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N.° 64

SESSÃO DE 25 DE ABRIL DE 1902

Presidencia do Exmo. Sr. Matheus Teixeira de Azeredo

Secretarios-os exmos. Srs.

Amandio Eduardo da Moita Veiga
José Joaquim Mendes Leal

SUMMARIO

Lida e approvada a acta, deu-se conta de 2 telegramas, relativos ao caminho de ferro de Mirandella a Bragança, e teve segunda leitura, sendo admittido, um projecto do Sr. Abel Andrade sobre uma pensão a D. Carolina Collaço. - O Sr. Clemente Pinto discursa sobre a Liga Nacional, respondendo o Sr. Presidente do Conselho (Hintze Ribeiro). - O Sr. Ministro das Obras Publicas (Manuel Vargas) apresenta tres propostas de lei - Vários Srs. Deputados apresentam projectos e podam esclarecimentos á mesa.

Na ordem do dia (continuação da discussão do projecto de lei n.° 67, autorizando o Governo á conversão da divida) falam, successivamente, os Srs. Manuel Affonso de Espregueira, Ministro da Fazenda (Mattozo Santos), Presidente do Conselho, Ressano Garcia e João Arroyo.

Abertura da sessão - Ás 11 horas e 20 minutos da manhã.

Presentes - 58 Senhores Deputados.

São os seguintes: - Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto Botelho, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Cesar Brandão, Álvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Alvaro de Sousa Rego, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Belard da Fonseca, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Sergio da Silva e Castro, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Belchior José Machado, Carlos Alberto Soares Cardoso, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Domingos Eusebio da Fonseca, Eduardo Burnay, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Fernando Mattozo Santos, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco José Machado, Francisco José Patrício, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Frederico Ressano Garcia, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, Hypacio Frederico do Brion, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Marcelino Arroyo, João de Sousa Tavares, Joaquim Pereira Jardim, José Antonio Ferro de Madureira Beça, José Caetano Rebello, José Coelho da Motta Prego, José da Cunha Lima, José Joaquim Dias Gallas, José Joaquim Mendes Leal, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Simões, Julio Augusto Petra Vianna, Julio Ernesto de Lima Duque, Julio Maria do Andrade e Sousa, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz Filipe de Castro (D.), Luiz José Dias, Luiz de Mello Correia Pereira Medelia, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Francisco de Vargas, Manuel Joaquim Fratel, Marianno José da Silva Prezado, Marquez de Reriz, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Matheus Teixeira de Azevedo e Rodolpho Augusto de Sequeira.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Agostinho Lúcio e Silva, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio de Almeida Dias, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Centeno, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José Boavida, Antonio Maria de Carvalho Almeida
Serra, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Augusto José da Cunha, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Carlos de Almeida Pessanha, Carlos Augusto Ferreira, Carlos Malheiro Dias,
Conde de Castro Solla, e Conde de Paço- Vieira, Conde de Penha Garcia, Custodio Miguel de Borja, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José de Medeiros, Francisco Roberto de Araújo de Magalhães Barres, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Guilherme Augusto Santa
Rita, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique Matheus dos Santos, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alfredo de Faria, João Augusto Pereira, João Ferreira fraveiro Lopes de Oliveira, João Joaquim André de Freitas, João Monteiro Vieira de Castro, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Antonio de Sant´Anna, Joa-quim Faustino de Poças Leitão, José Adolpho de Mello e Sousa, José Caetano de Sousa e Lacerda, José Dias Ferreira, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nunes, José de Mattos Sobral Cid, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Homem de Mello dá Camara, Mario Augusto de Miranda
Monteiro, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Paulo de Barros Pinto Osorio, Rodrigo Affonso Pequito, Visconde de Reguengo (Jorge) e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Affonso Xavier Lopes Vieira, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alipio Albano Camello, Amadeu Augusto Pinto da Silva, António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Joaquim Ferreira Margarido, Antonio Roque da Silveira, Antonio Tavares Festos, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Cesar da Rocha Lonza, Augusto Fuschini, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Filipe Leite de Barros e Moura, Frederico dos Santos Martins, Ignacio José Franco, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, José da Gama Lobo Lamare, José Nicolau Raposo Botelho, Manuel de Sousa Avides, Marianno Cyrillo de Carvalho e Visconde de Mangualde.

Approvada,

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

EXPEDIENTE

Telegrammas

Bragança, 24 de abril de 1902. - Presidente da Camara, dos Senhores Deputados da Nação. - Lisboa. - Camara Municipal de Bragança reitera seu pedido, insistindo que em sessão legislativa do actual anno seja approvada a adjudicação do contrato de construcção de Caminho de Ferro de Mirandella a Bragança já acceito pelo Governo. É um acto de reconhecida justiça que vimos implorando; porque com este deferimento se resolve a crise agricola e economica que atravessa esta região. Protelar por mais um anno esta solução será o mesmo que abaudoná-la.

Ou povos d'aqui esperam dos seus representantes em Côrtes um acto que ou recommendará á posteridade como benomeritos seus e de seus rfilhes; não cansaremos até conseguir dos poderes publicos a regeneração economica que sem a viação accclerada jamais se alcançará. = Presidencia, sebastião dos Reis Macias.

Enviado á commissão de obras publicas.

Exmos Presidente, Camara, Pares e Deputados. - Lisboa. - Povo brigantino reunido em comicio de numero superior a 4:000 pessoas, vem pedir V. Exa. sua viliosa interessão para que seja approvado nesta sessão legislativa contrato de adjudicação de Caminho de Ferro de Mirandella a Bragança. = A commissão, José Marcelino Sé Vargas = Antonio Gonçalves Braga = Eduardo Faria = Francisco Felgueira = A. de Sousa Pinto = Abel de Azevedo =Ignacio Teixeira = Rodrigues Paula = João Dias = João José Alves = Manoel José Rodrigues = Francisco Joaquim Martins - Candido Teixeira = Aníbal Augusto Franco.

Para, a commissão de Obras publicas.

Segunda leitura

Projecto de lei

Senhores. - Victima de impaludismo adquirido por uma longa permanencia tanto na África Oriental, como na Occidental, faleceu em Luanda aos 17 de setembro de 1960, no exercicio do cargo de secretario geral do governo da província de Angola, o bacharel Joaquim de Almeida da Cunha, deixando nas mais precarias circunstancias, completamente exhausta de quaesquer recursos, a sua desolada viuva, D. Carolina Eduardo Colaço da Cunha.

Da larga folha de serviços d'este illustre morto consta ter elle servido no ultramar cêrca de 20 annos, visto que a sua primeira nomeação para secretario geral do governo da provincia de Moçambique data de l6 de agosto de 1880, de onde em dezembro de 1884 foi transferido, um identico logar, para Angola, tendo igualmente servido em commissão o cargo de consul de Portugal em Zanzibar desde agosto de 1885 até março de 188o, em que retomou o seu antigo posto de secretario geral da província de Angola.

No exercício de todos entes cargos illustrou Almeida da Cunha sempre o seu nome, prescindo ao pais serviços importantes, como foram: a publicação de uma memoria sobre a medicina dos, cafres na província de Moçambique, destinada á exposição colonial-medica de Amesterdam; a organização da bibliotheca e museu da cidade de Moçambique; a publicação de um estudo etnografico sobre os usos e costumes dos indigenas da África Oriental; e a do annuario estatistico de Angola, serviços pelos quaes mereceu dos poderes publicos, alem de varias portarias de louvor, o ser agraciado tambem com a medalha de ouro de serviços distinctos no ultramar,
por decreto de 28 de dezembro de 1899.

Reconhecido evidentemente o seu merito, de um modo succinto fica exposto e se baseia em documentos officiaes, é certo que nos deve a nação esquecer as viuvas d'aquelles que com tanto zêlo e dedicação a serviram, deixando-as quasi na situação dolorosa de terem de estender a mão á caridade publica, como acontece com a viuva do bacharel Almeida da Cunha; e por isso tenho a honra, consado nos vossos sentimentos de rectidão e de justiça, de submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo l.º É concedida a D. Carolina Eduardo Collaço da Cunha, viuva do bacharel Joaquim de Almeida da Cunha, a pensão annual de 600$000 réis.

Art. 2.° Esta pensão é vitalicia, mas cessará se a viuva passar a segundas nupcias.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, 21 de abril de l902. = Abel Andrade.

Fui admittido e enviado á commissão de fazenda.

O Sr. Presidente: - Devia dar a palavra ao Sr. Deputado Oliveira Mattos para realizar o seu aviso previo ao Sr. Ministro das Obras Publicas, mas como S. Exa. não está presente dou a palavra ao Sr. Clemente Pinto, que a pediu para antes da ordem do dia.

O Sr. Clemente Pinto - Diz que no congresso dos nucleos da Liga Nacional contra a tuberculose, fôra unanimemente approvado um voto em que Se exprimia o desejo de que o Governo dirigisse a sua attenção para a hygiene da primeira infancia, pela promoção de uma lei salvadora nos moldes da lei Roussel.

É no cumprimento d'esse voto que apresenta uma representação d'aquella liga em que se pede a protecção da primeira infancia.

O assunto é de grande importancia e tem merecido as attenções de todos os países. No nosso existe promulgada uma lei sobre expostos, crianças abandonadas e desvalidas, mas não só essa lei não basta como tambem nem sequer é rigorosamente applicada.

Não ha estatisticas completas e só agora comeram a ser organizadas pela repartição de saude e Benuchcencia, mas o que, o professor Ricardo Jorge, apurou para as duas grandes cidades, Lisboa e Porto, é bastante para um juizo sobre o assunto, revelando que a mortalidade até 1 anno de idade é de 226,3 por 1000, o que é uma mortalidade assustadora, attentando em que a população d'aquellas cidades se pode computar em 600:000 almas, o que representa um avultado sacrificio de vidas.

Mas não fica por aqui a mortalidade infantil. Essa mortalidade, que é subida nos dois grandes centros populosos, é tambeém consideravel nas provincias, onde ficam immumeras crianças a ser amamnetadas por ama mercenarias que veem para as cidade aleitar outras crianças.

Impõe-se portanto uma lei de protecção á primeira infancia, nos moldes da lei Roussel, que tão excedentes resultados deu na França. Por essa lei ficam as crianças sob a vigilancia das autoridade administrativas e technicas. O prefeito e um comité de oito membros exercem essa fiscalização, nomeado commissão locaes e medicos versados na especialidade.

Todos os trabalhos se concentram num comité superior que existe no Ministerio do Interior que annualmente publica um relatorio, indica novas providencias e propõe recompensas honorificas. Ao lado d'estas recompensas dispõem-se sancções pennes.

Tal é a organização da lei Roussel que tão bons resultados produzem. Não queria uma lei perfeitamente igual, nas uma lei que, moldada sobre aquella, possa dar protecção efficaz á primeira infancia. E assim quer, porque julga que nem sempre se pode fazer applicação servil das leis estrangeiras; o que pode fazer se com efficacia é uma

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adaptação ao nosso meio. O que muitas vezes faz fallir algumas leis é precisamente a copia servil que d'ellas se faz.

A necessidade d'essa lei impõe se, portanto, tanto mais que reputa a protecção da primeira infancia como uma das formas mais praticas de atacar o problema da luta contra a tuberculose, em que felizmente todos se veem empenhando desde os mais humildes até á excelsa Rainha, que tão superiormente comprehende o exercicio do seu alto cargo e em que tanto se pode apreciar a lhaneza do seu trato com os primores do seu coração.

É sem duvida assim que se lutará efficazmente contra a tuberculose, porque é pela amamentação insufficiente e pela alimentação precoce e mal dirimiria que se cria em grande parto a fraqueza que predispõe para a tuberculose, a doença do enfraquecimento organico e da miseria.

É por esta forma que se poupam vidas e se não desperdiçam actividades, realização esta em que se empenham todos os países que vão na vanguarda da civilização.

Para este ponto chama a attenção do Governo, para o assunto chama a attenção de todos os portugueses, porque em questões d'esta natureza não basta a promulgação das leis, é necessario o consitamento de todos os esforços para que as leis frutifiquem e se tornem efficazes.

Aproveita o ensejo para renovar a iniciativa do projecto de lei n.° 35-A, de 1900, estabelece a preferencia no provimento dos locares de facultativos municipaes para os medicos mais velhos, quando tenham cumprido zelosamente os seus deveres profissionaes.

É um acto de justiça porque os medicos municipaes que tanto sacrificam as suas commodidades, e até a sua vida, em beneficio dos povos, bem merecem garantias que de qualquer sorte lhe compensem os seus esforços e sacrificios.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. o restituir).

O projecto ficou para segunda leitura e a representação vae por extracto no fim da sessão.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Hintze Ribeiro): - Pedi a palavra para dizer ao illustre Deputado, cujas considerações foram escutadas pela Camara com vivo enthusiasmo (Apoiados) e que se occupou de um assunto que faz honra aos seus sentimentos e á sua dedicação pela causa publica, que ellas foram apreciadas pelo Governo; assim como tambem neste momento quero registar uma breve resposta aos Srs. André de Freitas e Petra Vianna que se occuparam de assuntos dos Açores.

Eu, como filho dos Açores, secundarei os louvaveis esforços que S. Exas. teem empregado nesta Camara, a fim de que os melhoramentos se tornem numa realidade.

(S. Exa não reviu).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Manuel Francisco de Vargas): - Mando para a mesa tres propostas de lei, que passo a ler:

«1.ª Autorizando o Governo, a applicar a quantia equivalente a 5 por cento das receitas designadas no artigo 11.° da organização dos serviços de contabilidade dos telegraphos e correios, approvado por decreto de 30 de dezembro de 1901, para o pagamento dos vencimentos do exercicio dos empregados telegrapho-postaes.

2.ª Autorizando o Governo a criar camaras de agricultura em differentes pontos do país.

3.ª Autorizando o Governo a legislar em Portugal o serviço do contencioso de obras publicas».

As propostas foram enviadas: a primeira commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda; a segunda, á commissão de agricultura; e a, terceira á commissão de obras publicas, e todas a publicar no Diario do Governo.

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia.

Os Srs. Deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa podem tazê-lo.

O Sr. João Augusto Pereira: - Pergunto a V. Exa. se já vieram os documentos que pedi pelo Ministerio do Reino.

O Sr. Fialho Gomes: - Peço a V. Exa. que me diga se já chegaram os documentos que pedi pelo Ministerio da Fazenda.

O Sr. Luiz José Dias: - Pergunto a V. Exa. se já chegaram os documentos que pedi pelo Ministerio da Fazenda.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Peço a V. Exa. que me diga se já chegaram os documentos que pedi ha tres meses.

O Sr. Presidente: - Ainda não chegaram esses documentos.

O Sr. Fialho Gomes: - Isto não é uma desconsideração para nós, é uma desconsideração para o Parlamento! Nós pedimos os documentos, e os documentos não são enviados.

Isto não é serio! (Apoiados da esquerda).

O Sr. Marianno Prezado: - Apresento um projecto de lei autorizando o Governo a dispensar a contribuição de registo, por effeito dos contratos de emphyteuse, das 208 courelas, de 1 hectare cada uma, em que se acha dividida a herdade de Taura, sita na freguesia de S. Miguel de Machede, no concelho de Evora.

Ficou, para segunda leitura.

O Sr. Motta Prego: - Mando para a mesa um projecto de lei, assignado por mais dez Deputados, relativo á desannexação da freguesia de Fermeta, da comarca de Albergaria a Velha, para ser reunida á comarca de Estarreja, a que sempre pertenceu.

Esta providencia legislativa justifica-se pela necessidade de attender ás reclamações, interesses e commodidades dos povos d'aquella freguesia.

foiçou para segunda leitura.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 67 que autoriza o Governo a converter a actual divida publica externa

O Sr. Manuel Affonso Espergueira (sobre a ordem): - Antes de começar vou ler a minha moção:

«A Camara dos Senhores Deputados, julgando mais conveniente aos interesses publicos que o projecto em discussão seja substituido pelo texto do acordo já acceito pelos representantes dos credores estrangeiros, como é notorio, a fim de que fiquem bem definidas e claramente fixadas, por deliberação das Côrtes, as obrigações que o país vae assumir perante o estrangeiro, evitando-se que por má interpretação d'esta lei possam ser ainda aggravados os encargos do Thesouro e o Governo tome compromissos que venham prejudicar o nosso futuro, continua na ordem do dia.. = Manuel Affonso de Espregueira».

Não é uma moção de desconfiança politica a que eu apresento á Camara, nem a minha intenção era trazer para este debate a nota politica, nem fazer de uma questão d'esta ordem uma questão de interesse partidario. (Apoiados).

Declaro, porem, que é uma moção de absoluta desconfiança na administração do Governo (Apoiados), desconfiança que para mim já era mais que provada, pelos actos que este Governo tem praticado, mas que hoje para a Camara e para o país inteiramente se justifica, pelo que hontem aqui ouvimos. (Apoiados).

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Eu entendia que o Parlamento devia determinar na lei todos os pormenores e detalhes do acordo, e fixar os encargos que o país vae assumir, em logar de se conceder uma autorização, como a que se propõe, visto que tão mau resultado tem dado este systema nas mãos do actual Governo.

Eu entendia que o Parlamento devia conhecer com a maior precisão tudo aquillo a que vae obrigar o país.

O que se passou hontem aqui mais me arreigou no espirito a convicção de que será funesta para nós todos uma autorizarão tão ampla como a que o Governo solicita do Parlamento; porque maiores encargos e obrigações provirão para o Thesouro Nacional do que aquelles que se pode presumir resultarão em vista dos termos da lei. É a experiencia do passado que nos deve guiar neste assumpto, e o espectaculo que hontem aqui presenciamos não augmentou a confiança, no Governo, nem nos dá garantias para o futuro. (Apoiados).

Vão já passadas cêrca de dezaseis horas sobre os factos que hontem presenciámos, e confesso á Camara que sinto ainda, uma viva o profunda impressão, ao
recordá-los, tão extraordinarios elles foram. (Apoiados).

Nunca, nas nossas assembleias politicas, quando mais accesas eram as lutas partidarias, quando mais acrimoniosa era a discussão, se viu acto semelhante a esse. (Apoiados).

Quando a vehemencia das paixões politicas poderia até certo ponto desculpar o que hontem presenciou a Camara, nem mesmo nessa occasião se deram factos iguaes ou semelhantes. (Apoiados).

Quando á luta armada se seguiam as aggressões pessoaes, e as accusações que podiam ferir a honra e a dignidade dos homens publicos, nem mesmo nessa occasião se praticou um acto como aquelle a que hontem assistimos. (Apoiados).

Essas accusações mal saiam do ambito d'esta casa e não chegavam á fronteira.

Hontem viu, porem, a Camara que o illustre leader da maioria não duvidou trazer para o Parlamento um documento d'aquella natureza, lendo-o na lingua francesa, que é a lingua universal, para que o seu conhecimento não se limitasse ao nosso meio e passasse para o estrangeiro. (Apoiados).

S. Exa. nem sequer leu a traducção que deve existir no Ministerio da Fazenda, apresentou o ao Parlamento na lingua francesa, para que fosse bem entendido lá fora. (Apoiados).

Nunca se viu um tal rebaixamento de costumes parlamentares.

Era no interesse publico, para salvação ou defesa da causa nacional?

Não era (Apoiados); porque, se fosse necessario, ao Governo é que competia apresentar esse documento (Apoiados); porque era a elle que cumpria dizer á Camara que se no projecto incluirá a clausula da consignação das receitas das alfandegas á divida externa, o fizera por se julgar a isso obrigado, em virtude do documento aqui apresentado.

O fim foi, porem, outro: foi um mesquinho ardil partidario. (Apoiados).

Quis se simplesmente inutilizar por aquella forma aquelle que, sendo hontem alliado, é hoje adversario (Apoiados), e vinha par em relevo a obra do Governo.

Contrariava o Governo a opposição d'aquelle Deputado á clausula introduzida no projecto para ficarem consignadas á divida externa as receitas das alfandegas?

Mas o que faz agora o Deputado?

O mesmo que já tinha feito o Sr. Hintze Ribeiro. (Apoiados). Era o seguimento de uma campanha em que tinham sido alliados. (Apoiados).

Eu pergunto á Camara: que noção tem este Governo da solidariedade ministerial? (Apoiados). Que opinião forma da responsabilidade collectiva dos Ministros? Que ideia forma o Sr. Presidente do Conselho da sua propria responsabilidade? (Apoiados).

Hoje vem o Sr. Arroyo, com um documento de 1893, que é da responsabilidade politica do Sr. Presidente do Conselho, justificar perante o país a obrigação em que se via collocado o Governo actual de conceder aquella consignação! (Apoiados).

Mas o Sr. Presidente do Conselho não sabia isso mesmo em 1898? (Muitos apoiados).

Até certo ponto comprehendia-se que pudesse não ter responsabilidade moral, mas tinha-a politica; e é d'essa que aqui nos occupamos.

Mas o Ministro da Fazenda d'aquella epoca conhecia bem esse documento; e sabia o alcance que tinha, que foi hontem perfeitamente definido pelo Sr. Arroyo.

O Sr. Arroyo não foi como Deputado, mas como leader da maioria, que apresentou esse documento que o Governo lhe tinha dado para que o apresentasse á Camara; porque S. Exa. não o podia ter obtido senão mandado officialmente pelo Governo. (Muitos apoiados).

É para notar que, quando aqui se pediram documentos para esclarecimento d'este assumpto, o Governo absolutamente se recusou a mandá-los, declarando que só mandaria os que julgasse convenientes á causa publica!

E que conclusão deve tirar o país do acto que hontem se praticou? (Apoiados).

É facto que o meu illustre antecessor na pasta da Fazenda, e meu amigo muito dilecto, não desconhecia esse documento, que tambem era conhecido no estrangeiro; porque a elle se faz referencia num dos relatorios do Council of Foreign Bondholders.

Conhecia-o; e quando apresentou a proposta de lei em que se autorizava o Governo a consignar os rendimentos das alfandegas á divida externa não veiu desculpar-se com semelhante documento, que se conservava secreto e se conservaria ainda se o Governo o não mandasse divulgar pelo illustre leader da maioria. E demais o Sr. Arroyo tem responsabilizados especiaes, porque foi membro d'este Governo. O Sr. Ressano Garcia não se serviu d'esse documento, porque nós tivemos em vista, na solução d'esta questão, unicamente o interesse do país, e nunca procurámos effeitos partidarios e politicos. (Apoiados). Podia responder aos violentos ataques do Sr. Hintze Ribeiro com a apresentação d'esse documento, mas isso enfraquecia o Governo do meu país nas negociações com os credores estrangeiros. Preferiu ouvir os doestos e as aggressões que sobre esse ponto continuaram sempre, avir dizer ao mundo inteiro, que tem os olhos fitos em nós, que a nossa administração publica é de tal ordem que um Ministro póde comprometter o país, isoladamente, sem que os seus collegas se julguem responsaveis por esse acto.

Ora, Sr. Presidente, é esse o facto que mais profunda impressão me causou hontem. Não comprehendeu o illustre Deputado, que ainda ha pouco era Ministro dos Estrangeiros, que aos motivos que já havia para o descredito do país no estrangeiro vinha accrescentar um outro talvez dos mais fortes (Apoiados), enfraquecendo assim o Governo do seu país na conclusão d'este assunto?... É tambem incomprehensivel que o Sr. Presidente do Conselho de Ministros, depois de ter encetado em 1898 uma violenta campanha politica aqui, e em toda a parte, empregando todos os meios de opposição systematica e acintosa, com o pretexto da consignação dos rendimentos das alfandegas á divida externa, seja elle proprio que venha agora propor essa mesma consignação.

Mas o que explica esta contradicção, o que explica esta incoherencia? E que justificação pode ter a apresentação á ultima hora d'aquelle documento com o unico fim de desauctorizar quem pouco antes era auxiliar nas tristes campanhas de opposição, e fôra collega do Sr. Presidente do Conselho?

Se ha crime e se algum attentado se commetteu, reu do

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mesmo crime, culpado do mesmo attentado é o Sr Presidente do Conselho. (Apoiados).

Isto mostra a differença dos processos (Apoiados) que os dois partidos empregam.

Tive de continuar as negociações que tinham sido encetadas no tempo do meu illustre amigo o collega o Sr. Ressano Garcia.

As circunstancias em que elle as iniciou eram extraordinariamente melindrosas para o país e não provinham de erros nossos, mas sim de actos praticados por administrações anteriores. (Apoiados).

Com a prudencia e com o zelo das pessoas que nós incumbimos d'essas negociações, e entre ellas conta-se o illustre relator do projecto que estamos discutindo, com o acerto e prudente reserva do Governo, conseguimos melhorar no estrangeiro a situação do Thesouro. (Apoiados).

Fôra má a herança que tinhamos recebido. (Apoiados).

Não era só a organização da Fazenda publica que se impunha, deviamos tambem entabolar negociações com os credores externos para se chegar a uma solução definitiva do regime da nossa divida.

Foi o Sr. Presidente do Conselho que o disse na Camara dos Dignos Pares numa das sessões de 1899: isso justificava cabalmente a existencia das negociações nessa epoca.

Alem d'isto provava-se que naquella occasião S. Exa. não julgava ainda que era definitivo o regime de 1893. (Apoiados).

Na sessão legislativa de 1899 fui assediado com perguntas indiscretas e por vezes prejudiciaes ao país (Apoiados); mas nunca vim á Camara dizer o que os actuaes Ministros teem dito; guardava as refervas a que era obrigado, mas respondia sempre ás perguntas que se me faziam, e dava todos os esclarecimentos que podia dar. (Apoiados).

Apresentavam-se a meudo os avisos previos e eu vinha sempre dar-lhes resposta. (Apoiados).

Era instado na Camara dos Dignos Pares para ali comparecer; até se consumiam sessões inteiras sobre esse assunto.

Respeitei sempre as prerogativas do Parlamento, mas ao mesmo tempo guardava todas as reservas que me eram impostas pelas conveniencias publicas.

Em 1899 dizia o Sr. Presidente do Conselho na Camara dos Dignos Pares que nos deixara o encargo de entabolar novas negociações para fixar o regime da divida externa, e pouco depois vinha perguntar se eram verdadeiras as exigencias dos portadores e trazia para o Parlamento tudo o que se dizia nas revistas estrangeiras, comtanto que isso fosse deprimente para o Governo. Mais tarde perguntava o que era feito das negociações, chegando mesmo a dizer que se tinham mallogrado nas mãos do Governo, e que a responsabilidade d'esse acto pertencia inteira ao Ministro da Fazenda, porque tinha posto nisso a unica razão da sua existencia ministerial.

O Sr. Hintze Ribeiro julgava então que as exigencias dos credores eram tão extraordinarias que nós não podia-mos ceder a ellas, e por isso referia-se ao mallogro das negociações, não com o sentimento de não se obter o que o país queria, mas com fins meramente politicos, regosijaudo-se com esse mallogro. É triste dizer isto, mas é uma verdade.

No começo de 1900, ainda S. Exa. julgava mallogradas as negociações, e então dizia que isso succedia porque o Governo não tinha sabido cumprirão seu dever. Era sempre o mesmo processo, e o fim a que visava. (Apoiados).

Quando pelo andar das negociações, ellas se approximavam do seu fim, como se demonstra hoje pelos relatorios publicados, o actual Sr. Presidente do Conselho dizia outra cousa: a lei de 1893 era um convenio, e, portanto, não havia necessidade de renová-lo. E, perguntava: para que se queria fazer um convenio novo? Eu não quero tomar tempo á Camara lendo os extractos d'essas sessões, mas direi em resumo o que ali se passou. A estas palavras do S. Exa. respondia eu que não julgava indispensavel para a situação do Thesouro a celebração de um convenio naquelle momento, porque as circunstancias tinham variado, e o que a principio se julgara imprescindivel podia naquella occasião ser menos necessario para aquelle fim, não obstante a sua grande utilidade para a reorganização definitiva das nossas finanças.

Fazia eu esta declaração, e o actual Sr. Presidente do Conselho, julgando que isso significava, até certo ponto, uma retirada, clamava em alta voz que não se mantinha o que dissera o Chefe do Estado no discurso da Coroa, e que, portanto, não tinha razão de ser a opinião de um Ministro da Fazenda que reputava dispensavel hoje o que hontem se julgara indispensavel.

Esse convenio envolvia um emprestimo, na opinião de S. Exa., e então perguntava: para que negociava o Governo um convenio sem emprestimo? Eu respondia muito nitidamente confirmando as declarações que tinha feito, e dizia que se esta questão era de honra para o país necessario se tornava resolvê-la; mas que a sua solução não era indispensavel naquelle momento, porque tinham desapparecido as nuvens que obscureciam o nosso horizonte, e melhorara a nossa situação financeira, não pelos esforços que eu empregava, mas graças á confiança de todos nos recursos do país.

Pois o Sr. Presidente do Conselho julgou que isso tinha por fim preparar a opinião para o mallogro das negociações. Não havia comtudo da parte do Governo progressista esse receio, porque as negociações seguiam sempre como a Camara pode ver pelo relatorio do Sr. Madeira Pinto.

Quem comparar as datas que constam dos differentes documentos ha de ver que eu declarei não ser indispensavel resolver, nesse momento, a questão, precisamente quando se exigia em Berlim e Paris que o augmento de um oitavo no juro, já acceite pelo comité de Londres, fosse elevado a um quarto, ao que eu resistia porque o meu intuito era garantir desde o começo, com recursos certos e conhecidos do Thesouro, a execução do convenio.

Com isto, ao mesmo tempo que não prejudicava as negociações, não dava motivo a que se formulassem reclamações contra as palavras que pronunciava.
Note a Camara a differença.

O Sr. Presidente do Conselho dizia: «a proposta de 1898 era para a realização de um emprestimo; mas pelas declarações do Sr. Ministro da Fazenda parece que o Governo desiste d'essa operação. Se assim é pergunto: Para que vae o Sr. Ministro da Fazenda intentar um novo convenio?»

Respondi o que a Camara sabe.

Eu julgava dispensavel o emprestimo, e era o Sr. Presidente do Conselho que entendia que o emprestimo era inseparavel do convenio!

Começa aqui, não a ultima, mas uma das phases mais interessantes d'esta questão.

Em maio de 1893 dizia-se somente que a lei d'aquella data não criaria difficuldades; em 1894 affirmava já o Sr. Hintze Ribeiro que ella «encontrara o assentimento» dos credores; e em 1896 propunha á Camara uma conversão de todas as dividas para se resolver a questão da divida externa, que estava em aberto.

Pouco tempo depois, em 1899, o proprio Sr. Presidente do Conselho declarava que deixara o Governo para que o seu successor - entabolasse negociações a fim de se fixar o regime da divida externa - e em 1900 já dizia que o convenio tinha sido plenamente acceito pelos delegados dos comités hollandês, allemão e belga, não o tendo acceitado somente os ingleses e franceses, e estes por causa das obrigações dos tabacos.

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6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Veja a Camara a coherencia do Sr. Presidente do Conselho!

Estamos a 27 de abril de 1900: nessa occasião já o tinha negociado as principaes bases do convenio.

Conseguira-se que fossem retiradas as mais importantes dos credores, e o Governo negociava com toda a liberdade de acção tendo obtido bastantes vantagens.

Era nessa circumstancias, que aos fins politicos do Sr. Presidente do Conselho pareceram propicias, que elle vinha affirmar na Camara dos Pares que o convenio era inutil!

Eu contestei essa affirmação e respondi com a prudencia que as circumstancias aconselhavam a bem dos interesses publicos. (Apoiados.).

Nos proprios actos do Governo anterior estava, porem, a prova de que a lei de 1893 não fora acceita como definitiva solução, e o Sr. Presidente do Conselho dizia que as palavras com que eu tinha respondido deviam desapparecer das notas e dos Diarios das Sessões da Camara.

Pois eu digo agora, e com justificada razão, que tinha sido realmente muito conveniente que se tivessem retirado dos registos parlamentares, não as palavras que eu proferi, mas as de S. Exa. (Apoiados).

Eu respondi como devia, e appello para a Camara que certamente julgará como me seria custoso retrair-me e não dizer tudo o que pensava (Apoiados); mas não queria comprometter por forma alguma o resultado das negociações que iam em muito bom caminho.

O Sr. Presidente do Concelho deu como razão da rotura das negociações, que o convenio que eu negoceei vinha acompanhado de um emprestimo! A Camara ouviu, e parece incrivel que semelhante affirmativa fosse feita nos bancos do Governo.

Pois o proprio Sr. Presidente do Conselho, que me tinha perguntado para que queria eu o convenio se nelle não estava incluido um emprestimo; que sabia o registava a declaração que eu tinha feito, vim hoje dizer á Camara que não quis continuar as negociações que encontrou entaboladas, porque no convenio estava envolvido um emprestimo que elle achava inconveniente? E possivel admittir-se tão extraordinaria contradicção?

Para que fim?

Para occultar a verdade ao país, quando melhor fôra se não pretendesse escondê la com subterfugios e subtilezas de frases, e com sofismo por demasia grosseiros, e que por isso não deviam ser apresentados no Parlamento.

Mas ha mais, e é isso que eu quero que fique bem assento.

O meu illustre antecessor, o Sr. Ressano Garcia, ligára effectivamente primeiro projecto de acordo a emissão de um novo emprestimo externo. Julga a Camara que elle o fazia de iniciativa propria, por desejar simplesmente ter mais dinheiro á sua disposição para satisfazer ás necessidades correntes do Thesouro, e equilibrar artificialmente o Orçamento d'esse modo? Não.

No estrangeiro, quasi que tinham interesses em Portugal diziam nessa occasião, como disseram quando a Italia passou pelo mesmo lance, quando a Russia teve as mesmas difficuldades, quando a Austria quis restabelecer a circulação monetaria, quando ao Brazil quis regularizar a sua situação cambial; diziam, como hoje mesmo se dizia a respeito da nossa visinha Hespanha, que era indispensavel para o nosso país pudesse reorganizar as finanças, antes de tudo, regularizar o cambio, e que para isto era precisa emissão de um emprestimo, em ouro destinado exclusivamente a reembolsar o Banco de Portugal das quantias que o Estado lhe devia, restriguindo-se de igual quantia a circulação das notas. Era essa a opinião dominante naquelle tempo, embora algumas pessoas, mas raras, pensassem de modo differente.

Esta opinião, foi-se posteriormente modificada, e quando eu tratei d'este assunto já havia muitas pessoas que pensavam de modo diverso. Um grande estabelecimento financeiro de Paris dizia me sem hesitação que não pensasse nessa solução, e que era mais conveniente aos interesses de Portugal effectuar aquelle reembolso por meio de um emprestimo interno, conforme as circumstancias e permittissem, porque se mostraria assim que o país tinha recursos proprios e seria isso que elevaria o seu credito no estrangeiro.

Foi nesse intuito que, com as cautelas necessarias para não se suppor que o Governo Português procurava aproveitar-se d'aquelle pretexto para demorar e embaraçar as negociações, eu pus de parte a ideia de um emprestimo, dizendo que o essencial era, principalmente estabelecer uma concordata honrada com os credores. Foi isto mesmo que eu disse na Camara dos Dignos Pares, e não estou arrependido de o ter dito.

Pergunto: poderá hoje o Governo fazer declaração igual a esta?( Apoiados).

De acordo com este meu pensamento, mandava o telegramma, que eu vou ler á Camara, ao nosso representante em Paris, em dezembro de 1889, em resposta á pergunta que fizera sobre a situação em que estavam as negociações em Londres, mas, antes de o fazer, não posso deixar de aproveitar esta occasião para prestar homenagem aquelle cavalheiro, que, neste assumpto, prestou os maiores serviços, andando sempre muito correctamente e de um modo digno de todo o elogio. (Apoiados).

Dizia eu, em dezembro de 1889, ao Sr. Thomaz Rosa, nosso Ministro em Paris:

«Madeira Pinto discute agora em Londres com comité inglês bases projecto convenio. Procuraremos depois obter adhesão comité allemão e francês: belgas e hollandeses acordo comité inglês. Ahi pretendem sempre emprestimo para garantia circulação fiduciaria Banco de Portugal, mas nós julgamos dispensavel emprestimo para esse fim, bastando que convenio autorize emissão titulos 3 por cento externos, como actuaes, unicamente para pagamento despesas convenio e anteriores dos comités - previamente fixados.

Ha mais do que isto.

Em 3 de fevereiro de 1900 telegraphava eu ao Sr. Madeira Pinto o seguinte:

«Emprestimo externo para consolidação Barco de Portugal é agora dispensavel, e é questão distincta convenio»

E elle assim cumpriu rigorosamente, como se prova pelas cartas em que me dava conhecimento do que fizera a esse respeito.

A 6 do mesmo mês dizia-me o Sr Madeira Pinto:

«É talvez a desconfiança de que pensamos em fazer a reemissão de mais titulos de 3 por cento do que os necessarios para o pagamento das despesas do convenio, porque não se convencem do que o Governo Português não quer realmente fazer um novo emprestimo, não obstante as minhas affirmativas nesse sentidos.

E em seguida accrescentava:

«Respondi-lhe (delegado comité francês) que a questão da emissão de notas e das suas garantias era um negocio a resolver por providencias legislativas e em harmonia com os contratos existentes com o Banco de Portugal, sendo assunto absolutamente separado do convenio.

Em Berlim, o Sr. Madeira Pinto fazia as mesmas declarações ao comité allemão e dizia me:

«Mostrei ao mesmo (delegado do comité allemão) que

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SESSÃO N.º 64 DE 25 DE ABRIL DE 1902 7

este assunto {emprestimo para regularização do cambio é de ordem interna, e deve ficar estranho ao convenio».

O Sr. Presidente do Conselho sabia que o Governo de que fiz parte havia desistido do emprestimo externo porque eu o havia declarado na Camara dos Dignos Pares; e o publico e a Camara veem agora que as minhas palavras não eram senão a confirmação do que o nosso agente declarava aos representantes dos credores.

Era outro o plano que o Governo tinha em vista, e que me parece daria resultados muito mais proficuos dos que os que vejo hoje.

Mas, eu posso perguntar, como é que o Sr. Presidente do Concelho dos Ministros dá como razão do rompimento das negociações a ligação de um emprestimo com o convenio projectado, quando elle sabia perfeitamente pelas declarações minhas, que foram continuadas pelos documentos que possue, que a ideia do emprestimo externo tinha sido completamente abandonada? Faltavam-lhe argumentos serios para justificar o seu procedimento, e por isso vieram os sofismas e os subterfugios.

Mas a Camara tem o direito de perguntar se é permittido a um qualquer Governo fazer declarações semelhantes, tã contrarias á verdade. (Apoiados).

Quando o illustre Ministro rompeu as negociações, ignorava por completo o modo como ellas tinham sido conduzidas!

A rutura foi devida ás declarações imprudentes do Sr. Presidente do Conselho nesta casa do Parlamento.

Não sou eu quem o digo, são os interessados, e para o provar basta ler o relatorio do Council de 1900, publicado nos principios de 1900, em que, dando conhecimento de todos os factos occorridos durante as negociações, e da mudança ministerial, se dizia, note a Camara, eu traduzo quasi textualmente, porque me ficaram sempre presentes estas palavras: «o Presidente do Conselho do actual Governo é o mesmo que quis impor aos credores de Portugal a lei arbitraria de 1893».

Transcreviam-se em seguida as palavras aqui pronunciadas pelo Sr. Presidente do Conselho, quando apresentou o novo Gabinete ao Parlamento, e dizia-se mais: que Portugal não queria honrar os seus compromissos: não queria estar ao lado das nações civilizadas.

O rompimento proveio effectivamente da declaração que se continha naquellas palavras; e não se pode admittir a explicação agora dada de que fora motivado por estar ligado ao convenio um emprestimo.

Com tão imprudente declaração mostrou o Sr. Presidente do Conselho que não sabia nem queria sair dos moldes estreitos de um partidarismo mesquinho e acanhado para se lançar em esphera mais alta. (Apoiados).

Mas permitta a Camara que eu fale ainda a respeito do emprestimo; e insisto neste ponto, porque tem sido muito discutido lá fora, e ainda hontem o Sr. Arroyo se referiu a elle.

No proprio relatorio do Sr. Madeira Pinto, documento appenso ao parecer, está a declaração de que o emprestimo estava separado do convenio. Vinha de facto incluido na proposta francesa, mas em uma nota a pag. 14 do relatorio do Sr. Madeira Pinto, que todos devem ter lido, diz-se:

«O Governo nunca concordou com este plano, QUE FOI ARREDADO DA DISCUSSÃO».

E mais adeante encontra-se (pag. 15), no mesmo relatorio, o seguinte:

« AFFIRMEI sempre a decisão do Governo de não admttir, nem no convenio nem fora d'elle, o compromisso de fazer depender de estudo ou acordo com os comité a maneira de regular a emissão e circulação fiduciaria em Portugal - o presidente do comité de Paris declarou-se desistir do primeiro d'este pontos, e deixou de insistir no segundo».

Já vê a Camara que á muito para estranhar que se allegue um tal motivo para o rompimento das negociações, o que é absolutamente contrario á verdade.

Disse tambem o Sr. Presidente do Conselho que os comités allemão, belga e hollandês tinham plenamente assentido á proposta que se converteu na lei de 1893, e para o provar mandou para a mesa um documento assimilado pelos representantes d'esses comités, mas nesse documento não se encontra a confirmação do que affirmou o Sr. Presidente do Conselho, antes pelo contrario nelle se declara acceitarem aquelle regima, por um periodo provisorio, emquanto o Thesouro Português não estiver habilitado a augmentar o pagamento dos juros da divida externa. Não foi, portanto, uma acceitação plena da lei de 1893 ou solução definitiva, como erradamente se tem dito.

O comité hollandês mandou posteriormente um outro documento, não só ao Ministerio da Fazenda, mas á Camara dos Senhores Deputados e á dos Dignos Pares do Reino, documento que posso ler, embora se não encontre mencionado nas actas d'esta casa, porque elle pertence á Camara e devia ter sido apresentado em sessão publica.

Está no Archivo da Camara dos Dignos Pares, e eu vou lê-lo:

«Amsterdam, 21 de setembro de 1894.- A S. Exa. o o Sr. H. Ribeiro, Presidente do Conselho e Ministro da Fazenda de Sua Majestade Fidelissima, em Lisboa. - Sr. Ministro.- O comité neerlandês dos portadores da divida externa portuguesa foi muito surpreendido com a declaração feita por V. Exa. no seu relatorio sobre a situação financeira, dizendo (Diario do Governo de 14 de junho de 1894, n.° 144) que a questão da redução do juro da divida externa tinha sido regulada, e que os portadores dos titulos a isso tinham acquiescido. O comité considera-se com direito e com o dever de protestar contra esta representação, que considera erronea. Nunca, nem os credores externos nem os comités que defendem os seus interesses perante o Governo português se declararam satisfeitos com o que se passou até este dia, e nunca se expressaram nesse sentido.

Os comités, declarando por intermedio dos seus delegados em Lisboa que não se opporiam mais ao arranjo «arrangement» incorporado na lei de 20 de maio de 1893, não emittiram esta declaração senão debaixo de certas reservas sanccionadas por V. Exa. Essas condições não foram respeitadas pelo Governo de Sua Majestade Fidelissima. Por occasião de se por em execução a dita lei, quando se tratou do regulamento da questão dos certificados (para os dois terços dos coupons não pagos) emittidos tanto pelos comités, como pelo proprio Governo, esta questão não foi liquidada como tinha sido combinado. Não obstante, visto que se tratava de uma medida passadeira para retirar esses certificados, o Governo teria pedido satisfazer facilmente aos pedidos que o comité julgou dever fazer na sua carta de lei de 21 de julho de 1893 que ficam sem resposta. Segue-se que a confiança posta no Governo foi muito abalada. Os comités, no seu memorandum de 31 de dezembro ultimo, tinham protestado contra o modo da execução da lei, sem que V. Exa. se dignasse responder-lhes.

O comité neerlandês vê-se, por conseguinte, forçado a recordar-vos que «emquanto o Governo Português não mudar de altitude para com os portadores da divida externa, e não consentir definitivamente a ceder ás suas exigencias legitimas, o país será em qualquer lugar (tant lieu) e em todas as occasiões tratado em todos os mercados financeiros como um devedor refractario».

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Ha uma outra carta, de igual data, do comité inglês a mesmo sentido. O Sr. Arroyo, que fazia parte da Camara em 1894, conhece-a bem, porque foi apresentada na commissão de fazenda de que era membro e a ella me referi no anno passado.

Esse documento ajusta, dos registos parlamentares, e o Sr. Arroyo informou a Camara em 18U4 de que elle se achava affecto á commissão de Fazenda, o que todavia não obstou a que tambem desapparecesse, porque a commissão não o restituiu.

Comtudo aquelles documentos eram conhecidos no estrangeiro, e quando eu disse na Camara dos Dignos Pares que não havia conveniencia em occultar ao país o que era conhecido lá fora, dizia, como se vê, a verdade, mas mantinha-me numa grande reserva para não prejudicar o andamento das negociações. O meu illustre amigo o Sr. Ressano Garcia tambem conhecia o officio que aqui foi lido hontem, que era a defesa completa da sua proposta de 1898, mas levou a nua correcção ao ponto de não o apresentar para não encetar as negociações com os credores externos, levando-lhes um documento d'aquella natureza, que era um acto irregularissimo de administração, servindo-me da propria frase do Sr. Arroyo.

O Governo Português tinha comtudo a obrigação de o confirmar, disse S. Exa., não obstante ser um acto irregularissimo, que trouxera responsabilidades ao país.

Pois o Sr. Ressano Garcia, como disse, teve a prudencia de não trazer para o debate um documento d'aquella ordem, que prejudicava o nosso credito.

Por isso, me limitei na Camara dos Dignos Pares, a dizer sómente o que era indispensavel, e hoje pode a Camara sem o menor inconveniente ter conhecimento d'estes factos.

Que resposta deu o Ministro da Fazenda d'aquelle tempo, que era o Sr. Presidente do Conselho, a estas cartas?

Absolutamente nenhuma.

E vinha pouco depois declarar ao Parlamento que a questão dos credores externos tinha sido liquidada! Mas, como se vê do documento que eu li á Camara, os credores dizem ter feito reservas que haviam sido sanccionadas pelo Governo Português.

O Sr. Rodrigues Nogueira: - E no actual convenio não ha reservas sanccionadas?

O Orador: - Ha talvez mais que isso. D'ahi é que proveiu o enorme descredito que nós encontramos no estrangeiro, e não do relatorio de fazenda de 1898, do meu illustre amigo o Sr. Ressano Garcia. Esse relatorio, que representa o fruto de muito trabalho, era uma prova de sinceridade e uma obrigação do seu cargo; porque os Ministros devem dar conta ao país de todos os actos das administrações publicas, e não podem occultar a verdade com sophiamas, ou informações erroneas e falsas.

Em relação ao pagamento dos certificados o Governo de 1893 não cumpriu tambem o que promettera.

Tenho aqui a copia dos officios trocados entre o Thesouro português e as nossas agencias no estrangeiro.

O texto d'esses certificados foi regulado de acordo com o Governo. O representante do Crédit Lyonnais, em Paris, mandou ao Ministerio da Fazenda o texto da circular, que devi a ser enviada aos outros estabelecimentos financeiros incumbidos do pagamento da divida portuguesa, o qual foi acceito pelo Sr. Dias Ferreira, por despacho seu. Por consequencia, os certificados, em seus termos e forma, foram rigorosamente emittidos, de acordo com o nosso Governo.

Houve sobre o pagamento d'estes certificados correspondencia entre o Ministerio da Fazenda e o Council of Foreing Bondholders, e a traducção da resposta dada pelo Sr. Perestrello em 4 agosto da 1894, em nome do Ministro da Fazenda, publica no relatorio d'aquella associação

Pedi copia d'esse documento e não a obtive, vende-me, portanto, obrigado a traduzi-la do inglês!

Nessa resposta, baseada num parecer da Procuradoria Geral da Coroa, dizia-se o seguinte:

«Ministerio da Fazenda -- Lisboa, 4 de agosto de 1893.- Sr. Jonh Lubbock, Londres. - Senhor. - Confirmando o meu telegramma de 2 do corrente, accusando a retardada recepção, nesta repartição, da sua carta de 11 de julho ultimo, tenho a honra de fazer as seguintes declarações, em nome de S. Exa. o Ministro da Fazenda:

1.ª Que a entrega das declarações pelos banqueiros do Governo, pelos dois terços não pagos dos coupons, foi autorizada, como medida provisoria, nos termos do decreto de 13 de junho de 1892, sujeita á decisão do Parlamento;

2.ª Que tendo o Parlamento ratificado esse decreto, nos termos da lei de 20 de maio ultimo, esta ordena expressamente a cessação das formalidades adoptadas, durante os semestres anteriores, para o pagamento dos coupons;

3.ª Que a Procuradoria Geral da Coroa declarou ao Governo que aquella cessação devia comprehender todos os coupons não pagos á data da promulgação da lei, porque esta revoga todos os actos anteriores, excepto os que ella confirma;

4.ª Que exprimindo o Sr. Van Eyk a opinião de que seria possivel recorrer á compra dos certificados entregues até á data da promulgação da lei de 20 de maio findo, para ser distribuida de futuro uma parte do montante pelos portadores da divida externa, segundo as condições 1.ª e 2.ª do artigo 1.° da mesma lei, declarou-lhe o Governo que não faria objecção alguma, desde que as partes interessadas chegassem a um acordo, sem augmento de encargos para o Thesouro, nem reconhecimento de quaesquer direitos, alem dos fixados e definidos na referida lei de 20 de maio ultimo.

Como o Sr. Van Eyk acceitou esta doutrina e o Governo manteve a mesma opinião, S. Exa. o Ministro da Fazenda incumbe-me de communicar-lhe que, independentemente da publicação do decreto para execução da lei de 20 de maio, opportunamente e mediante acordos (arrangements will be made in due time), se effectuará a distribuição autorizada pela dita lei, tomando-se nota, se houver occasião para isso, de acordo mencionado pelo Sr. Van Eyk. - Perestrello.»

Lê-se mais no relatorio do comité de Londres:

«Como este decreto (o que reorganizou a Junta do Credito Publico), em contrario do estipulado na conferencia de Lisboa, não contém providencias para o resgate dos certificados e declarações anteriores, e como não foram feitas combinações em separado, para aquelle fim, como promettia a carta de 4 de agosto, foi necessario adoptar medidas para reclamar a attenção do Governo para a necessidade de providenciar. Consequentemente foram convidados os comités continentaes para uma conferencia realizada em Londres a 17 de novembro passado, na qual se representaram os comités do Amsterdam, Antuerpia e Berlim; os comités franceses, embora não representados, concordaram depois. Resolveu-se nesta conferencia que os comités continentaes representariam collectivamente ao Governo, insistindo no reconhecimento e pagamento, em termos equitativos, dos certificados e declarações anteriores.

A este respeito foi escrita uma carta, assignada pelos presidentes dos comités de Amsterdam, Antuerpia, Berlim, Inglaterra e França, e enviada no dia 21 de dezembro ultimo, instando por uma solução. Até agora, não se recebeu resposta.

A pedido do comité allemão, que se empenhava perante; o Ministerio dos Estrangeiros de Berlim, por obter uma consignação especifica (especific assignement), das receitas

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destinadas (allotted), pela lei de 20 de maio aos portadores externos, o comité consentiu em suspender, por agora, a emissão dos certificados relativos á parte não paga do coupon de janeiro, até receber uma resposta á nota collectiva acima referida».

Não houvera, pois, uma promessa formal para o pagamento d'aquelles certificados?

Naquelle documento se encontra tambem a confirmação das reservas que o Governo regenerador de 1893 sanccionara, e que depois procurara illudir.

Tive, portanto, que inscrever no projecto de convenio uma clausula para se retirarem da circulação aquelles certificados.

Quando o nosso emissario se apresentou perante o comité inglês, a primeira observação que lhe fizeram referia-se á promessa do Governo Português para o pagamento desses certificados, por não ser possivel um acordo serio e honrado, emquanto circulassem na Bolsa documentos d'aquella ordem!

Na Hollanda, a declaração a este respeito foi mais formal ainda: disse-se que não entrariam em negociações emquanto o Governo não promettesse cumprir aquillo a que se obrigara nas conferencias de Lisboa em 1893.

No projecto que se discute não se autoriza o pagamento dos certificados relativos ao 1.° semestre de 1893, como se fazia no projecto anterior.

Nesse ponto houve discussão em Inglaterra; mas, averiguando-se que era pequena a importancia a pagar, e que realmente convinha retirar da circulação todos os certificados, não tivemos duvida em acceder ao que se pedia.

O comité inglês, que andou em todas as negociações com uma correcção completa e absoluta, dizia que não haveria accordo serio sem se annullarem todos esses certificados, e o Governo progressista entendeu que não devia fazer questão de uma coisa relativamente de pequena importancia, e concordou em serem igualmente pagos por 10 por cento aquelles certificados.

Pergunto ao Sr. Presidente do Conselho: porque não retira tambem esses ultimos documentos da nossa fallencia, e porque deixa no mercado os certificados de julho de 1893?

A lei é de 20 de maio, e a razão que davam os portadores d'esses titulos para serem attendidos consistia em que ella não podia ter effeito retroactivo, por estar vencida a maior parte do coupon, e só posteriormente os comités terem accedido a não passarem mais certificados.

Foi a instancias do comité allemão, como já mostrei, que os outros comités cederam, e, igualmente, porque tinha sido dada a consignação das alfandegas á divida externa..

Ha uma parte da minha moção que preciso justificar. Eu digo: o acordo já acceito, como é notorio, pois parece-me que depois de tudo quanto se tem passado o melhor é dizer francamente ao país a verdade, e expor a questão com toda a clareza.

Nós não regateamos ao Governo os meios de que carecer para restabelecer o nosso credito no estrangeiro, mas o que desejamos saber é os compromissos que vamos assumir.

Lê-se no jornal Matin, no compte-rendu official do que se passou no Conselho de Ministros em França, que o Ministro dos Estrangeiros, depois de dar conhecimento de uma carta do Presidente dos Estados Unidos, informara o Conselho de Ministros de que recebera communicação official de ter sido apresentado ás Côrtes pelo Governo Português o projecto de lei que approvava o acordo já concluido com os credores da divida externa.

A Camara ouviu?

Ninguem duvida no estrangeiro d'esta declaração, que se acha confirmada em outros jornaes que se publicaram posteriormente e numa revista financeira, cuja importancia não é desconhecida, pela situação especial do seu director.

Eu peço ao Governo que faça sobre este ponto uma declaração positiva, formal, porque a experiencia tem-nos mostrado que não podemos ter grande confiança nas informações que dá ao Parlamento o actual Governo.

Não ha acordo concluido com os credores?

O Governo Português não está já obrigado a esse acordo?

Não existe ainda um convenio obrigatorio para nós?

Se assim é, indispensavel se torna que o Governo o declare francamente (Apoiados); e é preciso tambem mostrar em que consistiram os bons officios dos Governos Estrangeiros.

O Sr. Presidente do Conselho serviu-se já d'estas phrases com que pretendeu, certamente, encobrir a verdade dos factos; a Camara, porem, tem direito de perguntar em que consistiram esses bons officios.

Sobre a intervenção d'esses Governos neste assumpto, fiz uma declaração na Camara dos Dignos Pares, em 1900, que não foi contestada; mas o Sr. Presidente do Conselho, interpretando então mal as minhas palavras, disse e censurou o Governo de que fiz parte, por tratar com os Governos Estrangeiros.

O que eu disse, porem, era que tratava-unicamente - com os portadores dos titulos, mas que reconhecia aos Governos Estrangeiros o dever de protegerem os direitos dos seus compatriotas em assuntos d'aquella ordem.

Quando o Sr. Presidente do Conselho dizia que eu rectificava a minha declaração, uma voz autorizada da maioria, o Sr. Pereira de Miranda, affirmava que eu nada tinha a rectificar.

Pergunto eu agora ao Governo:

Pode neste momento fazer declaração igual, e tão categorica, como a que eu fiz no Parlamento, sem a menor hesitação, em 1900?

Aquella minha declaração provava o cuidado extremo que havia da nossa parte em tratar somente com os credores sem de modo nenhum melindrar os Governos, que tinham obrigação de proteger os seus nacionaes, como nós mesmos temos essa obrigação.

Procurando manter sempre com elles as mais cordiaes relações, constante cuidado do meu prezado amigo Sr. Beirão, declaravamos, todas as vezes que a opportunidade se dava, que a questão era com os credores e que com elles tratavamos de uma concordata honrosa para todos, e, repito esta palavra, porque nunca foi deshonroso fazer uma concordata: só é deshonroso infringir os termos das leis e dos contratos a que nos obrigamos, sem attenção pelos interesses e direitos d'aquelles com que contratamos. (Apoiados).

Eu sinto ter entrado tão longamente n'estas explicações. Não era meu intento fatigar a attenção da Camara, mas desejava fazer uma demonstração clara do modo como eu tinha procedido; não porque isso seja preciso para a minha absolvição, porque eu não preciso de absolvição (Apoiados), mas para mostrar como o Governo progressista procedeu sempre correctamente, e para que o país possa conhecer o modo por que foram conduzidas as negociações em tão largo periodo, sem as reclamações e protestos que ultimamente se deram.

Infelizmente, ainda é cedo para que eu possa narrar os incidentes gravissimos que vieram paralisar, até certo ponto, essas negociações e os estorvos e embaraços que pudemos vencer, graças á energia do illustre chefe do partido progressista, que era o Presidente do Conselho. Elle mostrou, nessa occasião, como tem mostrado sempre, a firmeza das suas convições e como é completa a sua abnegação pelo serviço do país.

Apenas, porem, direi á Camara o seguinte: Em 1898 houve dois factos, que talvez para muitos passassem des-

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percebidos, mas que a outros causaram justificados receios.

Um d'elles foi o convenio anglo-allemão.

As condições d'esse convenio só em parte foram explicadas mais tarde, no Parlamento Allemão, dizendo-se ao mesmo tempo que se não dera a eventualidade que o determinara. Ora, compare se o que ali se disse e se lia em muitas folhas politicas e financeiras do estrangeiro com o desenvolvimento que desde 1898 teve a riqueza publica em Portugal, e com a facilidade que houve para o pagamento da indemnizarão de Berne, e a Camara reconhecerá como o Governo progressista, de que eu fiz parte, esteve durante aquelle tempo sujeito ás maiores responsabilidades, que não provinham de erros proprios, mas da liquidação e erros passados.

Houve maio do que isso; e, certamente, este facto tambem não é desconhecido.

O primeiro Ministro de uma potencia de primeira ordem, talvez a maior do mundo, disse num discurso, que ficou celebre, que havia nacionalidades moribundas, e outras destinadas a desapparecer.

Ora, comparece-se tambem o que então se passava entre nós, e reconhecer-se-ha que eram extraordinarias as circumstancias que então atravessavamos. (Apoiados).

A este respeito, vou ler á Camara um documento insuspeito e que o Governo conhece. Chegou na occasião em que nós deixavamos o poder, ou pouco tempo antes.

É do nosso Ministro em Paris; diz o seguinte:

«As cousas acham-se, pois, agora em muito melhor situação do que estavam em tempo, quando os comités exigiam absolutamente o contrôle estrangeiro, garantia nas colonias, etc. Este resultado satisfatorio, principalmente devido á melhoria de situado economica de Portugal, foi tambem, sem duvida, em grande parte alcançado pela intelligente solicitude e activo trabalho do Conselheiro Madeira Pinto, cujos bons serviços prestados nesta negociação tenho muito prazer em assignalar a V. Exa.»

Quando deixámos o poder não havia compromissos formaes, mas estavam pendentes negociações, que melhor fora ter continuado, em vez de se romperem sem motivo serio, e sem mesmo o actual Governo as conhecer inteiramente!

Logo que essas negociações excedessem os limites auctorizados pela lei de 1898, previamente seria consultado o Parlamento a esse respeito, como eu por vezes declarei, e o confirmou o Sr. José Luciano de Castro na outra Camara.

Havia, porem, da parte dos comités a completa desistencia de exigencias consideraveis, a que o nosso país não podia sujeitar-se, e a acceitação de um novo regimen em bases que eram perfeitamente acceitaveis pelo país, porque, como a experiencia mostra, e eu vou provar com factos e não só com calculos, o país não teria augmentado os seus encargos, antes, pelo contrario, diminuiriam nos primeiros annos. (Apoiados).

Era essa a situação que deixamos.

Naquella occasião não havia compromissos da parte do Governo; mas havia a cessação de exigencias desairosas para o país; havia a confiança que tinha renascido e que facilitava o resurgimento do nosso credito no estrangeiro. (Apoiados).

Mas o que fez o nobre Presidente do Conselho? Por uma declaração impensada e irreflectida rompeu todas essas negociações, prejudicando o país das vantagens que d'ellas podia auferir, e começou outras negociações sob os auspiciou dos Governos estrangeiros!

Era melhor ter ponto de parte todos esses meios extraordinariamente confusos e incoherentes da politica partidaria; era melhor ter saido dos moldes de um acanhado partidarismo e declarar ao Parlamento, sem ambiguidades nem subtilezas - unica declaração que devia fazer - que não podia dizer á Camara a resolução que tomaria, por não ter conhecimento das negociações entaboladas, e que procederia conforme os interesses publicos o determinassem.

Pois, ao contrario d'isto, o Sr. Presidente do Conselho rompeu as negociações, sem d'ellas ter conhecimento, e depois levou-as para um caminho de que sempre tive o cuidado de me afastar.

As questões de dinheiro affectam menos os homens e as nações do que as questões de honra. (Apoiadas).

Havia a necessidade de, nesse momento, fazer uns certos gastos, mas o Governo Português teria feito uma concordata com os seus credores, a menos onerosa e a mais honrosa que se pudesse realizar e por forma que os Governos Estrangeiros não pudessem intervir.

Era o resultado da confiança que tinhamos inspirado aos nossos credores, e eu recebia, por esse motivo, demonstrações de agrado o apreço.

Quando consulto o enorme volume de toda a correspondencia telegraphica trocada com o Sr. Madeira Pinto durante perto de dois annos, e vejo que todos os trabalhos, todas essas complicadas negociações, tudo isso foi sacrificado a uma vaidade pueril, na mais mesquinha accepção da palavra; quando vejo isso, enche-se-me o coração de magna, e tremo pelo futuro do país.

Saiamos, Sr. Presidente, dos termos vagos da proposta apresentada ao Parlamento. É necessario que tudo se saiba precisamente; razão por que eu peço ao illustre Ministro da Fazenda, meu amigo, apesar das divergencias que hoje nos separam, que declare, francamente, o que pudor declarar; se alguma cousa está ainda indeciso, se não está já tudo resolvido, que o diga francamente; e o que lhe peço é que provoque uma votação do Parlamento sobre este ponto, para que se saiba claramente qual é a sua opinião a este respeito.

O Sr. Presidente do Conselho declarou aqui que a Camara é livre; por isso S. Exa. não pode deixar de indicar o modo por que ella deve proceder na votação d'esta lei.

Diz o projecto:

« A divida publica a que se refere o artigo 1.° será convertida em titulos do typo unico de juro de 3 por cento».

Quem isto ler desapaixonadamente julgará que não virá a existir, no estrangeiro, senão um modelo de titulos, um typo unico. Mas não é assim.

Na propria proposta do Governo se nota já a differença de tratamento dos diversos titulos em circulação; differença que ainda pode ir mais longe no futuro.

Portanto sobre este ponto é que eu peço uma declaração formal, por parte do Sr. Ministro da Fazenda.

A 1.ª serie correspondo ao 3 por cento, e diz-se que terá o valor nominal actual reduzido a metade; e para a 2.ª serie, o de 4 por cento em circulação, explica-se que a amortização será pelo valor nominal dos novos titulos.

Eu peço á Camara que attenda bem para este ponto.

Haverá um typo unico de titulos para substituir os actuaes, como parece deduzir-se da primeira parte da base 1.ª, ou a cada serie pertencerá um novo typo, embora igualmente de 3 por cento?

Eu me explico: o 3 por cento inglês, que é o nosso grande fundo internacional, é convertido, com reducção de metade do capital, em novos titulos de igual valor nominal, de 90$000 réis, ou 20 libras, ou 505 francos, e seus multiplos. As obrigações de 4 e 4 1/2 por cento serão convertidas em titulos de 3 por conto, mas o nominal d'estes titulos é de 19,18 libras e 500 francos, não obstante serem representados nas contas da thesouraria e nos orçamentos pelo nominal de 90$000 réis, como os titulos de 3

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por cento. O pagamento do coupon d'estas obrigações é em abril e outubro, e a amortização será ao par. Que capital nominal regulará para os titulos que vierem substituir estas obrigações?

Com os titulos actuaes de 4 1/2 por cento dar-se-ha o caso de um dos novos não ter juro, e somente amortização ao par; e para as obrigações de 4 por cento estipula-se a amortização por compra ou por sorteio, e neste caso com um bonus de 125 francos.

Isto tudo constitue differenças notaveis na interpretação e execução das bases propostas: por isso eu peço explicações a este respeito ao Sr. Ministro da Fazenda, porque desejo saber o que a Camara vae votar. (Apoiados).

E em especial com respeito aos titulos actuaes de 4 por cento é indispensavel dizer-se como se fará a amortização. Diz o relatorio que é permittida a compra no mercado mas ao mesmo tempo estipula-se que poderão ser amortizados, como eu já disse, com o bonus de 125 francos, correspondendo assim a 625 francos por obrigação.

As obrigações de 3 por cento dos países de maior credito não teem attingido a cotação de 625 francos, que corresponde a menos de 2,5 por cento; e por isso não é comprehensivel que os credores acceitassem, como compensação da diminuição de juro e reducção de capital, unicamente uma amortização eventual por sorteio, que não se dará certamente durante o periodo de 99 annos.

Porventura pode o possuidor dos titulos actuaes acceitar como compensação semelhante clausula? Pode ser que acceite isso, mas essa perspectiva é meramente illusoria. Desejará o illustre Ministro adquirir de preferencia estes titulos para a hypothese de ter de fazer por sorteio a amortização? Sendo assim só merece elogio.

Quando entrei para o Ministerio empreguei um processo exactamente igual para evitar ao Estado o prejuizo entre o valor dos titulos e a amortização. Propus a conversão dos bens dos conventos de religiosas supprimidos em titulos externos amortizaveis, e as instrucções que dei foram para que se comprassem titulos de 4 por cento, de menor custo no mercado, e que eram não obstante amortizados ao par por valor muito superior.

Os portadores das obrigações de 4 1/2 por cento recebem quatro titulos sendo um sem juro, o que estabelece differença sensivel entre elles.

O Sr. Presidente: - Deu a hora concedida pela Camara, tem o illustre Deputado mais um quarto de hora para terminar o seu discurso.

O Orador: - Não tenho tempo para ler o que diz a lei e o relatorio nessa parte, mas as expressões que se empregam nesses documentos são differentes. Num diz-se que a amortização das obrigações sem juro se fará conjuntamente, e no outro que será simultanea: o que pode ser diverso.

Pergunto pois: como é que o illustre Ministro tenciona estabelecer a amortização d'estes titulos? São numerados juntamente com os outros numa mesma numeração e amortizados á sorte indistinctamente? Ou haverá amortização separada?

Haverá um titulo unico para tres dos novos com juro, ou far-se-hão tres fracções para dar a cada um dos titulos que receber juro? E em qualquer dos casos como se fará a amortização, conjuntamente ou simultaneamente?

Este convenio durará 99 annos; e é este o seu maior defeito: nesse longo periodo ficará immutavel o regulamento da Junta do Credito Publico. Diz-se que as bases do projecto consagram o que ali estava estipulado, o que não é exacto. O prazo fixado no regulamento para a remessa de fundos para as agencias do Governo no estrangeiro é de um mês, e não de 15 dias como se estabelece no projecto.

Portanto, quanto a este ponto, o que se vae fixar não é o que já estava estatuido no regulamento da Junta como disse o Sr. Arroyo.

Em relação ao pagamento ou resgate dos sorips, disse o Sr. Ministro da Fazenda que a lei de 1893 não podia ter effeito retroactivo, o que justifica de sobra esse resgate, que o governo progressista acceitara como condição para a abertura das negociações, e mostra que não quisemos com isso dar de mão beijada dinheiro aos especuladores d'esses titulos. Era uma obrigação moral a que o país devia satisfazer.

Passarei agora rapidamente, porque a isso sou forçado, a referir-me ao sêllo dos novos titulos, e devo desde já dizer á Camara que não é inteiramente exacto o que se tem affirmado a este respeito.

Em França é onde esse imposto é mais caro, como aqui já disse, mas ha uma disposição na lei francesa que reduz a 50 por cento o sêllo sobre os titulos de nações estrangeiras quando foram reduzidos a menos de metade do seu valor nominal por medidas legislativas dos Governos a que pertencem.

Eu não tenho tempo para explicar isto, detidamente, á Camara, mas num livro de finanças, editado já em 1902 e escrito por dois dos homens mais competentes da França em materia financeira, citam-se até como exemplo d'esta excepção os titulos dos emprestimos externos portugueses.

Assim o encargo d'esse imposto nos titulos estampilhados seria menor do que vae ser em França pelo projecto que cria titulos novos. Em Inglaterra não havia nada a pagar, e pouco havia a pagar na Hollanda, na Belgica e na Allemanha.

Uma cousa que tambem eu desejaria ver incluida neste projecto é a clausula que se referia, no anterior, á desistencia, por parte dos credores, de todas as reclamações e de todos os direitos que julgassem ter, anteriormente ao convenio, logo que fossem pagos os certificados emittidos.

Foi esse um assunto que mais preoccupou o Governo de que tive a honra de fazer parte, porque os credores, principalmente na Allemanha, queriam reservar esses direitos para qualquer eventualidade que de futuro pudesse haver.

Insistiu-se muito neste ponto; mas o Governo conseguiu que os credores desistissem d'essa pretenção graças sobretudo ao auxilio que o Sr. Marquei de Soveral prestou ao Governo em Londres.

Diz-se que isso não vale nada, mas sendo assim porque se não inscreveu neste projecto o que clara e expressamente se dizia a esse respeito no n.° 15.° do artigo 12.° do projecto anterior?

Disponho de pouco tempo, e por isso direi somente, em relação aos encargos do projecto, que a comparação entre os que resultam da lei de 20 de maio de 1893 e os que deviam provir do projecto de 1900, com os que forçosamente provirão do projecto que se discute, é favoravel ao regime negociado pelo partido progressista.

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A differença é sensivel, como se vê do quadro seguinte:

Encargos que resultarão para o Thesouro em 1902-1903 do convenio proposto; e comparação com os que resultariam da lei de 20 de maio de 1893, e do convenio projectado em 1900

[ver tabela na imagem]

Suppondo-se a differença de cambio a 35 por cento, na media, o convenio proposto será mais oneroso para o Thesouro português de 1:269 contos de réis do que o projecto de 1900.

Pelo projecto de 1900 o encargo para 1902-1903 seria inferior de 40 contos ao que está inscrito no Orçamento, conservando o prejuizo do cambio igual a 42 por cento. Se o reduzirmos a 30 por conto a differença será maior e igual a 81 contos.

Pelo projecto em discussão a despesa será sempre maior em ambas as hypotheses: de 1:255 contos se o prejuizo do cambio for de 42 por cento e de 1:269 contos se for de 35 por cento.

Para se conhecer isto basta ver a forma como está calculado no Orçamento o agio do ouro, e reparar em que no projecto de 1900 não se pagava desde o principio, como vem na proposta, 1 1/2 por cento, mas 1 1/4 somente, com a amortização por compra no mercado livre.

Quando se disse que o comité allemão não acceitaria a amortização por compra, fiz a declaração a que já me referi, de que o convenio não era indispensavel para a situação do Thesouro, e o Sr. Madeira Pinto, em carta especial ao comité allemão, accentuou bem que o augmento do juro de 1 1/8, já acceite, para 1 1/4 se faria sob a condição, sine qua non, de que a amortização seria por compra no mercado, e que fora d'estas condições não acceitaria-mos compromisso algum.

Era por isso que eu no Parlamento tinha feito declarações formaes sobre o assunto, o que não provocou reclamação alguma dos Governos estrangeiros, ao contrario do que succedeu ao Sr. Presidente do Conselho, porque o meu procedimento foi sempre correcto.

Comparando os resultados provaveis do convenio proposto com os que deveriam provir do regime do projecto e 1900, suppondo as condições favoraveis para a amortização das obrigações por compra no mercado, vê-se tambem que nos primeiros nove annos haveria uma diminuição consideravel de encargos nesse projecto. No fim d'aquelle periodo dava-se a igualdade de juro a pagar, e por isso convem saber o que se teria gasto a menos durante todo esse tempo, para se avaliar a situação real do Thesouro naquella epoca.

O regime do projecto de 1900 traria a despesa total approximada de 34:116 contos; e o proposto agora pelo Governo custará ao pais a quantia de 40:616 contos, ou mais 6:499 contos, que ao cambio medio de 25 por cento se elevará a 8:125 contos ou a - 902 contos por anno - A realidade deveria afastar-se muito pouco d'estas cifras.

Desde aquelle anno (1911-1912) haveria no projecto de 1900 o augmento do juro, de 1/8 por anno até attingir 2 por cento. Esse aggravamento de encargos era sobejamente compensado pela diminuição de despesa até esse momento, cujos juros annuaes a 5 por cento subiriam a mais de 400 contos; pela compra no mercado das obrigações de 4 1/2 por cento a amortizar; e pela diminuição nos juros dos titulos de 3 por cento, porque os que fossem amortizados não entrariam mais no computo dos juros, emquanto que no projecto actual a annuidade é permanente para os titulos que substituirem as obrigações de 4 1/2 por cento, e o antigo 3 por cento.

Alem d'isso a amortização d'aquellas e das de 4 por cento acabaria muito mais cedo (37 annos) do que na proposta actual, sendo menor o dispendio annual por ser feita a amortização por compra, e não por sorteio.

Adiavamos pois o augmento do juro para mais tarde, quando estivesse já retirada da circulação uma grande quantidade de titulos, o que faria reduzir o encargo.

Uma das vantagens que tinha ainda o meu projecto era o de autorizar a inversão da divida externa em interna, com o fim de a nacionalizar: o que é muito conveniente, e todas as nações procuram realizar.

Em virtude das medidas para esse fim adoptadas, em differentes epocas, o país tem absorvido uma grande parte da divida emittida no estrangeiro, como se vê pela nota seguinte:

Emissão e resgate da divida externa consolidada desde a sua origem ate 30 de junho de 1901

[ver tabela na imagem]

(a) A esta Importancia deve accreccentar-se a somam de £ 3.748:600, de bonds de differentes emprestimos externos não emittidos, porque os scrips representativos d'esses bonds foram trocados por titulos de divida interna consolidada de 8 por cento.

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Vê-se pois que da emissão total do fundo externo, em cêrca de 417.000:000$000 réis, foram invertidos em titulos internos mais de 139.000:000$000 réis. Nos annos de 1892, 1893 e 1898, em que novamente foi permittida essa inversão, trocaram-se titulos com o valor nominal de 37.762:000$000 réis, sendo pequena a importancia invertida no ultimo anno, por causa do elevado premio do ouro nessa epoca.

Devia portanto esperar-se que esse systema operando permanentemente daria excellente resultado nos oito annos que precediam aquelle em que o juro seria elevado a 1 1/2 por cento.

O meu projecto destinava-se tambem, por esse e outros processos, á extincção da divida externa pela inversão em interna, tendo empregado todos os esforços para que essa clausula fosse acceita pelos credores estrangeiros, que a principio a não queriam acceitar.

O que eu desejava era permittir que se pudessem inverter sempre os titulos externos para divida interna, porque á medida que essa inversão se fosse operando diminuia a responsabilidade do Governo no estrangeiro, e acabavam as exigencias dos credores.

O projecto detalhado de 1900, que era RESERVADO E CONFIDENCIAL, e só conhecido dos menbros do comité inglês, foi mandado imprimir pelo Governo actual, e distribuiu-o de modo que chegou ás mãos de um Deputado que fez d'elle uso aqui na Camara, recusando-se ao mesmo tempo aos Deputados d'este lado os esclarecimentos que eram pedidos!

Isto mostra a seriedade e correcção do Governo.

O Council of Foreign Bondholders, publicando no seu relatorio de 1900 os pontos principaes do acordo que tinha feito comnosco, omittiu a parte que se referia á representação na Junta do Credito Publico; mas o Governo Português deu-lhe inteira publicidade, facultando esse documento - que era reservado - , para assim fornecer armas contra a administração progressista. Bem arrependido deve de estar hoje o Sr. Presidente do Conselho d'esse errado procedimento.

Essa representação, embora fosse por nacionaes, cessaria com o proseguimento das negociações, como o Sr. Madeira Pinto declarou ao Sr. Presidente do Conselho, mas isso não obstou a que se desse publicidade aquelle documento, que era em parte desconhecido da maioria dos proprios interessados!

Avalie a Camara como é para estranhar tal procedimento.

D'este e de outros factos é que resulta a convicção publica de quanto tem sido prejudicial ao país a actual administração politica. O publico não pode ter confiança em quem assim procede.

Tenho dito.

Foi admittida a moção.

O Sr. Ministro da Fazenda (Mattozo Santos): - Sr. Presidente: vou responder tão rapidamente quanto puder e souber ás considerações apresentadas pelo illustre Deputado que me precedeu, o Sr. Conselheiro Espregueira. E porque desejo responder positivamente ás suas observações, porei de parte o que no discurso de S. Exa. se pode considerar como parte politica, tanto mais, que tendo eu já ouvido o Sr. Presidente do Conselho pedir a palavra para explicações, escusará a Camara de as ouvir repelir.

Assim mais directamente responderei ao assunto propriamente em discussão.

E repito, Sr. Presidente, agora, uma declaração que já fiz numa das sessões anteriores: eu tenho obrigação de defender e explicar o projecto que se discute; nada tenho com os outros projectos, que não vieram á discussão, que ficaram apenas em intenção. E eu não quero mesmo fazer a sua critica, receoso de que se possa presumir, que quero fazer censura, quando não quero fazê-la, de forma nenhuma.

Portanto, é unica e exclusivamente para apreciar as considerações feitas pelo illustre Deputado, relativamente ao projecto que se discute, que eu vou occupar a attenção da Camara por alguns momentos.

S. Exa. começou por dizer: «que era preciso que a Camara soubesse, quando votava, o compromisso que tomava !»

É clarissimo: o compromisso que o Governo e a Camara toma, pela votação, é o que existe na proposta em discussão; nem mais, nem menos.

Vozes da esquerda: - Qual é?

O Orador: - É o que lá está!

Francamente, não sei responder a essa pergunta senão lendo; não posso fazer outra cousa. Mas como seguramente os illustres Deputados todos sabem ler, não preciso naturalmente lê-la outra vez. É o que ali está; nem mais, nem menos: é o que está no artigo e nas bases, que esse artigo autoriza.

A pergunta, que se faz, é a mesma que se pode fazer a respeito de qualquer lei: é o que lá está, com a interpretação unica, que se lhe pode dar, o mais restricta que pode ser.

Mas como em todo o caso, algumas duvidas se tem levantado pelo que respeita, não digo á interpretação, mas ao modo de execução de algumas das disposições, que aqui estão, vou dizer á Camara, respondendo ao illustre Deputado, que me precede, qual é o meu modo de ver sobre a intelligencia que se lhes deve dar.

S. Exa. começou por se referir á questão do typo unico! Ora aqui não se diz: a um typo unico de titulos» diz-se apenas: «um typo unico de juro de 3 por cento, fixando-se o juro sobre o capital nominal actual em 50 por cento do juro primitivo de taes typos de titulos».

O valor nominal de cada um dos typos da divida actual reduz-se normalmente á quantia que acabo de definir.

Mas então o typo de 3 por cento, diz-se, do titulo de 305 francos é differente do typo de 3 por cento do titulo de 500!

Que novidade!

Isto dá um resultado unico: a unificação, ou tendencia para a unificação da capitalização, o que é cousa diversa...

Eu creio que não pode haver duvida sobre a interpretação d'esta base. Qualquer que seja o valor nominal do titulo, troca-se o titulo por outro do mesmo valor nominal.

Onde é que no projecto se diz que se trocam 2 titulos por 1, 3 por 2, e 4 por 3?

Não se diz em parte alguma.

Eu não tenho culpa nenhuma de que um jornal qualquer, para tornar mais clara ao publico a forma d'esta conversão, desse essa explicação assim; no que aqui se fala é simplesmente no valor nominal.

Mas ainda a este respeito se dizia: como se ha de fazer a amortização, se na lei se diz uma cousa, e no relatorio se encontra outra? Ora, na lei, creio eu que se diz «conjuntamente» e no relatorio diz-se «simultaneamente». Qual é a razão por que se dirá na lei «conjuntamente» e no relatorio «simultaneamente?» É porque na lei quis exprimir se que o titulo sem juro de 4 1/2 por cento, tenha o numero que pertence ao novo titulo de 4 1/2 por cento?

Não, evidentemente, os novos titulos vão ter numeração nova.

Qualquer que seja o numero dos titulos por que elles se troquem, ao titulo dado corresponde uma numeração qualquer, á parte o capital que tem amortização e não tem juro fixo com o qual se forma um titulo a que se dá exactamente o mesmo numero do titulo novo.

Como estes titulos são amortizados pela sorte, quando

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sae esse numero norteado, ha de ser pago o titulo principal e na outra parte o titulo sem juro. Se houvesse uma amortização com premio, e o valor nominal do titulo fosse um determinado para o effeito do juro, e a amortização se fizesse com o premio tal, evidentemente quando se amortizasse esse titulo tinha de se dar alem do valor inscrito no titulo, mais a parte correspondente ao accrescimo que era o premio de amortização, mas o que o ha a considerar neste isso, é que para o calculo da annuidade tem de se considerar não o juro sobre o valor nominal, mas o juro sobre o valor que é submettido a esse juro, isto é tem de se tomar a percentagem equivalente sobre todo o capital amortizavel, o que correspondo ao juro na hypothese de 3 por cento, sobre o valor nominal que é passivel d'esse juro.

Eu digo a V. Exa. que o juro é o mesmo; a base do calculo para a anuidade, ou quantia destinada para a amortização do capital possivel de juro, é para 4,5 por cento de 2,40 e para o 4 por cento de 2,25.

O juro é o mesmo, mas a base do calculo para a anuidade é que é diversa; por consequencia, não vejo complicação alguma para o calculo da anuidade.

Estão são operações já muito conhecidas, e apenas tenho a accrescentar que não é o premio propriamente por sorteio, que dá preferencia a uns titulos sobre os outros.

Este assunto é arido, e, portanto, creio que estou fatigando a attenção da Camara, mas eu tenho de responder ás perguntas que me foram feitas.

Em seguida referiu-se S. Exa. aos scrips e num ponto S.. Exa. deu razão ao Governo na parte que se refere á necessidade moral que tinhamos de satisfazer o compromisso que havia pura com os portadores d'esses scrips, e satisfazê los nas condições que não sejam onerosos para o Thesouro.

E isso que está consignado, e nada mais tenho a dizer.

Vou referir-me ao que S. Exa. disse, com relação a ter por todos os modos procurado transferir a divida externa para o país, de maneira que, d'este modo, em vez de fazer-se escoador de ouro, os encargos d'essa divida ficassem no país.

Ora o meu fim, o meu intuito, não foi transferir, foi extinguir toda a divida, amortizando-a, de maneira que no fim de 99 annos não tenhamos de mandar dinheiro para o estrangeiro.

Este é que foi o principal fim d'esta lei.

O que são 99 annos na vida de uma nação?

Para a vida de um individuo, representa muitissimo, mão para a vida de uma nação não é nada; e se nós até lá tivermos a consciencia de manter o que se acha estabelecido neste projecto, teremos livrado o país de uma grande parte da sua divida.

É isto o que se pretende fazer neste projecto.

O illustre Deputado perguntou-me a razão porque não transferi para o projecto do regulamento da Junta, na parte relativa ás remessas.

A razão porque não transferi, foi a mesma que S. Exa. teve para a reducção que deu ao artigo 6.° do seu projectado convenio.

S. Exa. sabe perfeitamente que a Junta transfere, não quinzenalmente nem annualmente, mas de oito em oito dias, porque é isso o que lhe convem para as suas operações.

Vou, agora, referir-me de passagem e de má vontade ao rompimento das negociações, simplesmente para fazer a comparação entre os encargos que resultariam de quaesquer outros, e dizer quaes foram as causas que aconselharam o Governo a vir apresentar ao Parlamento esta proposta de lei.

S. Exa. disse que era melhor romper as negociações, porque era melhor ter aproveitado os esforços que tanto custaram, do que pô-los de parte.

O que se pôs de parto, foram as condições em que o convenio Espregueira se devia fazer. Não se pôs mais nada de parte.

O que porventura se tinha conseguido de bom, foi aproveitado, mas melhoraram-se muitissimo as clausulas que eram pelo menos inacceitaveis e substituiram-se por outras mais convenientes.

E mais, não se desaproveitariam esforços nenhuns, absolutamente nenhuns tendentes a regularizar a nossa situação e trazer os credores ou portadores da divida externa a menores exigencias e menores imposições, e tra-zê los a isso independentemente, repito, de qualquer negociação directa feita pelo Governo com os Governos Estrangeiros.

As nossas negociações foram directamente com os representantes dos portadores de titulos, com elles chegámos, não como S. Exa. leu num jornal, que não sei qual é, não chegámos com elles a um acordo, chegámos com elles á acceitação da proposta e d'essa acceitação está o Governo seguro, e, por isso, trouxe esta proposta como um resultado certo e tendo para isso empregado todos os esforços, que não será repelida pelos portadores da divida.

Ora, o que houve da parte do Sr. Presidente do Conselho, sobretudo antes de conhecer as condições?

O Sr. Presidente do Conselho veiu aqui fazer declarações, reservando a sua opinião, e se lá fora entenderam que essas declarações equivaliam a uma rutura e por entenderem que ellas representavam a não acceitação de algumas clausulas; mas quando o Governo resolveu romper a negociações, foi quando conheceu as clausulas todas d'essas negociações.

Antes d'isso, fez mais declarações e reservou a sua opinião.

(Interrupção que se não percebe na mesa dos tachygraphos).

O Orador: - Mas ninguem contesta que rompeu as negociações, agora o momento em que se romperam é que é contestavel.

O Sr. Espregueira levou a maior parte do seu discurso para produzir um facto que acho realmente um pouco difficil em provar, o qual é que contra a lei de 1893 se tinha levantado meio mundo.

Ora, a lei de 1893 está em execução até hoje e pareço que todos se deitaram, porque a lei de 1893 foi posta em execução e até hoje tem sido cumprida; todos teem acceitado essa lei e agora não ha reclamações nenhumas.

Se algumas reclamações houve, foram feitas por alguns comités isolados, que os ha sempre e que querem ver, apesar de terem indirectamente concordado, se podem obter melhor resultado de um novo acordo; o mais já o Sr. Presidente do Conselho hontem leu aqui um documento que prova o assentimento dos delegados de tres comités, que está publicado no Diario do Governo.

Esqueceu-se de ler á Camara as clausulas que aqui estão; são as de 1893, e se houve alguem que veiu reclamar não era dos actos do Govrno era dos actos d'aquelle que se tinha posto de acordo com o Governo.

Acabam as reclamações contra a lei de 20 de maio de 1893.

Eu não quero entrar em mais largas explanações com referencia a parallelos a fazer entre as conversões e convenios feitos em differentes epocas; direi simplesmente que tambem fiz os calculos e fi-los por forma a collocar, tanto quanto possivel nas mesmas condições, o regime actual, o regime proposto pelo Sr. Espregueira e o d'este projecto.

Não quero estar a citar numeros para não causar a Camara; affirmo simplesmente que, collocando em condições iguaes os tres regimes, do seu confronto resulta que ha ainda uma differença em desfavor tanto do regime actual como do convenio projectado pelo Sr. Espregueira.

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Combinando as cousas como estão e reduzindo as expressões da sua unidade, tanto no regime actual como no do Sr. Espregueira ha unidades crescentes.

Se fizermos a primeira amortização de modo que em 1965, quando terminar a amortização...

Agora se me perguntarem se a conversão proposta leva vantagem a qualquer outra, direi que assim o penso, em centenas de contos de réis.

Assim evidentemente despparece o beneficio que o Sr. Espregueira desejava, para ter em alguns annos uma determinada quantia, para depois a ver desapparecer. (Apoiados).

Estar a accumular esse beneficio para depois gastar, não vale a pena. (Apoiados).

Isto não é fazer censuras a ninguem, porque estou absolutamente convencido de que todos que teem trabalhado neste assunto, teem empenhado a maior vontade para resolvê-lo pela forma mais conveniente e util para o país.

Se pensasse que a conversão proposta pelo Sr. Espregueira era mais vantajosa, ter-me-hia entendido com os meus collegas no Ministerio e tinha-a acceitado immediatamente; seria o primeiro a procurar convencê-los d'isso, pondo de parte exigencias partidarias.

Se tal não fiz foi porque me convenci de que não era assim e reconheci que a proposta de conversão nas bases que apresentei era a melhor. (Apoiados).

Já vê o Sr. Espregueira como era injusto quando me acoimava de ter posto de parte, por partidarismo, o que S. Exa. julgava ser melhor que este projecto.

Não houve partidarismo, porque neste assunto não pode haver divergencias, todos teem boas intenções, e todos querem igualmente ao torrão em que nasceram, e onde está arreigado tudo quanto ha de mais fundo nos nossos corações.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado).

O Sr. Abilio Beça: - Mando para a mesa o parecer das commissões de obras publicas e de fazenda, sobre a proposta do Governo que tem por fim applicar parte do fundo especial dos caminhos de ferro do Estado, para occorrer aos encargos da construcção do caminho de ferro de Mirandella a Bragança e da Regua por Villa Real e Chaves á fronteira.

Foi a imprimir.

O Sr. Presidente: - O Sr. Presidente do Conselho pediu a palavra para explicações. Vou consultar a Camara sobre se autoriza que S. Exa. use da palavra.

Foi autorizado.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros Ernesto Hintze Ribeiro): - Fui chamado a explicações pelo illustre Deputado o Sr. Espregueira, quando S. Exa. se referiu a um documento, hontem, produzido nesta Camara pelo Sr. Deputado João Arroyo.

O Sr. Espregueira invocou o principio da solidariedade ministerial. O Sr. Espregueira dirigiu-se propriamente a mim, como chefe do Governo em 1893.

Comprehende a Camara que, não só pela consideração que devo ao illustre Deputado o Sr. Espregueira, como pela obrigação que tenho de explicar, perante o Parlamento e o país, os meus actos, eu não podia ficar silencioso ante o appello que me dirigiu o Sr. Espregueira.

O que tenho a dizer, todavia, é muito claro, mas muito simples.

Sr. Presidente: eu só tive conhecimento do officio de 11 de setembro de 1893, endereçado pela Direcção Geral da Thesouraria ao Banco de Darmstadt, quando mais tarde, em fins de dezembro de 1893, o representante da Allemanha, nesta Côrte, perguntava se o Governo confirmava aquella declaração.

Entendendo que um documento d'aquella natureza, emanado da Direcção Geral da Thesouraria, era um documento do Ministerio da Fazenda, tomei a responsabilidade d'aquella declaração, que nunca enjeitei.

Vozes: - Ouçam, ouçam.

O Orador: - Que nunca engeitei, nem engeito agora.

O Sr. Ressano Garcia: - Mas enjeitou em 1898. (Apoiados da esquerda).

Vozes da direita: - Ouçam, ouçam.

O Orador: - Nunca enjeitei, repito, nem engeito agora.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Ressano Garcia: - Peço a palavra para explicações.

O Orador: - O que eu procurei foi adstringir o alcance e os effeitos d'aquella declaração aos termos da lei e do regulamento de 1893, a que essa declaração se referia.

Foi por isso que, em 1898, quando na Camara dos Dignos Pares eu combati a proposta de lei relativa ao convenio que ali foi levada, foi por isso que, apresentando-se nesta Camara a correspondencia trocada entre a Direcção Geral da Thesouraria e o Banco de Darmstadt, e essa correspondencia foi apresentada pelo illustre Ministro da Fazenda de então, Sr. Ressano Garcia, e citada ainda pelo membro dignissimo d'aquella Camara o Sr. Pereira de Miranda, eu respondi o que aqui está.

Sou eu que falo, em 1898, quando combati a lei de então.

(Leu).

Esta foi a minha declaração em 1898. Não engeitei a responsabilidade que me resultava da correspondencia trocada entre a Direcção Geral da Thesouraria e o Banco de Darmstadt; não contestei que houvesse consignação de rendimentos nos termos da lei e do regulamento de 1893; o que sustentei, bem ou mal - era uma questão de apreciação - é que a forma d'essa consignação era differente da forma de consignação que era proposta na lei de 1893 e que eu combati vigorosamente.

Este foi o terreno em que me colloquei, este é o terreno em que me mantenho.

Entendo hoje, como entendi então, que se na lei e no regulamento de 1893, em face da correspondencia trocada entre a Direcção Geral da Thesouraria e o Banco de Darmstadt, havia uma consignação de rendimentos, a forma d'ella não era a que se propunha na lei de 1898.

Uma vez que o Sr. Espregueira appellou para os principios de solidariedade ministerial, quero dizer á Camara que nem em 1898, quando a correspondencia foi apresentada, nem em 1893, eu disse uma palavra que significasse que não tivera conhecimento do officio endereçado pela Direcção Geral da Thesouraria ao Banco de Darmstadt, nem uma palavra.

Então não tinha logar naquella Camara o Ministro da Fazenda d'esse tempo, e eu defendi-o. A isso me limitei e mais nada.

Se hoje tenho que fazer esta declaração é porque, citado pelo Sr. Conselheiro Espregueira, a minha obrigação é dizer, perante o país, a verdade e a verdade inteira.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Ressano Garcia pediu a palavra para explicações, vou consultar a Camara sobre se permitte que S. Exa. use da palavra.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Sr. Ressano Garcia: - Considera assombrosa a declaração que acaba de ouvir ao chefe do Governo e se quisesse repetir as palavras eloquentes, hontem proferidas
pelo illustre leader da maioria, diria ao Sr. Presidente do Conselho: Em terra e de joelhos.

Comprehendia que S. Exa. declarasse á Camara que ignorava absolutamente ter sido tomado pelo Ministerio

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da Fazenda um compromisso da ordem d'aquelle a que se refere o officio de 11 de setembro, por que podia ter a responsabilidade politica d'esse facto sem ter a responsabilidade moral.

Mas vir affirmar que só conhecia o assunto desde fins de 1893, é criar uma situação verdadeiramente incomprehensivel, porque S. Exa. transfere esse assunto do Ministerio da Fazenda para o campo diplomatico o que torna o compromisso muito mais formal, porque não era já o director da thesouraria, mas o Ministro dos Estrangeiros, que diria ás chancellarias de uma nação poderosa, que o Governo confessava o seu modo de ver.

E é extraordinario que S. Exa. que bem conhecia estes factos, viesse fazer-lhe as mais graves accusações, por ter introduzido numa lei o que S. Exa. já tinha permittido numa nota diplomatica, ao Governo Allemão.

O que censura asperamente, em nome de todos os dissabores que soffreu, e o que não pôde ainda comprehender é que o Sr. Presidente do Conselho só declare hoje, o que em 1898 já sabia.

Pede á Camara alguns minutos de attenção para estabelecer o seu raciocinio.

O artigo 10.° da lei de 26 de fevereiro de 1892 é o primeiro documento em que se fala em consignação de rendimentos.

Realizado o convenio, autorizado por esse artigo, o Sr. Dias Ferreira rasga-o, por entender que o país não podia com os encargos que d'elle resultavam, publica o decreto de 13 de junho de 1892 e no artigo 6.º deixa em pleno vigor o que era preceituado no artigo 10.° da lei de salvação publica.

Esse decreto é sanccionado pela lei de 20 de maio de 1893 e contém todas as suas disposições, excepto duas ou tres, entre as quaes não se comprehende a que se refere á consignação de rendimentos.

Em 14 de agosto de 1893 publica-se o regulamento da Junta e no preambulo do regulamento, como no seu artigo 9.°, cita-se o artigo 10.° da lei de 26 de fevereiro de 1892, accrescentando-se no preambulo que foi ouvido o Conselho de Ministros.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro): - Nunca contestou que o Conselho de Ministros fosse ouvido sobre o regulamento da Junta.

O Orador: - Para que se cita o artigo 10.°, se elle só se refere á consignação de rendimentos?

Mas ha mais.

Em nome da nossa autonomia economica, politica e financeira foram mandadas para os comités allemão, hollandês e belga, copias d'esse regulamento.

O comité allemão protestou contra a falta da palavra consignação e disse que ella lhe fora promettida em Lisboa.

Foi então que o Ministerio da Fazenda respondeu, citando a lei de 1892, e o comité allemão attendendo a que um director geral não era um membro do Governo, entregou a questão ao Ministro allemão e foi esse que pediu ao Governo que confirmasse essa affirmação.

lato foi feito ao tempo em que já não era Ministro da Fazenda o Sr. Fuschini.

Depois d'estes factos, que elle, orador, nunca quis tornar publicos, para não enfraquecer a acção do Governo, o que fica assente é que o Sr. Presidente do Conselho tomou um compromisso de caracter internacional para com a Allemanha; tudo mais é uma simples questão de palavras.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. o restituir).

O Sr. João Arroyo: - Sr. Presidente: pedi á Camara alguns minutos para explicações, visto que, tendo eu sido o Deputado que mandei para a mesa o documento a que se referiu o Sr. Espregueira e o Sr. Ressano Garcia, tinha obrigação de o fazer. (Apoiados).

O documento que hontem li á Camara, não era a primeira vez que tinha sido escutado no Parlamento, esse documento já havia sido citado na outra casa do Parlamento pelo Sr. Ressano Garcia. (Apoiados).

Neste momento, quero chegar bem ao fundo da questão para demonstrar que nunca dentro do Parlamento se praticou uma injustiça, como aquella que o Sr. Ressano Garcia acabou de endereçar ao nobre Presidente do Conselho. (Apoiados).

Quero conservar-me dentro dos limites da mais estricta prudencia e correcção parlamentar e por isso não compara o facto do Sr. Ressano Garcia ter exhibido esse documento com a propria indiscrição diplomatica que S. Exa. acaba de fazer neste momento.

Vou aos dois pontos principaes do assunto, e acêrca d'elles falarei tão firme como rapidamente.

Nunca dentro do antro d'esta sala resoaram palavras mais dignas e mais nobres como aquellas que foram proferidas pelo Sr. Presidente do Conselho. (Apoiados).

Tratarei em primeiro logar das responsabilidades do Gabinete, e em segundo logar dos factos occorridos em 1898.

Quanto ás responsabilidades do Gabinete, o officio saído do Ministerio da Fazenda para o «Darmstadt Banck» só foi conhecido do Governo Portuguez, quando o Governo Allemão se lhe dirigiu.

O Sr. Presidente do Conselho então, sabedor d'aquillo que o Sr. Ressano Garcia tambem sabia, isto é, que não só se entendia que, quando num diploma qualquer, fala uma autoridade, é a nação que fala, e assim a nação é que tem de responder, o que é um ponto perfeitamente definido, e repto o Sr. Ressano Garcia e todos os Deputados da opposição a que me provem o contrario; o Sr. Presidente do Conselho digo, que, estando a assignatura do Director Geral da Thesouraria no fundo d'aquelle papel, a nação ora obrigada a conformar-se com as consequencias d'esse facto; ora, em vista d'isso, qual era a obrigação do chefe da administração portuguesa? (Sussurro).

Perdão, deixem V. Exas. chegar ao fim das minhas palavras: qual era a obrigação d'elle?

Era assumir a plena responsabilidade do documento, mesmo se o não fizesse a Allemanha não nos desculparia.

O Sr. Presidente do Conselho fez o seu dever. (Sussurro). Eu ouvi V. Exas., peço a V. Exas. que me ouçam.

Era o seu dever e cumpriu-o nobremente; mas fez mais, vem hoje a esta casa do Parlamento repetir o que tinha feito e assumir essa responsabilidade, e com tal delicadeza de proceder, que deixa para os outros o tirarem as consequencias dos factos. Isto são primores de delicadeza que, quando o Sr. Ressano Garcia, meu particular amigo, estiver a frio no seu gabinete, despido de quaesquer preconceitos partidarios, hão de ser apreciados por S. Exa.

E agora, Sr. Presidente, definida a situação do Gabinete, demonstrado que a posição do Sr. Presidente do Conselho, então como hoje, foi a mais nobre e a mais correcta, vamos aos factos de 1898. Eu conheço como o Sr. Presidente do Conselho, como todos nós conhecemos a legislação de 1892 e a legislação de 1893, todos os documentos que desde, creio de 1840 para cá, inserem verbas, como dotação da divida publica, verbas necessarias para occorrer a determinados encargos, mas porque é que o Sr. Presidente do Conselho ao atacar, na Camara dos Dignos Pares do Reino, a proposta de lei apresentada pelo Sr. Ressano Garcia, assumiu a attitude definida nestas palavras?

(Leu).

Era pelo seguinte: era porque a obrigação de um chefe do Governo, de um estadista, de um patriota, que se vê, pela necessidade inilludivel dos factos, pela fatalidade das circumstancias, obrigado a honrar a assignatura do país, a sua obrigação do homem do Estado é procurar apoucar

~T

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e diminuir as más consequencias que d'esse acto resultaram.

A obrigação d'aquelle homem de Estado era voltar-se para o Governo de então, falando pela boca do Sr. Ressano Garcia, para o país que era governado por S. Exa. como Ministro da Fazenda (Apoiados); era procurar demonstrar se havia duas formas de consignação, uma chamada consignação que correspondia a todos os termos geraes da legislação do 1891, de 1892 e 1893 e a outra, Sr. Ressano Garcia, a da assignatura que o Banco de Darmstadt pedia que era a...

Esta era a obrigação d'aquelle homem de Estado. (Apoiados). O Sr. Hintze Ribeiro estava numa posição nobre. (Apoiados).

S. Exa., procedendo assim, dava-nos uma lição proficua a todos nós, que sabemos avaliar as responsabilidades. (Apoiados). O antigo Ministro, tomando para si, com a defesa dos interesses nacionaes, as suas responsabilidades, fez com que se attenuassem, com que se diminuissem, quanto podia, as inconsequencias que resultavam do pedido da Banque de Darmstadt, que não considerava as palavras escritas no regulamento, sem se verificar a caução que elle pedia, se declarasse. (Apoiados).

O Sr. Hintze Ribeiro, como verdadeiro patriota, offereceu ao seu país uma interpretação, um campo neutro de discussão, para assim procurar salvar os verdadeiros interesses nacionaes. (Muitos apoiados).

É assim que procede um estadista e um patriota. (Apoiados).

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado).

(S. Exa. não reviu estas notas).

O Sr. Presidente: - A proxima sessão é amanhã, sendo a primeira chamada ás 10 horas e 1/2 da manhã e a segunda ás 11 horas. A ordem do dia é a mesma que estava dada e mais os projectos n.os 82, 83, 84 e 85.

Está encerrada a sessão.

Eram 2 horas e 40 minutos da tarde.

Propostas de lei apresentadas nesta sessão pelo Sr. Ministro das Obras Publicas

Proposta de lei n.º 87-B

Senhores. - Em numerosos diplomas officiaes tem os governos posto em relevo os importantes serviços prestados pela corporação telegrapho-postal ao país, ás instituições e á ordem publica, reconhecendo a desproporção entre os respectivos vencimentos e o arduo labor dos prestimosos funccionarios que na sua maioria a constituem.

Já na proposta de lei apresentada ao Parlamento em 31 de janeiro de 1880, de que resultou a fusão dos serviços dos telegraphos e correios, até então dependentes de direcções separadas, se justificava a nova reforma pela necessidade de melhorar a situação d'aquelle pessoal. No parecer da commissão que a examinou, datado de 20 de fevereiro d'esse anno, em que se conclue pela approvação d'aquella proposta de lei, se declara que «os reduzidos vencimentos dos empregados telegraphicos, a situação precaria dos que voltam ao serviço depois de muitos annos de disponibilidade com dois terços de ordenado (11$110 réis), as limitadas habilitações de alguns d'elles, para o serviço, e tambem a nenhuma esperança de promoção que lhes estimulasse o zêlo, são as principaes circumstancias que tem contribuido para o estado de abatimento na classe e de desorganização de serviço da nossa telegraphia».

Nas reformas que desde essa epoca se decretaram e cujo principal, objectivo foi modificar o regime d'aquelles serviços ou o numero dos seus empregados, harmonizando-os com as exigencias crescentes do desenvolvimento dos telegraphos e correios, poucos ou nenhuns beneficios se concederam áquelles funccionarios, sob o ponto de vista de melhoria de remuneração. E não admira que assim succedesse, tendo algumas d'essas reformas sido promulgadas no periodo mais agudo das nossas difficuldades financeiras e todas influenciadas pelo preceito, nem sempre salutar, de não augmentar a despesa publica, ainda mesmo quando esse augmento se traduzisse em vantagens de toda a ordem e no immediato crescimento das receitas.

São, porem, tão ponderosas as razões que aconselham a elevação de vencimentos do pessoal telegrapho-postal, tão justificadas as reiteradas queixas d'estes funccionarios contra a exiguidade do seu salario, que tendo o Governo, por virtude das disposições do contrato celebrado com a Eastern Telegraph Company, em 10 de novembro de 1899, conseguido crear uma nova receita de 175:000 francos, em consequencia do estabelecimento dos cabos da Africa do Sul, apressou-se a propor ao Parlamento a sua applicação áquella melhoria de remunerações, do que resultou a promulgação da lei de 21 de junho d'esse anno e os augmentos do ordenados de algumas classes consignados no decreto da mesma data.

Na proposta de que resultou essa lei diz-se claramente que tendo a administração cautelosa e austera d'aquelles serviços concorrido para transformar o deficit, constantemente accusado desde 1880 a 1893-1894 num saldo a favor do Thesouro, era dever impreterivel do Governo aproveitar os resultados d'esta situação prospera, applicando-os áquelle fim.

Apesar, porem, da boa vontade do Governo e do Parlamento este augmento apenas se traduziu nos seguintes beneficios:

— os vencimentos de categoria dos primeiros officiaes que em 1880 tinham sido fixados em 600$000 réis annuaes foram elevados em 1900 a 700$000 réis;

- os vencimentos de categoria dos segundos officiaes que em 1880 tinham sido fixados de 500$000 réis annuaes, foram elevados em 1900 a 550$0000 réis;

- os vencimentos de categoria dos primeiros aspirantes que em 1880 tinham sido fixados em 300$000 réis anaunnaes, foram elevados em 1900 a 340$000 réis;

- os vencimentos de categoria dos segundos aspirantes que em 1880 tinham sido fixados em 250$000 réis annuaes, foram elevados em 1900 a 275$000 réis.

Os vencimentos, porem, dos aspirantes auxiliares que em 1880 tinham sido fixados em 200$000 réis annuaes ainda hoje são os mesmos.

A estes augmentos, ao do vencimento do fiel dos armazens, aos dos encarregados de estação e distribuidores, e a pouco mais se pôde elevar o beneficio da lei de 1900.

De modo que num periodo de vinte e dois annos, em que os serviços tanto tem crescido em extensão e em difficuldade, nem o pessoal augmentou proporcionalmente em numero nem obteve accrescimo de remuneração, verdadeiramente compensador dos seus esforços cada dia necessariamente mais energicos, alem da pequena melhoria a que acabo de me referir. Se a isto se accrescentar que sobre aquelles vencimentos incidem não só os impostos geraes a que todos os empregados publicos estão sujeitos, mas ainda um desconto elevadissimo para as cauções que que são obrigados a prestar; se se notar que a propria naturesa dos serviços telegrapho-postaes impõe á sua administração superior o imprescindivel dever de exigir com inexoravel rigor aos seus dependentes o stricto cumprimento dos seus deveres, sendo assim frequentes os castigos que se traduzem por perdas de vencimento; se, emfim, se attender a que estes empregados estão impossibilitados de procurar, em outros ramos de actividade, interesses que compensem a dos seus proventos, facilmente se imaginará que a sua situação cria cada dia maior desproporção entre o que produzem e o que recebem.

O numero de logares superiores dos quadros não tem

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sido, nesse longo periodo de vinte e dois annos, successivamente augmentado como seria natural, antes tem soffrido em certas classes, em consequencia das regras que dominaram aquellas reformas, oscillações, ora para mais ora para menos, sem distribuição equitativa e com prejuizo do acesso geral.

A promoção a muitos d'esses logares, em consequencia das difficuldades technicas, cada dia mais imperiosas e inadiaveis, dos novos methodos de trabalho, cada dia mais complicados, tem sido cortada a muitos empregados, como triste e insuperavel consequencia das prosperidades geraes de exploração.

É, pois, imprescindivel e urgente dever melhorar esta situação e preparar os elementos para que num futuro proximo desappareça inteiramente ajusta causadas repetidas reclamações que teem sido presentes aos poderes publicos sobre este momentoso assumpto.

Os resultados da exploração telegrapho-postal animam e determinam este procedimento.

Com effeito, embora até 1893-1894 as contas d'esta explorarão accusem um deficit constante, é certo, que desde esse anno começaram a saldar-se com lucro para o thesouro, lendo este lucro augmentado muito rapidamente até attingir no ultimo anno, 1900-1901, a importante somma de 696:418$220 réis.

Das contas do anno do 1880-1881 deduz-se que, tendo sido de 798:66l$482 réis as despesas doa serviços dos correios, telegraphos e pnaroes, a sua receita cobrada não ultrapassou 660:382$532 réis, o que representa um deficit total de 128:278$000 réis. Deduzindo d'esta a despesa de exploração dos pharoes, que se pode computar em réis 50:000$000 aproxidamente ainda resta um deficit de 78:000$000 réis, proveniente da exploração dos telegraphos e correios.

Em 1887-1888, segundo se deduz dos calculos expostos no relatorio do Ministro das Obras Publicas, Commercio e Industria, que antecede a organização dos serviços telegrapho-postaes, de 1 de dezembro de 1892, as receitas foram as seguintes:

Rendimento postal................. 744:418$210
Rendimento telegraphico............ 142:569$598

Total.......... 886:987$808

A despesa total dos correios, telegraphos e pharoes foi, neste anno, de 1.016:826$000 réis. Deduzindo d'esta somma a quantia de 58:258$240 réis, importancia da despesa com os pharoes, resta a de 909:567$760 réis, o que accusa um deficit de 72:579$952 réis.

Os resultados obtidos desde essa epoca encontram-se no mappa junto, elaborado á vista dos documentos das receitas cobradas e das despesas liquidadas.

Receitas e despesa nos annos abaixo designados

[ver tabela na imagem]

O exame d'este mappa demonstra de modo indubitavel não só o beneficio influxo que exerceu nestes serviços a reforma já citada de 1 de dezembro de 1892, como o progresso e desenvolvimento que elles teem tido nos ultimos tempos.

É certo que a melhoria das condições economicas do país, que tanto se vae accentuando e demonstrando por inequivocas manifestações de varias ordens muito tem contribuido e é a principal causa de tão prosperos resultados; é verdade que as reformas e alterações das taxas de certos serviços tem por vezes determinados accrescimos rapidos de receitas, como succedeu no anno de 1900-1901 e não é menos incontestavel que os ultimos contratos celebrados para o lançamento de novos cabos submarinos já dão notavel rendimento e deixam antever novas e importantes vantagens, num futuro proximo; mas é tambem fora de duvida que tintas causas por si só não são sufficientes para explicar aquella extraordinaria modificação no regime financeiro dos telegraphos e correios, que no periodo de vinte e dois annos passaram de um deficit de 78 contos a um saldo punitivo de quasi 700. Á melhor arrecadação das receitas e á mais perfeita fiscalização creada pela organização de 1892 se deve ir procurar uma das causas determinantes d'este facto.

Mas quaesquer que sejam essas causas, assente que o saldo positivo se mantem ha oito annos, com manifesta tendencia de progressivo augmento, é principio de boa administração que, pelo menos, uma parte d'elle seja invertido em melhoramentos e aperfeiçoamentos d'aquelles serviços que principalmente devem ser considerados debaixo do ponto de vista de conveniencia publica e não como fontes de receita.

Bem desejaria o Governo apresentar ao Parlamento uma proposta que realizasse plenamente esse desideratum; não julga, porem, opportuno faze-lo neste momento.

Limita por isso as suas aspirações a distribuir áquelles funccionarios, á semelhança de premio de exploração que se distribue aos empregados de rede ferro-viaria do Estado, uma percentagem da receita dos telegraphos e correios.

E porque essa porcentagem, a não ser muito elevada, mal contribuiria para augmentar de modo apreciavel as condições de remuneração de todas as classes de empregados telegrapho-postaes, reduz-se na proposta junta, a

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sua distribuição ás classes que, contribuindo mais poderosamente para o bom exito da exploração telegrapho-postal, não receberam augmento condigno de remuneração por virtude das disposições da carta de lei de 21 de junho de 1900 e do decreto da mesma data que regula a sua execução.

Eis as razões que levaram o Governo a elaborar a presente proposta de lei.

Artigo 1.° É o Governo auctorizado a applicar a quantia equivalente a 5 por cento das receitas designadas no artigo 11.° da organização dos serviços de contabilidade dos telegraphos e correios, approvado por decreto de 30 de dezembro de 1901, para o pagamento dos vencimentos de exercicio dos empregados telegrapho-postaes, sendo a parte restante distribuida aos mesmos empregados como participações nas receitas cobradas, nos termos dos artigos 90.° e 93.° da organização d'aquelle pessoal approvado por decreto da mesma data.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 25 de abril de 1902. = Manuel Francisco de Vargas.

Foi enviada á commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda.

Proposta de lei n.° 87-C

Senhores. - A falta de representação genuina e legitima da agricultura, indicadora dos mais importantes interesses e exigentes necessidades d'essa grande industria, e guia seguro para a melhor direcção e adaptação dos serviços publicos de fomento agricola, tem sido reconhecida, desde o principio do seculo passado, nos países mais adiantados da Europa, e acentua-se já no nosso país e tanto mais, quanto mais evidente se tem tornado a conveniencia de desenvolver e proteger a lavoura nacional.

A agricultura é certamente, na maior parte dos países civilizados, a mais importante de todas as industrias; mas, porque é a mais extensa e dispersa, a que mais tem de se modificar e de se casar com a naturesa varia do solo e do clima, é tambem aquella cujos interesses, conveniencias e necessidades mais difficeis se tornam, de apreciar e descriminar.

D'esse facto resulta que a representação dos interesses agricolas carece de ser mais especial, e ter uma feição mais local ou regional que a das industrias propriamente ditas e a do commercio, as quaes, aliás, em quasi todos os países avançados, teem tido, de ha muito, uma representação efficaz, constituida pelas suas Associações industriaes e commerciaes e pelas Camaras de commercio e de industria.

Já no relatorio que precede o decreto de 24 de dezembro de 1901, que reorganizou os serviços agricolas, caracterizei esta feição especial da representação dos interesses agricolas, nos seguintes periodos:

« Para sentir de prompto e a cada momento o que occorre e o de que se carece em cada região, ou ainda em cada localidade rural, no que respeita á sua agricultura, é indispensavel estabelecer no país como que um systema nervoso especial, sufficientemente sensivel, que relacione, ou ponha em communicação com o Governo cada orgão, cada membro, ou cada região de grande corpo agricola, que constitue a lavoura nacional.

«É a esse systema prescrutador e sensivel, destinado a revelar com opportunidade e promptidão os males que assoberbam a agricultura, e a proporcionar-lhe directa ou indirectamente o possivel remedio, que deve satisfazer a organização geral e especial dos serviços agricolas.

«É esta, a nosso ver, a concepção mais justa que se pode fazer d'estes serviços e ao mesmo tempo o mais elevado, necessario e adequado attributo que se lhes pode conceder ou impor.

«Os serviços agricolas teem, pois, de satisfazer a este duplo fim altamente util e humanitario: sentir o mal de que a lavoura possa soffrer e prestar-lhe assistencia, valimento, remedio, auxilio e a necessaria incitação, para que se erga, onde abatida, e se fortaleça e progrida, onde vigorosa e valida.

«Mas, porque ninguem sente mais a dor do que aquelle que directamente a soffre, é preciso que esse vasto systema nervoso tenha as suas ultimas ramificações entre a população rural e estas sejam constituidas por proprios elementos d'essa população.

«No presente projecto de organização dos serviços agricolas procura-se satisfazer a este principio e plano systematico, tomando para base dos serviços os elementos representativos da população rural, ou da agricultura, reunidos em Camaras de agricultura, cuja constituição será objecto da proposta de lei que o Governo tenciona submetter á approvação parlamentar, e em Conselhos districtaes de agricultura, onde tenham voz todos esses elementos intimamente relacionados com o pessoal technico, representante do poder central».

É á França que se deve a iniciativa da representação da agricultura desde que, pelo duque de Decazes foi creado, em 1819, o Conselho central de agricultura, auxiliado por membros correspondentes, escolhidos entre os proprietarios ruraes que se dedicassem com mais zêlo e sciencia ás questões agricolas, e os quaes deviam pôr em pratica, nas suas propriedades, os melhores methodos de cultura e dirigir ensaios culturaes, conforme os systemas indicados pelo conselho, que apreciava depois os resultados obtidos.

Em 1829, Martignac resolveu proseguir no caminho encetado, propondo a creação de Comicios agricolas em todos os cantões, de Comités de agricultura nas sedes dos arrondissements, de uma Camara agricola em cada departamento e de um Conselho superior em Paris.

A iniciativa d'estes dois ministros foi, porem, prejudicada pelas commoções politicas que então sobrevieram; tendo continuado, contudo, as reclamações dos agricultores, eram creados ao mesmo tempo, por decreto de 29 de abril de 1831, os Conselhos geraes do commercio e das manufacturas e o Conselho da agricultura, sendo este composto de trinta proprietarios ruraes ou membros de Sociedades agricolas.

Com quanto, porem, as Camaras de commercio elegessem os seus delegados para o respectivo Conselho geral, e o Conselho geral das manufacturas elegesse vinte dos seus membros, para completar o total de cincoenta, os vogaes do Conselho de agricultura eram todos nomeados pelo Poder central.

No intuito de conceder á lavoura representação directa, foi apresentada uma proposta ao Parlamento em 1840, por Defitte e Beaumont, cuja iniciativa foi renovada em 1841; outra em 1848, por Tourret, ministro da agricultura, e, em 1849, Lanjuinais submettia ao Conselho de Estado projecto identico: mas nenhum d'estes projectos logrou obter a sancção legislativa.

Em 1850, apresentava o Barão de Ladoucette, na Assembléa nacional, uma proposta no mesmo sentido; a qual, antes de ser discutida, era submettida tambem, pelo rsepectivo ministro, á apreciação do Conselho geral da agricultura, que, por unanimidade, reconheceu a utilidade e urgencia d'essa reforma.

Ao mesmo tempo terminava a commissão parlamentar o exame do projecto, cuja adopção era proposta no respectivo relatorio. Em 1851, as conclusões d'este relatorio foram approvadas pela Assembléa legislativa, sendo votada a lei de 20 de março d'esse anno, que organizava a re-

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da agricultura pela seguinte forma: um ou mais Comicios agricolas em cada arrondissement; uma Camara de agricultura em cada departamento, composta de vogaes eleitos pelos Comicios ou pelas Sociedades agrícolas, sendo um por cada cantão, e tendo sessões annuaes; e, finalmente, um Conselho geral de agricultura, constituído por membros eleitos pelas Camaras de agricultura, com a sede em Paris. Este Conselho, que tinha um vogal por cada departamento, podia aggregar dez agricultores distinctos, e tinha sessões annuaes, que duravam um mês.

Os notaveis acontecimentos, que nessa epocha sobrevieram e transformaram a constituição politica da França, reflectiram se, porem, immediatamente no systema da representação agricola, estabelecida pela mencionada lei, que foi substituida pelo decreto de 25 de março de 1852, que supprimiu ou alterou os princípios essenciaes d'essa Organização.

A lei francez de 21 de março de 1851, creando os Comicios agricolas, constituidos por todos os proprietarios, rendeiros, colonos e seus filhos de mais de vinte e um annos, domiciliados ou possuindo as suas propriedades na circumscripção do Comido, e dando a estes a faculdade de eleger um vogal para a camara de agricultura do respectivo departamento, instituía em França a genuína e legitima representação dos interesses agricolas. Pelo contrario, o decreto com força de lei de 25 de março de 1852, prejudicou a genuinidade d'essa representação; porque, ao passo que substituia as Camaras de agricultura departamentaes por Camaras consultivas de agricultura d'arrondissement, compunha estas de vogaes nomeados pelos prefeitos dos mesmos arrendissements, e constituia o Conselho de membros nomeados pelo Ministro, sendo oitenta e seis escolhidos entre os vogaes das Camaras agricolas e quatorze estranhos ás mesmas Camaras.

É este o systema que está ainda em vigor em França, com pequenas modificações, na parte que respeita ao Conselho geral, introduzidas e successivamente alteradas pelos decretos de abril de 1872; 5 de maio de 1873; l de outubro de 1879 e 25 de julho de 1882.

A agricultura francesa tem, porem, continuado as suas reclamações, que echoaram no Parlamento, á apreciação do qual Picard e mais dezoito deputados, em 25 de janeiro de 1870, submetteram uma proposta de lei tendente a dar-lhes satisfação; Andelarre, Goerg e de Chambrun, em 15 de fevereiro do mesmo anno, apresentaram outra proposta, na qual se estabelecia a representação agricola successiva: do cantão, pelo Comicio agrícola, do departamento, pela Camara de agricultura, e do país, pelo Conselho geral de agricultura. Os Comicios, constituidos por membros livres e por membros nomeados pelos eleitores politicos, escolheriam os membros das Camaras departamentaes de agricultura, que, a seu turno, elegeriam os membros do Conselho geral; d'este fariam parte tambem dez membros nomeados pela Sociedade dos agricultores de França.

Em 10 de maio de 1872, propoz Lespinasse o restabelecimento da lei de 1851, que derivara da proposta de Ladoucette, introduzindo-lhe, contudo, algumas modificações, e a 18 do mesmo mês, já Saint-Victor, Bouillé e mais trinta e oito deputados apresentavam outra proposta, pedindo o regresso puro e simples á mesma lei de 185l.

Passados onze annos, o Barão de Ladoucette apresentou ao Parlamento uma nova proposta organizando os Comícios agricolas como na lei de 1851, as Camaras representativas da agricultura, cujos membros seriam eleitos por collegios eleitoraes agrícolas, e um Conselho central do agricultura, tendo a maioria dos seus vogaes eleitos pelas mesmas Camaras e pelas Sociedades agricolas.

A esta proposta, tomada em consideração pela Camara, umas que não chegou a ser discutida, succedeu um projecto de lei apresentado em 24 de março de 1884 pelo Ministro da Agricultura, o qual, posto que mais restricto, se approximava da proposta de Ladoucette. Tomado em consideração, não foi, comtudo, discutido na Camara.

No anno seguinte, a 26 de março, tambem Bouthier de Rochefort, acompanhado por mais alguns dos seus collegas, apresentou uma proposta ao Parlamento para a organização da representação agrícola, cuja iniciativa renovou alguns annos depois.

A 10 de dezembro de 1885, Méline e Jules Ferry renovaram a iniciativa do projecto governamental de 24 de março de 1884, introduzindo-lhe, porem, algumas ampliações relativas aos Syndicatos profissionaes e aos Bancos agricolas. Por tres vezes Méline renovou, em annos successivos, esta iniciativa, completando o projecto com a instituição de um Conselho superior de agricultura eleito; mas, apezar da importancia do assumpto, outros mais instantes lhe tiraram a vez da discussão.

Ao projecto Méline succedeu ainda, em 25 de janeiro d 1890, outro, analogo, do Conde de Pontbriand, e em 15 de março de 1890 apresentou o Barão de Ladoucette o seu terceiro projecto, identico ao de 1883, com algumas disposições modificadas em vista dos votos emittidos pelos Comícios e Syndicatos agricolas.

As propostas de Pontbriand, Méline, de Ladoucette e Bouthier de Rochefort foram apreciadas no relatorio do Cordier, acompanhado de um novo projecto, que, apresentado tarde, não foi discutido.

A 27 de fevereiro de 1894 e em 28 de junho de 1898, foi renovada no Parlamento a proposta de Pontbriand, e a 9 de junho de 1894 e 4 de julho de 1898 a proposta Méline, ambas com pequenas modificações, mas sem comtudo lograrem discussão, comquanto fossem examinadas por uma commissão, a qual apresentou um projecto de que foi relator Emile Chevallier.

Em 1898, a 10 de novembro, ouvia a Camara ler o projecto de Vigier, Ministro da Agricultura, identico ao de Mélino, porem, menos completo.

Finalmente, o Ministro da Agricultura, Dupuy, apresentava em 17 de fevereiro de 1900 um projecto semelhante ao de Méline. A Commissão de agricultura, á qual foram remettidos estes projectos, resolveu tomar para base da discussão o relatorio de Chevallier que novamente foi nomeado relator.

As tentativas acima enumeradas, feitas por Deputados e Ministros, para organizar em França a representação genuína da agricultura, mostram bom que o principio d'essa representação vae sendo reconhecido pelo Parlamento e pelo Poder executivo, naquelle país; e se as propostas apresentadas, conquanto hajam sido consideradas, não só de utilidade, mas até de urgencia, não chegaram ainda a ser discutidas, isso só prova mais uma vez a falta que á agricultura faz uma representação idonea e genuína que, como diziam Andelarre, Goerg e Chambrun no relatorio da sua proposta de 1870, revele ao pais primeiro, ao Ministro da Agricultura em seguida, o quadro vivo das prosperidades, dos soffrimentos, das aspirações e dos votos da lavoura, para que o paiís saiba sempre e o Ministro não esqueça nunca.

Em Argel, a creação das Camaras de agricultura prece deu ainda a das Camaras da metropole, tendo sido realizada por decreto de 6 de outubro de 1850. Teve, porém, sorte identica á da lei de 1851. A constituição das Camaras argelinas era electiva; mas por decreto de 22 de outubro de 1853 a nomeação dos vogaes ficou nas mãos do Governador geral, e por effeito do decreto de 27 de outubro de 1858 e da resolução ministerial de 22 de outubro de 1859 passou a sor attribuição do Ministro de Argel.

Depois, passaram os serviços agricolas argelinos a ser subordinados directamente ao Governador geral, por effeito do decreto de 31 de dezembro de 1896, ficando a agri-

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cultura argelina sem representação official, propria, até que, pelo decreto de 31 de março ultimo, foram novamente creadas as Camaras de agricultura em Argel.

Este decreto institue, para cada um dos 3 departamentos da Argelia, uma Camara de agricultura, cujas funcções são exclusivamente consultivas.

Na sua contextura geral, o recente decreto pode dizer-se uma adaptação, ás condições especiaes da população argelina, das propostas de lei, que nos ultimos 20 annos teem sido apresentadas no Parlamento francês, resultando da distincção, que é feita entre a população indigena ou propriamente argelina e a população francesa, a principal differença, que se nota entre as mesmas propostas de lei e aquelle decreto.

Cada Camara de agricultura é constituída por 16 membros franceses, eleitos por escrutinio de lista, e por 6 membros indigenas nomeados pelo Governador Geral.

Para a eleição dos membros franceses, o territorio de cada departamento, incluindo a parte sujeita á auctoridade militar, é dividido em quatro circumscripções, cada uma das quaes será representada por 4 membros.

Dos membros indigenas, 4 representam o territorio sujeito á administração civil e 2 o sujeito á auctoridade militar.

Para a nomeação dos 4 membros indigenas, que representam o territorio administrado civilmente, o prefeito propõe, por cada uma das 4 circumscripções do seu departamento, uma lista de 3 nomes por elle escolhidos entre os dos indigenas que residam nas mesmas circumscripções, pelo menos, ha 3 annos.

Para a escolha e nomeação dos dois membros indigenas que representam o territorio ainda subordinado á administração militar, o respectivo General de divisão apresenta ao Governador geral uma lista de seis nomes por elle apurados entre os dos indígenas que tenham, pelo menos, 3 annos de residencia no mesmo territorio.

Serão eleitores os que forem cidadãos franceses, pelo menos ha 12 annos, tenham completado 25 annos de idade, residam ha 3 ou mais annos na Argelia e satisfaçam a alguma das seguintes condições:

1.° De serem agricultores, arboricultores, horticultores, viveiristas, jardineiros, hortelões, residindo ha l anno, ao menos, na communa, e cuja principal ou unica profissão seja a exploração rural ou florestal do solo, como proprietarios, usufructuarios, feitores, locatarios, fazendeiros ou colonos em parceria;

2.° De serem proprietarios ou usufructuarios de fundo rural ou florestal, não explorando por conta propria, mas que possuam esse fundo e residam no departamento, pelo menos, ha 3 annos;

3.° De serem operarios agricolas, occupando-se constante e exclusivamente de trabalhos rusticos, sendo domiciliados, pelo menos, ha 2 annos na respectiva circumscripção;

4.º De serem directores, professores ou repetidores de estabelecimentos de ensino agricola, horticola, florestal ou veterinario, ou directores de estações agronomicas e econologicas, ou professores departamentaes ou especiaes de agricultura, residentes no departamento.

As mulheres, que satisfaçam ás condições do n.° 1.° e ás de idade e residencia designadas para os eleitores masculinos, tambem são recenseadas como eleitores, se estão no gozo dos seus direitos civis.

A lista dos eleitores é revista todos os annos, em cada communa, pela, commissão encarregada da confecção e revisão do recenseamento eleitoral ordinario.

São elegiveis os eleitores agricolas, que tenham completado trinta annos, residentes na respectiva circumscripção, exceptuando, porem, as mulheres e os funccionarios que não satisfaçam a alguma das condições dos n.ºs 1.° e 2.°

Os vogaes são eleitos ou nomeados por seis annos e renovados, por metade, de tres em tres annos, e reelegiveis.

O primeiro turno a sair é tirado á sorte, quer para os franceses, quer para os indigenas.

Ha duas sessões ordinarias por anno, uma em maio e outra em novembro, podendo durar oito dias cada uma. Podem, porem, reunir em sessão extraordinaria a pedido do Governador geral, ou de metade dos vogaes, dirigido ao prefeito do respectivo departamento.

A mesa é constituida por l presidente, 2 vice-presidentes e 2 secretarios, eleitos por l anno, e reelegiveis.

As Camaras de agricultura argelinas apresentam ao governador geral, por intermedio do prefeito, os seus pareceres ou consultas sobre as questões de interesse agricola.

São consideradas instituições de utilidade publica, podendo adquirir, receber, possuir e alienar, depois de devidamente auctorizadas.

Fazem o seu orçamento, que é vizado pelo prefeito, e enviado ao Conselho geral do departamento, sendo exclusivamente destinado ás despesas de confecção das listas eleitoraes, e ás de expediente.

Nas condições actuaes da colonia, attenta a pouca densidade da sua população e a separação d'esta em duas classes, francesa e indigena, ainda muito pouco preparadas para uma reciproca assimilação ou igualização, não seria certamente possível nem conveniente uma organização em que os franceses e os indigenas entrassem nas mesmas condições de igualdade, nem exequível o estabelecimento das Camaras de agricultura por circumscripções que não fossem os departamentos. Nestas circumstancias, comprehende-se tambem que as Camaras de agricultura argelinas tenham apenas funcções consultivas, visto que as funcções executivas e administrativas são mais proprias de Camaras destinadas á defesa e administração de interesses locaes, ou de pequenas regiões ou circumscripções.

A Tunísia tambem já possue uma representação directa e genuina da sua lavoura na sua Camara de agricultura, creada em 1892 por uma portaria de Massicault, Residente geral.

Esta Camara, constituida por doze membros titulares eleitos, pode nomear seis membros correspondentes, sendo dois para cada uma das tres regiões em que está dividido o pais.

O collegio eleitoral é constituído por agricultores ou cultivadores que, por qualquer titulo, explorem ou cultivem o solo, ou exerçam qualquer profissão ou officio agricola em Tunis, tendo, pelo menos, vinte e cinco annos de idade e seis meses de residencia no país.

A Camara de agricultura de Tunis é considerada estabelecimento de utilidade publica.

Na Belgica, a organização actual da representação agrícola baseia-se nos decretos de 18 de outubro de 1889 e 21 de fevereiro do 1898. Comprehende os Comícios agrícolas, cujas circumscripções são fixadas pelo Governo, as Sociedades provinciaes de agricultura e o Conselho superior de agricultura.

Os Comicios são compostos de vogaes effectivos e vogaes honorarios. Os primeiros devem ser propostos por outros dois vogaes effectivos, ter o seu domicilio ou residencia na respectiva circumscripção, ou, pelo menos, possuir nesta uma exploração rural.
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As Sociedades provinciaes são constituidas pela federação dos Comicios agricolas de cada província e representadas pela assembléa dos delegados escolhidos pelos mesmos Comícios.

O Conselho Superior da Agricultura é composto de dois

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delegados por cada Sociedade provincial da agricultura e de nove membros nomeados pelo Rei.

Esta organização, segundo o testemunho de Georges Everard, secretario da Sociedade Central de Agricultura de Belgica, funciona, bem e regularmente.

Em Inglaterra, existem os Camaras de agricultura, mas livrou a independentes. Alem de uma Camara central em Londres, funccionam as Camaras das províncias, distribuidas pelos condados e districtos, ha perto de quarenta annos.

A Camara central representa a federação das Camaras da província, dos centros agricolas e de outras instituições ruraes analogas.

A instancias das Camaras de agricultura, foi creado um Conselho superior de agricultura em 1889, o qual serve de intermediario entre as mesmas Camaras e o Governo.

Os socios das Camaras pagam uma quota annual, muito pequena para os operarios ruraes, e mais elevada para os proprietarios; e rendeiros. Só são admittidos mediante apresentação pelos socios effectivos.

As Camaras de agricultura de Inglaterra teem já conseguido leis de protecção á agricultura, não obstante a sua organização independente.

Na Italia, alem dos Comicios agricolas creados em decreto, referendo por Cordova, de 23 de dezembro de 1866, que se regulara actualmente pelas disposições do decreto de 22 de junho de 1879, apenas existe o Conselho do agricultura, reorganizado por decreto de 31 de dezembro de 1890; em 1872, porem, o senado chegou a votar uma proposta de lei do ministro Castaguola, creando as Camaras do agricultura, as quaes deviam ser constituídas por delegados dos Comicios agricolas na razão de um delegado por cada cincoenta mil habitantes.

Cada Camara de agricultura teria como circumscripção uma região agricola e não uma divisão política ou administrativa, no sentido de poder representar, quanto possivel, interesses homogeneos, e seria considerada instituição de utilidade publica, sendo-lhe permittido possuir e administrar rendimento e bens proprios.

Cada communa devia inscrever no seu orçamento, como despesa obrigatoria, uma verba annual, na razão de duas liras por cada cem habitantes, sendo metade para o Comicio agricola e metade para a Camara de agricultura da respectiva circumscripção.

As Camaras de agricultura poderiam federar-se entre si e corresponder-se com as demais instituições agricolas.

Outras tentativas teem sido feitas em Italia para melhoria e desenvolvimento da representação dos interesses agricolas, como foi, na, sessão legislativa de 1882-1886, a proposta do ministro Grimaldi, denominada Riordinamento delle rappresentara agrarie, e, na sessão de 1895-1897, a proposta do senador Griffini, intitulada Istituzione delle Camere di agricultura.

Mais recentemente, em 1901, foi apresentada, pelo deputado Maggiorino Ferraris, uma proposta de lei tendente a organizar a representação dos interesses agrícolas sob a forma de Uniões agrarias, mundamentaes regionaes e nacional, constituindo entidades moraes, com personalidade juridica, podendo fazer actos de commercio, receber doações e legados e possuir os bens immoveis, necessarios aos seus fins.

As attribuições das Uniões agrarias, segundo a referida proposta, são ao seguintes:

Organizar a lista ou relação dos proprietarios, dos eleitores agrarios e dos membros da União;

Promover a instrucção agraria, especialmente por meio de cadeiras ambulantes de agricultura;

Fornecer a prompto pagamento aos seus membros, nas melhores condições de preço e de qualidade: sementes, adubos, substancias chimicas, machinas e todos os generos necessarios para a sua exploração, com exclusão de qualquer operação de commercio, por parte dos proprios membros;

Exercer com os seus membros o credito agrario, em conformidade com as disposições da lei;

Organizar e promover o serviço veterinario, os postos de cobrição e todas as demais instituições destinadas ao melhoramento e á hygiene do gado;

Organizar e dirigir a lucta contra a phylloxera e contra as doenças das plantas;

Promover entre os proprios membros e por conta d'elles, instituições mutuas e cooperativas para a conservação, preparação, seguro, venda no país e exportação dos productos do solo;

Promover o estabelecimento de armazens de deposito para productos agricolas, e organizar o respectivo credito;

Promover a creação de instituições de previdencia para os lavradores e camponezes, e especialmente no que respeita aos contratos agrarios, a arbitros avindores, á emigração, ás doenças, aos infortúnios e á invalidade;

Prover á execução das leis sobre a organização jurídica da propriedade, o cadastro, a arborisação, a caça, a a pesca, nos termos das leis em vigor;

Promover a adopção de medidas de indole geral a favor da propriedade, da agricultura e das classes ruraes.

Nesta proposta são considerados membros da União agraria, usando dos respectivos direitos e deveres, os eleitores agricolas, os contribuintes do imposto fundiario por bens situados na circumscripção da União, e os feitores, colonos e rendeiros de bens rusticos, situados na mesma circumscripção.

Cada União deve eleger o respectivo Conselho.

Os Conselhos das Uniões mandamentaes (mandamentale) e regionaes, devem reunir duas vezes por anno: no outono e na primavera.

O Conselho da União agraria nacional reunirá apenas uma vez por anno.

São estes Conselhos que mais propriamente podem ser comparados ás Camaras de agricultura.

Cada Conselho de União agraria deverá nomear a sua Junta agraria permanente, composta de seis membros, nas Uniões mandamentaes; doze membros nas regionaes e vinte e quatro membros na União nacional.

Estas Juntas devem funccionar como commissões executivas dos Conselhos e Uniões.

Na Prussia foram as Camaras de agricultura instituidas por decreto de 3 de agosto de 1895 para as províncias da Prussia Oriental, Prussia Occidental, Pomerania, Brandeburgo, Posen, Silesia, Saxe, Schleswig-Holstein, assim como para as regencias de Cassel e Wiesbaden, sendo os seus vogaes eleitos pelos landkreise (círculos ruraes) que formam as circumscripções eleitoraes. Cada Camara conta 32 a 124 vogaes, elegendo cada circumscripção 2 a 3.

Estas Camaras são provinciaes; a sua creação é facultativa e pode ser determinada por decreto real, ouvida a Dieta da província respectiva. O mesmo decreto pode crear mais de uma Camara para a mesma província.

Compete a estas Camaras a defesa dos interesses agricolas e florestaes das respectivas províncias, a manutenção de todas as instituições destinadas á melhoria da situação da propriedade rural, o promover a organização de co-

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operativas de agricultores e os progressos technicos da lavoura.

Podem emittir pareceres sobre as questões e assumptos de interesse agricola, e teem o dever de auxiliar as auctoridades administrativas apresentando-lhes alvitres e communicando-lhes factos e informações que interessem a agricultura e silvicultura.

Cumpre-lhes ainda collaborar no estudo das providencias que respeitem ao credito rural e outros assumptos de interesse collectivo, e, para facilitarem os progressos culturaes, é-lhes permittida a absorpção das Sociedades de agricultura já existentes e gerir os seus bens, assegurando as suas obrigações e formando com todos os agrupamentos locaes preexistentes um unico organismo.

Os membros d'estas Camaras são eleitos por seis annos, sendo renovada metade do seu numero de tres em tres annos.

As Camaras elegem as suas mesas; teem sessões, pelo menos, annuaes; organizam o seu orçamento; podem contrair emprestimos, adquirir ou vender bens de raiz, aggregar membros extraordinarios, constituir commissões, conceder a certos membros diversas indemnizações, fixar o assumpto das suas sessões, e entender-se com as demais Associações agrícolas da mesma província.

A sua receita é constituida pelo rendimento dos seus bens e pelos subsidios do Estado. Se, porem, estes meios são insufficientes, podem recorrer ainda a uma contribuição sobre as propriedades que dão direito á elegibilidade, applicada proporcionalmente ao rendimento collectavel, a qual é cobrada pelas communas e districtos, para ser entregue ás respectivas Camaras de agricultura, não podendo exceder a meio por cento da contribuição predial.

Pela breve noticia que deixo exarada, sobre a constituição das Camaras de agricultura e representação dos interesses agricolas nos países onde mais se tem curado d'este assumpto, se vê que, sendo para alguns d'elles ainda questão de estudo e discussão, noutros, pelo contrario, constitue já uma realidade, produzindo os seus effeitos práticos e salutares.

Vê-se tambem que nas organizações mais recentes, e nas propostas de lei, quer de origem ministerial, quer parlamentar, a constituição d'essas Camaras assenta na eleição. Assim é que em França os projectos mais modernos, ainda dependentes de resolução do parlamento, que visam á reforma das Camaras de agricultura, e em Italia os projectos para a instituição d'essas Camaras, ou para a creação de instituições equivalentes, se baseam todos no sufragio das classes ruraes.

É este o principio que tambem adopto, como base fundamental e essencial das Camaras de agricultura no nosso país.

As Camaras de agricultura, conforme estão traçadas na presente proposta de lei, terão funcções consultivas, deliberativas, administrativas e executivas.

São, portanto, corporações semelhantes ás Camaras municipaes, sendo como estas eleitas por uma parte da população concelhia, e tendo por fim, dentro de certos limites, que, com o tempo e boa vontade dos municípios, poderão alargar-se ainda, o administrar tambem uma parte dos interesses dos concelhos respectivos, isto é, os interesses agricolas, para os quaes certamente terão maior competencia; deixando aos municípios principalmente a administração dos negocios e interesses economico-sociaes dos respectivos concelhos.

Todos os serviços de fomento agricola, que possam ter applicação em qualquer concelho, bem como os serviços contra as epiphytias, contra as epizootias e outros flagellos da agricultura, poderão ser prestados ás populações ruraes por intermedio das respectivas Camaras de agricultura.

Até ao presente, os serviços agricolas eram desempenhados em cada districto apenas pelo Agronomo, pelo Intendente de pecuaria e pelo Conselho districtal de agricultura; quando em cada concelho haja uma Camara de agricultura, tendo nove, doze ou quinze vogaes, serão cem a duzentos agricultores que, em cada districto, auxiliarão, nas respectivas freguesias, os serviços do agronomo e do intendente de pecuaria em beneficio da agricultura local, promptos sempre a reclamar qualquer beneficio, que do Estado possam esperar por intermédio dos serviços agrícolas officiaes.

Os Conselhos districtaes de agricultura, os agronomos e os intendentes de pecuaria achavam-se até aqui desacompanhados nos districtos administrativos, sem uma unica entidade em cada concelho, que os coadjuvasse e ao mesmo tempo concorresse para a utilização e valorização dos seus serviços technicos. Com o apoio e coadjuvação das Camaras de agricultura, não só os seus serviços se tornarão mais uteis, frequentes e assiduos, mas ainda muito mais variados.

Com as Camaras de agricultura tornar-se-ha facil a colheita opportuna de informações sobre o estado das culturas; sobre os flagellos das plantas; sobre os prejuízos causados por esses flagellos e pelas calamidades eventuaes; poder-se hão obter noticias seguras sobre as novidades pendentes, e será possível a elaboração de estatisticas, dignas de fé, das producções. Hoje, só pela inspecção directa, serviço moroso e caro, se pode saber com approximação o estado das novidades ou a realidade das colheitas, cujo conhecimento tão necessario e importante é, no proprio interesso da lavoura, principalmente no que respeita aos cereaes.

Os Conselhos districtaes de agricultura, constituídos por vogaes eleitos pelas Camaras de agricultura, apoiados e relacionados, portanto, com as mesmas Camaras, encontrar-se-hão tambem em muito melhores circumstancias para informar o Governo relativamente ás questões sobre que sejam consultados, e para defender com justo conhecimento de causa os verdadeiros interesses da agricultura districtal.

Feita summariamente a justificação geral da conveniencia e utilidade das Camaras de agricultura, como instituições de fomento agricola e directos representantes dos interesses da lavoura local o regional, resta justificar o delineamento da presente proposta de lei, cuja essencia e forma o vosso criterio, analyse e discussão por certo conseguirão melhorar.

A questão mais importante a resolver como base da organização das Camaras de agricultura, é certamente a da respectiva circumscripção.

Devo esta ser a região agricola, ou a divisão administrativa? E neste ultimo caso, qual das tres divisões, freguesia, concelho e districto, deve ser a adoptada?

O criterio, que tem de guiar e resolver a escolha e preferencia da circumscripção, deve ser o fim, a maior proficuidade e a maior facilidade dos serviços das instituições que se trata de crear.

As Camaras de agricultura devem conhecer perfeitamente as condições physicas, economicas e sociaes das respectivas circumscripções, o que, desde logo, determina a impossibilidade de adoptar para esphera da sua acção grandes regiões agricolas, ou grandes divisões administrativas. O vogal que residisse e fosse viticultor no Cadaval, mal poderia apreciar as conveniencias da lavoura no concelho e Grandola. Por outro lado, tendo de ser gratuitas as funcções das Camaras de agricultura, seria difficil reuni-las nas sedes de grandes regiões, tanto pelas despesas de

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viagem, como pelo transtorno que resultaria da demorada ausencia, para as explorações agricolas e outros interesses particulares dos seus vogaes.

Para que os serviços das Camaras de agricultura sejam desempenhados, pelos seus vogaes, com zelo e dedicação, é indispensavel que tenham, como estimulo, não só a influencia do proprio interesso dos membros que as constituem, mas ainda as vistas de conterraneos que os conheçam, e cujos interesses se identifiquem aos d'elles.

Na pequena ou mediana circumscripção, onde todos se conhecem e observam, os membros da Camara de agricultura encontram mais incentivo nos proprios sentimentos, no amor da sua terra, no desejo de lhe serem uteis, como maior incitamento nos seus patricios, que os animam, auxiliam e estimulam.

Qual será, porem, essa pequena ou mediana circumscripção, que deve preferir-se? A região agricola, caracterisada por determinadas condires de solo e de clima, com aptidão para certas culturas e restrictos systemas de exploração rural, ou o typo de divisão administrativa mais consuetudinario e que mais se liga e confunde com o que se chama a nossa terra, pela tradição e pelo costume, isto é, a freguesia e o concelho?

A primeira vista e á luz da sciencia, pareceria preferivel a região agricola. Ahi, sendo mais concretas as condições da lavoura, os interesses agricolas a defender seriam, por isso mesmo, mais homogeneos e harmonicos; mas sobreviriam difficuldades praticas, que não seria facil resolver, pelo menos, na actualidade e para uma execução immediata: sendo a primeira, que essas regidos se não encontram ainda geographicamente definidas, nem convenientemente estudadas; e a segunda que, se o estivessem, mostrar-se-hiam irregularmente conformadas, reciproca e multiplicadamante peneiradas e reenterantes, apresentando insuperaveis obstaculos aos serviços locaes das Camaras de agricultura, bem como aos de relação d'estas instituições com ao diversas auctoridades e municípios, em cujas circumscripções poderiam ficar comprehendidas. Effectivamente, deveria succeder que muitas d'essas regiões abrangeriam partes do mais de um districto, e muitos concelhos e até mesmo algumas freguesias seriam retalhados por mais de uma região.

Parece-me, pois, mais acceitavel a circumscripção administrativa. O districto seria extenso em demasia, força é eliminá-lo. Reatam o concelho e a freguesia, que mais se confundem com a nossa terra.

Certamente, cada um conhece melhor a sua freguesia que o seu convelho, sendo obvio que ha mais homogeneidade de interessas agrícolas n'aquella que neste; mas é facil reconhecer que a área da freguesia seria restricta de mais: porque em grande parte das parochias ruraes não seria possivel encontrar numero sufficiente de indivíduos em condições de cabalmente poderem desempenhar as funcções de membros das Camaras de agricultura, e, por outro lado, estas tornar-se-iam tão numerosas, que não haveria facilidade em compulsar e comparar os seus pareceres e informações, nem para os Conselhos districtaes de agricultura, nem para as estações superiores. Indispensavel seria crear outras instituições intermediarias, congeneres, o que viria complicar o mechanismo da representação agricola.

Resta portanto, por exclusão de partes, o concelho, como circumscripção typo para a camara de agricultura.

Como organização systematica, conviria que a creação d'estas instituições fosse obrigatoria para todos os concelhos, devendo cada um ter a sua Camara de agricultura; contudo, a difficuldade apontada, com respeito ás freguesias, pala falta, que muitas teriam, de indivíduos competentes, dar-se-hia talvez ainda em alguns concelhos.

Por isso, como medida de transição, parece conveniente deixar facultativa a creação das Camaras de agricultura em cada concelho e permittindo alem d'isso o grupamento de dois ou mais concelhos limitrophes para constituirem a circumscripção de uma d'essas Camaras.

Na presente proposta de lei, estas corporações agrícolas teem, alem dos fins representativos da agricultura local, que se podem resumir nas suas funcções consultivas e na defesa dos interesses da mesma agricultura, a faculdade de desempenharem o papel de agentes activos dos serviços de fomento agricola, promovendo, desenvolvendo e exercendo até, em proveito das classes agricolas das respectivas circumscripções, a cooperação, o mutualismo e a instrucção rural, quer por meio de estabelecimentos adequados a esse fim, quer por meio de trabalhos, construcções e obras para utilidade agricola das mesmas circumscripções.

Seria para desejar que as Camaras de agricultura tivessem tantos vogaes quantas as freguesias comprehendidas nas respectivas áreas, para que fosse representada cada freguesia por um vogal; mas, porque ha concelhos com um grande numero de freguesias, principalmente nos districtos mais populosos do país, e pela difficuldade que algumas vezes haveria em eleger um vogal por cada freguesia, parece conveniente que, por enquanto se resuma o numero de vogaes a nove, doze ou quinze, a fixar pelo Governo no alvará da creação de cada Camara.

Conforme a proposta, a substituição dos vogaes das Camaras de agricultura, que são eleitos para servirem por seis annos, faz-se biennalmente por turnos, formados pelo terço do numero total dos mesmos vogaes. D'esta forma, cada turno que entra encontra um já com quatro annos do serviço e outro com dois annos, o que é tão conveniente para a regularidade, estabilidade e boa administração, como para manter a indispensavel tradição no systema administrativo de cada Camara, e para evitar os effeito da inexperiencia.

Como nos projectos franceses e italiano, a que me referi, as Camaras de agricultura propostas teem a qualidade de entidades moraes, com personalidade civil e juridica, podendo exercer actos de commercio, receber doações e legados, e possuir bens moveis e immoveis necessarios ao exercício das suas attribuições. É a consequencia necessaria das funcções executivas e administrativas concedidas na proposta de lei ás mesmas instituições.

Os regulamentos prescreverão, porem, os preceitos necessarios e seguros para uso das faculdades concedidas.

Muitos dos preceitos estabelecidos no Codigo administrativo para as Camaras municipaes, no que respeita á organização e modo de funccionar, ás reuniões e deliberações, á competencia e attribuições, são applicados na presente proposta de lei ás Camaras de agricultura; o que deverá influir para que estas instituições tenham o caracter de importancia e seriedade que tanto lhes convem.

Sendo as funcções das Camaras do agricultura: consultivas, deliberativas, executivas e administrativas, é-lhes permittido distribuir as duas ultimas especies de faculdades, excepto no que respeita á secretaria, pelos seus membros, consoante as respectivas aptidões; o que tem por fim estabelecer a conveniente divisão dos serviços, facilitando ao mesmo tempo a sua boa execução.

Alem das duas epocas ordinarias de reunião, uma em maio, outra em novembro, podem as camaras ser convocadas opportunamente pelo Governador civil, por ordem superior, ou a pedido escrito de um terço, pelo menos, dos seus vogaes. Esta disposição habilita o Governo a ouvir as mesmas camaras em qualquer época do anno, quando o julgue necessario, assim como lhes permitte resolver ou deliberar, a tempo, sobre qualquer assumpto eventual de interesse agricola local ou geral.

O artigo 16.° da presente proposta de lei, expondo mi-

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nuciosamente varios assumptos sobre que as camaras de agricultura podem ser ouvidas, mostra bem claramente quanto estas utilissimas instituições poderão concorrer para o conhecimento da economia agrícola do país e para facilitar e auxiliar a administração publica, principalmente no que respeita á mais importante das nossas industrias, a lavoura nacional.

As funcções executivas e administrativas das camaras de agricultura encontram-se tão amplamente particularizadas nos artigos 17.°, 18.°, 20.° e 21.° da proposta de lei, que bem revelam quanto estas corporações poderão influir no fomento e progresso da agricultura das respectivas circumscripções e do pais, em geral, dispensando qualquer commentario.

Sendo as Camaras de agricultura tão legitimos representantes dos povos das respectivas circumscripções como as Camaras municipaes, não haverá inconveniente, mas vantagem, em que toda a parte da administração municipal, que se relaciona directamente com os interesses agricolas, como é a dos terrenos e pastagens de logradoiro commum e a da viação vicinal, venha a passar, de accordo ou por concessão dos municípios, para aquellas Camaras.

Estas Camaras, como consequencia necessaria das faculdades e attribuições que lhes são conferidas, carecem de ter os seus orçamentos de receita e despesa, para cuja organização estatuem os artigos 24.° a 26.° os preceitos que pareceram mais convenientes e adequados, ficando contudo os mesmos orçamentos sujeitos a approvação superior, conforme o regulamento determinar, bem como os actos da gerência, alem de que as referidas corporações ficarão subordinadas, como se dispõe no artigo 29.°, ás disposições penaes do titulo x e ás obrigações do capitulo III, titulo XI, do Codigo administrativo vigente.

* * *

O capitulo III da proposta de lei prescreve as condições e qualidades exigidas aos eleitores, abrangendo as diversas classes agricolas, com exclusão, entretanto, dos jornaleiros, que a outro titulo não possam ser recenseados. São incluídas no recenseamento dos eleitores as mulheres, na posse e administração dos seus bens, satisfazendo ás condições em que os homens tambem são recenseados. Tambem já nas propostas francesas e italianas foi admittido este principio.

Quanto ás operações e preceitos do recenseamento, são adoptadas as disposições applicaveis da lei eleitoral vigente.

São elegiveis, segundo a proposta de lei, os eleitores masculinos, que saibam ler e escrever, que não tenham menos de trinta annos e paguem contribuição predial não inferior a 10$000 réis por anno.

Para a eleição, é prescripto processo analogo ao determinado na lei eleitoral vigente, com as convenientes simplificações,

Taes, são, senhores, as considerações, que me parecem poder justificar e fundamentar a proposta de lei, que tenho a honra de submetter á vossa esclarecida deliberação.

Proposta de lei

Camaras de agricultura

CAPITULO I

Constituição, fins, circumscripção e sede

Artigo 1.° É concedida aos proprietarios de bens rusticos de cada concelho, ou de dois ou mais concelhos limitrophes de qualquer districto administrativo, do continente do reino e ilhas adjacentes, a faculdade de se constituirem em Camara de agricultura, nos termos da presente lei.

$ unico. Logo que vinte dos quarenta maiores contribuintes de um concelho, ou de cada um de quaesquer concelhos limitrophes, de um districto administrativo, requeiram a constituição da respectiva Camará de agricultura, será esta decretada pelo Governo.

Art. 2.° As Camaras de agricultura teem por fim representar legitimamente a agricultura da respectiva região, cujo progresso lhe cumpre promover e cujos interesses justos deverão defender pelos meios legaes postos á sua disposição: são entidades moraes, com personalidade civil e jurídica proprias, podendo exercer actos de commercio, receber subsídios, doações e legados, possuir bens moveis e immoveis necessarios ao exercício das suas funcções e federar-se para fins de interesso commum.

Art. 3.° A Camara de agricultura será composta de nove, doze ou quinze vogaes effectivos e por igual numero de vogaes substitutos, que só funccionarão nas faltas e impedimentos temporarios ou permanentes dos vogaes effectivos.

$ unico. O numero de vogaes será fixado pelo Governo, no decreto de constituição de cada uma das Camaras de agricultura, em harmonia com a importancia e necessidades agrícolas do respectivo concelho ou região.

Art. 4.° A Camara de agricultura tem presidente, vice-presidente, secretario, vice-secretario, e, facultativamente, thesoureiro, nomeados pelos vogaes em escrutínio secreto, na sessão de constituição e na primeira sessão de cada biennio, reunindo-se para esse effeito, sob a presidencia do vogal mais velho, e preferindo, quando haja empate na votação, o mais velho dos votados.

$ unico. Cada Camara de agricultura terá uma commissão executiva, que será constituída pelo presidente, pelo secretario e mais um vogal eleito pela mesma Camara em escrutínio secreto.

Art. 5.° Os vogaes das Camaras de agricultura são eleitos para servirem por seis annos, sendo substituídos de dois em dois annos, mediante eleição, pelo terço do seu numero total, e sempre reelegiveis emquanto conservarem a qualidade de elegíveis, conferida por esta lei.

Art. 6.° As funcções dos vogaes das Camaras de agricultura são obrigatorias, gratuitas e de interesse publico.

Art. 7.° A sede de cada Camara de agricultura será a do respectivo concelho.

$ 1.° Quando dois ou mais concelhos constituírem uma Camara de agricultura, será designado pelo Governo o concelho cuja séde deva ser a da mesma Camara.

$ 2.° As Camaras municipaes fornecerão o local para as reuniões e secretaria das Camaras de agricultura, podendo ser nos proprios paços do concelho, emqnanto estas não dispuzerem de casa propria.

Art. 8.° É analogamente applicavel á organização e modo de funccionar, ás reuniões e deliberações, á competencia e attribuições das Camaras de agricultura, o que se acha preceituado nos seguintes titulos e artigos do Codigo administrativo vigente:

1.° No titulo II: artigo 6.° e seus paragraphos 1.° a 4.° e 6.°, artigo 10.° e seus paragraphos 1.°, 2.º e 3.°, artigo 12.° e seus numeros, artigo 13.°, artigo 17.° e seus numeros e paragraphos, artigo 19.°, artigos 20.° a 25.° e seus paragraphos, artigo 26.°, artigo 27.° e seu paragrapho, artigo 28.° e seu paragrapho, artigos 29.° a 31.° e seus numeros, artigos 32.°, 33.° e seus paragraphos e artigo 34.°

2.° No titulo IV: artigo 50.° e seus numeros 1.°, 2.°, 3.°, 18.° e 19.°, artigo 51.° e seus numeros 2.°, 4.°, 5.°, 7.°, 10.°, 11.° e 12.°, artigo 52.° e seus números 2.° e 3.°, e artigo 65.°, tudo no caso de concessão das Camaras municipaes, auctorizada pelo Governo.

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CAPITULO II

Funcões e competencia das camara de agricultura

Art. 9.º As funcções das Camaras de agricultura poderão ser:

1.º Consultivas;

3.º Executivas e administrativas.

Art. 10.° As funcções executivas e administrativas serão desempenhadas pela commissão executiva, a que se refere o $ unico do artigo 4.º, sob a superintendencia da respectiva Camara, á qual dará conta da sua gerencia e do uso que fizer d'estas faculdades, nas sessões ordinarias da mesma Camara.

$ 1.º É permittido ás Camaras de agricultura dividir as suas funcções executivas e administrativas, no que respeito a serviços agrícolas a cargo das mesmas camaras, pelos vogaes, havendo em vista as especialidades para que tenha cada um d'elles mais aptidões.

$ 2.º A direcção do serviço da secretaria ficará sempre recurvada no presidente, ao qual ainda analogamente comperem as attribuições que no Codigo administrativo vigente então consignadas para os presidentes das Camaras municipaes.

Art. 11.º Os vogas que, por virtude de condemnação, ou qualquer outro motivo, perderem a qualidade de eleitores, perderão tambem, desde logo e por esse facto, o seu mandato.

Art. L2.° As Camaras de agricultura teem duas epocas ordinarias de reunião, sendo uma em maio e outra em novembro. A duração das sessões será de oito dias, podendo cada uma abranger maior período, se, por motivo de assumptos importantes a discutir e a resolver, as mesmas Camaras decidirem, por maioria de votos, prolongar as suas sessões.

Art. 13.° Alem da sessão de constituição e das sessões ordinarias, as Camaras de agricultura reunirão nas épocas que tiverem determinado, ou quando forem convocadas pelo Governador civil, por ordem superior, ou a pedido escripto de um terço, pelo menos, dos seus vogaes.

Art. 14.° Os Governadores civis, os inspectores de agricultura o de quaesquer serviços agricolas, e os agronomos districtaes, intendente de pecuaria e silvicultores officiaes, podem assistir ás reuniões das Camaras de agricultura a nellas ter voz, sempre que peçam a palavra, sem contu do terem voto nas decisões.

$ unico. Os Administradores de concelho da sede das Camaras do agricultura poderão assistir sempre ás sessões das respectivas Camaras, serão ouvidos quando o pedirem, e tomarão assento ao lado esquerdo do presidente, competindo-lhes attribuições identicas ás preceituadas no n.° 8.° do artigo 277.º do Codigo administrativo vigente.

Art. 15.° Os presidentes das Camaras de agricultura corresponder-se-hão com o Governo por intermedio dos Governadores civis, aos quaes communicarão no prazo de oito dias, as resoluções o quaesquer occorrencias que se derem, em harmonia com as disposições do regulamento.

Art. 16.º O Governo poderá consultar as Camaras de agricultura, pelo Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, e pelas vias competentes, com respeito:

1.° Aos projectos que envolvam ou de que resultem mo dificações, ampliações ou restricções na legislação agricola, alfandegaria e commercial;

2.° As questões agrícolas que interessem ao districto, ao conselho ou á região de cada Camara;

3.º A realização, circumscripção e fixação de local das exporições ou concursos agricolas;

4.° Aos estabelecimentos ou instituições de ensino e de propaganda agricolas, taes como escolas, estações agricolas, campos do demonstrarão e viveiros de plantas, que convenha ou se tento crear nos respectivos districtos ou concelhos, e ás feiras e mercados;
5.° Aos tribunaes e arbitros avindores agricolas que possam vir a ser creados nas respectivas circumscripções, mediante legislação especial;

6.° Aos bonus e tarifas de transportes dos generos agricolas o das mercadorias destinadas á agricultura, como adubos, insecticidas, fungicidas, machinas e apparelhos;

7.° Aos regulamentos de serviços agricolas locaes, como os de defesa contra as epiphytias, epizo tias e outros flagellos da agricultura, e os de extincção dos mesmos flagellos;

8.º Aos projectos de obras publicas que hajam de ser executadas no concelho ou no districto e aproveitem directamente á sua
agricultura;

9.° A quaesquer outros assumptos que se relacionem com os interesses agrícolas nacionaes, districtais ou concelhios.

$ 1.° Alem do Governo, podem consultar as Camaras de agricultura os Conselhos distristaes de agricultura, e bem assim as Juntas geraes nos districtos onde estas corporações existam.

$ 2.° Para os effeitos d'este artigo e seu $ 1.°, na Camaras de agricultura terão ouvidas por intermedio dos Governadores civis.

Art. 17.° São attribuições das Camaras de agricultura nos respectivos conselhos ou regiões:

1.° Promover a instrucção agrícola por meio de escolas, principalmente de instrucção primaria rural, escolas moveis de ensino agricola e campos de demonstração e experimentaes;

2.° Auxiliar e dirigir os serviços contra as epiphytias e outros flagellos da agricultura;

3.° Auxiliar e dirigir os serviços de defesa contra as enzootias e epizootias dos animaes domesticos;

4.° Promover o estabelecimento de sociedades cooperativas para o fornecimento de adubos, sementes, plantas, insecticidas e fungicidas, instrumentos e machinas agrícolas e quaesquer outros artigos necessarios para a industria agrícola, ou fornece-los directamente;

5.° Promover a creação de caixas economicas, de credito rural, seguros e soccorros mutuos agrícolas, armazens geraes, viveiros de plantas, sirgarias, fructuarias, adegas e lagares sociaes, estações agrícolas de distillação e outras instituições cooperativas ou de utilidade e auxilio mutuo, ou estabelecê-las e administrá-la directamente;

6.° Contratar agronomos e veterinarios;

7.° Estabelecer depositou de animaes reproductores;

8.° Promover o arroteamento e colonização das terras incultas;

9.° Promover a execução das leis sobre o registo da propriedade, arborização, caça e pesca;

10 ° Propôr as providencias a favor da propriedade, da agricultura, dos lavradores e operarios ruraes;

11.° Propôr ao Conselho districtal de agricultura os assumptos sobre que devam principalmente versar as conferencias e demonstrações de propaganda e instrucções agrícola que os agronomos e intendentes de pecuaria devam effectuar nos respectivos concelhos, e reclamar a realização das mesmas conferencias e demonstrações;

12.° Auxiliar a elaboração da estatistica agrícola, dos inqueritos agrícolas e dos recenseamentos dos gades, no que respeito aos seus concelhos ou regiões;

13.° Auxiliar o Governo no colleccionamento de productos dignos de figurar nas exposições nacionaes e estrangeiras, em harmonia com as instrucções que lhes sejam superiormente dadas;

14.° Fazer a distribuição dos premios conferidos aos expositores dos respectivos concelhos pelos jurys das exposições;

l5.° Contrahir emprestimos, singular ou collectivamente, para as despesas com os serviços ou obras de interesse agricola, consignando os seus rendimentos e bens como garantia doa mesmo emprestimos;

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16.° Tomar a seu cargo a realização de obras de interesse agricola do concelho ou da região, taes como de canalização de aguas, irrigação, colmatagem, enxugo de pantanos, defesa dos campos contra as inundações e açoriamentos, arborização de serras e baldios, e outras.

Art. 18.º Competem ainda ás Camaras de agricultura as demais atribuições que lhes são consignadas no decreto de 24 de dezembro de 1901, que organizou os serviços agricolas, e bem assim as que no regulamento, ou por lei, lhes venham a ser determinadas.

Art. 19.º Os regulamentos e as tabellas de vencimentos para os estabelecimentos e serviços instituidos, administrados ou geridos pelas Camaras de agricultura, em conformidade com os artigos 17.º e 18.º, serão estabelecidos por deliberação das mesmas Camaras, ficando contudo sujeitos a homologação do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria.

Art. 20.° O Governo, pelo Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, poderá encarregar as Camaras de agricultura da administração ou gerencia dos estabelecimentos e serviços agricolas, officiaes, que tenham séde ou execução nos respectivos concelhos ou regiões e sejam principalmente destinados á agricultura dos mesmos concelhos ou regiões.

Art. 21.° A administração das instituições agricolas de iniciativa particular póde, a pedido dos seus instituidores, subscriptores ou doadores, ser incumbida ás Camaras de agricultura.

Art. 22.° As Camaras de agricultura podem convidar, para comparecerem na sua sede, ou para assistirem ás suas sessões, as pessoas residentes nos respectivos concelhos ou regiões, cujos conhecimentos e informações possam concorrer para o melhor desempenho das funcções mesmas Camaras, ou para esclarecer os assumptos sobre que hajam de tomar alguma resolução ou dar parecer.

Art. 28.º O porte da correspondencia das Camaras de agricultura, pelo correio, será gratuito.

Art. 24.° As Camaras de agricultura teem receita ordinaria, extraordinaria e especial.

§ 1.° Constituem receita ordinaria:

1.º Os rendimentos dos bens proprios;

2.º Os juros de papeis de credito e de fundos consolidados e de outros capitães proprios;

3.º Os dividendos de acções de bancos e companhias;

4.º O rendimento do estabelecimentos agricolas, funda dos com auctorização do Governo;

5.º As multas por transgressões de posturas ou regulamentos, quer privativos, quer ordenados pelo Conselho distrital de agricultura;

6.º As taxas pela occupação de terrenos e logares proprios, e pelo uso dos bens de logradouro commum, cuja administração lhes pertença;

7.º Os impostos que legalmente sejam auctorizadas a lançar e a cobrar;

8.º As dividas activas;

9.º O producto das multas impostas, durante o tempo em que é vedado o exercicio da caça, aos que a matarem, venderem, comprarem ou transportarem, quando a respectiva fiscalização esteja a seu cargo;

10.º Os subsidios especiaes consignados no orçamento geral do Estado;

11.º Quaesquer outros rendimentos permanentes destinados por lei a constituir receita das mesmas Camaras.

§ 2.º Constituem receita extraordinaria:

l.º As heranças, donativos, legados e doações;

2.º O producto de emprestimos;

3.º Os subsidios eventuaes do Estado, das Camaras municipaes ou de quaesquer corporações;

4.º Outros quaesquer rendimentos incertos e eventuaes.

§ 3.º Constitue receita especial a que por lei ou decreto for exclusivamente destinada á dotação do fundo da instrução agricola, ou a outro fim prefixo.

Art. 25.º É analogamente applicavel ás Camaras de agricultura, para a organização dos seus orçamentos e para a regularização da sua contabilidade, o que está preceituado nas secções II e III do capitulo II, titulo IV, do Codigo administrativo vigente, salvo no que respeita ao julgamento de contas, que será feito pelo Conselho districtal de agricultura.

Art. 26.º Os orçamentos geraes de receita e despesa de cada Camara de agricultura serão por ella elaborados e remettidos, para a devida approvação, ás estações tutelares, que forem designadas no regulamento.

Art. 27.º As Camaras de agricultura remetterão aos Governadores civis dos districtos da sua séde, até 31 de dezembro de cada anno, os seus relatorios de gerencia do anno economico anterior, os quaes deverão ter sido approvados em sessão ordinaria das mesmas Camaras no mês de novembro.

Art. 28.º Os relatorios da gerencia das Camaras de agricultura serão submettidos á apreciação dos Conselhos districtaes de agricultura pelos Governadores civis, presidentes dos mesmos Conselhos.

Art. 29.º São analogamente applicaveis ás Camaras de agricultura as disposições penaes do titulo X, e as obrigações do capitulo III, titulo, XI, do Codigo administrativo vigente.

CAPITULO III

Recenseamento dos eleitores

Art. 30.º São eleitores os individuos que, sendo portugueses ou naturalizados portugueses e excedendo vinte e cinco annos de idade, se encontrem no gozo de todos os seus direitos civis e politicos e exerçam alguma das seguintes profissões agricolas, ou relacionadas com a agricultura:

1.º Agricultor ou lavrador, creador de gado, viticultor, arboricultor, horticultor, viveirista, floricultor, tendo residido na freguesia durante os ultimos doze meses, pelo menos, quer exerçam alguma d'essas profissões como proprietarios do solo que exploram, quer como usufructuarios, rendeiros, colonos em parceria, ou ainda como socios de sociedade agricola, seja esta particular ou familiar, nos termos do Codigo civil, ou constituida nos termos do Codigo commercial, ou nos da Carta de lei de 11 de abril de 1901;

2.º Os proprietarios, usufructuarios ou outros individuos na posse de qualquer uso agricola de propriedade rustica, quer seja ou não cultivada pelos mesmos individuos, contanto que tenham, pelo menos, doze meses de posse das respectivas propriedades, usufructos ou usos, e quer residam ou não na freguesia onde estiverem situados os mesmos bens;

3.º Os regentes ou feitores, administradores de bens ruraes e os caleiros que, pelo menos, durante os ultimos doze meses se tenham occupado de administração de trabalhos ruraes na freguesia do seu domicilio ou em quaesquer outras do mesmo concelho;

4.º O pessoal dos serviços officiaes de agricultura, agronomicos, de instrucção agricola, pecuarios, florestaes e agricolas, e os professores das escolas de instrucção primaria agricola e das escolas ruraes de ensino movei, quando residam na freguesia.

§ 1.º As mulheres solteiras, as viuvas e as casadas na posse e administração de seus bens, que satisfaçam ás condições dos n.º 1.º e 2.º d'este artigo, serão eleitoras, e como tal recenseados, podendo fazer-se representar por qualquer eleitor da sua freguesia, mediante procuração, sem poderes de substabelecer, a qual ficará junto ao processo eleitoral.

§ 2.º O direito eleitoral só poderá ser exercido por cada individuo na freguesia onde fôr recenseado como eleitor; e quando o mesmo individuo se encontrar nas condições

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de poder ser recenseado em mais de uma freguesia, só o será em uma d'ellas á sua escolha.

§ 3.º Não podem ser eleitores:

1.º Os interdictos, por sentença, da administração de sua pessoa e de seus bens, e os fallidos não rehabilitados;

2.º Os indiciados por despacho de pronuncia com transito em julgado, e os incapazes de eleger para funcções publicas, por effeito do sentença penal;

3.º Os condemnados por vadios, ou por delicto equiparado, nos cinco annos immediatos á condemnação;

Art. 31.º O direito de votar é verificado em cada conselho pelo respectivo recenseamento eleitoral agricola, no qual se apurará tambem a eligibilidade absoluta para vogaes das Camaras do agricultura.

Art. 32.° As operações do recenseamento agricola eleitoral serão reguladas, em cada concelho, pelos artigos 13.º, 14.º a 16.º, 22.º (excepto o n.° 4.º), 23.º, 25.º a 27.º, 29.º a 39.º da lei eleitoral vigente, na parte applicavel, salvo as disposições expressas desta lei.

CAPITULO IV

Eleição

Ari. 33.º São elegiveis para cada Camara de agricultura os individuos de idade não inferior a trinta annos, que saibam ler e escrever, sejam eleitores era qualquer freguesia do mesmo concelho, e paguem, por predios rusticos que possuam no concelho ou na região, contribuição predial não inferior a 10$000 réis por anno.

§ 1.º São ainda elegiveis os individuos que tenham direito de ser recenseados como tal, nos termos d'este artigo e que, só por commissão, ou por terem adquirido o direito de eleitores posteriormente ao encerramento do recenseamento, não se encontram a elle comprehendidos.

§ 2.º Não são elegiveis:

1.º As mulheres;

2.º Os funccionarios do Estado, do districto ou das Camaras municipaes, que não satisfaçam ás condições de algum dos n.ºs 1.º, 2.º e 3.º do artigo 30.º

Art. 34.º Para as eleições ordinarias os Governadores civis convocarão as assembléas eleitoraes, a fim de se reunirem nas respectivas freguesias em determinado domingo designado por decreto especial do Governo. A ordem de convocação designará o logar em que deverá reunir-se cada assembléa.

Art. 35.º Cada assembléa eleitoral será presidida pelo maior contribuinte do contribuição predial rustica da mes ma assembléa, sendo supplente o immediato, que estejam recenseados e não sejam analphabetos, completando-se a mesa com o parocho e o professor de instrucção primaria da séde da mesma assembléa, para respectivamente servirem de secretario e escrutinador.

Art. 36.º O secretario da Camara municipal enviará aos parochos das sédes das assembléas eleitoraes, pelo menos dois dias antes do domingo fixado para a eleição, dois cadernos dos eleitores que podem votar nas respectivas assembléas, e cobrará recibo da remessa.

§ 1.º Estes cadernos, que poderão ser manuscriptos, impressos ou lithographados, serão a copia fiel do recenseamento original, terão termos de abertura e encerramento assignados pelo presidente da Camara municipal e pelo Administrador do concelho, e serão rubricados e numerados em todas as folhas pelo secretario da mesma Camara.

§ 2.º O secretario da Camara municipal enviará tambem, dentro do mesmo prazo limitado neste artigo, ao parocho da. freguesia, da séde da assembléa eleitoral, tres cadernos com termo de abertura, e com rubricas e numeração em todas as folhas, na forma disposta no § 1.º, para nelles se lavragem as actas da eleição.

§ 3.º O parocho deverá entregar os cadernos do recenseamento no maior contribuinte da assembléa eleitoral, no dia designado para a eleição.

Art. 37.º A eleição será feita por escrutinio de lista, e todos os seus actos correrão e serão regulados nos termos dos artigos 47.º a 77.º da lei eleitoral vigente, que forem applicaveis, salvo as disposições expressa d'esta lei.

Art. 38.º Da eleição se lavrará acta em um dos tres cadernos a que se refere o § 2.º do artigo 36.º, a qual será assignada e rubricada pela mesa, e nella se mencionarão, alem das mais circumstancias relativas á eleição:

l.º Todas as duvidas occorrentes e reclamações que se fizerem, pela ordem em que tiverem sido apresentadas, e as decisões motivadas que sobre ellas se houver tomado;

2.º O nome de cada um dos votados e o respectivo numero de votos, escripto por extenso;

3.º Os votos annullados e o motivo por que o tiverem sido;

4.º A declaração de que os cidadãos que formam a assembléa outorgam aos que, em resultado dos votos todos da mesma assembléa, se mostrarem eleitos, os poderes necessarios para que, reunidos com os representantes eleitos pelas assembléas eleitoraes do concelho ou região, e constituindo a respectiva Camara de agricultura, defendam os interesses agricolas do referido concelho, da região e do país, consultando, deliberando, executando e administrando, no que respeita ás suas attribuições, em harmonia com as disposições d'esta lei, e consoante for mais conveniente aos mesmos interesses e ao bem geral da nação.

§ unico. Lavrada, assignada e rubricada a acta, conforme fica determinado, o presidente da mesa proclamará o resultado da eleição.

Art. 39.º Da acta se tirarão duas copias authenticas, escriptas nos dois restantes cadernos de que trata o § 2.º do artigo 36.º, igualmente assignadas o rubricadas pela mesa, as quaes, juntamente com o original, serão conduzidas pelo secretario e escrutinador á sede do concelho designado como séde da Camara de agricultura respectiva, no prazo de quarenta e oito horas, e entregues ao presidente da Camara municipal.

§ unico. O secretario da Camara municipal archivará e conservará, sob sua responsabilidade, uma das copias, e o presidente da mesma Camara enviará a acta ao Governador civil, presidente do Conselho districtal de agricultura, juntamente com a outra copia e cora as reclamações a que se refere o artigo seguinte.

Art. 40.º No prazo de cinco dias, a contar do dia immediato ao da eleição, todos os eleitores teem o direito de arguir de nullidade as operações eleitoraes da respectiva assembléa.

§ unico. Só são admittidas as reclamações que, no referido prazo, forem entregues, devidamente datadas e assignadas, na Camara municipal do concelho designado como séde da Camara de agricultura.

Art. 41.º O Conselho districtal do agricultura funccionará como tribunal de verificação de poderes, conhecendo do todos os processos das eleições dos vogaes das Camaras de agricultura do seu districto, julgando as reclamações ou protestos apresentados, e declarando validas ou nullas as mesmas eleições, conforme os preceitos que o regulamento determinar.

§ 1.° Para os fins d'este artigo, o Conselho districtal de agricultura, funccionando como tribunal de verificação de poderes, regular-se-ha pelas disposições que forem analogamente applicaveis, da lei eleitoral vigente, salvo e disposto expressamente nesta lei.

§ 2.º Os processos eleitoraes serão todos julgados no prazo do trinta dias, contados desde a data da recepção dos mesmos processos pelo Conselho districtal de agricultura.

§ 3.º Quando alguma eleição seja annullada, o Governador civil mandará imediatamente proceder a nova eleição na assembléa respectiva, indicando o domingo em

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que ella deverá effectuar-se, o qual ficará comprehendido no prazo de quinze dias, contado desde a data da annullação.

§ 4.° As decisões ao Conselho districtal de agricultura, approvando ou annullando as eleições, serão publicadas á medida que forem tomadas, devendo o Conselho começar pelos processos eleitoraes em que haja protestos ou reclamações, que possam produzir annullação, seguindo-se depois os outros.

§ 5.º As reclamações são julgadas gratuitamente e os actos e peças do processo são isentos de sello e emolumentos, bem como os respectivos registos.

Art. 42.º O Conselho districtal de agricultura enviará ás respectivas Camaras de agricultura as copias das actas das eleições approvadas, levando o respectivo despacho de approvação datado e assignado pelo presidente do mesmo Conselho, que lançará identico despacho nas correspondentes actas originaes, sendo estas archivadas e conservadas sob a responsabilidade do Secretario geral do Governo civil, juntamente com os processos das eleições annulladas.

§ unico. No caso da primeira constituição das Camaras de agricultura, ou quando estas tenham sido dissolvidas, as copias das actas serão enviadas aos presidentes das Camaras municipaes dos concelhos designados como sedes d'aquellas Camaras, os quaes logo communicarão aos interessados a approvação da eleição respectiva.

Art. 43.º As Camaras de agricultura deverão constituir-se, pela primeira vez, no segundo domingo immediato ao dia em que fôr feita a communicação a que se refere o paragrapho antecedente, ou reconstituir-se, com o terço dos seus novos vogaes eleitos nos respectivos biennios, em sessão que terá logar no primeiro dia util do mês de julho, sendo a sita gerencia feita por annos economicos.

Art. 44.º As eleições extraordinarias, para preenchimento das vagas tambem extraordinarias, serão ordenadas pelo Governador civil no prazo de quinze dias.

§ unico. Estas eleições terão logar em um domingo comprehendido em prazo igual ao indicado neste artigo.

Art. 45.º São analogamente applicaveis aos parochos, funccionarios e mais pessoas que interfiram ou devam interferir nos actos das eleições dos vogaes das Camaras de agricultura, as disposições penaes e geraes impostas na lei eleitoral vigente.

Art. 46.º O Governo publicará, mediante decreto, os regulamentos e, mediante portaria, as instrucções que forem convenientes para a mais justa interpretação ou mais perfeita execução das disposições d'esta lei, ouvido o Conselho superior de agricultura.

§ unico. Tanto os regulamentos, como as instrucções a que se refere este artigo, poderão ser ampliados ou modificados pela mesma fórma e ouvido o mesmo Conselho, consoante as conveniencias da agricultura nacional e tendo em attenção o disposto nesta lei, como mero acto administrativo do Governo e independentemente de novas disposições legaes.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 25 de abril de 1902. = Manuel Francisco de Vargas.

Foi enviada á commissão de agricultura.

Proposta de lei n.º 87-D

Senhores. - Tenho a honra de apresentar á consideração do vosso esclarecido criterio uma proposta de lei tendente a regular em Portugal os serviços do contencioso de obras publicas.

Como sabeis são extremamente complexas, variaveis nas suas manifestações e de capital importancia os divergencias, reclamações e controversias que amiudadas vezes se levantam entre o Estado e os empreiteiros e fornecedores de obras publicas, relativamente á execução e pagamento das empreitadas e fornecimentos, que lhes foram adjudicados.

E no emtanto para a solução de taes pendencias não ha na nossa organização administrativa, instituição adequada, devidamente estabelecida, e indiscutivelmente imparcial a quem possa reclamar justiça o empreiteiro ou fornecedor que se julgue offendido nos seus direitos ou lesado nos seus interesses; nem na nossa legislação existe processo regular e proprio que, racionalmente deva adoptar-se e seguir-se na apreciação e julgamento de pleitos, que são de natureza especial e caracteristica.

No artigo 61.º das Clausulas e Condições geraes de Empreitadas, de 28 de abril de 1887, approvadas por portaria da mesma data, estabelece-se:

«Artigo 61.º Todas as questões, suscitadas sobre a interpretação e execução das differentes clausulas estipuladas nos contratos de empreitadas, serão definitivamente resolvidas pelo Governo, ouvida a junta consultiva de obras publicas e minas (actual conselho superior de obras publicas e minas), e a procuradoria geral da Coroa e Fazenda» .

O Governo parte e juiz ao mesmo tempo, decide em ultima instancia questões em que é directamente interessado, ouvindo o Conselho Superior de Obras Publicas e Minas e a Procuradoria Geral da Coroa e Fazenda, cujas opiniões pode ou não seguir.

É de necessidade inadiavel acabar com esta arbitrariedade administrativa, cuja existencia se não justifica, e da qual tantos inconvenientes derivam.

É necessario evitar que, quem contrata com o Ministerio das Obras Publicas em Portugal, possa mais ou menos justificadamente pensar o que Christophle, advogado do Conselho de Estado de França, dizia em 1862, no seu Traité deu Travaux Publics, ao apreciar a situação reciproca, em que naquelle pais, se encontravam o estado e os empreiteiros e fornecedores de obras publicas:

«Les cahiers des charges rédigés par l'administration contiennent les dispositions les plus exorbitantes et les plus contraires à la justice et à l'équité. Le bon plaisir y règne en souverain, et la situation de l'entreprenuer est telle, dans certains cas, que s'il a à lutter contre la malveillance des agents administratifs, sa ruine est certame et inevitable... Les entrepreneurs de travaux publics voient dans l'administration une ennemie: ils n'attendent d'elle (á tort, sans doute), aucune bienveillance et aucun interêt. Le succès de leurs spéculations (tant est grande la latitude d'interprétation que l'administration s'est réservée), dépend le plus souvent du caractere personnel des ingénieurs, beaucoup plus que des conditions mêmes du marché. Cette latitude autorisant tous les abus, un sentiment de défiance réciproque anime les contractants.

L'entrepreneur s'attend à voir reponsser les réclamations les plus legitimes; il cherche, par tous les moyens en son pouvoir, à tromper la vigilance des ingénieurs, et à regagner d'un côté ce qu'il doit perdre de l'autre. De lá un antagonismo continuel, des difficultés, des lenteurs dans l'exécution qui rendent nécessaire l'application de mesures coercitives, telles que les retenues, la mise en régie, etc., enfin une irritation toujours croissante des deux côtés, qui amène nécessairement la résiliation du marché...»

O Estado deve ser a entidade mais honrada de um país, e deve parecê-lo; a sua obrigação é, pois, de fazer prevalecer a justiça em todos os casos, e o seu interesse pôr-se a coberto de accusação, que contra elle possa formular, com mais ou menos justiça, quem com elle contrate.

É talvez por isso que as valiosas questões, que se levantam entre o Estado e os empreiteiros e fornecedores de obras publicas tem muitas vezes sido resolvidas entre nós por tribunaes arbitraes, cuja constituição e estipulada no respectivo contrato, ou concedida pelo Governo a pedido dos

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interessados. Mas é tão defeituosa esta forma de julga mento, são os tribunaes, constituidos por arbitros, tão condemnaveis, em geral, na forma porque se organizam, pela dependencia, em que os julgadores pensam encontrar se relativamente aos seus respectivos constituintes, que não pode deixar de reconhecer-se que os importantissimos interesses sujeitos ao dominio do contencioso de obras publicas, não encontram nesta forma de julgamento as segurança e garantias necessarias.

Demais, são tantas as delongas, hesitações, embaraços, duvidas e consultas que a cada passo entorpecem o funcionamento do tribunal arbitral, que, na maior parte dos casos, são os pleitos decididos inopportunamente, ou por maneira diversa da que deviam sê-lo e sob a interferencia de estranhas influencias.

Infelizmente não faltam no nosso pais exemplos frisantes do que fica exposto e de quanto podem ser prejudiciaes para os legitimos interesses do Estado os processos e delongas dos Tribunaes Arbitraes.

Com a presente proposta, pretendo dar remedio a taes inconvenientes, promovendo a criação de tribunaes especies de contencioso de obras publicas de l.º instancia nas sédes de todos os districtos administrativos do continente e ilhas, adjacentes e um de 2.ª instancia, com sede em Lisboa.

Não vou aqui reproduzir as disposições da proposta, nem tão pouco fazer-lhe commentarios favoraveis.

Julgo absolutamente indispensavel submettê-la á vossa approvação para obviar aos graves inconvenientes do presente, e confio em que, convertida em lei, fiel e rigorosamente observada, hade contribuir com efficacia para melhorar este rumo de administração publica, favorecendo consideravelmente os legitimos interesses nacionaes.

E tudo isto se conseguirá sem trazer o menor gravame para o Thesouro.

Será a proposta perfeita? Não o creio. Julgo-a boa nas, suas linhas geraes, na idéa, principios e intuitos que presidiram à sua elaboração.

Nos seus detalhes, porem, na maneira porque se preten deram exprimir esses principios, realizar esses intuitos, traduzir essa ideia, isto é, na sua contextura especial e technica, muito terá ella a lucrar com a imparcial, dedicada e eficaz collaboração do Parlamento.

Que este exerça sobre a proposta o seu elevado direito de critica, esclarecida e nobre, que lhe communique e transmitia os recursos da sua illustração superior, que a melhore, emfim, convertendo a numa lei verdadeiramente util e pratica, apta para satisfazer cabalmente ao fim que tenho em vista ao apresentá-la, e será esta a maior compensação e a maior satisfação que pode ter o Ministro que tem a honra de subscrevê-la

Proposta de lei

Contencioso de obras publicas

Tribunal especiaes do contencioso de 1.° instancia

Artigo 1.São creados no continente do reino e nas ilhas adjacentes, tribunaes especiais do contencioso de obras publicas de l.º instancia, que resolverão todas as reclamações, duvidas e questões suscitadas entre o Estado o empreiteiros e fornecedores do Ministerio das Obras Publicas, relativas á interpretação, executo e cumprimento das obrigações dos respectivos contratos.

Art. 2.º Estes tribunaes funccionarão nas sedes dos districtos administrativos, sendo a sua jurisdicção limitada á area de um d'estes.

§ l .º A sua competencia será determinada pela situação da sede, da direcção dos serviços de obras publicas a que houver sido feito o fornecimento, e pelo local onde se executarem os trabalhos, objecto das empreitadas.

§ 2.º Se, porem, esses trabalhos se executarem em mais de um districto, será competente o tribunal que os reclamantes escolherem.

Art. 3.º Os tribunaes são constituidos, nos districtos de Lisboa e Porto, pelos juizes de direito da l.ª , 2.ª e 3.ª vara civel e, nos outros districtos, pelo juiz de direito, conservador do registo predial da comarca da respectiva sede e auditor administrativo.

Art. 4.º Nos districtos de Lisboa e Porto será presidente do tribunal o juiz mais antigo na magistratura judicial, e relator nos processos o que for designado pela distribuição. Nos outros districtos será sempre presidente e relator o juiz de direito.

Art. 5.º Junto de cada um d'esses tribunaes desempenharão as funcções de Ministerio Publico, em Lisboa e Porto, os delegados do procurador regio das varas a que os processos forem distribuidos, e os das respectivas comarcas nos outros districtos.

Art. 6.º Servirá como perito technico, junto d'elles, um inspector do quadro da engenharia civil, designado pelo tribunal, que emittirá o seu voto consultivo em tudo sobre que for ouvido officialmente ou a requerimento do Ministerio Publico ou dos interessados.

Art 7.º Exercera as funcções de escrivães os escrivães das primeiros offieos das varas o dos juizes de direito das comarcas, ficando a seu cargo os respectivos archivos.

Art. 8.º Os tribunaes reunir-se-h o nos edificios onde funccionaram os tribunaes judiciaes ordinarios e terão as sessões necessarias para o rapido andamento dos processos que lhes forem submettidos, designadas previamente por despacho do presidente.

Tribunal especial do contencioso de 2. Instancia

Art. 9.º E tambem creado, com sede em Lisboa, um tribunal especial do contencioso de obras publicas de 2.ª instancia, que conhecerá doa recursos interpostos dos accordãos definitivos proferidos pelos tribunaes de l.ª instancia nos processos da nua competencia.

Art. 10.º São membros d'este tribunal um juiz do Supremo Tribunal de .Justica, que servirá de presidente, e dois juizes da Relação de Lisboa, que serão os relatores.

Art. 11.º Tanto o juiz presidente como os relatores serão designados pela sorte por occasião de o serem tambem as secções dos tribunaes judiciaes a, que pertencem, e servirão por espaço de dois turnos.

Art. 12.º Junto do tribunal exercerá as funcções de Ministerio Publico e procurador regio, o servirá de escrivão um dos escrivães de Relação de Lisboa, designado pelo presidente desta sob requisição do presidente do tribunal especial.

Art. 13.º Servirá como perito technico junto deste tribunal um inspector geral de quadro da engenharia civil escolhido pelo Tribunal, que emitirá o seu voto consultivo quando for ouvido oficiosamente, ou a requerimento do Ministerio Publico ou dos interessados.

Art. 14.º O tribunal terá as sessões que forem necessarias para o rapido andamento dos processos, designadas por despacho do seu presidente, e funcionará na sala das sessões do Tribunal da Relação.

Forma e julgamento dos processos nos tribunaes de 1.º Instancia

Art. 15.º As questões que houverem de ser resolvidas por este Tribunal, serão submettidas ao seu julgamento por meio de petição assignada por advogado.

§ unico. A petição será .apresentada ao Presidenta do Tribunal, e nella indicará a parte as testemunhas que tenha a produzir o requererá os exames e diligencias

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julgar convenientes podendo, desde logo, juntar quaesquer documentos.

Art 16.º Recebido o requerimento far-se-ha a distribuição, se a is-o houver logar, e em seguida será elle apresentado ao relator que mandará, por despacho, autuálo e dar vista por dez dias ao Ministerio Publico, que dentro d'esse prazo contentará, querendo, indicará testemunhas e requererá o que tiver por conveniente aos interesses da Fazenda Nacional.

Art. 17.º Requerido exame serão intimados o Ministerio Publico e os reclamantes para em dia e hora prefixada se proceder, em auto, á nomeação de peritos, nomeando os reclamantes um, o Ministerio Publico outro e o relator o terceiro.

§ 1.º Não comparecendo os reclamantes será o seu perito nomeado pelo relator.

§ 2.º Havendo mais de um reclamante e não concordando sobre a escolha de perito, cada um d'estes escreverá em uma lista o nome do perito que propozer, e, sendo todas dobradas e lançadas em uma urna, d'ella extrahirá o relator uma lista, ficando assim indicado o perito que ha de funccionar.

Art 18.º Não podem servir como peritos as pessoas prohibidas pelo artigo 239.° do Codigo do Processo Civil.

Art 19.º Feita a nomeação designar-se-ha, no mesmo auto, dia e hora para o exame e ordenar se-ha a intima dos dos peritos, que será feita pelo escrivão ou por um dos officiaes do seu cartorio.

§ 1.º Se os reclamantes nomearem perito que resida fora da area da comarca, sede do tribunal, não será intimado, mas apresentado por elles voluntariamente no local do exame, sob pena d'este não poder mais ter logar quando haja sido requerido pelos mesmos reclamantes, e tendo-o sido pelo Ministerio Publico será o perito substituido, no caso de falta, por outro nomeado pelo relator, designando-se novo dia para o exame se assim for necessario.

§ 2.º Nomeando o relator ou o Ministerio Publico peritos residentes fora da dita area, mas dependentes de qual quer repartição publica, será a sua comparencia requisitada pelo Presidente do Tribunal a essa repartição.

§ 3.º Os peritos que faltarem, tendo sido intimados, serão punidos como desobedientes aos mandados da auctoridade, enviando se, para isso, certidão ao respectivo delegado do procurador regio.

Art 20. º Os reclamantes poderão assistir ao exame com o seu advogado, querendo, e formularão os quesitos e que os peritos teem de responder depois de devidamente ajuramentados.

§ l.º O relator poderá tambem formular os quesitos que julgar necessarios.

§ 2.º De tudo que occorrer se lavrará auto, que será assignado por todos os que intervierem no exame.

Art. 2l.º Tendo de fazer-se exame em local fora da area da jurisdicção comarcã do relator, expedir-se ha carta precatoria, com a dilação maxima de vinte dias, ao juiz de direito respectivo, para proceder a essa diligencia, podendo o relator e o Ministerio Publico delegar tambem naquelle magistrado e no respectivo delegado do Procurador Regio, a nomeação do peritos.

§ unico. Nos distritos de Lisboa e do Porto considerar-se-ha extensiva ás de todas as tres varas, a area de jurisdicção do relator.

Art. 22.º Concluida a producção das provas, serão os autos continuados com vista por cinco dias aos reclamantes, para aliciarem de direito, e em seguida ao Ministerio Publico, por igual prazo e para o mesmo fim.

Art. 23.° Offerecidas allegações, ou prescindindo d'ellas as partes, mandará o relator fazer os autos conclusos por cinco dias a cada um dos membros do tribunal, e, findo esse prazo, designará o presidente dia para a sessão de julgamento.

Art. 24.º Nessa sessão, que será publica, o relator fará uma exposição dará e concisa da materia dos autos, e o tribunal, em conferencia, conhecerá do merecimento da causa, lavrando se o respectivo accordão definitivo, ou, achando necessidade de mandar proceder a qualquer diligencia ou exame para habilitar se a proferir a sua decisão, assim o ordenará em accordão interlocutorio.

§ unico. Verificando-se este caso, e cumprida a diligencia ordenada, serão os autos novamente conclusos por quarenta e oito horas a cada um dos membros do tribunal, e depois julgado o processo como anteriormente fica determinado.

Art. 25.º Em qualquer dos casos previstos no artigo antecedente, a decisão do tribunal será publicada e, quando definitiva, será intimada ás partes se não estiverem presentes no acto da publicação.

Art. 26.º Dos accordãos definitivos lavrados pelos tribunaes especiaes de l.ª instancia, cabe recurso com effeito suspensivo para o tribunal especial de 2.ª instancia.

Art. 27.º O prazo para interposição dos recursos será de dez dias, a contar da publicação dos accordãos ou da data da sua intimação, e far-se-ha por termo, assignado pelo recorrente ou seu advogado.

Art. 28.º Lavrado e assignado o termo de, recurso, será o processo remettido no prazo de vinte e quatro horas ao presidente do tribunal de 2.º instancia.

Processo e julgamento no tribunal de 2.ª instancia

Art. 29.º Recebido o processo pelo presidente do tribunal, mandará este apresentá lo ao relator, que, por seu despacho, o fará autoar e continuar com vista por quarenta e oito horas aos reclamantes que hajam constituido advogado, e era seguinda ao Ministerio Publico, a fim de ser minutado e contraminutado o recurso.

§ unico. É, todavia, permittido ás partes minutarem e contraminutarem na l.ª instancia, se assim o declararem no termo do recurso, e nesse caso será logo o processo, independentemente de despacho, continuado com vista ao advogado constituido e ao Ministerio Publico pelo dito prazo de dez dias, findo o qual se remetterá ao tribunal de 2.ª instancia.

Art. 30.º Com as minutas e contraminutas, poderão juntar-se documentos.

Art. 31.º Instruido o processo como dito fica, será concluso por cinco dias a cada um dos membros do tribunal, e por fim o relator o apresentará a julgamento no dia previamente marcado pelo presidente.

Art. 32.º Ao julgamento é applicavel o disposto nos artigos 26.º e 27.º d'esta lei.

Disposições geraes

Art. 33.º Os processos findos serão remettidos á Direcção Geral das Obras Publicas e Minas, para dar execução aos accordos.

Art. 34.º As decisões dos Tribunaes de l.ª e 2.ª Instancia serão tomadas á pluralidade de votos e os accordãos sempre fundamentados.

Art. 35.° Os accordãos com transito em julgado tem força de execução apparelhada.

Art. 36.° Todas as vezes que os autos não hajam s do entregues no fim dos prazos marcados nesta lei, o escrivão cobrá-los-ha independentemente de despacho.

Art. 37.º Pelos processos julgados não são devidas custas, mas se a parte reclamante decair a final, pagará os sellos correspondentes ao papel e a rasa, para o escrivão, na razão de 200 réis por cada pagina de vinte e cinco linhas.

Art. 38.º O Ministerio Publico recorrerá sempre do

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accordão proferido, quando seja contra o Estado e em causas em que o pedido exceda o valor de 200$000 réis, verificado por exame, se for necessario.

Art. 39.º Nos casos não previstos nesta lei regularão as disposições applicaveis do Codigo do Processo Civil.

Art. 40.º Fica revogada a legislação em contrario e prohibido nas questões a que se refere esta lei, o seu julgamento por meio de arbitros.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 25 de abril de 1902. = Manuel Francisco de Vargas.

Foi enviada á commissão de obras publicas.

O redactor = Barbosa Colen.

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