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N.º 64

SESSÃO DE 11 DE MAIO DE 1898

Presidencia do exmo. Sr. Manuel Affonso de Espregueira

Secretarios- os exmos. srs.

Frederico Alexandrino Garcia Ramires
Carlos Augusto Ferreira

SUMMARIO

Representação apresentada pelo sr. presidente.—Expediente. — Manda para a mesa um projecto de lei o ar. Poças Falcão. — Largas considerações do sr. Avellar Machado, em referencia a questão das farinhas e sobre o artigo de um jornal que allude a grandes roubos feitos á fazenda nacional. Respostas dos srs. ministros da fazenda e das obras publicas. — Parecer apresentado pelo Sr. Fialho Gomes. — Representação da associação commercial ao Porto, apresentada pelo sr. Montão. — Requerimento do sr. conde de Paço Vieira. — Declaração de voto do Sr. Vilhegas do Casal.

Na ordem do dia discute-se o artigo 2.º, capitulo l.º (addicional de 5 por cento) do projecto de lei n.º 54 (orçamento da receita). É combatido detidamente pelo sr. Teixeira de Vasconcellos e defendido, pelo sr. Alpoim Toma parte no debate o sr. Cabral Moncada, que apresenta uma moção, e fica com a palavra reservada.— Representações e justificação de faltas.

Abertura da sessão — Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada, 41 srs. deputado. São os seguintes:— Abel da Silva, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Maximo Lopes de Carvalho, Antonio Tavares Festas, Antonio Teixeira de Sousa. Arthur Pinto de Miranda Montenegro. Augusta José da Cunha, Bernardo Homem Machado, Carlos Augusto Ferreira, Carlos José de Oliveira, Conde da Serra de Tourega, Conde de Silves Eusebio David Nunes da Silva, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Maior, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Furtado de Mello, Francisco José Machado, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Manuel de Almeida, Frederico Alexandrino. Garcia Ramires, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida é Vasconcellos, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, João Abel da Silva Fonseca, Joaquim Hellodoro Veiga, Joaquim Ornellas de Matos, Joaquim Simões Ferreira, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José da Cruz Caldeira, José da Fonseca Abreu Castello Branco, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Fisher Berquó poças Falcão, Luiz José Dias, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Pinto de Almeida e Martinho Augusto da Cruz Tenreiro.

Entraram durante a sessão os srs.: — Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Alfredo Carlos Le-Cocq, Antonio Eduardo Villaça, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Arnaldo Novaes Guedes Rebello, Conde de Burnay, Com de de Paço Vieira, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Silveira Vianna, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Frederico Ressano Garcia, Guilherme Augusto Pereira de Carvalha de Abreu, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jacinto Candido da Silva, Jogo Joaquim Izidro dos Reis, João Lobo do Santiago Gouveia, João de Mello Pereira Sampaio, João Monteiro Vieira de Castro, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim José Pimenta Tello, José Adolpho de Mello e Sousa, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Capello Franco Frazão, José Dias Ferreira, José Eduardo Simões Baião, José Estevão de Moraes Sarmento, José Gil de Borja Macedo e Menezes (D.), José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim da Silva Amado, José Malheiro Reymão, José Maria Pereira de Lima, Leopoldo José de Oliveira Mourão, Manuel Telles de Vasconcellos e Sebastião de Sousa Dantas Baracho.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adriano Anthero de Mello Ribeiro Pinto, Alfredo Alvaro de Castellões, Anselmo de Reis, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto Cesar Claro da Ricca, Conde de Idanha a Nova, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Oliveira, Pereira Cabral Abreu e Lima, João Antonio de Sepulveda, João Baptista Ribeiro Coelho, João Catanho de Menezes, João Ferreira Franca Pinto Castello Branco, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Paes de Abranches, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, José de Abreu do Conto Amorim Novaes, José Benedicto de Almeida Pessanha, José Bento Ferreira de Almeida, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Luís Ferreira Freire, José Maria Barbosa de Magalhães, José Maria de Oliveira Matos, José Matinas Nunes, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Manuel Antonio Moreira Junior, Marianno Cyrillo de Carvalho, Sertorio do Monte Pereira, Visconde de Melicio e Visconde da Ribeira Brava.

Acta — Approvada.

O sr. Presidente: — Participo á camara que recebi uma representação da camara municipal de Setubal, contra o projecto de lei apresentado pelo sr. deputado Eusebio Nunes, que estabelece para o arroz partido, destinado á fabricação do amido, um direito muito inferior ao que paga o arroz inteiro.

Vae ser enviada á commissão de agricultura.

Vae por extracto no fim da sessão.

EXPEDIENTE

Officio

Do syndicato agricola de Evora, acompanhando uma representação assignada por muitos proprietarios ruraes do Alemtejo, contra o projecto de lei do fomento hydraulico agricola do sr. deputado Pereira Lima, na parte em que se estabelece o principio da expropriação por zonas como base financeira do projecto.

Foi enviado ás commissões de obras publicas, agricultura e fazenda.

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1184 DIARIO DOS SENHORES DEPUTADOS.

Segunda leitura

Projecto de lei

Artigo 1.° É auctorisado o governo a permittir que a junta de parochia da freguesia de Villa Mou, do concelho de Vianna do Castello, lance uma percentagem addicional as contribuições do estado até 50 por cento, sendo o produto destinado especialmente ao pagamento da quantia de 897$865 réis, que é devida ao empreiteiro que, em concurso, tomou a seu cargo a reconstrução da igreja parochial.

§ unico. Esta percentagem cessará logo que estiver satisfeito aquelle pagamento.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, 10 de maio de 1898. = O deputado, Luiz José Dias.

Foi admittido e enviado á commissão de administração publica.

Projecto de lei

Attendendo ao que representou a esta camara a junta de parochia da Freguezia de Villa Mou, do concelho de Vianna do Castello, e especialmente ao fim a que é destinada a percentagem sobre as contribuições geraes do estado que se pretende estabelecer, propomos o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É auctorisado o governo a permittir que a junta de parochia da freguesia de Villa Mou, do concelho de Vianna do Castello, lance uma percentagem addicional as contribuições do estado até 50 por cento, sendo o produto destinado especialmente ao pagamento da quantia de 897$865 réis, que é devida ao empreiteiro que, em concurso, tomou a seu cargo a reconstrução da igreja parochial.

§ unico. Esta percentagem cessará logo que estiver satisfeito aquelle pagamento.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, 10 de maio de 1898. = O deputado, Luiz José Dias.

Foi admittido e enviado á commissão de administração publica.

O sr. Poças Falcão: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei, que vou ler, dispensando-me o respectivo relatorio.

(Leu o projecto)

Ficou para segunda leitura.

O sr. Avellar Machado: — Referindo-se novamente á questão das farinhas o do preço do pão, propõe-se corresponder ao convite que, numa das sessões passadas, o sr. ministro das obras publicas fez á opposição, para que apresentasse qualquer alvitre que possa resolver o problema.

Não tem duvida em affirmar que o unico culpado de terem hoje as farinhas um preço tão elevado em Lisboa e s. exa., por falta de prudencia e de cautela, e por não ter tomado a tempo uma decisão.

No mez de fevereiro fez-se a chamada dos cereaes, mas no mercado não appareceu oferta alguma de trigo pelo preço da tabella em vigor, e já, anteriormente, por occasião de uma arrematação para a padaria militar, fôra insignificante a offerta que se fez.

O sr. ministro tinha, pois, todos os elementos para saber que não havia trigo, e que, portanto, só lhe restava marcar o guantum importar, e permittir a importação.

Demorou, porém, dois mezes a sua resolução, o que seria bom em teoria, mas que na pratica de nada serviu, porque, dentro em pouco, teve s. exa. de desistir do direito que tinha o resultando

Se o decreto houvesse sido publicado antes, ter-se-ía importado o trigo em melhores condições, e o preço das farinhas não teria subido.

Isto, porém, já não tem remedio, e por isso elle, orador, vae apresentar um alvitre com o qual lhe parece que, nos annos futuros, poderio evitar-se taes inconvenientes.

No mez de novembro já o governo deve ter elementos suficientes para conhecer qual a producção cerealifera do paiz, e sabendo que o consumo medio mensal de trigo é de 14 a 16 milhões de kilogrammas, póde desde logo determinar o numero de kilogrammas que e necessario importar.

Fazendo, portanto, a chamada de cereaes n´aquelle mez fixando o quantum a importar, e permittindo a importação, depois de comprado o trigo nacional, evitará Os inconvenientes que se deram este anno, sem prejudicar ninguem. Os moageiros ganham, porque podem comprar o trigo quando esteja mais barato; e os lavradores ganham tambem, porque têem quem lhes compre o seu,, pouco depois da colheita, e pelo preço da tabella.

Parece-lhe, portanto, que é acceitavel ate alvitre.

Em seguida, chama o orador a attenção do sr. ministra da fazenda para um artigo que leu num jornal da capital, sempre benevolo para com o governo, e que se diz inspirado por s. exa..

Nesse artigo allude-se a grandes roubos, feitos á fazenda nacional, em differentes pontos do paiz, principalmente em Lisboa, e diz-se que, se o ar. ministro da fazenda fizesse entrar nos cofres públicos o que n´elles devia entrar, talvez se dispensasse de propor o lançamento da addicional de 5 por cento.

Effectivamente, se s. exa. sabendo pela informação de um jornal tão considerado, que ha roubos, mandasse fazer syndicancias em differentes pontos do paiz, como mandou fazer em uma recebedoria de Lisboa, prestaria um serviço muito mais importante do que aquelle que faz negando-se a dar publicidade ao contrato relativo ás 72:000 obrigações dos caminhos de ferro, e impellindo a maioria a defender essa recusa.

E a proposito, diz o orador que, depois da declaração do sr. conde de Bnrnay, e depois do que se passou na sessão de hontem, s. exa., para honra do seu nome politico deve publicar aquelle contrato, que alias já passou por muitas mãos.

Hontem ainda chegou a suppor que o sr. ministro da fazenda trouxesse o contrato na sua pasta e o fizesse publicar, mas soffreu uma decepção ouvindo s.exa. insistir na negativa.

Conclue, fazendo um novo appello a s. exa. para que publique o contrato a que se refere, pondo-se termo á anciedade publica e extinguindo-se esta fonte perenne de suspeitas.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): — Começa, declarando que o governo não se limitou a mandar proceder a uma syndicancia na recebedoria do quarta bairro de Lisboa; ordenou tambem que se procedesse do mesmo modo nas recebedorias de todos os bairros da capital; e, como as recebedorias jogam com as repartições, de fazenda, tambem se estão syndicando estas repartições.

Quanto á responsabilidade do governo, acrescenta o orador, a syndicancia mostra já que os roubos são muito antigos; e se é certo, como disse em aparte o sr. Avellar Machado, que o governo transacto criou a inspecção permanente, tambem é incontestavel que elle se limitou a nomear os inspectores, sem organisar o respectivo serviço; e não é agora, evidentemente, a ocasião opportuna para se proceder a esse trabalho.

Deve ainda dizer ao ar. deputado que não inspira jornal algum, nem em Lisboa nem nas provincias. E tanto isto é assim que, sendo agora atacado por alguns jornaes, com

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respeito ao contrato sobre as obrigações do caminho de ferro, e havendo sido procurado por alguns cavalheiros que desejavam saber o que se havia de responder a esses jornaes, disse-lhes que bastava a accusação para estar defendido.

E, pelo que respeita á observação do sr. deputado, alusiva á defeza por parte da maioria, precisa dizer que se honra com ella e agradece-a, mas não a insinuou por forma alguma.

A maioria defende, porque acha justa a causa.

Occupando-se em seguida do contrato das 72:000 obrigações dos caminhos de ferro, mais uma vez declara que, não o tem publicado, por entender que da sua publicação podem resultar prejuízos para o estado.

Esta questão foi levantada na camara dos dignos pares pelo sr. Hintze Ribeiro, ministro da fazenda da situação transacta, que pediu ali copia authentica do contrato.

Respondeu então a s. exa. que não lh´a podia fornecer, não só porque a não tinha, mas porque, quando mesmo a tivesse, não julgava correcto publical-a sem audiencia do segundo outorgante, e acrescentou que, ainda que tivesse uma e outra cousa, não julgava conveniente, para os interesses do thesouro, a publicação d´aquelle documento.

Estas raspes, como a camara vê, não são contradictorias, como disse o sr. Mello e Sousa; pelo contrario, completam-se.

Deve ainda dizer, que na mesma occasião declarou ao . Hintze Ribeiro que punha á sua disposição, e á de qualquer digno par, a minuta do contrato, se a quizesse ver; 5 é evidente que esta declaração se estendia naturalmente aos membros da camara dos senhores deputados.

8. exa., porém, não insistiu mais na publicação do contrato, nem mesmo quiz ver a minuta, deixando-ao governo toda a responsabilidade, que seria liquidada opportunamente.

Considerava, portanto, a questão morta; mas ultimamente levantou-se, a esto respeito, entre dois jornaes, uma polemica violenta, que se repercutiu na camara, insistindo alguns srs. deputados pela publicação do contrato.

A todos respondeu que o governo considerava a publicação inconveniente para os interesses do thesouro; ao mesmo tempo, apontou precedentes, porque, ao contrario da affirmação de sr. Mello e Sousa, não é costume publicarem-se contratos de operações de thesouraria.

S. exa. querendo provar a verdade da sua asserção, disse que estes contratos são publicados nos relatorios dos actos do ministerio da fazenda, mas esqueceu que estes relatórios só se publicam com atrazo de tres e quatro annos, e, portanto, quando as operações de thesouraria já estão completamente findas. Alem de que, n´esses relatorios não se dá publicidade a todos os actos d´aquelle ministerio.

E quanto ao argumento de que só se comprehende a reserva da publicação de um contrato, quando haja de se fazer emissão de titulos, responde com o facto do ter o governo transacto entendido que não devia dar publicidade o contrato com o empreiteiro dos obras do porto de Lisboa, o qual não importava a emissão de obrigações.

Tendo assim respondido aos principaes argumentos que e apresentaram, deve agora dizer á camara que o governo continua convencido de que a publicação do contrato prejudica os interesses do thesouro; mas entendendo que para o credito do paiz, e para os seus mais vitaes interesses resultam maiores perigos do alastramento da campanha de suspeições que se tem levantado, quanto aos termos em que pode estar redigido aquelle documento, do que da sua publicação, não hesita em declarar que está resolvido a publical-o, deixando á opposição toda a responsabilidade d´este facto.

E para mostrar que era fundada a rasão que tem allegado, de que não podia publicar o contrato sem audiencia do segundo outorgante, expõe o seguinte:

Dirigiu hontem ao sr. Abilio Lobo, nosso agente financial em Londres o seguinte telegramma:

«Abilio Lobo portuguese gouvernmts financial agent — Londres.

«Pergunte a Anglo Foreign Banking se vê algum inconveniente na publicação do contrato de 30 de março, reclamada por vários membros do parlamento. Responda telegrapho — Ministro da fazenda.»

Hoje recebeu em primeiro logar o seguinte telegramma:

«Para Lisboa de Londres — Ministro da fazenda, Lisboa. — Recebi telegramma v. exa.; mandei corta. Anglo Foreign Banking, cuja resposta communicarei logo que obtida. = Lobo.»

Pouco depois recebeu outro telegramma, redigido nos seguintes termos:

«Para Lisboa de Londres. — Ministro da fazenda, Lisboa. — Gerente Anglo Foreign Banking disse ao portador minha carta precisar consultar participantes no contrato, para responder á carta, resposta que não demorará mus de dois dias. = Lobo.»

Parece-lhe que estes telegrammas provam bem que elle, orador, tinha rasão quando dizia que não julgava correcto publicar o contrato sem autorisação da outra parte contratante, não bastando para isso a declaração feita na camara por um sr. deputado.

Termina o orador, afirmando que vae agora empenhar todos os esforços para que a resposta que pediu, venha com toda a brevidade, de modo que a publicação se faça antes de se encerrarem os trabalhos parlamentares.

No entretanto, para socegar os animos dos srs. deputados da minoria, que quizerem examinar o contrato, para verem se ha n’elle alguma condição vergonhosa, põe esse documento á sua disposição.

(O discurso será publicado na integra se s. exa. o restituir.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (Augusto José da Cunha): — Pedi a palavra para responder ás observações, feitas pelo illustre deputado o sr. Avellar Machado, a respeito da questão das farinhas.

Do que s. exa. expoz conclue-se que o governo é o culpado pela carastia do pão, porque não procedeu com o devido cuidado e com toda prudencia.

São culpas estas, com que eu posso muito bem; porque vejo que os governos de nações mais adiantadas e mais ricas do que a nossa, têem incorrido nas mesmas culpas. A França só ha poucos dias supprimiu os direitos sobre os cereaes. Na Italia e na Hespanha tem havido gravissimas desordens por causa do preço do pão.

Mas o culpado do preço do pão ter encarecido em Lisboa é o governo! Os governos de França, da Hespanha, da Italia e da Inglaterra, esses são tambem os culpados, quando ali succede o mesmo!

Mas, o illustre deputado teve uma idéa salvadora. De hoje por diante, se eu a pozer em execução, nunca mais haverá carestia de pão. Basta para isso que se faça a chamada do trigo exotico no principio do anno cerealifero e que se calcule a quantidade de trigo que se deve importar!

Mas que triste idéa, permitit-me o illustre deputado que lhe diga, faz s. exa. das leis economicas!

Pois s. exa. imagina que se tivesse importado o trigo exotico, ha sete ou oito mezes, em quantidade sufficiente, não subiria hoje do mesmo modo o preço? Pois imagina o illustre deputado que a classe dos moageiros, se tivesse

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1186 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

importado trigo por um preço mais baixo, não se aproveitaria hoje das circumstancias para o elevar? Que ingenuidade! (Apoiados.}

O sr. Avellar Machado: — Quando mais não conseguisse, ficavam no paiz 1:000 ou 1:500 contos de réis em oiro, pelo menos.

O Orador: — Se o preço do trigo exotico tivesse baixado nos mercados estrangeiros e eu tivesse, por conseguinte, podido lançar um imposto mais elevado não me accusaria o illustre deputado de eu ter tambem defraudado o thesouro? De sorte que o governo devia, no entender de s. exa., adivinhar se o preço do trigo teria de subir ou descer!

Supponha s. exa. que, ha seis mezes, se tinham aberto os portos ao trigo exotico e que d´esse tempo para cá tinha baixado o preço do trigo estrangeiro e tinha subido o cambio; é facil de ver o que succederia. Pelo contrario, tendo reservado para agora a abertura dos portos, temos occasião de cobrar um imposto mais elevado.

Quanto á verba que o paiz tem de pagar (e teria de pagar muito menos, se o preço tivesse diminuido) por se terem abertos os portos, quando o trigo estava mais caro, direi que o governo não tem culpa de, por diversos acontecimentos, se haver elevado o preço do trigo estrangeiro; como disso não tiveram culpa tambem os governos francez, inglez, italiano e hespanhol.

E levantemos as mãos ao céu por se ter mantido em Lisboa o mesmo preço do pão, emquanto que em paizes mais ricos, em pauses mais civilisados, em que ha governos que pensam, segundo o carecer do illustre deputado, se está a braços com gravíssimas dificuldades n´esta questão que ainda não poderam ser vencidas. (Apoiados.)

Tenho dito.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Fialho Gomes — Mando para a mesa o parecer da commissão de agricultura, concordando com o da de fazenda, para que na pauta dos direitos de importação seja incluido mais um artigo com o n.° 81-A, fixando em 70 por cento ad valorem o direito de importação do arroz partido e residuos de limpeza de arroz, unicamente empregaveis como materia prima para o fabrico do amido.

A imprimir com urgencia.

O sr. Leopoldo de Moura: — Mando para a mesa uma representação da associação commercial do Porto, pedindo modificações nas propostas de fazenda apresentadas na sessão de 12 de março.

Vae por extracto no fim da sessão.

O sr. Conde de Paço Vieira: — Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, sejam enviados a esta camara, com toda a urgencia, os seguintes documentos, que já requer em sessão de 19 de julho de 1897 e ainda me não foram enviados, e dos quaesquer preciso para poder interpellar o governo sobre o contrabando do milho nos Açores:

1.º Copia do officio n.º 24 dirigido ao director da alfandega da Horta, pelo chefe fiscal Antonio Gualberto de Sousa Brajal, de 22 de agosto de 1881;

2.º Copia de toda a correspondencia dirigida pelo chefe fiscal da Horta, José de Serpa Miranda, em novembro de 1894, á direcção geral das alfandegas;

3.º Copia do officio n.° 16, de 30 de maio de 1897, e dirigido pelo commandante da guarda fiscal da Horta á 2.ª repartição da administração geral das alfandegas e contribuições indirectas;

4.° Copia dos telegrammas enviados ao director da alfandega da Horta em março de 1897, pela 3.ª repartição da direcção geral das alfandegas. = O deputado, Conde de Paçô Vieira.

Mandou-se expedir.

O sr. Vilhegas do Casal: - Mando para a mesa uma justificação de faltas e a seguinte

Declaração de voto

Declaro que teria approvado a moção apresentada pelo sr. deputado José de Alpoim na sessão de 2 de maio, só estivesse presente. = O deputado por Mangualde, Vilhegas do Casal.

A justificação voe a pag. 1189.

ORDEM DO DIA

Discussão do artigo 2.º, capitulo 1.º do projecto de lei n. 54 (orçamento da receita)

O sr. Teixeira de Vasconcellos: — Antes de entrar no assumpto que está dado para ordem do dia, precisa referir-se ás explicações e declarações que o sr. ministro da fazenda julgou dever apresentar á camara sobre a questão da publicação do contrato, feito sobre o penhor das 72:000 obrigações.

S. exa. disse que não tinha duvida em fazer a publicação; mas devia ir mais longe; devia afiançar que publicaria não só o contrato, que é uma operação simples e que ninguém ignora como se faz, mas ainda todos os documentos que são annexos a esse contrato e dos quaes elle deriva

S. exa. lançou sobre a opposição a responsabilidade dos inconvenientes da publicação, mas elle, orador, não comprehende que inconvenientes ou perigos possam resultar para a vida economica, financeira, moral ou política do paiz, da publicação, na integra, do contrato e de todos os documentos que se lhe referem.

E dito isto, vae agora occupar-se do exame do artigo 2.° do projecto que se discute.

Trata-se de mais um addicional, quer dizer, de mais um expediente mesquicho com que se vão sobrecarregar enormemente as desigualdades do nosso regimen tributario.

Um illustre deputado da maioria fez-lhe a fineza de relembrar a opinião, expendida por elle, orador, quando se discutiu o addicional de 6 por cento em 1890.

Acha um pessimo processo político o de se citarem precedentes. Tirar argumentos dos precedentes equivalle a privar todos da auctoridade de fallar perante o paiz. Deseja, por isso, ver afastado da camara similhante processo politico.

De resto, não podo haver comparação alguma entre as circumstancias do paiz em 1890 e as que se dão actualmente.

Em 1890 não havia a accumulação dos expedientes que transformaram o systema tributario n´uma das maiores monstrosidades tributarias e que não existe em paiz algum.

Alem d´isto, em 1890, não estava o agio do oiro a 77 por cento e o preço das subsistencias não tinha crescido tão exageradamente como agora. Não, póde, portanto, como já disse, haver confronto algum entre 1890 e a epocha actual.

Tem-se dito na camara, sem contestação, que o thesouro está pobre, mas que o paiz está rico! É assombroso que alguem pronuncie esta phrase, sem se preoccupar com o facto de terem sido reduzidos os juros da divida externa a dois terços, e sem ter em consideração que Portugal é, entre as nações da Europa, a que está mais, atrazada na viação ferrea e ordinaria, na instrucção primaria e em todos os progressos e elementos de prosperidade, apesar de ser a segunda na capitação tributaria.

Lastima que o sr. ministro da fazenda não empregasse o seu enorme talento, a sua alta capacidade e energia notavel em remodelar, como prometteu no seu relatorio, o regimen tributario, operando uma transformação radical o

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absoluta no nosso systema de imposto, que está em contradicção flagrante com os principio» de justiça e de equidade, pois no paiz os que pagam mais são exactamente aqueles que não podem pagar, e os que podem, pagar não pagam que devem.

O sr. ministro da fazenda, não tentando arcar com as difficuldades da realisação de um plano de grande alcance financeiro, contribuiu assim para a profunda descrença que lavra em todos homens publicos do paiz.

Analysa, em seguida, o orador as notas estatisticas alfandegarias para provar que a nossa balança economica está desequilibrada, ao contrario do que se affirmou na camara.

Vê-se por essas notas que, com excepção do vinho e cortiça, que nos deixam saldo positivo, nós importamos todos os outros produtos agricolas, como trigo, milho, cevada, fava, batata e até centeio.

É preciso, pois, conclue o orador, attentar profundamente na nossa situação economica; é preciso observar a vida miseravel que o paia arrasta e que póde ser origem de uma revolta, para que não se vá aggravar mais essa situação com o barbaro addicional de 5 por cento sobre as contribuições.

(O discurso será publicada na integra, quando s. exa. o restituir)

O sr. Alpoim: — Admira-se de que seja o sr. Teixeira de Vasconcellos quem abra o debate a respeito do addicional de 5 por cento, por isso que foi s. exa. quem mais apaixonadamente defendeu em 1890 o lançamento do addicional de 6 por cento, apresentando ao mesmo tempo uma moção, em que se revela o mais extraordinario faciosismo.

Considera s. exa. mau processo politico a invocação precedentes, e deseja que esse processo seja afastado.

Comprehende a rasão do seu desejo. É que s. exa. não quer que se estabeleça confronto entre o proceder de hontem e o de hoje; não quer que se relembre que até houve um membro da maioria parlamentar, em 1890, que considerou o addicional de 6 por cento o mais defensável processo de administração financeira!

D´este modo o partido regenerador, quando é poder, considera os lançamentos de addictonaes como titulos de gloria, mas na opposição julga-os como os mais nefastos e miseraveis processos de administrar!

O addicional que se propõe é, no entender da minoria, um crime; mas a verdade é que este addicional é de 5 por cento e por um anno, emquanto que o proposto em 1890 pelo partido regenerador era de 6 por cento e permanente, havendo, portanto, grande diferença entre um e outro.

Nota que, sendo hoje o primeiro dia em que se discute um projecto que a opposição considera prejudicial para o paiz, as galerias estejam pouco concorridas, e a opinião publica se mostre indifferente, como demonstra o facto de existirem na mesa unicamente tres representações contra elle, emquanto que, em 1890, as representações contra o addicional, proposto n´essa epocha, eram innumeras.

Referindo-se, em seguida, o orador, a alguns dos argumentos do sr. Teixeira de Vasconcellos, expõe diversas considerações, mostrando que não são procedentes.

Por ultimo, declarando que conhece bem as dificuldades que assoberbam os trabalhadores do campo, entende, todavia, que ellas não os impedem de fazer mais um sacrificio, exigido pelas necessidades actuaes.

E a proposito, e para terminar, lê á camara um trecho do relatorio de fazenda do sr. Oliveira Martins.

(O discurso será publicado na integra, se s. exa. o restituir.}

O sr. Moncada: — Sr. presidente, obedecendo ás prescripções do regimento, passo a ler a minha moção. É a seguinte:

«A camara, sentindo, que a illustre ministro da fazenda recorra ao addicional, continua na ordem do dia. = Cabral Moncada.»

Sr. presidente, para estranhar é talvez que, tendo eu pedido a palavra sem a declaração de que a pedia sobre a ordem, poucos instantes depois modificasse a forma do meu pedido, substituindo-o por este ultimo que adoptei; mas, sr. presidente, facilmente se explica este meu proceder. Inspiraram-no as palavras que, ha instantes, ouvi proferir ao illustre deputado e distinctissimo parlamentar a quem tenho a honra de responder, palavras que foram as seguintes:

«Sentimos, dizia s. exa., que o sr. ministro da fazenda, tenha de recorrer a similhantes expedientes.»

Sob este ponto de vista o meu sentimento está em intima conformidade com o sentimento que o sr. José de Alpoim denunciou n´esta curta phrase que tive o prazer de lhe ouvir, e devo dizer a v. exa. que mal estas palavras lhe afloraram aos labios, desde logo formulei a minha moção nos termos que acabo de ter a honra de ler.

Parece-me, sr. presidente, que não podia facilmente encontrar nem melhor companheiro para associar ao meu, sentimento por ver o paiz onerado com um novo addicional, ou em risco de o ser, nem melhor formula para o exprimir a v. exa. e á camara do que a que me foi fornecida pelo proprio estylo do distincto parlamentar que me antecedeu, e cujos dotes superiores de talento todos sinceramente admiramos. (Apoiados.)

Sr. presidente, ouvi o illustre deputado, sr. José de Alpoim, inebriado na musica deleitosissima da sua brilhantissima palavra.

S. exa. foi de uma eloquencia verdadeiramente arrebatadora, especialmente quando nos fez a brilhante descripção da sua querida província, outr’ora risonha, florescente e prospera, mas onde actualmente se não encontra senão a devastação, a ruina e a morte, pelo que respeita á natureza, e nos lares a miseria e a fome, em concorrencia, com o desespero e o desalento, que residem nos corações.

Estou inteiramente de accordo com o illustre deputado. O Douro foi o que s. exa. tão enthusiasticamente nos disse; o Douro é actualmente como s. exa. tão amarguradamente nol-o descreveu.

Mas, sr. presidente — estranha incoherencia a dos nossos mais brilhantes homens da politica! ao passo que o illustre deputado, a quem tenho a honra de responder, assim deplorava, na elevação suprema do seu estylo, a desgraça e o infortunio que se apoderaram da sua queridissima provincia, que está longe de ser a unica no pais onde á pobreza impera, substituindo-se á riqueza de outros tempos, com enorme surpreza para o meu espirito, que o não comprehende, via eu, cheio de assombro, que s. exa. em vez de pedir para os povos miseraveis da sua região um allivio de impostos, como seria de esperar, fundado na miseria, concluía pedindo ao parlamento e recommendando ao governo esse odioso addcional de 5 por cento, contra o qual lá fora protesta todo o paiz, mas contra o qual n´esta camara vejo que apenas se insurge a minoria. (Apoiados.)

Singular incoherencia a dos nossos politicos! Estranha logica aquella que lhes domina os espiritos!

O paiz está miseravel; reconhecem-no com o coração constrangido de dor, e apregoam-no em phrases de uma eloquencia extraordinariamente emocionante. Pois bem, remedio para tanta miseria, arrancar-lhe a pelle se ainda a tiver.

Naturalmente se o seu Douro e todo o paiz nadasse num mar de prosperidades, e só o thesouro publico estivesse á beira da ruina, o illustre deputado, o sr. Alpoim, unanimar-se-ia em reacção contra o addicional, e na eloquencia da sua phrase, e na incoherencia da sua lógica, rediria á maioria que o engeitasse e ao governo que o riscasse do seu plano.

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1188 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Seria assombroso, mas era tão assombroso como o que nós estamos vendo. (Apoiados.)

«Palavras, palavras, palavras», dizia ha dias um illustre deputado desse lado da camara, o sr. Barbosa Vieira, defendendo o projecto da conversão. Consinta-me v. exa. que eu agora, parodiando este illustre deputado, o que é menos do que imitar o genial auctor do Hamlet, brade: «dinheiro, dinheiro, dinheiro! fechando na triangulação que estas palavras marcam a expressão ultima e essencial de todo o plano d´este governo, que, entrando no poder para levantar o paiz da sua situação, que já não era boa, teve a rara habilidade de a converter de má em pessima.

Dizia o illustre deputado que o mal vinha de longe, vem, sr. presidente, mas força é reconhecer que se aggravou e recrudesceu com a má administração, com a errada administração deste governo, administração que ficará asigualada na nossa historia como um dos maiores flagellos que se tem imposto a este bom povo, que resignado sofre e tolera, com uma paciencia que ultrapassa os limites, todos os damnos que a incuria, o desleixo e incapacidade Administrativa dos seus governantes lhe estão causando. {Apoiados.)

E todavia, sr. presidente, o povo é soberano, na formula da constituição e na phrase dos políticos; mas triste soberania a sua !

Definiu-a bem um dos nossos mais talentosos poetas contemporaneos, quando escreveu estes bellos alexandrinos:

E o povo... o povo é rei! É rei, como Jesus,
Para beber o fel, para morrer na cruz.

Lisonjeiam-no, deplorando-o: mas exploram-no, arrancando-lhe a ultima migalha!

E para que, sr. presidente? Para melhorarem a situação do paiz? Evidentemente não, porque este addcional, que é um dedal de agua quando posto em confronto com o mar vasto das muitas despezas e dos esmagadores encargos da divida publica, é todavia uma violencia imposta aos contribuintes, ao paiz, sem exclusão dos pobres, porque o limite de isenção é sómente até 1$000 réis de imposto.

Para que é, pois? Sómente para acudir provisoriamente a algum novo rombo da nau do estado, e assim lhe assegurarem mais uns dias de navegação com a sua tripulação a bordo. (Apoiados.)

E o egoismo, dissimulado pela hipocrisia, que os move.

«Onmis homo mendax», diz a Biblia. E é na politica, sobretudo na politica, que os homens mais se encarregam de demonstrar a triste verdade que aquellas palavras encerram.

Ainda ha instantes, o illustre deputado, o sr. Alpoim, meu conhecido e amigo velho, desde os tempos de Coimbra, cujo caracter por isso conheço e tenho na mais elevada conta, nos dizia, ao começar o seu discurso, que afastaria do debate tudo o que fosse do caracter puramente politico; que cuidadosamente se absteria de azedar a discussão com velhos processos de retaliação politica, que na actual conjunctura, mais do que nunca, reprova: e todavia, sr. presidente, o que é que nós presenceamos durante todo o decorrer da sua brilhante oração? O desdobrar de uma violenta diatribe contra a administração dos seus antagonistas politicos, fulminada numa intensa violencia de phrase, onde aliás os primores da sua educação nada sofreram, mas onde nem por isso o seu azedume politico contra os seus adversarios deixou de vivamente transparecer.

Escutando-o, dizia eu commigo: boas promessas têem elles, mas compril-as ahi é que está o difficil.

(Riso}.

E depois, que singular preoccupação tambem o de alguns dos homens da nossa politica, quando imaginam que a maneira mais efficaz de defender os seus erros, ou os dos seus amigos, consiste em descobril-os iguaes ou parecidos nos seus censores!

Mostrar o que nisto ha de absurdo e até de inconveniente parece-me dispensavel: limitar-me-hei, pois, e por agora, a deplorar que a taes processos, cujo unico enfeito é o desconceito crescente sempre dos nossos politicos e das nossas instituições, não soubesse ser superior quem, na elevação das suas qualidades, tão facilmente acharia maneira tão outra de conduzir o debate.

Estranhou muito o illustre deputado, que defendesse o addicional o sr. Teixeira de Vasconcellos, que vivamente defendera o de 1890. A intelligencia d´este meu amigo e distincto orador, e a sua pratica parlamentar que faz que já não haja artificies que o colham de surpreza, deixou lhe prever este golpe contra o qual s. exa. soube prevenir-se com pericia de superior esgrimista. (Apoiados.)

Apesar d´isso, porém, apesar do argumento estar previsto e antecipadamente rebatido, não deixou de vir. Era um effeito rhetorico a tirar e a opportunidade não podia perder-se. O argumento estava antecipadamente desfeito, completamente annullado, no confronto brilhantissimo que o illustre deputado e meu correligionario politico, o sr. Vasconcellos, fizera em commovedora eloquencia (Apoiados.}entre a quadra de 1890 e a presente, justificando assim a sua these de que os processos hoje deviam ser outros, e que expedientes reputados bons noutros tempos, deviam ser postos do banda actualmente como peiores do que é sufficiente para serem desastrados e prejudiciaes. Pois bem, apezar de tudo, como já disse, o tal argumento veiu. Não produziu enfeito, é certo; mas o formulal-o era empregar palavras, e fallar póde ter a apparencia de defender o addicional e o governo que o propoz, e cuja escassez de idéas e plano, e cujo erro é preciso dissimular em grande copia do discursos congestionados do phrases e de louvores, phrases que nada exprimem, louvores que antes deprimem do que engrandecem, pelo muito que são immerecidos. (Apoiados.)

O sr. presidente, se isto fosse maneira de argumentar, então perguntaria eu tambem ao illustre deputado como é que comprehende que o seu partido, que em 1890 tanto impugnou o recurso ao addicional, seja quem, nas presentes circumstancias, tão miseraveis e tão afflictivas, venha propol-o, renunciando assim o seu programma de out´rora. Se isto fosse maneira de argumentar, então perguntaria eu ao illustre deputado qual foi a sua propria attitude em 1890 a respeito do seu partido e do addicional que então se propoz e votou. Discordou o illustre deputado da condacta então seguida pelos seus correligionários, e apartando-se d´ellos votou o addicional? Não consta; não venha pois s. exa. agora arguir incoherencias que não existem, ou, se existem, nada exprimem, porque incoherencias reprehensiveis só conheço as que se dão entre a consciencia o a palavra ou os actos (Apoiados}; e discuta, se quer e póde, o addicional que se propõe sob o ponto de vista da economia e do interesse publico, cuja melhoria deve ser a unica preoccupação de parlamentos e governos, se elles querem ter direito ás bênçãos d´este paiz. (Apoiados.}

Contraponha argumentos a argumentos, factos a factos, dados a conclusões a conclusões, e usando do seu talento, mostre-nos, se podo, que o paiz está em condições de supportar novos aggravamentos de impostos sem o risco de morrer de fome, e que este addicional é a salvação publica, e eu declaro desde já a v. exa. que se me convencer ficarei com a alma contente, e, se o governo carecer cara a defeza do seu plano de mais uma voz, aqui está a minha (Apoiados) escassa em recursos, mas inspirada na sinceridade, para o applaudir e defender.

Não tinha a honra de ser deputado em 1890, e só muito depois d´isso, em 1896, me coube pela primeira vez a distincção de vir á camara. Não assisti, pois, á primeira das sessões a que me referi, e por isso não posso testemunhar sobre o que em 1890 se passou na camara. Snpponhamos,

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SESSÃO N.º 64 DE 11 DE MAIO DE 1898 1189

porém, que realmente o sr. Vasconcellos em 1890 defendeu addicional; que concluir? São hoje os tempos os mesmos? Não nos mostra a historia de todos os povos que medidas de grande opportunidade em determinadas epochas são verdadeiramente impossiveis e perigosas noutras? (Apoiados.)

Será o sr. Alpoim refractario á comprehensão de que o espirito humano é frequentes vezes levado, na sequencia logica do seu progresso, a renunciar e substituir por outras idéas e normas que antes se lhe afiguravam supremas?
(Apoiados)

Porque não havia o sr. Teixeira de Vasconcellos de mudar e corrigir no presente opiniões que n´outros tempos defendera e diffundira?

Pois então os que entrarem na politica hão de ficar amarrados a opinião que tiverem emittido no primeiro dia em que aqui vierem enunciar o seu pensamento?

Não conheço erro mais estupendo do que tal affirma que, se fosse verdadeira, seria o desmentido de todo progresso humano!

Diz o povo: «Só não reconsidera quem não considera»; diziam os latinos: «Sapientis est mutare consilium»;(Riso.) e finalmente ainda ha pouco, um notavel publicista francez escrevia n´um dos seus melhores livros esta profundissima verdade; L´homme absurde est celui qui ne chonge jamais» e todavia, sr. presidente, é ao sr. Alpoim, espirito tão superior ao vulgar, que nós ouvimos a estranha, a singular theoria, que aliás a sua propria vida lhe desmentirá um dia, de que não é licito a ninguem variar de opinião, e que emittida uma vez a nossa idéa sobre um assumpto é nosso dever, embora com violencia para a consciência, sustental-a eternamente!

Na sequencia natural d´esta sua logica, o sr. Alpoim fez-nos a historia de uma moção, cuja redacção attribuiu ao sr. Teixeira de Vasconcellos. Suppondo que esta maneira de argumentar é legitima vou seguir-lhe o exemplo, e assim passarei a ler n´um numero do Diario das sessões que n´este momento me estão mostrando, a moção que em 1890, o actual digno par, o sr. Eduardo José Coelho, enviou para a mesa quando discutiu o addicional.

(Leu.)

Tivesse-a eu lido mais cedo e esta seria o modelo da que tive a honra de mandar para a pesa. Ha n´ella uma phrase que falta na minha e que teria na hypothese excepcional opportunidade. É a usada quando se lamenta a imprevidencia governativa, facto de que nunca nenhum governo nos deu mostras como o actual. (Apoiados.) Tivesse-a eu lido a tempo, sr. presidente, e a minha moção seria assim:

«A camara, deplorando a maneira como o governo tem descurado os interesses d´este paiz e que pela sua imprevidencia govermativa tenha de recorrer á violencia d´esta medida tão iníqua e tão revoltante, passa ou continúa na ordem do dia.»

Eu não tenho os recursos prestigiosos da palavra de que o sr. Alpoim dispõe, nem o prestigio enorme que lhe vem dê um nome feito num largo tirocinio parlamentar; tenho, portanto, de procurar por outra forma compensações para as minhas falhas. Que fazer? S. exa. leu uma moção só, que invocou para mostrar contradicções n´este lado da camara; ora eu já li uma e agora vou ler outra. É talvez mais expressiva do que a primeira e recommenda-se especialmente porque o seu auctor está presente, e supponho que persiste na sua idéa. É a seguinte:

«A camara considerando que o governo não tem feito economias se prove e justifique a necessidade de lançar esse addicional de 6 por cento sobre toda contribuições do estado, e attendendo a que ao contrario tem aggravado e inutilmente....»

O sr. Teixeira de Sousa: — É o caso presente.

O Orador: — E sim... Chega a parecer que esta moção foi feita na previsão do momento em que actualmente nos encontramos. (Apoiados.)

Sr. presidente, está quasi a dar a hora. A minha saude anda consideravelmente avariada, e com absoluta verdade confesso que me sinto extremamente fatigado. Se, pois, v. exa. quizesse que eu ficasse a dever-lhe uma alta fineza, que me atrevo a esperar da sua muita bondade e cortezia, eu pedir-lhe-ia que me deixasse ficar com a palavra reservada para a proxima sessão, visto ter ainda muito que dizer sobre o assumpto no qual se póde dizer que ainda não entrei, permittindo-me e a todos que noa fossemos embora.

Falta um minuto, creio eu, para dar a hora. O que posso dizer não me vale a pena de proseguir.

O sr. Presidente: — Sim, senhor.

O Orador: — Muito agradecido a v. exa.

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado.)

(S. exA. não reviu.)

O sr. Presidente: - Ámanhã á noite haverá sessão. A ordem da noite é a continuação da que estava dada o mais o projecto n.° 46.

Está encerrada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Documentos enviados para a mesa n´esta sessão

Representações

De muitos proprietarios ruraes do Alemtejo, contra o projecto de lei do fomento hydraulico-agricola do sr. deputado Pereira de Lima, na parte em que se estabelece o principio da expropriação por zonas como base financeira do projecto.

Remettida em officio, enviada ás commissões de obras publicas, de agricultura e de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

Da camara municipal de Setubal, contra o projecto de lei apresentado pelo sr. deputado Euzebio Nunes, que estabelece para o arroz partido, destinado á fabricação do amido, um direito muito inferior ao que paga o arroz, inteiro.

Apresentada pelo sr. presidente da camara, Manuel Affonso de Espregueira, e enviada á commissão de agricultura

Da associação commercial do Porto, pedindo modificação nas propostas de fazenda apresentadas na sessão de 12 de março ultimo.

Apresentada pelo sr. deputado Leopoldo Mourão, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

Justificação de faltas

Declaro que deixei de estar presente a bastantes sessões por motivo justificado superior á minha vontade. = O deputado por Mangualde, Vilhegas da Casal

Para a secretaria.

O redator = Lopes Vieira.

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