dias Gallas, José Marcellino de Sá Vargas, José Pereira da Cunha da Silveira e Sousa Junior, José dos Santos Pereira Jardim, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz de Mello Correia Pereira Medello, Manuel Augusto Pereira e Cunha, Manuel Bravo Gomes, Manuel Joaquim Ferreira Marques, Manuel Joaquim Fratel, Manuel Pedro Guedes, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Romano Santa Clara Gomes Theodoro Ferreira Pinto Basto, Thomas Victor da Costa Sequeira, Visconde do Banho, Visconde do Ervedal da Beira, Visconde da Idanha e Visconde de Nandufe.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adolpho da Cunha Pimentel, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio d'Azevedo Castello Branco, Antonio José Lopes Navarro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Carlos de Almeida Braga, Eduardo Augusto Ribeiro Cabral, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Jacinto Candido da Silva, Jacinto José Maria do Couto, arme de Magalhães Lima, Jeronymo Osorio de Castro Cabral e Albuquerque, João Marcellino Arroyo, José Coelho Serra, José Dias Ferreira, José Mendes Lima, Julio Cesar Cau da Costa, Licinio Pinto Leite, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Marianno Cyrillo de Carvalho, Polycarpo Peoquet Ferreira dos Anjos e Visconde de Tinalhas.

Não compareceram á sessão os srs.: - Agostinho Lucio e Silva, Alfredo de Moraes Carvalho, Antonio Candido da Costa, Augusto Victor dos Santos, Bernardino Camillo Cincinnato da Costa, Diogo José Cabral, Francisco José Patricio, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Roncada, Ignacio José Franco, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alves Bebiano, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Maria Correia Ayres de Campos, João da Mota Gomes, Joaquim José de Figueiredo Leal, José Antonio Lopes Coelho, José Correia de Barros, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Gomes da Silva dinheiro, José Teixeira Gomes, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz Maria Pinto do Soveral, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Luiz de Sampaio Torres Fevereiro, Manuel de Bivar Weinholtz, Manuel Francisco Vargas, Manuel José de Oliveira Guimarães, Manuel de Sousa Avides, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Quirino Avelino de Jesus, Visconde de Leite Perry e Visconde de Palma de Almeida.

Acta - Approvada.

O sr. Presidente: - Participo á camara que recebi duas representações: uma da camara municipal de Guimarães, pedindo a abolição do direito de portagem cobrado na ponte do Brito, sobre o rio Ave; outra da ordem terceira de S. Francisco, da cidade de Braga, pedindo que seja modificada a proposta de lei n.° 3, sobre a decima de juros.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio da marinha, solicitando licença para que o sr. deputado, capitão de fragata José Bento Ferreira de Almeida, se possa ausentar de Lisboa durante os ultimos dias da sessão actual, assim como no interregno parlamentar, como commandante de bandeira do transporte, ao serviço do estado, que se destina á India, a fim de fazer o tirocinio de embarque para capitão de mar e guerra.

Da camara municipal do concelho do Guimarães, acompanhando uma representação, em que aquella camara pede a abolição de portagem na ponte do Brito.

Para a commissão de fazenda.
66

Página 1204

1204 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Do definitorio da veneravel ordem terceira do S. Francisco, da cidade de Braga, acompanhando uma representação, pedindo que seja modificado o projecto de lei n.° 3, sobre a decima de juros.

Para a commissão de fazenda.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhoras: - A classe dos escripturarios de fazenda não póde, com o mesquinho ordenado de 142$500 réis annuaes, satisfazer os encargos pesadissimos que as condições da vida actual impõem.

A par d'esta modesta retribuição de 395 réis diarios, salario de um jornaleiro, têem os escripturarios de fazenda um trabalho fadigoso de seis horas por dia.

Este trabalho frequentes vezes é acrescido com horas de serão, principalmente na proximidade da abertura dos cofres para a recepção das contribuições.

É principio de boa lei em administração retribuir convenientemente os servidores do estado.

Por isso, propomos á illustrada apreciação da camara o projecto de lei:

Artigo 1.° Os escripturarios do fazenda perceberão o ordenado annual de 240$000 réis.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario. =O deputado, Eduardo Cabral.

Lido na mesa, foi admittido a enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores:- Os soffrimentos por que o paiz passou nos ultimos cinco annos de certo bem justificam a ancia, com que se pretenda, por todos os modos o com todos os sacrificios, aproveitar qualquer ensejo favoravel para só chegar de vez á normalisação completa das finanças publicas. Será o presente ensejo para isso apropriado?

Creio que sim.

A crise foi mais financeira do que economica, acaba de o dizer, no seu excellente relatorio, o sr. presidente do conselho de ministros; e em minha opinião, aliás pouco auctorisada, muito bem o disse s. exa. Com effeito, á agricultura, á industria, ao commercio, nunca faltou o credito do que gosavam antes, nem os recursos ordinarios para o exercicio regular das suas funcções.

Por esforços perseverantes dos viticultores e vinicultores portugueses, avigora-se consideravelmente o ramo mais valioso da producção nacional, e nos outros diversos ramos da actividade agricola evidentes são os progressos realisados. O regimen francamente protector estabelecido pela pauta de 1892, abriu vastos horisontes as industrias manufacturaras, tendo-se creado muitas novas o desenvolvido outras já existentes. Na maior abundancia relativa de productos da terra e das officinas o commercio encontra mais amplo campo para a sua indispensavel acção. É dado, pois, concluir, sem animo optimista que adormeça, nem pessimista que deprima, que o estado economico do paiz é bastante satisfactorio, pelo menos comparado com tempos que não vão longo.

Esse estado, não poderia deixar de o dizer, é animado do modo mais offectivo pela influencia dos actos de valor, do patriotismo, de civismo acabados do praticar pelos bravos filhos da patria que, a troco do seu sangue e de sacrificios enormes, consolidaram o dominio, o prestigio portuguez: nas vastas possessões da Africa oriental, o affirmaram ao mundo como este pequeno paiz bem comprehende o dever que a todos se impõe de concorrer, quanto possivel, para a civilisação da humanidade.

As luctas partidarias têem perdido no calor com que entre nós se feriram n'0utros momentos historicos, e esta feição, quando não entibia os animos para o trabalho, não deixa de ser bem apreciavel; e, finalmente, as lições que a crise nos deu foram tão severas que são vivas ainda na memoria, e não poderão os seus ensinamentos deixar de ser por todos aproveitados.

Entendo, pois, que será falta de que teremos de nos arrepender, desprezar as circumstancias excepcionaes que se doparam, para chegar a uma situação financeira desafogada, que tanto interessa á felicidade do paiz. Com este modo de ver cumpro-me applaudir sinceramente a apresentação, por parte do governo, do conjuncto de medidas de fazenda, agora submettidas á apreciação d'esta camara, com cujos intuitos por completo me conformo, supposto em parte não concorde com os modos de execução.

Como base fundamental para conseguir o fim visado, pretende-se, e julgo que muito bem, consolidar o nosso credito, de certo modo abalado. Com effeito, se queremos entrar, como devemos e podemos, em caminho novo, que proporcione ao paiz o bem estar do que é digno, dedique mos as mais solicitas attenções ao restabelecimento do credito publico, mas façâmol-o corajosamente, sem hesitações.

Por isso que, como se diz no relatorio de s. exa. o sr. presidente do conselho de ministros, a crise foi mais financeira do que economica, por isso póde tambem dizer-se que, se em tempo só não tivessem dado hesitações de diversas ordens, a em diversas classes, muitos dos desastres occorridos teriam sido evitados, e o paiz deixaria de supportar perdas enormes, que depois se tornaram irremediaveis.

Tanto para um particular como pura uma nação, o credito é, no estado actual do mundo economico, elemento essencial de vida. Conserval-o, é conservar a propria vida. Quando circumstancias independentes da vontade impedem de cumprir obrigações, convem, antes de tudo, procurar meios de as combater, para que, eliminadas, só possa mais tarde voltar á normalidade, e então fazer o que n'um momento de excepção era impossivel, perante casos de força maior.

Deixar de satisfazer parte da obrigação será o processo mais simples para quem tem que cumprir, mas de certo não é o mais util. O mais util é procurar, pelo saneamento da propria actividade, crear os recursos necessarios para, por completo, vir a satisfazer tudo aquillo a que se estava obrigado. Isto que muitas vezes acontece na vida financeira dos particulares, melhor deve acontecer na vida financeira das nações.

A grande associação a que se chama nação dispõe sempre de uma força progressivamente maior do que a particular. Essa força provém, sem duvida, do proprio principio da associação n'uma das mais latas das suas manifestações.

Se circumstancias, que não é necessario apreciar, impediram do rigorosamente defender o credito publico no momento agudo da crise, proponhâmo-nos agora, penitenciando-nos do peccados quo, mais ou menos, todos commettemos, a restabelecel-o não só no estado em que se achava então, mas ainda em nivel mais elevado, em nivel tão elevado, como o dos paizes mais acreditados.

Quando essa aspiração podesse tomar-se como chimerica, seria ainda assim louvavel, por affirmar quanto o paiz preza a sua dignidade; mas não é chimerica, é verdadeira e resulta das aptidões que possuimos para aproveitar as riquezas com que a natureza nos dotou. Portugal deve julgar-se paiz rico, se quizer sel-o. Julgarmo-nos ricos, para depois deixarmos a qualquer força milagrosa o encargo de nos tornar utilisaveis os dotes du natureza, seria uma doença do espirito ou um crime. Julgarmo-nos ricos será, porém, elemento de felicidade publica, quando sinceramente nos acompanhe a crença de que o trabalho humano, methodico, disciplinado, intelligente, perseverante, á condição essencial de aproveitamento das forças naturaes. Por fortuna essa crença toma corpo entre nós com vigor apreciavel, como se prova pelos adiantamentos to-

Página 1205

SESSÃO N.º 64 DE ABRIL DE 1896 1205

dos os dias manifestados nos diversos ramos da actividade geral.

Solo fertilissimo, aptidão tremular para quasi todas as industrias ruraes e manufacturaras, tradicional coragem e actividade para a procura de mercados e introducção de productos, especialmente nas relações com as nossas colonias africanas, já hoje tão prosperas e com o futuro mais esperançoso, e tudo isto acompanhado de excelentes portos, de uma rede quasi completa de caminhos du ferro, de magnificai! estradas e de situação geographica excepcionalmente vantajosa, condições são que nos permittem considerar-nos paiz rico, se é que temos vontade de o ser.

Eu não poderia sorrir-me, quando ouvisse dizer que, guardadas as proporções de territorio e população, Portugal deve, em futuros proximos, tentar-se tão rico coma a Franca.

É claro que illusoria seria a pretensão de fazer passar de repente o nosso credito do seu estado actual para um estado de primeira categoria.

Eu bem sei que não se caminha aos saltos em assumptos d'esta ordem; caminha-se serenamente, mas com passo certeiro e vontade firme de chegar ao fim, sem comtudo sacrificar o exito da brevidade.

Mas, compenetrados da nossa situação, dos recursos de que dispomos, do modo e processos por que podemos valorisar esses recursos, e dispostos para todo o trabalho e sacrificios que assumpto de ordem tão elevada impõe, teremos a certeza de conseguir a situação que de direito nos pertence.

Como se vê, tudo quanto fica exposto se harmonisa inteiramente com os intuitos do governo, nitidamente revelados no relatorio de 16 de março ultimo. De accordo, pois, com similhante orientação, creio que o orçamento para o futuro anno de 1896-1897, organisado com todas as attenções, examinado e discutido com iguaes cuidados pela commissão de fazenda e pela camara, é documento que, pelas feições que o revestem, constituirá um primario e poderoso elemento de rehabilitação do nosso credito. O credito resulta da confiança que inspirarmos, e a confiança conquista-se com a verdade, com a prudencia e com o trabalho.

Dado este primeiro passo, convem não parar.

Acontece com frequencia que as obras bem grandiosas podem ficar inuteis por falta de complemento.

Senhores, em minha humilde opinião entendo ser completamente indispensavel do empenho em que por fortuna nos achâmos, chegarmos quanto antes á convertibilidade das notas do banco de Portugal. N'este sentido tenho a honra de submetter á vossa consideração um projecto de lei. Praticando assim, não pretendo antepor a minha iniciativa á do governo, que aliás já declarou expressamente que os esforços conjugados do governo e do banco de Portugal, deviam convergir para o fim da cessação do anormal regimen de inconvertibilidade. No emtanto profundamente convicto de ter chegado o momento de nos occuparmos d'este interessantissimo assumpto, e só na opportunidade discordando da opinião do governo, eu não posso deixar de cumprir o que julgo dever indeclinavel, apresentando-vos as rasões da minha opinião e indicando-vos ao mesmo tempo o modo que me parece mais viavel para desde já se conseguir um bem immenso para as finanças publicas e para a conveniencia geral do paiz.

Contam-se por muitas centenas, mesmo por milhares de contos os encargos que para o estado resultam do agio actual do oiro, ou seja no pagamento dos juros da divida externa, ou seja no pagamento do preço de todos os artigos de produção estrangeira que de ordinario o estado tem que adquirir para os diversos serviços publicos. E evidente que normalisado o cambio, essas valiosas verbas alliviariam por concorrente quantia o orçamento.

Diversas empresas nacionaes que têem obrigação com juro pagavel em oiro beneficiavam por igual da extincção do agio.

Todos os productos estrangeiros, comprehendendo artigos de primeira necessidade, como o trigo, o assucar, o bacalhau, o algodão, o carvão, etc., etc., baixariam logo de preço com notavel vantagem, especialmente para as classes mais pobres do paiz.

Os que vivem de ordenados fixos, encontrariam logo os seus orçamentos domesticos desanuviados de dificuldades que nos ultimos tempos têem sido bem penosas.

Emfim, a inconvertibilidade da nota bancaria é um recurso extremo de que se lança mão em casos de todo o ponto excepcionaes, como o que se deu comnosco em 1891, como o que se deu com a França em seguida ao desastre de Sédan, mas de que é preciso abrir mão, logo que seja possivel, com tambem com a Franca aconteceu.

Chegou para nós o momento de voltarmos á convertibidade? Creio que sim. E creio que sim, porque tambem creio que o paiz, o povo em todas as classes, tendo dado provas evidentes de bom senso, de cordura, n'estes graves assumptos de administração economica, não desmentiria agora essas qualidades pelo desconhecimento da regular funcção de um banco emissor.

O ponto grave n'este assumpto é o temer de que o publico, comprehendendo menos claramente o seu interesse, rejeite a moeda fiduciaria do banco, ou lhe exija o troco em quantidades superiores á sua reserva, isto é, que se dê o que vulgarmente se chama corrida. Esse facto parecerá simplesmente inverosimil.

As tradições do banco de Portugal, a sua regular e intelligente administração, os bons serviços prestados pelo estabelecimento ao paiz e aos diversos ramos da sua actividade economica, são garantias sobejas do credito que justamente inspira e das sympathias de que gosa. E desde que a corrida tem por causa ou a desconfiança ou o panico, não se justificando aquella e não podendo este esperar-se nas actuaes circumstancias, é de ver que a corrida seria improvavel.

Alem d'isso o nosso povo entende bem o que seja um banco emissor, para saber que, quando repentinamente se lhe exija a convertibilidade de todas as suas notas, chega a ponto de não poder realisal-a de prompto. Isso aconteceria ao banco de França ou ao banco de Inglaterra. Sabe tambem o povo que melhor garantia de convertibilidade, embora não immediata, mas mediata, é a solidez da carteira do que a larga proporção da reserva. Com uma carteira solida o banco póde demorar o troco das notes, mas só pelo tempo necessario para a cobrança de effeitos de curto praso; emquanto que uma reserva de larga proporção só por si, é, em regra, insuficiente para o cumprimento d'aquella obrigação.

Calculemos que, restabelecido o troco, logo se convertia Uma somma, por exemplo de 5.000:000$000 réis para o que vulgarmente se chama o pé de meia. Se depois de paga esta somma a reserva ficasse constituida em réis 24.000:000$000, a respeito de uma emissão de réis 50.000:000$000, parecerá que tal proporção teria as condições mais satisfactorias.

Passo agora a representar em algarismos redondos o modo como ageito o meu projecto. Intencionalmente emprego este ultimo verbo, convicto de que o geito com frequencia resolve dificuldades de feição apparentemente difficil:

São ao presente as reservas do banco de Portugal:

Em oiro 4.800:000$000
Em prata 6.800:000$000
11.600:000$000

O governo pagaria ao banco para saldo da sua divida em conta corrente, e por conta dos emprestimos de 8.000:000$000

Página 1206

1806 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

e 7.000:000$000 réis, estipulados nos contratos de 14 de janeiro de 1893 e 4 de dezembro de 1891:

Em oiro 8.400:000$000
Em bilhetes do thesouro 10.000:000$000 18.400:000$000
30.000:000$000

Applicando-se ao pé de meia, como já se disse, a somma de 6.000:000$000

Ficaria uma reserva ordinaria de 24.000:000$000
Ou sejam 48 por cento de uma emissão de 50.000:000$000

Na impossibilidade de pagar ao banco 18.000:000$000 réis um oiro, o estado pagara sómente 8.400:000$000 réis, que tanto é proximamente o que espera realisar com a operação das obrigações dos tabacos. Os 10.000:000$000 réis restantes seriam pagos com bilhetes do thesouro, com força liberatoria, como moeda, amortisaveis em vinte annos, por sorteios de 500:000$000 réis em cada anno.

D'este modo o banco ficaria com uma reserva muito superior á que de ordinario é preceituada em toda a parte. O ser essa reserva constituida parcialmente em bilhete do thesouro não me preoccupa, vista a proporção guardada com a parte metallica e a curta amortisação dos bilhetes.

Congregados com estas cautelas é claro que o banco, no seu proprio interesse e no do paiz, teria que tomar outras subsidiarias.

Assim conservaria a sua nota de prata na proporção em que a tem usado, pois que para a prata não póde dar-se corrida com a mesma intensidade com que se daria para o oiro. Por outro lado abriria venda franca do cheque sobre as princpaes praças com que trabalhâmos, evitando a saída do oiro para o estrangeiro.

Satisfeito o pé de meia, como deixo dito, e servido o commercio por via do banco de Portugal e dos demais bancos e banqueiros particulares que hoje fornecem o cheque para pagamentos externos, não haveria em circumstancias normaes nenhum motivo plausivel para esvasiar dos cofres do banco de Portugal as reservas metallicas auxiliadas pelos bilhetes do thesouro. Póde imaginar-se que só por intenção malevola se pretendesse converter as notas ou se fosse comprar o cheque para inportar oiro e guardal-o depois improductivamente nos cofres particulares?

Não me parece que isso acontecesse, e não me parece por completamente inverosimil.

Do pagamento feito pelo estado ao banco de Portugal, como fica dito, resultariam dois factos que é indispensavel apreciar.

O primeiro é o encargo que o estado tinha que supportar com o juro dos 8.400:000$000 réis em oiro, levantados por emprestimo, ao passo que a sua divida ao banco em conta corrente tinha gratuidade de juro. Esse encargo veria justamente indemnisado, pagando o banco, a titulo de renda, pelo privilegio da emissão de notas, uma quantia quo fixo em 500:000$000 réis por anno, e que nos primeiros vinte annos a seguir ficaria consignada especialmente ao pagamento da amortisação dos bilhetes do thesouro.

O segundo facto é que, perante o pagamento respectivo de uma somma tão avultada, ficaria o banco prejudicado com n ronda annual de 500:000$000 réis, se aquella somma não encontrasse logo applicação productiva. Achar emprego para mais 8.400:000$000 reis é para o banco de Portugal uma simples questão de modificar um pouco as normas da sua administração, sem risco de contingencias diversas das que hoje corre, e de certo com notavel beneficio para o paiz.

É sabido que o banco já presta relevantissimos serviços ao pequeno commercio pelo desconto de letras de menores quantias. Um prudente alargamento d'esta classe de descontos daria logo applicação a verba de algum vulto. O que ainda sobrasse encontraria, porém, a applicação mais patriotica, mais intelligente, mais largamente protectora no uso do credito agricola.

A agricultura, que é a fonte mais perenne da riqueza do paiz, vive, em geral, com o peso da agiotagem, que a explora rudemente e a esmaga. Acudir com dinheiro nos tempos, nos togares e nos casos em que os que d'ella precisara offerecem, pela aptidão o pelas virtudes, a garantia sufficiente de cumprimento das obrigações, seria um enorme serviço publico, e ao mesmo tempo dava ao estabelecimento que o prestasse um renome de que poderia justamente orgulhar-se.

É certo que, pelos preconceitos de que infelizmente nos achâmos rodeados, fallar em credito agricola para um banco de commercio é quasi uma heresia, e logo se apresentam as objecções vulgares e inconsistentes de que a vida agricola é precaria, se o tempo corre mal a terra não produz etc.; e por isso seja-me permittido, como protesto contra essas pueris affirmações, que tanto nos prejudicam, lembrar que a terra é o grande laboratorio em que originariamente se produz toda a riqueza que empregamos para a nossa alimentação, vestuario, abrigo, conforto e luxo; quo o excesso de valor creado ao producto agricola, pela acção da industria manufacturaria ou do commercio, é em geral menor do que o valor com que lhe vem da sua originaria procedencia, de onde só concluiu vir á agricultura a força mais poderosamente creadora da riqueza publica; que, finalmente, nos casos excepcionaes em que a terra não restituia pelo menos o trabalho e o capital que se lhe adiantou, o credor do dinheiro applicado a grangeios renaes tem ainda, pela nossa lei civil, privilegio mobiliario sobre os fructos pendentes.

Senhores, desde que na opinião do governo e na opinião de toda a gente sincera, a cessação do anormal regimen da inconvertibilidade é aspiração que, para se converter em facto, espera sómente pela opportunidade, bem merecerá todas as attenções o estado pobre o ponto de determinar-se; como creio, a opportunidade effectivamente chegou.

Se chegou ou não, em sua alta sabedoria, esta camara dirá.

Se verificada a inconsistencia das obrigações que porventura possam apresentar-se, a resolução for pela affirmativa, o serviço publico d'ahi resultante entendo que terá um valor incalculavel. Tenho, pois, a honra do submetter á vossa apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º Serão orçados, em data de l de junho de 1896, bilhetes do thesouro em numero de 1.000:000 do valor de 10$000 réis cada um, com os numeros de ordem de l a l.000:000, assignados de chancella pelo ministro e secretario d'estado dos negocios da fazenda, e de punho por dois membros da junta do credito publico.

Art. 2.º Os bilhetes de que trata o artigo 1.° terão força liberatoria, como moeda legal em todo o continente do reino e ilhas adjacentes, e serão amortisados por sorteio, no praso do vinte annos, a terminar em 1916, o na rasão de 50:000 bilhetes em cada anno.

§ 1.° O sorteio será feito no dia 15 de junho de cada anno, a começar em 1897, e terá logar na junta do credito publico, sendo o pagamento respectivo effectuado pela mesma junta, a contar do dia l de mez de julho seguinte.

§ 2.° Prescrevo a favor da fazenda nacional o direito ao reembolso, com respeito aos bilhetes que se não apresentarem á cobrança no praso de um anno, a contar do dia l de julho do anno em que tiverem sido sorteados.

§ 3.° O banco do Portugal fornecerá em tempo opportuno á junta do credito publico, por conta, do thesouro, de

Página 1207

SESSÃO N.° 64 DE 24 DE ABRIL DE 1896 1207

fundos necessarios, até á quantia total annual de réis 500:000$000, para pagamento dos bilhetes sorteados em cada um dos vinte annos de 1897 a 1916.

§ 4.° O governo incluirá no orçamento do estado de cada um dos annos economicos de 1896-1897 a 1915-1916, tanto na receita como na despeza a quantia de 600:000$000 réis, em conformidade com o § 3.° d'este artigo e com o artigo 6.°

Art. 3.° O estado pagará ao banco de Portugal no dia l de julho de 1896 a quantia de 18.600:000$000 réis sendo 8.600:000$000 réis em moeda de oiro ao cambio do par e 10.000:000$000 réis nos bilhetes do thesouro de que trata o artigo 1.° Com este pagamento de réis 18.600:000$000 ficará extincto por concorrente quantia o debito do estado em conta corrente, e o resto será pelo banco recebido por conta do debito do estado resultante dos emprestimos de 8.000:000$000 e 7.000:000$000 réis, estipulados nos contratos de 14 de janeiro de 1893 e 4 de dezembro de 1891.

Art. 4.º A contar do dia l de agosto de 1896, cessará a inconvertibilidade das notas do banco de Portugal, auctorisada pelo decreto de 9 de julho de 1891; devendo o troco das notas effectuar-se nas especies que as mesmas notas indicarem.

Art. 5.° A contar do dia l de setembro de 1896, a emissão das notas do banco de Portugal será fixada na quantia maxima de 50:000$000 réis, e a sua reserva em moeda metallica e nos bilhetes de que tratam os artigos 1.° e 3.° será mantida em conformidade com as disposições dos estatutos do banco.

Art. 6.° O banco pagará ao estado, a titulo do venda, pelo privilegio da emissão de notas, a quantia certa, animal, de 500:000$000 réis em oiro.

§ 1.° Esta quantia de 500:000$000 réis ficará especialmente consignada ao pagamento da amortisação de que trata o artigo 2.°, e será pelo banco entregue á junta do credito publico, de conta do estado, desde 25 até 30 de junho de cada anno.

§ 2.° A disposição d'este artigo em nada invalida o que dispõe o artigo 4.° do contrato de 9 de fevereiro de 1895.

Art. 7.° O banco abrirá ao governo um credito em conta corrente até á quantia de 6.000:000$000 réis, ao juro de 5 por cento ao anno.

Art. 8.º O banco poderá destinar a emprestimos ruraes, com praso não excedente a doze mezes, e juro não superior a 7 por cento ao anno, uma quantia não excedente a 6.000:000$000 réis.

§ unico. Os creditos do banco, resultantes das operações de que trata este artigo, gosarão de privilegio mobiliario nos fructos dos predios rusticos, com preferencia a qualquer outro credor, salvo a fazenda nacional.

Art. 9.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, aos 22 de abril de 1896. = O deputado, Antonio Adriano da Costa.

Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

O sr. Ferreira de Almeida: - Referindo-se ao officio do ministerio da marinha, que acaba de ser lido na mesa, pedindo que ao orador seja concedida licença para se ausentar de Lisboa em serviço publico, que implica o fazer tirocinio de embarque a que é obrigado para o posto immediato, diz que em virtude dos artigos 32.° e 33.° da carta constitucional está impedido de sair do reino; mas o facto é que a camara, se não conceder a licença pedida, colloca-o na situação de ser preterido na sua carreira militar por não ter feito, em tempo opportuno, o preciso tirocinio.

Bem podia elle, orador, manter-se placidamente á sombra, da carta constitucional, e, quando viesse a promoção, reclamar da camara uma providencia que lhes desse a promoção simples, dispensando-o do tirocinio, visto não a ter podido realisar por effeito dos referidos artigos da carta.

Podia tambem a camara ordenar a promoção com a clausula de fazer os dois tirocinios, cumulativamente no novo posto a que fosse promovido.

Preferiu, porém, no cumprimento rigoroso dos seus deveres militares, ponderar ao governo sobre a situação em que elle, orador, está collocado, a pedir á camara uma resolução que o dispensasse do desempenhar o serviço a que são obrigados todos os officiaes do quadro de embarque.

Tendo sido contadas para outros officiaes como viagem de longo curso e como tirocinio, o exercicio da funcção de delegado do governo, a bordo de um navio ao serviço, e como commandante militar entende que similhante serviço lhe deve ser contado da mesma maneira, sendo injustas as observações feitas por alguns jornaes.

O governo, para proporcionar a execução da lei sobre tirocinios, tendo á sua disposição n'este momento só o logar de commandante de um transporte ao serviço do estado, vem pedir a concessão da licença, a qual elle, orador, deseja e espera que a camara conceda.

Pediu, effectivamente, que um official o acompanhasse como adjunto ou immediato, porque por vezes assim se tem praticado, e porque desejando acompanhar e apreciar a navegação, não o podia fazer regularmente só.

É concedida a licença pedida.

(O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão quando o orador devolver as notas tachygraphicas.)

O sr. Teixeira de Vasconcellos: - Justifica com algumas considerações e manda para a mesa uma representação de diversos representantes das industrias metallurgicas nacionaes, contra a isenção de direitos, pedida pela «The Loanda gaz company, limited», para o material que importar com destino á illuminação da cidade de Loanda.

Pede que esta representação seja publicada no Diario do governo.

Auctorisada a publicação.

(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

sr. Ferreira Marques: - Por parte da commissão de marinha mando para a mesa os seguintes pareceres:

1.° Sobre a proposta de lei, apresentada pelo governo, com o fim de regular a collocação, no respectivo quadro, dos primeiros tenentes da armado, que, ou por doença, ou por caso de força maior, interromperam o seu tirocinio de ambarque de guardas marinhos.

2.° Sobre o projecto de lei n.° 50-E, auctorisando o governo a abonar das sobras do artigo 5.° da tabella da despeza de marinha do exercicio de 1894-1895, a quantia de 6:000$000 réis para o fundo de soccorros a naufragos.

3.° Sobre o decreto dictatariol de l de fevereiro de 1895, constituindo o quadro dos capellães da armada.

4.° Sobre a proposta de lei n.° 44-G-, determinando que os contra-almirantes em commissões especiaes tenham direito á reforma, que lhes pertenceria, se houvessem sido promovidos a vice-almirantes na epocha em que lhes competiria por antiguidade, como se fossem officiaes do quadro effectivo.

5.° Sobre o requerimento de alguns praticantes de pilotagem, em que provam terem ficado muito prejudicados com o decreto de 25 de setembro de 1895, e pedem para serem admittidos a exame de pilotagem, segundo o lei de 29 de novembro de 1887.

Foram todos a imprimir.

O sr. Lobo do Amaral: - Mando para a mesa um projecto de lei, tornando definitivas os concessões provisorias do edificio, cerca, predios e igreja do supprimido con-

Página 1208

1208 DIARIO DA CAMARA DOB SENHORES DEPUTADOS

vento do Desaggravo, de Villa Pouca da Beira á camara municipal de Oliveira do Hospital e junta de parochia d'aquella freguesia, com destino a um hospital e igreja matriz da mesma freguezia.

Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que seja dispensada a segunda leitura d'este projecto e que se reunam durante a sessão as commissões de fazenda e de administração publica a fim de darem sobre elle o seu parecer.

Assim se resolveu.

O sr. Fratel: - Por parte da commissão de guerra mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Por parte da commissão do guerra requeiro que seja enviado ao governo para informar o adjunto documento. = O deputado Manuel Fratel.

Mandou-se expedir.

O sr. Ferrara da Cunha: - Mando para a mesa, por parte da commissão do ultramar, um parecer sobre a proposta de lei n.° 50-A, que amplia o praso estabelecido na carta de lei de 27 de julho de 1893, para a apresentação das bases em que deve assentar o regimen bancario nas provincias ultramarinas.

A imprimir.

O sr. Abilio Beça: - Participo a v. exa. que lancei na caixa de petições os requerimentos dos seguintes officiaes do exercito do ultramar: alferes do exercito de Africa occidental, Fernando Frederico da Costa Rebocho; capitão, Luiz Antonio Pereira de Magalhães, e tenente de caçadores n.° 4 de Africa occidental, Francisco André.

Estes officiaes solicitam a revisão das disposições promulgadas, que importam prejuizo de promoções para as classes coloniaes.

Lancei tambem na caixa um requerimento do Maria Sant'Anna, em que pede para lhe ser concedida uma pontuo pela morte do seu marido, em virtude de um ferimento recebido em combate no ultramar, e outro do alferes Pio Alves Vieira, seu filho illegitimo.

Mando tambem para a mesa, por parte da commissão do ultramar, um parecer sobre o decreto dictatorial de 10 de janeiro de 1896, determinando que junto ao ministerio dos negocios da marinha e ultramar funccione uma corporação consultiva denominada «conselho superior da magistratura judicial ultramarina».

A imprimir.

O sr. Carlos Braga: - Mando para a mesa uma representação dos empregados da direcção geral dos correios de Lisboa, pedindo que os quadros dos officiaes dos correios voltem a ser, para o serviço estranho á direcção, o preceituado nos artigos 39.° o 40.º da lei de 29 de julho do 1886.

Vae por extracto no fim da sessão.

O sr. Adolpho Pimentel: - Mando para a mesa os seguintes pareceres:

1.º Da commissão de obras publicas, sobre a proposta de lei apresentada pelo governo, e referente á construcção de um caes acostavel na cidade do Porto.

2.° Da commissão de fazenda, concordando com a de marinha, sobre o projecto de lei apresentado pelo sr. deputado Manuel de Bivar Weinholtz, ácerca do departamento maritimo do sul, attribuições do respectivo chefe e consequente remuneração.

3.° Da commissão de legislação criminal, sobre a proposta do governo n.° 73-A, em que pede auctorisação para reformar, dentro das respectivas verbas orçamentaes, o quadro do pessoal da cadeia geral penitenciaria, fixado por lei de 29 de maio de 1884, para reorganisar a casa de detenção e correcção da comarca de Lisboa, e para reformar os regulamentos e fixar os quadros do pessoal
das cadeias civis da mesma cidade, e da cadeia da relação do Porto.

Foram a imprimir.

O sr. Jacinto do Couto: - Mando para a mesa, por parte da commissão de guerra, o parecer nobre o projecto de lei n.° 47-B, auctorisando o governo a considerar relevantes os serviços do fallecido brigadeiro Antonio Feliciano Telles da Silva Apparicio.

A imprimir.

O sr. Visconde do Banho: - Por parte das commissões de legislação civil e criminal reunidas, mando para a mesa o parecer sobre o decreto dictatorial de 22 de maio de 1895, e tabella de emolumentos e salarios judiciaes.

A imprimir.

O sr. Presidente: - Vae entrar-se na

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de lei, relativo ao emprestimo de 9:000 contos de réis

Leu-se. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 65

Senhores. - Não podia ser indifferente á vossa commissão a proposta do governo n.° 9, como vos não póde ser indifferente, quando é certo que, ainda ha bem pouco tempo, commemorastes em phrase levantadas o repassadas o mais encendrado patriotismo, os feitos gloriosos dos nossos soldados nas campanhas ultramarinas.

Dir-se-ia que, n'aquelle dia, o paiz encontrara de novo o fio do seu destino secular, e que, no meio dos fremitos do seu vivo e ruidoso enthusiasmo, sobresaíam, como um protesto sagrado da regeneração nacional, os votos de todos em favor da integridade e engrandecimento do nosso patrimonio colonial.

Se não fosse esta a significação do que vimos e ouvimos nos grandes, como nos pequenos centros, nas cidades como nas aldeias, de um a outro extremo do paiz, então seria igualmente incomprehensivel o que se praticou nas regiões inhospitas do sertão africano á custa de inauditos esforços e com tão elevada honra para o paiz.

O que se fez não se teria feito, se o instincto collectivo não fizesse sentir aos briosos soldados e marinheiros que os seus sacrificios presentes se transmudariam em beneficios futuros de incalculavel apreço para o bem estar e prosperidade da patria.

Este instincto que nos levou desde Ceuta até aos confins do mar indico, era seguramente a manifestação de uma tendencia ethnica irresistivel; mas era tambem o presentimento de que a nossa nacionalidade, tão acanhada e reduzida nos limites estreitos do seu territorio, tinha de procurar nas aventuras do mar e na descoberta e colonisação de regiões barbaras e desconhecidas uma base segura para a sua autonomia e um campo vastissimo para a sua actividade.

Esta missão civilisadora é a rasão historica da nossa existencia nacional, como é ao mesmo tempo o manancial fecundo dos elementos essenciaes da nossa vida economica.

Se a independencia politica de um povo depende necessariamente da sua independencia economica, é evidente que Portugal, vivendo dos recursos externos e satisfazendo os compromissos da sua existencia administrativa, social e politica com o oiro grangeado pela actividade de seus filhos no continente americano e na Afinca, deve considerar acima do tudo, e como o mais precioso elemento da sua grandeza e o maior titulo da sua gloria, o desenvolvimento gradual, constante e permanente do seu imperio colonial.

O destino do paiz tem andado sempre ligado em intima solidariedade com as vicissitudes do seu patrimonio ultramarino. Á ruina do seu imperio indiano e no momento um

Página 1209

SESSÃO N.º 64 DE 24 DE ABRIL DE 1896 1209

que a rasão de ser da sua aceito na civilisação da Europa desapparece, a nação definha, some-se, perdendo tudo até perder a independencia.

Em seguida o Brazil, enchendo-nos de oiro, veiu dar á independencia restaurada um ponto de apoio extra-europeu e como que renovar o antigo caracter de Portugal manuelino.

Agora que o Brazil nos sonega, ainda que temporariamente, a remessa do seu oiro, que seria de nós e que serie de desastres irremediaveis não teriam sobrevindo, se é commercio africano não tivesse obtemperado com os seus recursos, já hoje importantissimos, a tão terrivel conjunctural?

E por estos rasões, senhores, e por que a marinha é o instrumento indispensavel da politica colonial, affirmada pelo governo com tanta energia e rara fortuna, que a vossa commissão apreciou com favor decidido a proposta do governo, certa tambem do que assim corresponde aos votos do paiz, que deseja ardentemente ver reatados os laços da tradução historica, perpetuada o assegurada a nossa acção fecunda e civilisadora nos dominios ultramarinos.

É a força naval um dos mais poderosos elementos de apoio da nossa missão civilisadora nas terras do ultramar, como é o elemento mais valioso do nosso prestigio e preponderancia nas regiões do globo, onde avulta a colonisação portugueza.

Em epochas de perturbação, é ella para os nossos concidadãos um abrigo seguro, quando os seus direitos sejam violados e os seus interesses desrespeitados. E um pedaço de terra sagrada da patria onde encontrarão, á sombra da bandeira querida, a protecção de que necessitam e o conforto moral, que deriva da solidariedade nacional.

Em epochas de paz, é o symbolo santo que evoca as recordações dos velhos lares, os saudosas memorias do passado, robustecendo no coração de todos o amor da patria e da familia distante. É na sua symbolisação mais augusta a propria terra que lhes foi berço, que lhes vae levar saudades da familia, ausente e votos de ventura e prosperidade da patria, que vê n'elles os mais dedicados obreiros da sua fortuna e os mais decididos campeões do seu renome.

A importancia da sua missão colonial é loucura desconhecel-a, como são palpaveis e evidentes as economias que resultarão para o thesouro da organisação de uma esquadra em condições de bem policiar os portos, os rios e os mares e de reprimir e castigar sem demora qualquer tentativa criminosa contra a nossa soberania.

A marinha foi e será sempre a expressão mais vigorosa da força e poderio das nações.

N'este momento o movimento em favor da restauração e do engrandecimento das forças navaes das potencias europêas é geral, e não ha sacrificios que as nações não façam para se premunirem contra todos as eventualidades.

Depois de 1870 pensou-se pouco na marinha e não se hesitava em diminuir-lhe o valor para augmentar as forças de terra.

Era este o caminho trilhado por todos os paizes.

O resurgimento, porém, da politica colonial, o gosto pelas aventuras longinquas, do que os franceses foram os primeiros sectarios, sendo em breve acompanhados n'esta orientação por todas as nações europêas, vieram modificar o curso das idéas e attrahir a attenção publica para a marinha, que d'ella andava desviada de ha muito.

De todas as partes disputa-se o dominio dos mares. A propria Inglaterra faz grandes sacrificios para manter a supremacia, que lhe póde fugir diante de uma collisão de duas potencias inimigas.

Portugal, se não póde aspirar a tão alto objectivo, não deve, sem grave offensa para os seus brios e sem irremediavel prejuizo para os seus interesses coloniaes, sequestrar-se a este movimento, que entre nós se justifica pela
vastidão dos nossos dominios e mais ainda pelo diminutissima importancia da nossa força naval.

O confronto da nossa armada com a de qualquer doa nações pequenas da Europa e da America é bem proprio para contristar o coração de todos é para incitar o governo e o parlamento a fazer desapparecer uma inferioridade que, alem de aviltante, é extremamente perigosa.

A Hollanda, que é o paiz que mais se approxima do nosso em população e pela extensão do seu dominio colonial, tem uma esquadra couraçada composta de 21 guardas costas e 5 canhoneiras, tendo mais 6 cruzadores e 26 canhoneiros não couraçadas.

Portugal tem l corveta couraçada, 6 não couraçadas, e 18 canhoneiras.

É bem pouco, mesmo muitissimo pouco, se compararmos esta força naval com a area e população das terras coloniaes dos dois paizes.

A de Hollanda tem uma superficie de 1.990:184 kilometros quadrados, com uma população de 29.146:070 habitantes; as de Portugal têem uma superficie de 2.000:000 de kilometros quadrados, com uma população de 16.000:000 de habitantes.

A distancia a percorrer é grande, é enorme; mas não devemos deixar de principiar pelos dificuldades a vencer, antes devem ellas servir de estimulo para repararmos as faltas commettidas.

Demonstrada a necessidade inadiavel de reorganisar a nossa marinha de guerra, resta ver se os recursos financeiros propostos são ou não dignos dá vossa approvação.

A commissão parece que, nas actuaes circumstancias, nenhum outro expediente poderá dar ao thesouro, com menor gravame e com mais segurança de exito, os recursos necessarios.

É certo que poderia o sr. ministro da fazenda ter vindo pedir ao parlamento a creação de um novo emprestimo; mas comprehende a camara que, se a essa nova operação tivesse de ser consignada qualquer rendo do estado, seria superfluidade impertinente similhante pedido, desde que em condições identicas havia disponivel o excedente o emprestimo denominado dos tabacos, auctorisado por lei de 23 de março de 1891; sendo por outro lado evidente o grave risco de insuccesso, que essa operação correria, com damno eminente para o credito do paiz, se acaso ella fosse tentada em condições, que menos garantissem os respectivos tomadores.
A emissão complementar de 9:000 contos de réis de em prestimo, approvada pelas cortes em 23 de março de 1891 e baseada no contrato de 26 de fevereiro do mesmo anno, com garantia de juro, amortisação e demais encargos no renda fixa, que a companhia é obrigada a pagar annualmente pelo monopolio do fabrico e venda dos tabacos, é no entender da vossa commissão a solução financeira mais acceitavel e de resultados, que podem ser reputados seguros.

Realmente, sendo hoje as obrigações dos tabacos, todos os titulos da divido publico, um papel de excepcional valor pelos garantias excepcionaes que o cercam e sendo larga a margem de garantias que é estado offerece aos tomadores do emprestimo na renda paga pela companhia, ainda depois de deduzidos todos os encargos do emprestimo anterior, é licito esperar que a sua emissão se faça em condições vantajosas para o thesouro.

Por estas rasões é a vossa commissão de parecer que a proposta de lei n.° 9 deve ser convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a contratar a collocação, como julgar mais conveniente aos interesses do thesouro, em uma ou mais series, as obrigações de 4 1/2 por cento que forem necessarias para realisar a somma de 9:000 contos de reis em oiro, que não foi levantada nos termos da carta de lei de 23 de março de 1891, consignando a estas novas obrigações o saldo disponivel do

Página 1210

1210 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

rendimento dos tabacos, do fórma que tenham as mesmas garantias do estado que as obrigações já emittidas por virtude d'aquella lei.

§ unico. O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.

Art. 2.° Todo o producto do emprestimo, assim realisado, será posto á ordem da junta do credito publico, constituindo um fundo especial, exclusivamente applicado aos pagamentos a effectuar, nos termos das auctorisações que forem especialmente votadas pelas côrtes, para a reconstituição da nossa marinha de guerra.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario. = Adolpho Pimentel = L. Monteiro = Teixeira de Sousa = Polycarpo Anjos = Adriano da Costa =Mello e Sousa = C. Moncada =Jayme de Magalhães Lima =Augusto Jardim = José Lobo = Teixeira de Vasconcelos, relator.

N.º 34-K

Em 26 de fevereiro de 1891, celebrou o governo um contrato com dois grupos de estabelecimentos de credito banqueiros e capitalistas: um, nacional, representado pelo banco de Portugal, banco alliança do Porto, Henrique Burnay & C.ª, e Fonseca Santos & Vianna; outro, estrangeiro, representado pelo Comptoir National d'Escompte por André Neuflize & C.ª, Bank fur Handel & Industrie, Mondelssohn & C.ª, Dresdner Bank, Rob Warschauer & C.ª, Jacob H. Stern (de Francfort), Deutsche Effecten & Wechsel Bank e Deutsche Vereins Bank.

Por este contrato, o governo obrigou-se a conceder, á sociedade a constituir pelas entidades com que contratou, o monopolio dos tabacos, em determinadas condições que ao preceituaram. Por essa sociedade se obrigaram as mesmas entidades a fazer um emprestimo ao governo, na importancia, effectiva, de 36:000 contos de réis, pelo menos representados primeiro por uma obrigação geral de 45:000 contos de réis de capital nominal, de 4 1/3 por cento de juro, e reembolsavel em trinta e cinco annos, a partir de 1 de abril de 1891, e depois por 500:000 obrigações de 4 1/2 por cento, ao portador, de 90$000 réis, expressando-se o equivalente, ao par, em libras, francos e marcos, estipulando-se que o pagamento dos juros se effeituaria no paiz e no estrangeiro, correndo por conta do governo as differenças de cambio, e consignando-se a esse pagamento a garantia do seu encontro e deducção na importancia das rendas que a sociedade concessionaria ajustou dar ao estado, pelo exclusivo dos tabacos e percepção das respectivas receitas.

No mesmo contrato se acrescentou, no artigo 3.°: «Ce prêt pourra être porté à 45.000:000$000 réis effectifs après entente préalable entre le gouvernement et la société, et à des conditions à déterminer». E no artigo 4.°: «Dans lê nas ou lê prêt dont parle 1'article 3... serait porte à réis 45.000:000$000 effectifs, le gouvernement délivrerait à la sociáté dans les mêmes conditions que celles qui viennent d'être énoncées, une obligation générale pour le complément donnant lieu à une retenue proportionnelle complémentaire sur la redevance de la sociêté».

Este contrato foi sanccionado pelas côrtes. A lei de 23 de março de 1891 auctorisou o governo - «a ratificar o contrato relativo á concessão directa do exclusivo do fabrico dos tabacos do continente do reino», consoante as bases annexas á mesma lei, «realisando por esta fórma a operação destinada a consolidar a divida fluctuante e a occorrer a outras despesas do estado dentro dos limites do encargo permittido pela carta de lei de 28 de junho de 1890, podendo assim levantar até á quantia de 45.000:000$000 réis efectivos».

Em presença da lei e do contrato, nenhuma duvida temos, pois, do que, não se tendo imposto á emissão complementar de 9:000 contos de réis effectivos, em obrigações dos tabacos, limitação especial de tempo, alem da que deriva da propria duração do exclusivo, auctorisado ficou o governo a, durante a concessão, ajustar, querendo, essa missão com a propria sociedade que foi constituida, pelas entidades que intervieram no contrato de 26 de fevereiro de 1891, realisando-a nas condições de preço que melhor podesse obter.

A faculdade d'esta emissão foi mesmo, em absoluto, affirmada em actos e diplomas do governo, acceitos e reconhecidos sem contestação.

O decreto de 17 de outubro de 1891, inserido nos documentos annexos ao relatorio, que a administração do banco de Portugal publicou em 1892, auctorisando a elevação da circulação fiduciaria a 31:500 contos de réis, declarou no artigo 2.°, que o governo garantiria o excesso do seu debito ao banco, pela conta corrente, «com uma delegação representativa da quantia de nove mil contos de réis, que está auctorisado a levantar, nos termos do artigo 3.° do contrato de 26 de fevereiro de 1891 e lei de 23 de março do mesmo anno».

Pouco depois, e por virtude do decreto de 3 de dezembro de 1891, que remodelou a organisação do banco emissor, assignou o governo o contrato de 4 de dezembro, em que, reconhecendo-se devedor de 7:000 contos de excesso na sua conta corrente, consolidou essa divida, consignando-lhe em penhor- «as obrigações que o governo tem direito a fazer emittir nos termos da carta de lei de 23 de março do corrente anno, para realisar a quantia efectiva de mais nove mil contos de réis, alem da de trinta e seis mil contos de réis, já realisada por virtude do contrato de 26 de fevereiro antecedente para a concessão do exclusivo do fabrico dos tabacos».

Das disposições d'este contrato resulta, mesmo, que o governo não ficou, para a emissão, adstricto á companhia dos tabacos, poisque na clausula 3.ª se declarou: «emquanto as obrigações por emittir estiverem sujeitas á clausula pignoraticia... não se poderá proceder á sua effectiva emissão sem previo accordo entre o governo e o banco, ouvidos os contratadores do primitivo emprestimo, nos termos do contrato respectivo». E note-se que, a seguir, se especificou, quo, emquanto se não effectuasse a emissão, o banco receberia a annuidade, relativa áquelles 9:000 contos, de 641:353$000 réis, «por ser a que proporcionalmente lhe corresponde segundo as condições do emprestimo de trinta e seis mil contos de réis já emittidos»; e mais se acrescentou que essa annuidade seria «paga pela companhia dos tabacos pela renda fixa a que a dita companhia é obrigada para com o thesouro, deducção feita do juro, amortisação e demais encargos legaes que a mesma companhia tem de satisfazer em conta do contrato do emprestimo já emittido e dos supprimentos feitos ao thesouro até á presente data». Para o que se concluiu dizendo: «o governo avisará a companhia dos tabacos das condições que ficam estipuladas para sua intelligencia na parte que lhe diz respeito». Effectivamente, em 10 de dezembro do 1891 foi a companhia dos tabacos avisada d'estas condições do contrato, directamente celebrado entre o governo e o banco de Portugal, e nenhuma objecção, absolutamente, lhe poz (a).

Todavia, para cortar cerce por quaesquer duvidas, e desembaraçar por completo a acção do governo, vos apresento a proposta de lei n ° 9, que o habilita a ajustar e realisar essa emissão como e com quem mais conveniente for, em proveito do thesouro. O encargo da nova emissão cabe perfeitamente nos limites da renda annual que a companhia dos tabacos se obrigou a entregar ao estado pela exploração do exclusivo que lhe foi concedido, poisque essa renda é actualmente de 4:450 contos, e será do 4:500 contos a partir de l de abril de 1897, ao passo que o encargo das obrigações já emittidas é, juro e amortisação, de 2.565:667$000 réis, tendo a importancia do cambio e commissões sido, no ultimo anno, de 757:961$522 réis, o que ao todo perfaz 3.323:518$522 réis, ficando, assim, disponivel desde já a margem de 921:481$478 réis,

Página 1211

SESSÃO N.° 64 DE 24 DE ABRIL DE 1896 1211

muito superior ao possivel encargo das obrigações a emittir. E por isso mesmo que as obrigações dos tabacos são privilegiadas, na canção e pagamento, e representam, por tonto, o nosso melhor papel fiduciario, necessario é que o governo tenha, na liberdade de ajuste, toda a possibilidade de as valorisar para o thesouro, obtendo por ellas o maximo preço que o mercado lhe offereça.

É com o producto d'este emprestimo que mais facil e promptamente podemos occorrer ás instantes exigencias da restauração da nossa marinha de guerra. Com a emissão d'aquellas obrigações se valorisa uma das nossas melhores reservas; tanto mais justificavel que a appliquemos com rigoroso escrupulo ao que é verdadeiramente indispensavel e urgente fazer-se, quanto fôra condemnavel que se malbaratasse em despezas de menos absoluta e imperiosa necessidade para a sustentação dos dominios, que no passado adquirimos com tanta gloria e esforço, e que ainda ha pouco mantivemos em Africa com tão brilhante exito para as nossas armas.

Propomos, por isso, que todo o producto do emprestimo, assim realisado, seja posto á ordem da junta do credito, publico, e constitua um fundo especial, só applicavel aos pagamentos, que para aquelle fim se houver de fazer, nos precisos termos do que ror pelas côrtes determinado.

Comprehendeis agora, senhores, por que tanto empenho poz o governo, no contrato que celebrou com o banco de Portugal em 9 de fevereiro do anno passado, em desprender a faculdade da emissão complementar das obrigações dos tabacos da consignação pignoraticia com que a adstringiu áquelle banco o anterior contrato de 4 de dezembro 11891. È que na liberdade d'essa emissão estava um dos recursos mais valiosos de que o thesouro poderia dispor em momento opportuno.

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° É o governo auctorisado a contratar e collocar; como julgar mais conveniente aos interesses do thesouro, em uma ou mais series, as obrigações de 4 1/2 por cento, que forem necessarias para realisar a soturna de 9:000 contos de réis em oiro, que não foi levantada nos termos da carta de lei de 23 de março de 1891, consignando a estas novas obrigações o saldo disponivel do rendimento dos tabacos, de forma que tenham as mesmas garantias do estado, que as obrigações já emittidas por virtude d'aquella lei.

§ unico. O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.

Art. 2.° Todo o producto do emprestimo, assim realisado, será posto á ordem da junta do credito publico, constituindo um fundo especial, exclusivamente applicado aos pagamentos a effectuar, nos termos das auctorisações que forem especialmente votadas pelas côrtes, para a reconstituição da nossa marinha de guerra.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, em 16 de março de 1896.=Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

O sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 1.° O sr. Arroyo: - Sr. presidente, o projecto que vou ter a honra de discutir é, por assim dizer, a sequencia e continuação das maravilhas, que nós já tivemos occasião de admirar dentro d'esta casa quando se discutiu o orçamento de previsão do 1896-1897.

Quando foi d'essa discussão, e eu me referi ao discurso do sr. José Dias Ferreira, proferido n'este debate, tive occasião de lamentar que o talento e a experiencia provada do illustre presidente do conselho e ministro da fazenda, applicada a este assumpto especial sobre o orçamento e medidas de fazenda, não nos houvesse dado nada mais do que uma serie de projectos, augmentando varias especies de tributos, e hoje, completarei, de um projecto de emprestimo, que não vejo justificado, um no relatorio da proposta do ministro, nem no relatorio do projecto da commissão d'esta camara.

Lamentei, com effeito, que o sr. Hintze Ribeiro, não sobraçando pela primeira vez a pasta da fazenda n'esta conjunctura, mas tendo, pelo contrario, a sua gerencia durante alguns annos, não houvesse trazido a esta camara alguma cousa que não fosse uma proposta de emprestimo ou uma proposta de augmento de imposto.

Como disse no principio d'estas considerações, ha uma rasão de symetria, de belleza artistica, na apresentação d'essa proposta. N'um prato da balança exhibem-se os lucros liquidos da amoedação da prata, saldando, por meio de uma conta de ordem positiva, o orçamento do exercicio de 1894-1895; n'outro prato da balança ha o emprestimo para despezas de marinha de guerra, que nós ainda não votámos, e para outras, porque, apesar da letra estricta do § 1.° d'este projecto, é evidente que a applicação do producto d'este emprestimo não póde ser exclusivamente destinado á compra de navios de guerra, e ha de ser provavelmente, quasi que fatalmente, destinado a saldar o saldo negativo do anno economico corrente.

Eu devo dizer que, sob o aspecto propriamente politico-parlamentar, a discussão d'este projecto é muito rapida. Este projecto, como todos aquelles que encerram uma auctorisação lata, é um projecto de confiança politica, de nimia confiança parlamentar. O projecto, como mais adiante hei de referir, vem desacompanhado de quaesquer elementos que possam habilitar a camara a fazer juizo, já não direi exacto, mas approximado, das condições da emissão do emprestimo.

O projecto vem acompanhado de um relatorio que se alguma cousa tende a mostrar, é a autonomia e a independencia da acção do governo perante a companhia dos tabacos; mas vem absolutamente destituido de dados, de elementos, de esclarecimentos e até de indicações que nos habilitem a formar um juizo, já não direi claro, mas approximado, do seu resultado provavel, ou, pelo menos d'aquelle que o governo espera conseguir. Como acto que é de accentuada confiança politico-parlamentar, é tambem claro que, para que a camara o vote, necessita, em primeiro logar, de saber se são exactas as allegações do governo no que toca á ausencia de quaesquer perigos, opposições ou inconvenientes por parte de terceiros interessados, e em segundo logar saber ao que é destinado o producto do emprestimo que se tem de emittir ou das obrigações que se esperam collocar.

Na realidade, é curioso que, marchando nós foz em fóra para um mar de tranquillidades e prosperidades financeiras, tendo atrás de nós orçamentos fechados com saldos positivos, e não tendo ainda sido indicado, nem por propostas ministeriaes, nem por projectos de iniciativa de deputados, despezas que justifiquem a creação d'esta grande receita, é evidente que só uma confiança parlamentar d'estas que vão até ao limite da mais extrema dedicação póde dar ao sr. presidente do conselho e ministro da fazenda o voto que s. exa. vem pedir ao parlamento.

Na minha opinião, a primeira questão, que é preciso ver, é esta. Tem o governo portuguez, perante a legislação actual e, muito principalmente, perante ou diplomas quo regulam na suas relações com a companhia dos tabacos, inteira e completa independencia e autonomia para proceder conforme entender? E este é primeiro ponto a esclarecer como base inicial do debate, porque, de duas uma, ou tem ou não tem; se não tem, bem prevenido andaria o governo, e bem melhor esclarecido seria o parlamento, se o sr. ministro da fazenda, era vez de ter trazido a esta casa um simples pedido de auctorisação que é um voto de mera confiança parlamentar, lhe houvesse trazido um contrato provisorio era condições prefixas dentro de determinados limites, que, graças ao voto affirmativo que lhe fosso concedido pela camara, podesse vir depois. a transformar-se n'um contrato definitivo; se tem,

66*

pois

Página 1212

1212 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

podemos discutir a auctorisação parlamentar ao sr. ministro da fazenda sem olhar a esse perigo, e unicamente ao alcance, ás vantagens geraes da administração financeira. Para chegar a este resultado é necessario, porém, estudar estas diplomas, o que vejo que o sr. ministro da fazenda até agora, infelizmente, não fez.

Tendo de discutir este projecto li, com a devida attenção, os dois relatorios, e confesso a v. exa. Que entre os dois, como merecimento litterario, mon coeur balance. Qualquer d'elles está primorosamente escripto; o do sr. ministro da fazenda revela a competencia e a erudição que s. exa. Sabe mostrar sempre na defeza das suas idéas e das suas propostas; o do sr. relator, meu collega e amigo, o illustre parlamentar o sr. Teixeira de Vasconcellos, revela, conjuctamente com conhecimentos de ordem financeira, o mais acrisolado patriotismo e dedicação pelo progresso das nossas cousas coloniaes.

Confesso que conhecendo, como conheço de perto, os merecimentos e predicados do meu illustre amigo o sr. Teixeira du Vasconcellos, melhor acharia que o seu espirito houvesse sido guiado para o estudo das questões que propriamente interessavam ao projecto em discussão, em vez de fazer uma exposição brilhante do nosso periodo guerreiro o descobridor, desde Ceuta até, pouco mais ou menos, a Alcacer-Kibir.

Eu presto homenagem á finura o sagacidade de s. exa; e não sei porque, mas pelo conhecimento que tenho da habilidade do illustre deputado, quer-me parecer que a descripção da tomada de Ceuta, dos nossos descobrimentos no ultramar, dos feitos gloriosos doa nossos conquistadores, das descobertas do Brazil e do caminho para a India, a narração, emfim, de todas as nossas glorias, d'aquillo que constitue a base da nossa historia ultramarina, tudo foi talvez para evitar responder aos seguintes pontos capitaes: estamos nós livres da companhia dos tabacos? Para que é que se vem pedir 51:000 contos de réis á camara?

Assim é que s. exa., depois de uma exposição que sob o ponto de vista litterario é brilhante, toca apenas nos pontos de vista especiaes d'este projecto de lei em dois periodos, um dos quaes é apenas destinado a tornear e não a resolver a difficuldade a que acabo de me referir.

Isto, sr. presidente, é um attestado da difficuldade principal? É, não ha duvida nenhuma; a verdade, porém, manda dizer que o sr. Teixeira de Vasconcellos não precisava escrever tão pouco para se saber o motivo por que não escrevia muito. É um attestado da difficuldade principal? É, mas colloca os seus collegas da commissão e os seus collegas dentro d'esta casa do parlamento, em uma situação embaraçosa para conceder o voto de confiança, que o governo acaba de pedir.

Vamos, portanto, sr. presidente, estudar essa questão fundamental.

O sr. Hintze Ribeiro é que a esse respeito não se illudiu, pois a melhor parte do relatorio do illustre ministro foi destinada a demonstrar a autonomia e independencia do governo perante a companhia dos tabacos. Eu declaro a s. exa. que estimaria bom que o tivesse conseguido demonstrar com outra copia de argumentos e com outro valimento de rasões, que não fosse aquellas que constam do relatorio, que em parte vou ler á camara.

Vou dizer o motivo d'esta minha declaração, e creio que v. exa., assim como todos os mais collegas, me fazem a justiça de acreditar que eu ao ver o governo annunciar uma negociação para um emprestimo e para a emissão de determinado numero de obrigações, embora haja de o combater e lhe seja opposto, não tenho outro desejo senão o de que, approvado este projecto e convertido em lei, o governo entre na execução d'essa lei, com toda a facilidade e com a mais completa ausencia do inconvenientes. Uma cousa é a nossa confiança dentro d'esta casa e aã por que me opponho, como membro do poder legislativo, a esta concessão, e outra cousa é desejar que, qualquer que seja a deliberação que a camara tomar, o poder executivo não encontre inconvenientes nem difficuldades, na sua execução.

O meu desejo é que o debate fique esclarecido, para do duas uma: ou demonstrar-se qualquer entrave que possa haver na execução d'este projecto, ou esclarecer-se, clara e positivamente, a rasão que o sr. ministro da fazenda tem em reivindicar para o governo completa autonomia e independencia a respeito das phases posteriores d'esta questão.

Eu entendo, sr. presidente, que, infelizmente, a legislação de 1891 e a propria legislação citada pelo sr. Hintze Ribeiro, é em desabono da sua legação.

Em 1891, como v. exa. sabe, realisou-se um contrato com um syndicato francez, que depois constituiu em Portugal a companhia dos tabacos.

N'esse tempo, manda a verdade que ao diga, a culpa foi de nós todos e não de um partido; pois todos os partidos collaboraram n'esse projecto, não havendo, que me conste, senão um voto contra a sua approvação.

A declaração que o sr. Dias Ferreira, um anno depois, veiu fazer á camara, seria preferivel que houvesse sido feita um anno antes, pois talvez essa declaração, francamente exposta perante o parlamento n'essa occasião, nos houvesse poupado as phases mais agudas e dolorosas da nossa crise financeira e economica em 1892. O que é facto é que o projecto dos tabacos votou-se com um unico voto contra, o que depois, na aasignatura do contrato, o honrado ministro da fazenda d'essa epocha se viu obrigado a fazer concessões que, sob um ponto de vista, realmente valiosas, alteraram o producto liquido do emprestimo que se contrahiu, e, graças á constituição d'esse syndicato financeiro, verdadeiramente poderoso, aos termos do contrato quo com elle se firmou, á ligação estreita que esse contrato estabeleceu desde logo entre a praça de Lisboa o muitos dos mais poderosos banqueiros da praça de Paris, em 1893, quando se operou a reducção dos juros da nossa divida publica, foi absolutamente impossivel e impraticavel a applicação, aos titulos da companhia doa tabacos, da reducção de que então foram captivos todos os outros juros da nossa divida publica. Quando digo que foi impossivel e impraticavel, creio que ponho a situação noa verdadeiros termos. Não o fez o sr. Hintze Ribeiro, e estou convencido de que não o fez porque não póde. Digo mais, não creio que qualquer ministro da fazenda o podesse fazer, attentas as difficuldades, direi mesmo, os perigos, e consequentemente a impraticabilidade, que uma medida d'esta ordem levantaria no mercado francez a nosso respeito.

Se a força do syndicato, que tomou o negocio dos tabacos em Portugal, foi, e é ta], que se oppõe á reducção dos juros, quando essa reducção foi determinada e acceite relativamente a todos os outros titulos da divida publica portugueza, é indispensavel tel-a em grande conta, não sob o ponto de vista de a temer, mas sob o ponto de vista de noa defendermos d'ella, quando o governo portuguez tenha de engajar-no na operação do que presentemente me estou occupando;

Direi mais, este meu discurso é menos um discurso de opposição do que de aviso.
É discurso de opposição na parte em que não encontro justificado, como mostrarei, o montante da importancia do emprestimo que se pede, mas não é um discurso de opposição, e é antes um aviso sincero e leal, como portuguez que sou, ao sr. ministro da fazenda, como o faria a qualquer outro que ali estivesse sentado.

Eu pergunto se a doutrina que s. exa. sustenta no seu relatorio, citando a legislação de 1891, citando o contrato com o banco de Portugal, citando o decreto de 17 de outubro do 1891, citando finalmente o aviso dirigido á companhia dos tabacos em 10 de dezembro de 1891, repre-

Página 1213

SESSÃO N.8 64 DE 24 DE ABRIL DE 1896 1218

senta unicamente a opinião do governo portuguez, ou é jurisprudencia acceite pela mesma companhia, e vou dizer a v. exa. o motivo por que lhe faço esta pergunta.

Como é que o sr. Hintze Ribeiro pretendeu demonstrar a sua autonomia e independencia, relativamente á operação projectada? Pela seguinte fórma: vae em primeiro logar ao contrato com a companhia dos tabacos, onde, depois de estatuir sobre o emprestimo dos 36:000 contos de réis, se diz no artigo 3.°

Eu leio como está, em francez:

«Ce prêt pourra être porté à 45:000 contos de réis effectifs après entente préalablé entre le gouvernement et la société, et à des conditions à déterminer.»

Quer dizer, a elevação dos 36:000 contos de réis 45:000 contos de réis, poderá fazer-se depois de entanto préalable-entre o governo e a sociedade em condições a determinar. E continua no artigo 4.°:

«Dans le cas ou le prêt dont parle 1'article 3.... serait porté à 45.000:000$000 réis effectifs, le gouvernement déliverait á la société dans les mêmes conditions que celles que viennent d'être énoncés, une obligation générale pour lê complément donnant lieu á une retenue proportionnelle complementaire sur la redevance de la société.»

Conseguintemente, se n'este artigo nada se diz, note bem o governo, positiva e claramente sobre a obrigação do governo ter de negociar fatalmente com a companhia dos tabacos o emprestimo supplementar dos 9:000 contos de réis, em todo o caso o que se lê n'estes artigos, se alguma cousa demonstra é isso.

Não sei se me faço comprehender. Se n'estes artigos nada se encontra que expresse uma clausula positiva e clara, pela qual o governo não possa de modo algum contratar com outra entidade, em todo o caso, se alguma cousa se póde concluir da leitura d'estes artigos, é pelos laços entre o governo e a sociedade, e não pela sua autonomia e independencia.

Depois cita-se o decreto do 17 de outubro de 1891, pela qual o governo, quando autorisou a emissão da circulação fiduciaria dos 31.000:500$000 réis, declarou no artigo 2.° que o governo garantiria o excesso do debito ao banco pela conta corrente «com uma delegação representativa da quantia de 9:000 contos de réis, que está auctorisado a levantar, nos termos do artigo 3.° do contrato de 20 de fevereiro de 1881 e lei de 23 do março do mesmo anno.» Isto é um documento referente ás relações entre o governo e o banco de Portugal e nada mais.

Veiu depois o decreto de 3 de dezembro de 1891, que remodelou a organisação do banco emissor, no qual o governo, reconhecendo-se devedor dos 7:000 contos de réis de excesso na sua conta corrente, consolidou essa divida consignando-lhe-em penhor - as obrigações que o governo tem direito a fazer emittir nos termos da carta de lei de tal e tal, segundo o documento então citado, no qual nada mais se encontra senão a regulação do regimen que fica estatuido entre o governo e o banco de Portugal.

Diz-se mais, que das disposições d'este contrato resulta mesmo que o governo não ficou, para a emissão, adstricto á companhia dos tabacos, e aqui é onde o sr. ministro da fazenda começa a pretender esclarecer a questão e a procurar demonstrar a sua independencia, pois que na clausula 8.ª se declara: «emquanto as obrigações por emittir estiverem sujeitas á clausula pignoraticia... não se poderá proceder á sua effectiva emissão sem previo accordo entre o governo e o banco, ouvidos os contratadores do primitivo emprestimo, nos termos do contrato respectivo».

Ora, tem graça, que o sr. Hintze Ribeiro, quando copiou para o seu relatorio esta clausula 3.ª, foi á palavra ouvidos e griphou-a, como querendo fazer ver que ella não significava senão uma d'estas consultas, como as que se nas nossas repartições áquelles a que chamo sacerdotes da Aida, em que a resposta fôra: «que não existia aqui o resultado fatal de uma obrigação prescripta pelo contrato, mas logo a seguir, poz s. exa. o sr. ministro a expressão: «nos termos do contrato respectivo», o que deixa por conseguinte s. exa., sob o ponto de vista da negociação com a companhia dos tabacos, exclusivamente dependente do contrato de 1891. Mais se acrescenta n'essa clausula: «que essa annuidade seria paga pela companhia dos tabacos pela renda fixa a que a dita companhia é obrigada para com o thesouro, affirmação esta que nem prova a favor nem contra a autonomia e independencia do sr. ministro da fazenda relativamente ao assumpto, porque o que simplesmente se apresenta aqui, é a execução do contrato de 1891, que delimitava os direitos da companhia dos tabacos, relativamente ás concessões de rendimentos que lhe eram feitas, comprehendendo, portanto, sem o mais pequeno exagero de interpretação, a entrega ao governo para o fim que elle muito bem tivesse em vista, já se sabe dentro das leis do paiz, do restante que lhe era devido.

Diz s. exa. «Effectivamente, em 10 de dezembro de 1891 foi a companhia dos tabacos avisada d'estas condições do contrato, directamente celebrado entre o governo e o banco de Portugal, o nenhuma objecção absolutamente lhe; poz».

Ácerca d'este periodo tenho ainda a lembrar a s. exa. que o facto de não lhe apparecer n'essa epocha objecção nenhuma ao contrato celebrado com o banco de Portugal, por parte da companhia dos tabacos, não póde ser para o illustre ministro garantia e prova de que ella lhe reconheça a sua autonomia de acção, por isso que, desde que o governo cumprisse para com a companhia com as clausulas indicadas no contrato do 1891, a companhia, relativamente ao restante do rendimento, nada tinha a objectar ao governo; pelo contrario, eu que conheço o feitio de s. exa., estou bem convencido de que á mais pequena observação que por parte da companhia lhe fosse feita, s. exa. a faria entrar na ordem e saberia ler-lhe a lei de 1891, indicando-lhe a sua verdadeira applicação.

Finalmente, acho de somenos valor o periodo que se lê a seguir no relatorio do sr. ministro da fazenda em que s. exa. diz: «Todavia, para cortar cerce por quaesquer duvidas, e desembaraçar por completo a acção do governo, vos apresento a proposta de lei n.° 9, que o habilita a ajustar e realisar essa emissão, como e com quem mais conveniente for, em proveito do thesouro».

Isto é evidentemente um circulo vicioso. A proposta de lei do governo, relativamente á sua liberdade de acção, não póde ser nem é na realidade senso a consequencia do estudo de legislação anterior. Se o governo póde apresentar a proposta de lei que trouxe á camara, é evidente que não temos, sob esse ponto de vista, nada a dizer-lhe; mas se o governo não pode apresental-a nos termos do contrato de 1891 e legislação subsequente, a verdade é que o facto de trazer esta proposta á camara, nem augmenta, nem modifica o seu direito.

Depois, sr. presidente, o relatorio de s. exa. entretem-se a demonstrar que, dentro do excesso do rendimento dos tabacos, cabe ainda a unidade relativa ao serviço do emprestimo que o governo pretende contrahir.

Feito este rapido exame dos documentos, eu vou recapitular esta parte das minhas considerações e dizer ao sr. ministro da fazenda que, se s. exa. não tem rasões de melhor lei para sustentar a liberdade da sua attitude, eu então, com muita magna minha, porque sempre considerei que. o negocio dos tabacos de 1891 não encerra prosperidades para a fazenda de Portugal, continuarei a ter os mais graves receios sobre a facilidade ou possibilidade da execução da proposta de s. exa., e a temer, não pessoalmente por s. exa., mas pelo governo e pelo paiz, que no decorrer das negociações, a companhia dos tabacos, em face dos diplomas que a constituiram, se venha a impor, ou para a collocação das obrigações a emittir ou para dif-

Página 1214

1214 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ficultar a operação, se porventura considerar que ella não lhe é favoravel.

Devo ainda dizer ao sr. ministro da fazenda que quando mesmo a companhia dos tabacos, sob o ponto de vista absoluto, se não opponha á operação, gravissimos perigou resultariam da introducção no mercado estrangeiro do papel portuguez que fosse considerado de segunda hypotheca.

Ao dirigir as minhas vistas sobre outra ordem de considerações, eu ponho ponto sobre esta parte do projecto, affirmando que, se chamei a attenção da camara e do sr. ministro da fazenda para ellas, é porque entendo que ha uma cousa peior do que não votar este projecto, do que não fazer navios de guerra, é o lançar o paiz em uma nova meada de caracter financeiro ou diplomatico, que sáe sempre carissimo e que o sr. ministro da fazenda já conhece, como tendo representado uma boa parte das suas amarguras de homem d'estado n'esta ultima situação.

Eu supponho que s. exa. não tem a mais pequena illusão sobre a conducta das chancellarias estrangeiras. É muito boa a declaração das chancellarias estrangeiras, de que não se occuparão de um determinado assumpto, mas sobretudo o que é optimo, é ter a certeza de que os interessados não se opporão, porque relativamente a paizes cuja vida parlamentar depende de agremiações de caracter mutavel, que se alteram de um momento para o outro, e que produzindo uma nova formação de grupos parlamentares, atiram a terra com as situações mais validas; a paizes onde os governos se não arreceiam das ordens do dia, mas das interpellações, que representam directamente de expressão de grandes emprezas ou de grandes grupos nacionaes, interpellações que lhes sáem, por assim dizer, de emboscada, impondo-se de repente, pelo valimento dos interesses que representam, aos governos mais fortes e presididos por homens de acção mais energica; o mais pratico, o mais sensato, o mais prudente, é que os governos se informem da attitude dos verdadeiros interessados e quando lançam ao parlamento projectos d'esta ordem, o não obriguem a conceder-lhes votos de confiança que no dia seguintes offerecem perigos reaes na sua execução ou os tornam absolutamente inefficazes e impraticaveis.

Dito isto, pergunto eu agora ao sr. ministro da fazenda, para que é que vem pedir 9:000 contos de réis á camara? Segundo consta do projecto e do respectivo relatorio do sr. Teixeira de Vasconcellos é para navios de guerra.

Eu li a sua prosa inspirado pelos melhores sentimentos, e não encontrei lá outra destinação.

Li tambem o relatorio do sr. ministro da fazenda e, verdade, verdade, não achei n'elle nada que me indicasse tambem outra applicação d'essa quantia.

Se a memoria me não atraiçoa, o sr. ministro da marinha trouxe aqui ha dias uma proposta de lei relativa á acquisição de navios de guerra, e creio eu que o montante total da despeza a fazer ora de 2:800 contos de réis. Ora, se o sr. ministro da marinha pedia esta quantia, como montante do total da importancia dos navios de guerra a construir, e se a auctorisação que o sr. ministro da fazenda vem pedir sóbe a 9:000 contos de réis, evidentemente nós temos aqui 6:200 contos de réis que não são destinados a navios do guerra, e que não sei a que o sejam.

Já vou á questão da emissão por series, que consta do artigo 1.° do projecto que estou discutindo, mas antes de me referir a este ponto posso deixar de perguntar como é que nós com um orçamento equilibrado, sem despezas extraordinarias votadas pelas côrtes e com um pedido de 2:80000 contos de réis, vamos votar um emprestimo de 9:000 contos de réis.

Confesso que sobre este ponto não tenho muito que dizer porque a questão em si é de uma simplicidade translucida.

Ha outras despezas a que occorrer?

Ha outros serviços a dotar? Ha necessidade de desembolso da ordem ordinaria ou extraordinaria a que acudir?

Se ha, diga-o o governo, diga-o a commissão, para que possâmos julgar do merecimento da auctorisação que se nos pede, sob o ponto de vista da sua applicação; se não ha, se a unica applicação a dar a esta verba é aos navios de guerra pare sustentar o nosso nome e para melhoria dos diversos serviços de que está incumbida a nossa força, de mar, se é isso, sr. presidente, reduzamos a verba do emprestimo áquillo que o sr. Jacinto Condido virá pedir á camara.

É possivel que eu não tenha rasão, mas salvo qualquer outra rasão de ordem complicada, é conveniente que o sr. Hintze Ribeiro explique o motivo por que em vez de 9:000 não pede 2:800 coutos do réis.

Eu sei que o sr. ministro da fazenda me póde responder com a parte do projecto de lei no sou artigo 1.°, em que falla n'uma emissão por series. S. exa. redigiu, e a commissão repetiu um principio, que até vem no artigo 2.° do projecto, onde se lê:

«Todo o producto do emprestimo, assim realisado, será posto á ordem da junta do credito publico, constituindo um fundo especial, exclusivamente applicado aos pagamentos a effectuar, nos termos das auctorisações que forem especialmente votadas pelas côrtes, para a reconstituição da nossa marinha de guerra.»

Eu leio isto duas Vezes, tres vezes e encontro sempre a mesma cousa, sempre a nossa marinha de guerra.

Ora, se nós tratâmos de fazer navios na importancia de 2:800 contos parece-me que 9:000 contos para navios é um bocadinho de mais.

O sr. ministro da fazenda não póde dizer que o projecto é destinado a outra cousa que não seja a nossa marinha de guerra, porque isso resulta á evidencia do texto d'este artigo; supponhamos, porem, que s. exa., por argucias de qualquer ordem que eu não posso explicar, consegue metter dentro das verbas das despezas da marinha de guerra a que é destinado o emprestimo de 9:000 contos o deficit da gerencia, o pagamento do coupon, as urgencias de ordem interna ou externa, emfim tudo aquillo que até agora era feito com a amoedação da prata, e que para isso é que se vem pedir os 9:000 contos.

Vamos ao artigo 1.°, na parte que se refere a series.

Diz assim:

«É o governo auctorisado a contratar a collocação, como julgar mais conveniente aos interesses do thesouro, em uma ou mais series, as obrigações de 4 l/2 por cento que forem necessarias para realisar a somma de 9:000 contos de réis em oiro, que não foi levantada nos termos da carta de lei de 25 de março de 1891, consignando a estas novas obrigações o saldo disponivel do rendimento dos tabacos, de fórma que tenham as mesmas garantias do estado que as obrigações já emittidas por virtude d'aquella lei.

«§ unico. O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.»

O emprestimo emittesse por series de pequenos distancias umas das outras, porque desde que se estabeleçam largos prasos para a collocação d'estas diversas series, supponho que nenhum ministro da fazenda chegará a fechar negociação alguma. Desde que o sr. ministro da fazenda se dirija a uma casa estrangeira o queira fazer distas diversas series, por assim dizer, tres ou quatro etapes, referidas não a pequenos prasos de tempo, mas a grandes distancias, é claro que a casa contratante lhe responderá: nós não podemos, porque a fixação das condições de um emprestimo é dependente das circumstancias do marcado e não podem ficar á mercê das condições aleatorias de um largo espaço do tempo.

Estas varias series, por consequencia, têem de se entender como series referentes a pequenos intervallos de tempo.

Dito isto, eu considero quo o governo, quando contratar, não contrata nem 2:000, nem 3:000, nem 4:000 contos, contrata 9:000 contos de réis.

Supponhâmos que o governo pede 9:000 contos. De

Página 1215

SESSÃO N.° 64 DE 24 DE ABRIL DE 1896 1215

certo não é para os ter descansados nos cofres da junta do credito publico á espera de qualquer despeza extraordinaria, mas porque imagina que, n'um futuro não remoto, este augmento de receita é indispensavel para acudir ás urgencias do thesouro.

Ainda sob este aspecto, portanto, o projecto se encontra desguarnecido de elementos e de bases que possam habilitar o parlamento a votal-o.

Encerrarei por aqui as minhas considerares, pedindo ao sr. ministro da fazenda que. veja n'ellas, não a expressão de uma maneira de ser parlamentar que se manifesta por uma opposição formal e intransigente a todos os actos e propostas do governo, só pelo facto de esses actos e propostas serem do governo, mas unicamente a expressão dos meus receios e da minha insciencia, receios sob o ponto de vista dos perigos que podem advir ao sr. ministro da fazenda, se s. exa. não sabe mais do que o que escreveu no seu relatorio, e se o sr. Teixeira
de Vasconcellos tambem não sabe mais do que escreveu no relatorio da commissão; insciencia quanto á necessidade de receitas que se vão crear, e ainda quanto á contradicção que se encontra entre a proposta inicial do sr. ministro da marinha, referida á somma de 2:800 contos de réis, verba que s. exa. considera necessaria para a acquisição de novos navios de guerra, é o montante total de 9:000 contos de réis, que o sr. ministro da fazenda vem pedir para ser auctorisado a collocar em obrigações dos tabacos.

Dito isto, terminarei, desejando duas cousas: a primeira que se o sr. ministro da fazenda executar este projecto não encontre na sua execução dificuldades de ordem diplomatica e internacional de qualquer especie, levantadas pelas chancellarias ou por syndicatos estrangeiros; a segunda, que os novos titulos que vierem a ser orçados, o sejam em completa paridade e igualdade com os antigos, sem que exista entre estes e os primeiros as differenças que separam os titulos de primeira hypotheca dos titulos desavantajados perante os bancos e os nossos mercados.

Tenho dito.

(S. exa. não revê os seus discursos.}

O sr. Teixeira de Vasconcellos (relator}: - Responde ao orador precedente.

O fim do governo, apresentando a sua proposta de lei, foi restabelecer a marinha de guerra, que falta ao paiz quasi por completo.

Quanto ás dificuldades que possam ser levantadas por parte da companhia dos tabacos, deve observar que, se aquella companhia se julgasse com direito a oppor-se á emissão das novas obrigações, teria de certo reclamado, quando o sr. ministro da fazenda apresentou o seu relatorio fazendario e a sua proposta de lei que está em discussão.

Não lhe consta, porém, que ella tenha procedido d'esta fórma; e, se lhe é licito revelar alguma cousa do que sabe, deve dizer que a companhia se collocou fóra da questão, reconhecendo no governo o direito de contratar a emissão das novas obrigações com quem offereça melhores condições para o thesouro.

A faculdade de elevar a emissão de 30:000 a 45:000 contos de féis representa um beneficio para o governo e 1180 um prejuizo; e se a companhia não se oppozer ao emprestimo, não vê que nenhuma outra entidade lhe possa levantar dificuldades e muito menos de ordem diplomatica.

O sr. Arroyo receia que o emprestimo não seja todo applicado á acquisição do material naval, porque tendo pedido o sr. ministro da marinha apenas 2:800 contos de réis para a compra de navios de guerra, não comprehende como o sr. presidente do conselho queira levantar um emprestimo de 9:000 contos de réis para o mesmo fim.

A resposta a esta observação de s. exa. está no facto de ter sido nomeada uma commissão pelo sr. ministro da marinha, encarregada de escolher os melhores typos de navios de guerra, até á verba de 9:000 contos de réis.

O sr. Ferreira de Almeida: - E esses navios serão construidos no estrangeiro?

O Orador: - Crê que sim, pois não lhe parece que se possam fazer no paiz.

Respondidos estes pontos, que foram os principaes a que o sr. Arroyo se referiu, nada mais lhe resta a dizer.

(O discurso será publicado na integra, e em appendice a alta sessão, guando o orador restituir eu notas tachygraphicas).

O sr. Teixeira de Sousa: - Mando para a mesa, por parte das commissões de fazenda e de administração publica, um parecer sobre o projecto de lei do sr. deputado Lobo do Amaral, pelo qual se pretende tornar definitiva a concessão provisoria dos predios e igreja do supprimido convento, do Desaggravo, de Villa Pouca da Beira, feito á camara municipal de Oliveira do Hospital e junta de parochia de Villa Pouca da Beira.

A imprimir com urgencia.

O sr. Ferreira de Almeida: - Como no uso da licença que a camara lhe concedeu antes da ordem do dia, não poderá vir á camara antes da partida do navio em que vae embarcar, aproveita esta occasião para definir, clara e precisamente, o seu voto sobre as disposições d'este projecto.

Tem elle duas partes: uma contém a auctorisação para se fazer a emissão dos 9:000 contos de réis do tabaco, e a outra applica o producto d'essa emissão á reconstituição da marinha de guerra.

O sr. relator declarou que esse material terá de ser adquirido no estrangeiro...

O sr. Teixeira de Vasconcellos (relator): - Não o disse afirmativamente.

O Orador: - Embora s. exa. não o dissesse de uma fórma affirmativa, a verdade é que não o podia dizer de outra maneira.

Sendo assim, não póde dar o sen voto a esto projecto, e n'isto é coherente com o contra-projecto que apresentou em 1893, e com o que disse na camara na sessão de 11 de junho de 1890.

No contra-projecto propunha que se contratasse com uma companhia estrangeira para vir tomar o exclusivo das construcções navaes no nosso paiz, com a obrigação de fazer um determinado numero de navios, usando d'esse exclusivo durante um determinado numero de annos e perante uma annuidade fixa.

No discurso, proferido na camara em 1890, disse que podiamos, deviamos e careciamos de ter uma esquadra de corso militar; que dentro dos nossos recursos, com tempo o prudencia, se podia adquirir o material necessario, e que a organisação do pessoal estava já em condições de poder ir recebendo esse material.

Ora, como os 9:000 contos de réis destinados á construcção de navios não se podem applicar de prompto na acquisição de vasos de guerra, visto que sendo mandados fazer no estrangeiro poderiam estar concluidos dentro de dezoito mezes, e não haveria pessoal suficiente para os guarnecer, tornava-se necessario que essa construcção se fosse fazendo a pouco e pouco. N'estas condições deveria construir-se um arsenal que custaria 2:000 a 3:000 contos de réis, e poderia estar prompto em tres annos, onde se fariam os navios vindo mestrança de fóra com o que se conseguiria ensinamento, e ficar no paiz pelo menos o valor da mão de obra. Assim se fez na Hollanda.

Exposto o seu pensamento, de que os navios a adquirir não devem ser construidos no estrangeiro, o orador indica quaes deveriam ser, na sua opinião, os typos de navios, que mais convem á nossa marinha de guerra, dissertando sobre o programma contido no decreto de 20 de março de 1890.

Página 1216

1216 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Concluo, mandando para a mesa a seguinte proposta:

«Additamento ao artigo 2.° do projecto do lei n.° 65.°:

« . . . construindo-se um arsenal um que se effectue a construcção dos navios de guerra que devem constituir a força naval nacional. = Ferreira de Almeida.»

Foi admittida.

(O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão quando o orador restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Pereira e Cunha (para um requerimento): - Peco a v. exa. que consulte a camara sobre se quer que seja prorogada a sessão até ser votado o projecto.

Assim se resolveu.

O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Duas palavras apenas.

O illustre deputado, o sr. Ferreira de Almeida, em virtude da auctorisação que a camara hoje votou, receando não poder estar na camara em occasião opportuna, desejou deixar consignada a sua opinião ácerca da acquisição e construcção de navios de guerra. Como v. exa. comprehende, eu não tenho n'este momento de contradictar as observações feitas por s. exa.; parece-me apenas, em principio, que essas considerações não invalidam a votação do projecto que se discute, por isso mesmo que n'este projecto não se trata propriamente das condições em que a acquisição de navios de guerra se haja de verificar, não se falla em typos, não se discute se se deve preferir a construcção d'esses navios feita em estaleiros nacionaes, ou se a sua acquisição se deve fazer no estrangeiro, não se discute mesmo qual a natureza, as condições de preço, as circumstancias em que o proposito da restauração da nossa marinha se haja de effectuar, e tão sómente só trata da dotação financeira, dos meios necessarios, indispensaveis, para levar a cabo a restaurado da nossa marinha de guerra.

Que ella se impõe como uma necessidade indeclinavel, parece-me evidente; não creio mesmo que possa haver duvidas na camara. Que para que essa restauração se effectue é necessario que o governo se habilite com os meios financeiros necessarios; tambem é ainda da primeira evidencia. Agora quaes devam ser esses navios, quaes as condições da sua acquisição, quaes os seus typos, e, emfim, todas as circumstancias que são mais propriamente inherentes á discussão do projecto de lei que o meu collega da marinha apresentou quando essa discussão se abrir, terá a camara ensejo de se pronunciar mais detidamente.

Quaesquer que sejam, portanto, as opiniões aliás lucidissimas do meu illustre amigo e nosso collega na camara, o sr. Ferreira de Almeida, é evidente que, em todo o caso, a votação d'este projecto só torna necessaria, desde que por elle se vão buscar os meios necessarios para attingir o fim a que desejamos chegar.

Dito isto, pela deferencia que tenho pelo illustre deputado, a camara comprehende que a rasão por que s. exa. tratou hoje este assumpto, foi por ter receio do não ter tempo para, na occasião propria, poder manifestar qual era o seu pensar e o seu modo de ver sobre o assumpto.

(O orador não reviu as notas tachygraphica.)

O sr. Marianno de Carvalho: - Não concorri á sessão da commissão de fazenda em que se discutiu este assumpto, por isso explicarei as rasões por que o meu voto é contrario ao projecto, e fal-o-hei nas menos palavras que seja possivel, para que a camara comprehenda o meu pensamento.

Por mais que se diga e se queira explicar, este projecto envolve, como pensamento principal, a reconstituição da nossa marinha de guerra, pois a acreditar-se nas declarações feitas, tanto no relatorio do sr. ministro, como no da illustre commissão da fazenda, não se contrahia tal emprestimo se não fosse a necessidade d'essa reconstituição.

As considerações que o sr. Ferreira de Almeida fez foram, portanto, cabidas, vieram todas no seu logar e seria bom, para a discussão de tão grave assumpto, que o projecto não só désse os meios financeiros de se reconstituir a nossa marinha de guerra, mas indicasse tambem a maneiro como essa reconstituição se havia do fazer.

Estou prompto a votar o emprestimo de 9:000 contos do réis, superior ou inferior, conformo as necessidades, que tenha por fim reconstituir a nossa marinha de guerra de uma maneira que eu julgue consentanea com as nossas forças e com a posição que temos no mundo como nação colonial, mus tratando-se d'essa reconstituição, é bom e util para o fim que se tem em vista, ouvir a opinião de todas as pessoas competentes.

Por este projecto faz-se exactamente o contrario. Nós não sabemos ainda bem o que queremos fazer, mas havemos de dar já o dinheiro para isso.

São 9:000 contos de reis como podiam ser 8, 4, 5 ou 20. Dão-se 9:000 contos de réis para se poder, porventura, inutilisal-os, se o fim que se tem em vista for mal executado.

O que era logico era fazer o plano da reconstituição da nossa marinha militar, estudando o sr. ministro, a illustre commissão de fazenda e depois a camara, como se haviam de arranjar os meios para essa reconstituição se conseguir, segundo o plano que se adoptou.

Seguiu-se, entretanto, a ordem inversa; primeiro votamos o que se ha de gastar, e depois é que se estuda como esse dinheiro se ha de applicar.

Eu voto contra o projecto, mas não quer isso dizer que me opponha á reconstituição da nossa marinha de guerra, que me recuse a examinar, como podesse e soubesse, o projecto da sua reconstituição, e que me recusasse a votar um emprestimo, maior ou menor, conforme me reconhecesse que era necessario.

Agora, segundo os factos de que temos noticias, o que vae succeder? Contrahe-se um emprestimo de 9:000 contos de réis, e suppondo que a situação cambial se conserva como estava ha pouco tempo, a 27, este emprestimo vae custar ao paiz uma annuidade de 641 ou 642 contos de réis em oiro; isto é, força-se o governo a ir ao mercado comprar oiro ou saque sobre Londres na importancia annual de 641 contos de reis, aggravando-se assim a nossa situação economica, para a qual nenhum remedio se aponta, e isto para occorrer a uma despeza com a marinha de guerra, com a qual teremos de gastar no primeiro anno, segundo a proposta do sr. ministro da marinha, 2:800 contos de reis.

Contrahe-se um emprestimo de 9:000 contos de réis, dispendendo-se no primeiro anno apenas 2:800 coutos de réis e ficam algures immobilisados 6:200 contos de réis em oiro, para os quaes a junta do credito publico e o governo olham com uma veneração e um respeito merecido por aquella massa de libras, que não produzem para o paiz absolutamente cousa nenhuma. Estamos como o avarento que accumula libras e valores no seu cofre forte só pelo prazer de as contemplar!

Não podemos gastar mais do 2:800 contos do réis no primeiro anno, mas vamos pedir 9:000 contos do réis. E para que? Para ter o restante á ordem da junta do credito publico. Não comprehendo.

Nós vamos augmentar as dificuldades cambiaes, contrahir um encargo em oiro de 641 contos de réis por anno, quando apenas precisamos no primeiro anno de 2:800 contos de réis, ou a terça parta do emprestimo que vamos contrahir. O resto fica á ordem da junta do credito publico.

É triste que isto se diga; é triste que isto se faça; é triste que um governo, e não me refiro agora ao actual, tão pouca confiança tenha na sua seriedade, que precise acobertar-se com a junta do credito publico para negocios de administração interna.

Eu comprehendo que se recorra aquella instituição para contentar estrangeiros que n'ella confiam, mas que para negocios de ordem interna só vá constituir a junta de cre-

Página 1217

SESSÃO N.° 64 DE 24 DE ABRIL DE 1896 1217

dito publico como tutora de um governo desconfiado de si proprio, é que eu não comprehendo.

O que faz a junta do credito publico a essa massa de oiro que lhe chove em cima? Deposita-a n'um estabelecimento de credito estrangeiro, recebendo os juros que esses estabelecimentos pagam a depositos mais ou menos longos? Grave responsabilidade porque, por melhor que seja o estabelecimento escolhido, nunca deixará de haver recaio de uma catastrophe.

Guarda-a, nos seus cofres, em Lisboa?

Grande perigo, sr. presidente, para as vesperas do pagamento do coupon, quando for necessario comprar letras sobre Londres ou comprar libras para pagar o coupon.

Manda á junta do credito publico esse dinheiro para o banco de Portugal? Peior, porque póde succeder tambem que algum ministro da fazenda, afflicto no dia em que tiver necessidade de adquirir oiro para pagar o coupon, tenha a tentação de lançar mão d'este dinheiro e ver o cambio decrescer extraordinariamente por este motivo.

Esta operação, portanto, parece-me tão anti-economica como aquella que está praticando o banco de Portugal tendo nos seus cofres, e no regimen da inconvertibilidade, 4:000 a 6:000 contos de réis em oiro que nada lhe rendem. Se houvesse a convertibilidade, decerto que era precisa não só aquella massa de oiro, mas uma massa muito maior; não a havendo, porém, parece-me que muito mais util seria ter consolidados inglezes ou outros titulos de primeira ordem, que por muito pouco que rendam, alguma cousa rendem, do que ter uma massa de oiro que de nada serve.

Eu julgo, alem d'isso, anti-economica uma operação que, na actual situação dos nossos cambios, obriga a ter guardada uma massa de capital que não têm juros.

Se esta camara votar este projecto, como provavelmente votará; se a outra camara o votar, como provavelmente tambem votará, e se El-Rei o sanccionar, como provavelmente sanccionará, o maior de todos os perigos, o peior de tudo, é, se por motivo, que o sr. Arrojo já esboçou, perante obstaculos de ordem diplomatica ou de ordem financeira, o governo se vir na triste situação de não poder emittir o emprestimo. Eu não fallo já no mal que virá para a reconstituição da marinha de guerra, porque adeus reconstituição da marinha de guerra se não houver dinheiro para a pagar, mas fallo do mal que sempre resulta para o credito de um paiz, quando tenciona emittir um emprestimo e se colloca em condições de não o poder emittir, ou de ter de o emittir em circumstancias desastrosas.

Lembro-me do formidavel cheque que deu no credito portuguez o desastre do emprestimo de 1890, que tambem era de 8:000 contos de réis, que foi condimentado e acompanhado por um relatorio de fazenda altamente imprudente, muito sincero, leal e consciencioso, mas que azedando ainda mais a situação pela publicação simultanea de decretos dictatoriaes que lá fóra não se comprehendiam, deu rebate á crise que desde 1889 se desenhava no horisonte.

Ha ainda outra causa peior, é que tentando o sr. ministro da fazenda, ou o governo, emittir agora este emprestimo dos 9:000 contos de réis, se a operação lhe falhar, nunca mais, durante longos annos, poderá fazer outra emissão de obrigação de tabacos.

Em tempo annunciou-se que d'ahi por diante iamos viver com a prata da casa; emprestimos nunca mais. Ora a prata da casa não chegava a um modesto talher, quanto mais para acudir ás necessidades crescentes da nossa marinha de guerra, do nosso exercito, pagamento dos coupons do estado e de grandes companhias e outras despesas que no estrangeiro tem de fazer-se. Tinhamos sempre em reserva, como penultimo cunhete de cartucho, as obrigações dos tabacos ainda disponiveis, o como ultimo cunhete as obrigações da companhia real, que estão na mão do governo. Se por dificuldades de origem diplomatica, por difficuldades provenientes de contratos em vigor, ou por dificuldades financeiras, o emprestimo dos tabacos falhar agora, tenha o governo e a camara a certeza de que, durante largos annos, não será possivel realisar esta emissão, e por conseguinte, a penultima reserva de emissão que tinhamos para casos apertados, perdemol-a, é como se não existisse. Arrastado assim este papel, que passava por ser dos melhores, creada a impossibilidade de collocal-o, não terá talvez melhor sorte a tentativa do vender obrigações da companhia real.

A este respeito preciso recordar que póde bem não haver reclamações diplomaticas, mas de outra ordem, provindo isso tudo do modo, não quero dizer irregular, porque não desejo offender pessoas ausentes, mas do modo absolutamente extraordinario, como foi emittido o emprestimo de 1891.

O programma d'este emprestimo publicado em Paris, assignado por bancos portuguezes e pelos principaes bancos da França e da Allemanha, continha clausulas que não estavam, nem na lei que foi votada em côrtes, nem no contrato celebrado entre o governo e a companhia dos tabacos, ou os syndicatos que a representavam. D'essa clausula redigida, talvez com demasiada mas muito transparente habilidade, resulta ter-se introduzido no contrato,- isto é importantissimo pelos estabelecimentos de credito que figuram na operação-o principio de que toda a renda que a companhia dos tabacos teria de pagar ao estado era de modo que sendo hoje o encargo do emprestimo, cambios comprehendidos, 3:300 coutos de réis, ainda n'este momento, par agarantia do primeiro emprestimo ha uma margem de 1:200 contos de réis, para a alteração dos cambios.

Annunciado este emprestimo, as obrigações dos tabacos, que estavam a 493, desceram para 482, segundo a ultima cotação, supponho eu.

E porque? Porque toda a gente fez o seguinte calculo.

Na situação actual:

(Leu.)

Emittido, porém, um novo emprestimo, deve notar-se que esse emprestimo ha de ser fatalmente mais oneroso que o outro; e para isso basta uma singela rasão, é que o periodo de amortisação já não é de trinta e cinco annos, como foi o do primeiro, pois sendo já decorridos cinco annos, se me não engano, o periodo de amortisação não é senão de trinta annos; a annuidade por conseguinte será muito maior.

Calculando a annuidade do actual emprestimo pela do antigo, devendo render este 9:000 contos de réis effectivos e tendo o antigo rendido 36:000 contos de réis, devem os encargos do actual representar a quarta parte dos do antigo, isto é, 831 contos de réis.

Ora, 831 contos de réis, juntos com 3:322 ou 3:323 contos de réis, que nos custa o actual emprestimo, dá ao todo 4:154 contos de réis, que para 4:500 contos de réis, dá uma margem de 346 contos de réis. Basta que a libra chegue a ter o premio de 1$800 réis, quer dizer, que o cambio desça para 40 por cento, para toda a renda do tabaco não ser sufficiente para pagar os dois emprestimos. Então o que acontece?

Acontece que ninguem ousará nas praças francesas ou allemãs, as mais adequadas para uma operação d'esta ordem, emittir o novo emprestimo dos tabacos senão com segunda hypotheca.

A terminologia não é muito agradavel ao ouvido, mas creio que é esta a phrase propria na terminologia financeira francesa e allemã.

Digo que então ninguem ousará emittir o novo emprestimo senão com segunda hypotheca, e sendo assim, em que situação ficará o governo portuguez, que por esta lei não póde consignar as novas obrigações senão o saldo disponivel do rendimento dos tabacos?

Página 1218

1218 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Evidentemente, o governo não póde cumprir a clausula do artigo 2.º do projecto, não póde dar a estas obrigações a mesma garantia do estado que deu ás primitivas, e terá reclamações, desgostos, dissabores, que desde já lhe antevejo Já fóra.

Por todas estas rasões disse, e repito, que para as obrigações da segunda hypotheca o prego da sua emissão não póde ser igual ao que fôra para a emissão de obrigações da primeira hypotheca.

Ora, estando hoje as obrigações da primeira hypotheca a 432 francos, é impossivel emittir outras, sem dar uma margem para o mercado, que será, por exemplo, de 8 francos. Dada essa margem, ficam 424 francos; mas ha ainda a juntar-lhe os despezas do emprestimo, que são absolutamente impreteriveis, taes como as despezas de guichet, as despezas de presse, que não existem entre nós, os impostos para o governo francez ou allemão e o lucro do contratador, o que dá, calculado pelo baixo, 24 ou 25 francos. Temos, por consequencia, 460 francos.

Quanto vale a differença da hypotheca não sei, mas o quo posso assegurar a s. exa. é que não vale pouco; de modo que s. exa. arrisca-se a ter este emprestimo de 9:000 contos de réis mais oneroso do que o de 80:000 contos de réis; em primeiro logar porque a annuidade ha de ser maior, e em segundo logar porque as obrigações emittidas a um preço menor hão de exigir maior numero para poderem produzir 9:000 contos de réis. Póde, portanto, acontecer que a margem entre a renda fatal dos tabacos e o encargo das obrigações não seja de 351 contos de réis, ou cousa parecida, que dá uma perda no cambio de 40 contos de réis, mas que sendo muito menor lhe dá uma perda de cambio um pouco acima do actual, e então a situação do governo ficará difficil perante os mercados estrangeiros e terá de tomar providencias extraordinarias, que o projecto não lhe dá, para acudir á situação.

Por muito grave que isto veja, o peior mal é se convertido este projecto em lei, ou seja por opposição da companhia dos tabacos, que póde não consentir que se emitta um emprestimo denominado dos tabacos, ou seja por opposição dos banqueiros francezes e allemães, que não consintam que se emitiam senão obrigações de segunda hypotheca, o peior mal será se, por difficuldades creadas pela alta banca francesa, pela companhia dos tabacos ou por dificuldades diplomaticas, o emprestimo falhar, não se possa fazer, porque esse desastre será maior que o de 1890 e quo o outro quando se pedia a cotação na bolsa de Paris e não se alcançava.

Não querendo tomar mais tempo á camara, e não exigindo que me respondam, porque eu o que quiz foi simplesmente explicar o meu voto, o que peço ao sr. ministro da fazenda é que pense nas consequencias que podem resultar do, convertido este projecto em lei, o emprestimo falhar.

Pense s. exa. n'isso, e veja depois se o perigo não será maior que as vantagens, e isto para a final se levantarem 2:HOO contos de réis, que é o que se precisa para a acquisição de navios de guerra no momento actual.

Diz-se que estão commissões a estudar navios e mais navios para prefazer a verba dos 9:000 contos de réis, mau em vão teremos muitos navios se não tivermos gente para os tripular. Onde estão os machinistas, os fogueiros, a marinhagem? Tudo isto é preciso crear-se, porque não existo, para uma despeza de 9:000 contos de réis em navios. Portanto, se para este anno não se precisa senão de 2:800 contos de réis, se póde haver um grande perigo no falhar do emprestimo, eu achava melhor que s. exa. pensasse n'outra qualquer operação, que lhe desse o dinheiro que precisa, sem se arriscar a um desastre, que póde ser a ultima fatalidade para o nosso credito.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - O projecto que discutimos representa evidentemente um pensamento que não é só financeiro, prende-se tambem com um plano de acção da parte do governo.

Eu ponho a questão na sua maxima clareza. Nós temos largas colonias, importantissimas para nós, temos por ellas, feito, como ainda ha pouco, os maximos sacrificios, mas não podemos ter colonias, sem ter navios de guerra (Apoiados.), e não podemos ter navios de guerra sem nos habilitarmos com os meios necessarios para os adquirir. Encontravamo-nos, por conseguinte, até á apresentação da proposta de lei, no maximo dos embaraços.

Estavamos collocados n'um dilemma que parecia inevitavel; de duas uma, ou haviamos de ficar na inacção em que temos estado, deixando arruinar-se por completo o resto do nosso material do guerra, porque arrumado já quasi elle estava, e isto não é um descredito que lanço sobre os nossos vasos do guerra, porque todos o sabem, ou haviamos, digo, de o deixar ficar n'esse estado de ruina até não termos absolutamente nada, e quando quizessemos defender uma colonia faltavam-nos completamente os meios de acção para sustentar sequer o decoro do nosso nome, e a integridade do nosso territorio, ou haviamos de, forçosamente, embora com sacrificios pesados, e com difficuldades de toda a ordem munirmo-nos dos meios indispensaveis para a acquisição dos navios de guerra que nos faltavam.

Dada, porém, a nossa situação financeira, que todos conhecem, quaes eram os meios de que podiamos dispor e onde buscal-os?

Tinhamos ainda, n'um regimen do divida reduzida, a facilidade de abrir as portos dos mercados estrangeiros para effectuar operações de credito que nos dessem 9 ou 10 mil contos de réis com que dotarmos a nossa marinha de guerra?

Se o tentassemos, fóra dos meios que proponho, é que poderia acontecer precisamente o que o sr. Marianno de Carvalho apontou, n cosa contingencia não queria nem devia, eu correr, dadas as responsabilidades que impendem sobre o meu cargo.

Na coallisão, portanto, apertada, de precisarmos navios de guerra e não os lermos, de precisarmos acudir á sustentação e defeza das nossas colonias e não podermos fazel-o, precisarmos levantar quantias importantes para restaurar a nossa marinha e não sabermos bem como, nem onde ir buscal-as, o governo, ao menos valha a verdade, praticou um acto de prudencia.

Estavam affectos ao banco de Portugal, em garantia do uma operação feita, 9:000 contos do réis de obrigações dos tabacos não emittidas, mas que para o effeito do penhor dado áquelle estabelecimento de credito, era como se o estivessem.
Simplesmente isso que representava uma das duas reservas em oiro que o illustre deputado o sr. Arroyo apontou como sendo as mais valiosos, estava preso, sem que nós podessemos servir-nos d'elles. O que fez o governo?

Primeiro, libertou essa caução, readquiriu a sua liberdade de emittir os 9:000 contos de réis complementares dos tabacos, fez um contrato com o banco de Portugal, á boa paz, em virtude do qual, sem desfalcar o banco, podia ficar com a livre faculdade de emittir os 9:000 contos de réis da lei de 1891.

Foi este o sen primeiro acto, e desde que podia desprender este penhor, entendeu, e a camara dirá se entendeu bem, que é verdade que n'uma reserva em oiro, n'uma occasião apertada e difficil como aquella em que temos vivido, só se deve tocar perante uma necessidade absolutamente imperiosa e absolutamente justificada, mas tambem comprehendeu uma cousa, e é que justamente as reservas servem para as occasiões difficeis e não para estarem permanentemente sem se lhes tocar. Isso é que faria lembrar a apreciação que uma vez eu ouvi no parlamento, que não deviamos explorar os nossas minas, porque depauperavamos as riquezas que existiam no solo. (Riso.)

Página 1219

SESSÃO N.º 64 DE 24 DE ABRIL DE 1896 1219

Comprehende-se bem que n'uma reserva em oiro, para um paiz que lucta com dificuldades, só se deve tocar por uma necessidade imperiosa, mas diga-me a camara se não é imperiosa a necessidade de restaurar a nossa marinha de guerra, e se não é perfeitamente justificado o procedimento do governo, primeiro libertando a caução e depois fructificando essa reserva, de sorte que a sua applicação a um fim immutavel se traduz em proveito effectivo para o paiz.

Posta a questão n'estes termos, vejamos as rasões apresentadas pelo illustre deputado.

Dizia s. exa. porque é que são 9:000 contos de réis e não são menos ou não são mais? Porque 9:000 contos de réis é exactamente a nossa reserva de oiro.

Esses 9:000 contos de réis são ide mais para a necessidade da restauração da nossa marinha? Ninguem o dirá!

É verdade que foi aqui apresentado pelo meu collega da marinha um projecto de lei pelo qual o governo pede autorisação para applicar á acquisição mais instante de navios de guerra 2:800 contos de réis, mas creio que a camara não imagina que nós possamos restaurar a nossa marinha de guerra com 2:800 contos de réis, que não duvida nem por um momento, que 9:000 contos de réis para nós podermos ter uma marinha que sirva as nossas necessidades mais urgentes, não é de mais.

Que fiz eu? Desde que tinha conseguido libertar uma reserva, em oiro, valiosa, entendi que devia aproveital-a para uma necessidade eminente, mas entendi tambem que devia cercar o uso da autorisação que peço a camara das maximas garantias, porque se achava justificado que o producto dos 9:000 contos de réis das obrigações dos tabacos fosse destinado á marinha de guerra, entendia que era um acto de previdencia evitar dispendel-o em qualquer outra urgencia do thesouro ou em qualquer outra despesa. Até isso, porém, me censurou ha pouco o sr. Marianno de Carvalhos que o quiz fazer valer como um acto de desconfiança do governo para comsigo mesmo.

Ora a mim parece-me pelo contrario que isso é um acto de completa previdencia, e mais ainda, uma garantia, não para o governo, mas para o paiz, de que estes 9:000 contos de réis, por isso que representavam uma reserva, em oiro, valiosissima e das poucas de que dispomos, não viriam a ser applicados a quaesquer despezas ou a quaesquer intuitos de saldar deficits ou desequilibrios entre a receita e despeza normal da nossa administração. Não, para isso não serve uma reserva como esta que vamos buscar. E justificado, perfeitamente justificado, que nós a empreguemos na reconstituição da marinha de guerra, mas não é que se empregue n'outra cousa, a não ser que a camara, que é soberana, o resolva.

O intuito do governo, francamente exposto, é que esses 9:000 contos de réis sejam para a restauração da nossa marinha e mais nada.

É por isso que proponho, que todo o producto do emprestimo constitua um fundo especial, em que o governo não toque, sendo exclusivamente applicado nos termos das autorisações legislativas, aos pagamentos a effectuar para a reconstituição da nossa marinha de guerra.

Parece-me que, quando se procede pela fórma que estou expondo á camara, tratando primeiro de obter uma reserva, em oiro, que nós não tinhamos e indicando-lhe uma applicação que seja util e perfeitamente justificada, tratando depois de a cercar de garantias, por fórma que não se lhe dê uma applicação diversa da que rasoavelmente deve ter e imperiosamente as circumstancias impõem, procede-se da maneira mais clara e franca, e ao mesmo tempo mais rigorosamente justa.

Mas, diz o illustre deputado o sr. Marianno de Carvalho. Nós corremos um risco, e é que, surgindo complicações diplomaticas ou de outra qualquer natureza, não poderemos realisar a emissão de obrigações dos tabacos, e assim ficâmos sem esta reserva em oiro, sendo bem de crer que atrás d'ella, a mesma sorte tenha a das obrigações dos caminhos de ferro. A minha resposta é muito simples.

Então estas reservas das obrigações dos tabacos e dos caminhos de ferro são destinadas a estar, permanentemente em cofre? Então, para o paiz, é como se não existissem.

O sr. Teixeira de Sousa: - Apoiado.

O Orador: - E se podessem surgir complicações ou difficuldades que impedissem a sua valorisação agora, mais tarde poderiam surgir da mesma maneira, porque se houvesse direito a reclamações fundadas, contra esta emissão, direito resultante de contratos ou de leis já existentes, esse direito tanto se poderia fazer valer agora como mais tarde.

Não é perdida a reserva pelo facto de agora se propor que ella seja applicada; seria perdida se por virtude de leis, contratos, ou actos precedentes esta reserva, que nós consideramos como existente, realmente não fosse por não haver direito a usar d'ella. E precisamente o que não se dá. Precisamente o que eu demonstro no meu relatorio é que o governo tem o direito de usar da faculdade da emissão d'estes 9:000 contos de réis complementares, desde que usando d'esta faculdade não vá prejudicar direitos adquiridos em interesses consagrados.

De fazer a emissão de obrigações dos tabacos na importancia de 9:000 contos de réis, sei que tenho pleno direito; sei que podia fazel-o, e nem a propria companhia dos tabacos veiu arguir o governo de não ter estedireito.

Podia ella formular quaesquer considerações, que viessem dos interesses que se ligam á emissão dos tabacos, que já se fez e de que ella tem a responsabilidade, mas contestar em absoluto ao governo o direito de usar da renda disponivel dos tabacos, que é o que eu proponho, e applical-o á consignação dos serviços de novas obrigações dos tabacos, a este direito ninguem póde fazer opposição, porque é absoluto e completo da parte do governo. A isto nem se oppõe a companhia, nem qualquer instituição interessada na primeira emissão dos tabacos.

Desde que o governo, no uso que fizer agora do direito da emissão dos 9:000 contos de réis complementares de obrigações dos tabacos, não prejudicar os direitos já estabelecidos na primeira emissão, ou os interesses já consagrados, e applique o rendimento livre da renda dos tabacos ao serviço d'estas novas obrigações, ninguem lh'o contesto, póde a camara votar confiadamente. (Apoiados.}

Agora pergunta-se: mas este rendimento tirado da renda dos tabacos é sufficiente para garantir o novo serviço das obrigações? Parece-me evidente.

Em quatro annos successivos, dos quaes o primeiro incompleto, porque foi de l de março de 1891 a 31 de março de 1892, a totalidade dos encargos das obrigações da primeira emissão foi no primeiro anno de 3:268 contos de réis, no segundo de 3:336 contos de réis, no terceiro de 3:297 contos de réis e no quarto foi de 3:323 contos de réis, comprehendendo tudo, juros, amortisações, cambios e commissões por completo.

A renda até l de abril de 1897 é de 4:400 contos de réis, de l de abril de 1897 até 31 de março de 1902 é de 4:450 contos de réis, d'ahi por diante até 1907 é de 4:500 contos de réis; por consequencia o periodo corrente estende-se só até l de abril em que a renda é augmentada com mais 50 contos de réis.

Hoje já temos no rendimento livre na renda dos tabacos um excedente de renda na importancia de 1:070 contos approximadamente e os encargos da emissão das novas obrigações dos tabacos representam 1:070 contos de réis? Posso dizer que não, porque se representasse, eu não faria a emissão.

O illustre deputado dizia ainda agora que nós corriamos um risco, era o de fazer uma emissão de obrigações novas que nos saíssem por um preço mais gravoso do que

Página 1220

1220 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

nos saíram as obrigações da primeira emissão. Eu sei que as circumstancias são differentes, porque emfim aquellas eram obrigações da primeira emissão e quando se annunciaram, annunciaram-se a coberto de toda a renda dos tabacos, parecendo, por consequencia que deviam merecer mais favor por parte dos tomadores, do que aquella que vou hoje annunciar, todavia, declaro positivamente á camara, que se não podér fazer esta emissão de novas obrigações dos tabacos por preço mais vantajoso do que aquella que se fez em 1891, não a faço. (Apoiados.)

É evidente que eu não posso calcular exactamente qual é o encargo que ha de resultar d'essa emissão, porque isso depende do preço que não posso saber agora, e pela mesma fórma clara e explicita declaro que embora tenha recebido algumas aberturas para a negociação d'este emprestimo, a quantos me tem procurado, a todos tenho declarado que tendo apresentado a proposta á camara, nem em negociações entro, absolutamente nenhum compromisso tomo, e reservo para, se o parlamento votar a auctorisação, dar-lhe cumprimento, escolhendo quem em mais vantajosas condições o faça. Não posso, como disse, calcular, nem dizer qual é o preço, mas é evidente que sendo a margem de 1:070 contos de réis, é de sobra para cobrir o serviço da emissão.

Feita a declaração que eu acabo do fazer á camara, vou agora referir-me ao ultimo ponto. Perguntava o illustre deputado para que são 9:000 contos de réis, se o projecto que esta pendente na camara é para 2:800 contos de réu. Respondo a s. exa. que é por uma rasão, é porque, como já disse, esses 2:800 contos de réis não representam, antes estão muito longe d'isso, a totalidade das despezas a fazer para a restauração da nossa marinha de guerra. Os 9:000 contos de réis não são de mais, podem ser de menos; e se eu annunciar em emprestimos separados, successivos, só de uns tantos contos de réis, o necessario para tambem successivamente occorrer ás despezas com a acquisição de novos navios, vou ter o mesmo grande inconveniente de successivamente se entender que cada emissão que eu faça, tem de hypotheca, como disse o sr. Marianno de Carvalho, aquella que se segue; de fórma que quando precisasse levantar os ultimos dinheiros dentro dos 9:000 contos de réis para occorrer aquellas despezas, seriam tão gravosas as condições que ou eu não poderia fazer a emissão das ultimas obrigações, ou se a fizesse seria em condições de tal maneira desastradas, que evidentemente viria a prejudicar o pensamento do governo ao apresentar esta proposta.

É necessario, portanto, comprehender bem que eu posso fazel-a em uma ou mais series e para isso poço auctorisação, mas essas series fazem parte do mesmo emprestimo que ha de ter nas suas obrigações as mesmas garantias, de fórma que as emissões das differentes series possam depender das circumstancias de momento no mercado, mas não do facto de se conceder a umas maior privilegio do que a outras, vindo a ser as ultimas ruinosas.

Creio que tenho procurado expor com inteira verdade a camara a rasão d'este projecto de lei, em resposta ao illustre deputado o sr. Marianno de Carvalho. Se algum; duvidas subsistirem ainda no espirito da camara, como não desejo que, em assumpto d'esta natureza, possam existir quaesquer duvidas, muito promptamente as esclarecerei e usarei novamente da palavra se tanto for preciso.

Vozes: - Muito bem.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Arroyo.

O sr. Dias Ferreira: - Oh! sr. presidente, eu tinha pedido a palavra sobre este assumpto.

O sr. Presidente: - Peço desculpa a v. exa., mas na mesa não se ouviu v. exa. pedir a palavra, se tivesse ouvido, teria sido inscripto. Peço desculpa ao sr. Arroyo, e dou a, palavra a v. exa.

O sr. Dias Ferreira: - Reconhece que ha necessidade de augmentar a marinha de guerra, mas não desconhece tambem que, sendo as obrigações dos tabacos a unica reserva quo temos para um caso afflictivo, não deveria ser alienada, deixando-nos completamente desprevenidos para occorrer a qualquer desposa importante que promptamente tenhamos de satisfazer, como será, por exemplo, a indemnisação pelo caminho de ferro de Lourenço Marques.

O sr. ministro da fazenda, porém, fez uma revelação curiosa. Disse s. exa. que se não se conseguisse collocar as obrigações dos tabacos em melhores condições do que as da emissão de 1891, não faria essa emissão. Ora, declarando s. exa. que a acquisição de navios de guerra é uma necessidade urgente, e ao mesmo tempo que dada aquella hypothese não se fará a emissão, é claro que dispõe de outros meios para a compra d'esses navios.

Sendo assim, para que vae esgotar a unica reserva de que dispunhamos?

Está prompto a votar os meios para a acquisição de material naval, desde que se apresente uma proposta á camara em que se especifique qual é o material que se pretende adquirir, e com a condição expressa de que ha de ser adquirido por concurso, mas nos termos em que o projecto está redigido, não lhe póde dar o seu voto.

(O discurso, a que este extracto se refere, terá publicado na integra quando s. exa. tenha revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, é de certo deficiencia minha. Eu ouvi o illustre deputado e ninguem falla com maior clareza, com mais larga copia de argumentos do que s. exa., todavia não o percebi.

O illustre deputado quer material de guerra, mas não quer emprestimo. Então com que o adquire? Com a prata da cana? Qual é ella?

Não nega os meios necessarios para a reconstituição da nossa marinha, quer dizer, reconhece que a reconstituição da nossa marinha é uma necessidade, mas não quer que se levantem emprestimos para fazer face a esta despeza. Ora, como eu não sei como se effectua uma despeza sem meios para a satisfazer, o que comprehendi é que s. exa. quer ficar bem com todos; com aquelles quo querem a reconstituição da marinha de guerra, dizendo-lhes que não nega os meios de que ella carece, n'uns dados casos, e com aquelles que entendem que não se devo contrahir o emprestimo, dizendo que contrahindo-se esse emprestimo, se vão crear 640 contos de réis de encargos, com que o paiz não póde.

De duas uma: ou se ha de ficar sem navios de guerra, ou se ha de levantar o emprestimo, porque não temos saldo, nem sobras da administração fazendaria, com que vamos satisfazer o encargo da compra dos navios de guerra.

Comprehendo que o illustre deputado se pronuncie de uma maneira clara, mas então precise os seus argumentos.

O illustre deputado póde levantar-se e dizer: «Não estamos em circunstancias de comprar navios de guerra». É uma opinião e póde discutir-se. Póde levantar-se e dizer: «Podemos compral-os sem contrahir um emprestimo sobre as obrigações dos tabacos». O illustre deputado declara que precisamos adquirir os navios que forem impreteriveis e não quer emprestimo. Affirma que temos outros meios e não diz quaes são esses meios. Assim não se póde discutir.

Esta é uma questão essencialmente pratica.

As nações coloniaes precisam de navios de guerra? Sim ou não. Temos esses navios? A resposta é clara, não temos.

É de absoluta e indeclinavel urgencia tel-os? Sim ou não. Se é, é evidente que temos de levantar os meios necessarios para esse fim.

O illustre deputado sabe muito bem, quo não é á nossa administração fazendaria interna e aos recursos ordinarios

Página 1221

SESSÃO N.º 64 DE 24 DE ABRIL DE 1896 1221

do thesouro, que podemos ir buscar os meios extraordinarios dom que occorrer ao pagamento dos navios de guerra, e n'esse caso ou não se não de comprar os navios, ou se hão de ir buscar os meios mais promptos e seguros, que são aquelles que apontei á camara.

Se o illustre deputado contrapuzer a este alvitre outro mais rasoavel, terá s. exa. rasão, mas emquanto disser que é necessario comprar os navios que forem impreteriveis, fazendo ao mesmo tempo aquella propaganda luminosa dos 640 contos de réis de encargo annual e da influencia que têem os preços dos cambios, não se percebe o argumento.

Eu sou mais claro e franco. Sei muito bem qual é a situação fazendaria do paiz. Nunca disse que ella fosse prospera, pelo contrario, disse sempre que estavamos em um periodo de lacte, que era necessario contarmos com uma administração severa e escrupulosa e prezo-me de a ter feito, mas não posso attender ás necessidades praticas, como a acquisição de navios, com palavras; não posso compral-os sem dinheiro.

De duas uma: ou se ha de gastar, ou não só ha de gastar. Sobre isto é que a camara tem de decidir. Se se quer navios, é preciso ter os meios para os adquirir.

Eu não fallo unicamente com palavras e phrases para terem effeito na opinião, sou franco. Aquelle que, como eu, tem as responsabilidades de um homem d'estado, tem de expor francamente ao parlamento aquillo que é util e pratico para os interesses do paiz.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas.}

O sr. Arroyo: - Serei muito breve, não usando largamente da palavra, em prorogação de sessão, porque sei que, em geral, as maiorias attribuem o defeito da prorogação das sessões aos oradores da opposição e não a si proprias.

Dito isto, vou referir-me a tres ou quatro pontos, que tantos foram aquelles que dentro do discurso pronunciado pelo sr. presidente do conselho, mais chamaram a minha attenção.

S. exa., durante os seus discursos, fallou insistente e ininterruptamente sobre a necessidade de adquirir navios de guerra, necessidade que eu não desconheço nem ninguem e á qual não tenho nada que oppor.

Ora o sr. ministro da marinha tinha vindo pedir 2:800 contos de réis para navios de guerra, e visto que se trata de gastar 2:800 contos de réis, o sr. ministro da fazenda tinha uma maneira mais facil de os obter do que por meio do projecto que estamos discutindo.

S. exa. tem hoje todas as obrigações dos tabacos absolutamente livres e alodiaes; se for ao banco de Portugal com essas obrigações, obtem facilmente os 2:800 contos de réis.

No discurso, porém, do sr. presidente do conselho, cuja tactica e habilidade parlamentar conheço ha muito, ouvi sempre como que um refrain, navios de guerra, marinha de guerra, marinha militar; até me pareceu que, durante um certo tempo, estas palavras, na voz de s. exa., era uma especie de tocsin. (Risos.)

Ora a causa de s. exa. fallar com tanta insistencia nos navios de guerra n'este momento, em que eu não vou dizer á camara porque se precisa d'estes 9:000 contos de réis, e não o vou dizer, porque comprehendo muito bem a responsabilidade da minha situação pessoal e politica e sobretudo os deveres que incumbem a todo o cidadão portuguez, muito especialmente aos que aqui estão, porque qualquer que seja a minha situação politica perante o governo, hei de respeitar sempre a minha situação pessoal e parlamentar; não vou, repito, dizer porque se precisa d'estes 9:000 contos de réis, mas quero contar um pequeno caso, ao sr. presidente do conselho, para lhe explicar o effeito que em mim produziu este tocsin da marinha de guerra.

Ha aqui alguns collegas meus que hão de estar lembrados do caso do arcebispo de Larissa, em 1888 ou 1889.

Havia um deputado d'esse tempo que por hm motivo qualquer que não vem agora para o caso contar, não desejava ser desagradavel á situação d'essa epocha, que era progressista. Esse deputado tinha um logar elevado na camara e como não podia conservar-se calado e ser ao mesmo tempo agradavel á situação, não tendo em quem bater, batia todos os dias no arcebispo de Larissa. (Riso.) Entrava todos os dias na camara, pedia a palavra e antes da ordem do dia e na ordem do dia, dava uma sova no arcebispo de Larissa. (Riso.)

Eu não digo para que são os 9:000 contos de réis, mas digo, repetindo as palavras do sr. presidente do conselho, são para constituir uma reserva para acudir a qualquer necessidade imperiosa e absolutamente urgente.

Os 9:000 contos de réis, acrescentava o sr. ministro da fazenda, não devem servir para estarem nos cofres da junta do credito publico sem vencerem juro.

Mas os 9:000 contos de réis hão de servir para alguma cousa, hão de servir mas é para constituir uma reserva a fim de acudir a qualquer necessidade imperiosa e urgente.

Dito isto, comprehendem v. exa. como a marinha de guerra, a marinha militar, as necessidades d'aquella para a defeza da colonia, tudo isso fôra o arcebispo de Larissa do sr. ministro da fazenda na questão pendente, e (Riso.) não digo o artificio que s. exa. empregou, com a exuberancia de meios parlamentares que todos nós conhecemos, admirando só uma cousa, a mutabilidade das concepções que s. exa. encontrava á volta do thema, naturalmente pouco encantador da marinha de guerra militar.

Dito isto, repito, pouco mais acrescentarei. S. exa. sobre a attitude da companhia dos tabacos na questão, não foi tão positivo e claro, como no caso do arcebispo de Larissa. O que, evidentemente, s. exa. teve todo o cuidado foi de, em primeiro logar, fallar muito pouco, o em segundologar dizer, que até ao momento actual, a companhia não tinha levantado opposição. Não era isso o que eu esperava.

Desejava que s. exa. podesse dar garantias mais solidas de que a execução d'este projecto não encontraria, relativamente a este ponto, dificuldades insuparaveis. Tome s. exa. as minhas observações simplesmente como um aviso e desejo de que s. exa., como chefe do governo portuguez, não encontre diante de si dificuldades e obstaculos de que redundem graves perigos para a nossa actual situação financeira, já de ai pouco agradavel.

S. exa., os meus illustres collegas, amigos pessoaes e aquelles que não o são, vêem como estou falando depressa para lhes ser agradavel.

Vou terminar remettendo para a mesa uma proposta que não encerra materia nova, mas unicamente a reproducção, sob a fórma de paragrapho, que eu desejava ver acrescentado ao projecto, de uma declaração feita por s. exa. no meio do seu discurso, e que me parece ter sido a unica cousa verdadeiramente pratica que resultará d'esta discussão, alem de todas as declarações feitas por s. exa., é claro, ácerca do arcebispo de Larissa. A proposta que mando para a mesa é a seguinte:

«O preço da emissão, comprehendendo as despezas usuaes, não será inferior ao do contrato de 1891.

«§ 2.° o § unico do projecto. =João Arroyo.

Eu digo, despezas usuaes comprehendendo corretagem, commissões, sellos, emfim todas aquellas questões ligadas ao emprestimo.

Nada mais digo, e creio que não abusei da paciencia da camara.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Teixeira de Vasconcellos (relator}: - Diz que tendo o sr. presidente do conselho declarado de uma maneira terminante que não faria a emissão das obrigações, quando as condições fossem peiores do que as da primeira emissão, não póde acceitar a proposta do illustre

Página 1222

1222 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

deputado, que representa uma desconfiança em relação á palavra do sr. ministro.

(O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.}

O sr. Marianno de Carvalho: - É para dizer unicamente uma cousa muito singela. Não sabia que a commissão da fazenda tinha já um certificado politico da maioria d'esta camara e do poder moderador do que havia de sor o actual sr. ministro da fazenda quem faria este emprestimo, porque se a declaração do sr. Hintze Ribeiro para mim vale de muito, se vale o mesmo que um paragrapho inserto na lei, nem ou, nem a commissão de fazenda, nem a camara, temos a certeza de que ha de ser o actual sr. ministro da fazenda que ha de realisar esto emprestimo, por conseguinte, aquella moção não significa, em nada, desconfiança do sr. ministro da fazenda, mas uma prevenção para o futuro.

Se vier um outro ministro da fazenda que emitta o emprestimo a 320 ou a 350, quer s. exa. correr com esta responsabilidade, quando se declara francamente que não se pensa, do modo nenhum, em duvidar da sua palavra honrada e, para mim, sagrada?

Parece-me que era um bom serviço que se fazia aos interesses do paiz acceitar-se essa proposta. E como gosto muito do arcebispo de Larissa, quero tambem ter o gosto de o ouvir officiar, porque s. exa. deve saber officiar muito bem.

Mando para a mesa um additamento ao artigo 2.°, apesar de não estar em discussão.

É o seguinte:

Additamento

§ unico. A junta do credito publico publicará mensalmente no Diario do governo uma nota da situação d'este fundo especial, indicando os valores ou especies metallicas de que se compita, e os cofres onde estão arrecadados. = Marianno de Carvalho.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas.)

A proporia foi admittida.

O sr. Teixeira de Vasconcellos (relator): - Pedi a palavra para declarar, por parte da commissão de fazenda, que acceito a emenda mandada para a mesa pelo sr. Marianno de Carvalho ao artigo 2.º

O sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripto, vae votar-se o artigo 1.°

É approvado o artigo, e rejeitada a proposta do sr. Arroyo.

Lê-se o artigo 2.°

O sr. Presidente: - Está em discussão.

O sr. Marianno de Carvalho: - Por descargo de consciencia ainda faço uma ultima tentativa.

Quando o sr. ministro da fazenda ha pouco se levantou, depois de eu ter acabado de fallar, imaginei que s. exa. ia pedir á commissão da fazenda e á camara que acceitasse a proposta do meu amigo o sr. Arroyo.

Creio que a camara faria muito bem acceitando-a, já porque ninguem tem a certeza de que seja o sr. ministro da fazenda actual que emitta o emprestimo, já porque se fizeram as declarações mais formaes de que n'aquella proposta não havia a mais leve sombra de desconfiança ou censura para com s. exa., e ainda porque a sua approvação se tornava vantajosissima para s. exa. E para o governo, podendo, em virtude d'ella, deffender-se das exigencias de todos quantos tenham de pezar sobre o governo no momento de se fazer o emprestimo.

Com aquella proposta ficava s. exa. e todo o governo defendido, mau com a rejeição d'ella os interessados hão de fazer demorar o emprestimo, quanto poderem, até que venha outro ministro que não esteja compromettido pela sua palavra e que faça o emprestimo em condições mais desfavoraveis para o paiz do que o de 1891.

Creio, por consequencia, que o sr. ministro da fazenda faria um bom serviço a si proprio, ao governo e ao paiz se acceitasse a emenda do sr. Arroyo, que, como já disse, não envolvia a mais leve desconfiança ou pensamento politico.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas.}

O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Pela minha parte estou firme no meu proposito de considerar desnecessaria a proposta do illustre deputado o sr. Arroyo.

A camara não votou essa proposta certamente por entender que a minha declaração teria o mesmo peso e o mesmo alcance do que ao fosse inserida no projecto de lei, e que o contrario poderia significar uma suspeição lançada sobre a minha affirmação.

Agora direi ao illustre deputado que posso responder por mim, e por mim respondo, estando convencido de que, feita a minha declaração perante a camara, o ministro que venha depois de mim a acata e respeita, e não fará aquillo que eu disse que não faria.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Marianno de Carvalho: - S. exa. por si responde, mas escusava do responder, porque desde que faz uma affirmativa nós acreditamos á sua affirmação; o respeito dos outros, porém, espera, mas não póde responder.

Eu digo que s. exa. a si mesmo se poupava maiores dificuldades acceitando esta proposta, porque assim não se livra de que os negociadores tratem do ganhar tempo com s. exa., á espera que venha um ministro da fazenda que não esteja preso por essa declaração, que não estando na lei o sabendo que as camaras a não fixaram, posso contratar n'outras condições.

S. exa. tem as declarações as mais explicitas feitas por mim e pelo sr. Arroyo, de que n'essa proposta não ha intuito nenhum politico, e que é no interesse de s. exa. e do paiz que se pede que a acceite, e se não quer por um capricho politico acceital-a, alguem de maioria que redija uma outra, que isso nos é indifferente, porque o que se quer é defender o ministro da fazenda contra as judiarias estrangeiros.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - A proposta já está rejeitada.

É approvado o artigo 2.º, rejeitada a proposta do sr. Ferreira de Almeida e approvada a do sr. Marianno de Carvalho.

Lê-se o artigo 3.º sendo logo approvado.

O sr. Presidente: - Participo á camara que a deputação que ha de apresentar a Sua Magestade El-Rei alguns decretos autographos, é composta dos srs.:

Aarão Ferreira de Lacerda.
Antonio Adriano do Costa.
Antonio de Almeida Coelho e Campos.
Antonio Hygino Salgado de Araujo.
Conde de Anadia.
Visconde do Banho.
Visconde do Ervedal da Beira.

Os srs. deputados que fazem parte d'esta deputação serão prevenidos, com o duvida antecipação, do dia e hora em que Sua Magestade se digna recebel-a.

O sr. Presidente do Conselho de Ministro (Hintze Ribeiro): - Peço a v. exa. Que a declaração que eu fiz a respeito do preço da emissão das obrigações dos tabacos, fique consignada na acta para todos os devidos effeitos, conforme a camara a ouviu.

(S. exa. Não reviu.)

O sr. Presidente: - Far-se-ha a declaração na acta.

O sr. Teixeira de Sousa: - Mando para a mesa a ultima redacção do projecto de lei que acaba de ser votado.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para a sessão de

Página 1223

SESSÃO N.º 64 DE 24 DE ABRIL DE 1896 1223

ámanhã é a continuação da que estava dada para hoje e mais os projectos n.°s 60, 66 e 67.

Está levantada a sessão.

Eram sete horas da tarde.

Documentos enviados para a mesa n'esta sessão

Representações

Dos empregados da direcção geral dos correios, pedindo que os quadros dos officiaes dos correios voltem n ser, para o serviço estranho á direcção, o preceituado nos artigos 39.° e 40.° da lei de 29 de junho de 1886.

Apresentada pelo sr. deputado Carlos Braga e enviada ás commissões de obras publicas e de fazenda.

Da ordem terceira de S. Francisco, da cidade do Braga, pedindo que seja modificado o projecto de lei n.° 3 sobre a decima de juros, por fórma que isente d'este imposto a referida corporação.

Apresentada pelo sr. presidente da cantara e enviada á commissão de fazenda.

Dos habitantes do logar da Gallega, comarca de Ancião, pedindo que, para os effeitos judiciaes e administrativos, fiquem fazendo parte do concelho e comarca de Penella.

Apresentada pelo sr. deputado Adolpho Guimarães e enviada á commissão de administração publica.

Dos habitantes do logar de Tamasinhos, do concelho e comarca de Ancião, pedindo que para os efeitos judiciaes e administrativos fiquem fazendo parte do concelho e comarca de Penella.

Apresentada pelo sr. deputado Adolpho Guimarães e enviada á commissão de obras publicas.

Dos diversos representantes das industrias metallurgicas nacionaes, contra a isenção de direitos pedidas pela «The Loanda Gaz company, limited» para todo o material que importassem do estrangeiro, necessario á installação da illuminação a gaz da cidade de Loanda.

Apresentada pelo sr. deputado Teixeira de Vasconcellos e enviada á commissão de fazenda.

Da companhia alliança fabril, fabricante de velas de illuminação, contra o tratado da Hollanda que reduz o direito geral da vela de 120 réis em kilogramma, para 90 réis nas velas estearinas importadas d'aquelle paiz.

Apresentada pelo sr. deputado Mello e Sousa e enviada á commissão de fazenda.

Da camara municipal do concelho de Guimarães, pedindo a Abolição do direito de portagem cobrado na ponte de Brito, sobre o rio Ave.

Apresentada pelo sr. presidente da camara e enviada á commissão de fazenda.

Justificações de faltas

Declaro que faltei ás duas ultimas sessões por motivo justificado. =0 deputado, Conde de Anadia, deputado por Vizeu.

Declaro que por motivo de doença não tenho podido assistir ás sessões d'esta camara. =O deputado, Diogo de Macedo.

Para a secretaria.

O redactor =Sá Nogueira.

Página 1224

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×