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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

64.ª SESSÃO

EM 11 DE SETEMBRO DE 1909

SUMMARIO. - É lida e approvada a acta. - O Sr. Presidente participa o fallecimento do antigo Vice-Presidente da Camara o Sr. Joaquim Germano Sequeira e propõe que na acta se lavre um voto de sentimento. Associam-se a esta proposta os Srs. Presidente do Conselho (Wenceslau de Lima), Moreira Junior, Rodrigo Pequito, Pereira de Lima, Moreira de Almeida, José Tavares, Visconde da Torre, Cordeiro de Sousa e João de Menezes, sendo a proposta approvada. - Dá-se conta do expediente, e tem segunda leitura uma proposta, que é admittida e enviada á commissão de fazenda. - Alguns Srs. Deputados enviam documentos para a mesa.

Ordem do dia: - Projecto de lei n.° 75, concessão do caminho de ferro de Portalegre - O Sr. Valerio Villaça requer e a Camara approva que haja uma só discussão sobre os artigos e bases annexas; apresenta tambem algumas modificações que ficam em discussão. - Usam da palavra o Sr. Moreira de Almeida, Valerio Villaça, Archer da Silva, Lourenço Cayolla, Visconde de Ollivã, sendo o projecto approvado. - Projecto de lei n.° 38, garantia de juro ás obrigações da União Vinicola. - Usam da palavra o Sr. Pereira de Lima, Ministro da Fazenda (Paula Azevedo), Moreira de Almeida, Costa Lobo, José Cabral e Visconde da Torre. - A requerimento do Sr. Pereira Cardoso, que foi approvado, a sessão prorogou-se até se votar o projecto.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. José Joaquim Mendes Leal

Secretarios - os Exmos. Srs.

João José Sinel de Cordes
João Pereira de Magalhães

Primeira chamada: - Ás 2 horas e meia da tarde.

Presentes: - 7 Srs. Deputados.

Segunda chamada: - Ás 2 horas e 50 minutos da tarde.

Presentes: - 57 Srs. Deputados.

São os seguintes: Abel de Mattos Abreu, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alfredo Pereira, Amadeu de Magalhães Infante de La Cerda, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Tavares Festas, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Augusto Pereira do Valle, Aurelio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Carlos Augusto. Ferreira, Conde de Castro e Solla, Conde de Mangualde, Diogo Domingues Peres, Eduardo Frederico Schwaibach Lucci, Eduardo Valeriq Augusto Villaca, Emygdio Lino da Silva Junior, Francisco Miranda da Costa Lobo, João Duarte de Menezes, João Ignacio de Araujo Lima, João Joaquim Isidro dos Reis, João José Sinel de Cordes, João Pereira de Magalhães, João Soares Branco, Joaquim Heliodoro da Veiga, Joaquim José Pimenta Tello, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José de Ascensão Guimarães, José Augusto Moreira de Almeida, José Cabral Correia do Amaral, José Jeronimo Rodrigues Monteiro, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim da Silva Amado, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Julio Vieira, Ramos, José Maria Cordeiro de Sousa, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nunes, José Paulo Monteiro Cancella, José Ribeiro da Cunha, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luis Filippe de Castro (D.), Luis Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel de Brito Camacho, Manuel Nunes da Silva, Paulo de Barros Pinto Osorio,. Rodrigo Aifonso Pequito, Thomás de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Visconde de Coruche, Visconde de Ollivã, Visconde da Torre.

Entraram durante a sessão os Srs.: Abel Pereira de Andrade, Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Antonio Alves Oliveira. Guimarães, Antonio Macedo Ramalho Ortigão, Antonio Rodrigues Costa da Silveira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos. Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Henrique de Mello Archer da Silva, João Carlos de Mello Barreto, João Henrique Ulrich, Jorge Vieira, José Maria de Queiroz Velloso, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel Telles de Vasconcellos, Roberto da Cunha Baptista.

Não compareceram a sessão os Srs.: Abilio Augusto de Madureira Beça, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Aifonso Augusto da Costa, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alberto Pinheiro Torres, Alexandre Braga. Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Alberto Charulla Pessanha, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Bellard da Fonseca, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Centeno, Antonio Duarte Ramada Curto, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Hintze Ribeiro, Antonio José de Almeida, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Zeferino Candido da Piedade, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto César Claro da Ricca, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Christiano José de Senna Barcellos, Conde de Arrochella, Conde de Azevedo, Conde de Paçô-Vieira, Conde de Penha Garcia, Duarte Gustavo de Reboredo Sampaio e Mello, Eduardo Burllay, Ernesto Jardim de Vilhena, Fernando de Almeida Loureiro e Vasconcellos, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Xavier Correia Mendes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João Augusto Pereira, João do Canto e Castro Silva Antunes, João Correia Botelho Castello Branco, João José da Silva Ferreira Neto. João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Calvet de Magalhães, João de Sousa Tavares, Joaquim Anselmo da Matta Oliveira, Joaquim Mattoso da Camara, Joaquim Pedro Martins, José Antonio da Rocha Lousa, José Bento da Rocha e Mello, José Caeiro da Matta, José Caetano Rebello, José Estevam de Vasconcellos, José Francisco Teixeira de Azevedo, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Malheiro Reymão, José Maria de Oliveira Mattos, José "Maria de Oliveira Simões, José Osorio da Gama e Castro, José dos Santos Pereira Jardim, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luis da Gama, Manuel Francisco de Vargas, Manuel Joaquim Fratel, Manuel de Sousa Avides, Mariano José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Miguel Augusto Bombarda, Sabino Maria Teixeira Coelho, Thomás de Aquino de Almeida Garrett, Vicente de Moura Coutinho de Almeida d'Eça, Visconde de Reguengo (Jorge), Visconde de Villa Moura.

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SESSÃO N.° 64 DE 11 DE SETEMBRO DE 1909 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do Ministerio do Reino, enviando, para conhecimento da Camara dos Senhores Deputados, o decreto pelo qual Sua Majestade El-Rei houve por bem prorogar as Côrtes Geraes Ordinarias da Nação Portuguesa até o dia 18 do corrente mês, inclusivamente.

Para a secretaria.

Do antigo Deputado o Exmo. Sr. Rodolpho Augusto de Sequeira, participando o fallecimento de seu pae, o Exmo. Sr. Conselheiro, juiz do Supremo Tribunal de Justiça, Joaquim Germano de Sequeira, que foi Deputado da Nação e Vice-Presidente da Camara dos Senhores Deputados.

Segunda leitura

Proposta

Propomos que uma commissão de cinco Deputados eleitos pela Camara, ou designados pela presidencia da mesa, elabore um projecto de revisão do regime de contabilidade, que a Camara apreciará no principio da proxima sessão legislativa. = José Maria Pereira de Lima = Abel Andrade.

Foi admittida e enviada á commissão de fazenda.

O Sr. Presidente: - Peço a attenção da Camara. É com profundo pesar que participo á Camara o fallecimento do antigo Deputado, Vice-Presidente que foi d'esta Camara e Presidente em exercicio durante algum tempo, o Sr. Conselheiro, juiz do Supremo Tribunal de Justiça, Joaquim Germano de Sequeira.

Parece-me interpretar o sentimento da Camara, propondo que na acta da sessão de hoje se lance um voto de profundo sentimento pelo passamento d'aquelle illustre homem publico, e que se façam as devidas communicações.

Peço a dispensa do regimento para a minha proposta entrar desde já em discussão. (Apoiados geraes).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - Sr. Presidente: em nome do Governo associo-me á manifestação de pesar proposta por V. Exa. pelo fallecimento do Sr. Conselheiro Joaquim Germano de Sequeira.

Tive a honra de ser amigo de S. Exa., de ser seu correligionario, e é sentidamente que me associo ás palavras de V. Exa. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Moreira Junior: - Sr. Presidente: em nome do partido progressista, representado nesta Camara, associo-me commovidamente ás palavras de respeitosa homenagem por V. Exa. pronunciadas. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Rodrigo Affonso Pequito: - Sr. Presidente: em nome dos Deputados regeneradores deste lado da Camara, associo-me tristemente, á proposta apresentada por V. Exa., lamentando o passamento do antigo Deputado e grande caracter, que foi, o Conselheiro Joaquim Germano de Sequeira. (Apoiados).

O Sr. Pereira de Lima: - Sr. Presidente: associo-me com o maximo sentimento á commemoração pela perda do Conselheiro Joaquim Germano de Sequeira, e, em nome do partido regenerador, esse sentimento é assaz profundo.

Alem disso associo-me tambem em meu nome, pessoalmente, porque fui amigo do extincto.

Joaquim Germano de Sequeira era um dos bons caracteres da magistratura portuguesa. (Apoiados). Foi um magistrado integerrimo, e, acima de tudo, nestes tempos em que já vão rareando, dos bons liberaes que com a palavra e com a acção deram exemplo e lição, que tão pouco seguidos já vão sendo.

Germano de Sequeira, que tinha começado por defender as suas ideias com as armas na mão, sendo um perfeito patuleia, e tendo-se arregimentado no celebre batalhão academico de que fizeram parte Casal Ribeiro e tantos homens notaveis na politica portuguesa, foi depois, quando veio para a magistratura, um magistrado perfeitamente á altura da magistratura moderna, em tudo completamente elevado.

Eu tive a honra de trabalhar com elle no começo da minha vida de advogado, quando Joaquim Germano de Sequeira era juiz da 6.ª vara civel, e então conheci que nos seus modos, á portuguesa antiga, elle tinha uma verdadeira erudição de jurisconsulto, e acima de tudo um recto animo de julgador.

Germano de Sequeira foi Vice-Presidente desta Camara, e alem disso Presidente por alguns meses, na falta do Presidente effectivo, o Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco.

Em outra qualquer occasião em que a sessão não fosse tão adeantada como esta, devia encerrar-se; não o proponho, porem, porque sei que os trabalhos da nossa Camara e o adeantado da sessão demandam que não se possa prestar esta homenagem ao extincto. Presta-se-lhe, no entanto, esta homenagem de verdadeira saudade, e lembremos a sua memoria como um caracter de primeira ordem. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Moreira de Almeida: - Sr. Presidente: associo-me, em nome da minoria dissidente, á homenagem de pesar apresentada por V. Exa. á memoria do Conselheiro Joaquim Germano de Sequeira, que foi um magistrado integerrimo e que durante muitos annos exerceu nesta Camara, com muita distincção, o seu logar de representante do país.

Os meus amigos e eu associamo-nos, com profundo pesar, a esta manifestação.

O Sr. José Tavares: - Sr. Presidente: em nome do partido regenerador liberal, associo-me da melhor vontade ás palavras de condolencia que V. Exa. pronunciou em homenagem á memoria do fallecido Conselheiro Joaquim Germano de Sequeira, que não só honrou a tribuna parlamentar, mas foi tambem uma honra da magistratura portuguesa.

O Sr. Visconde da Torre:-Associo-me ao voto de sentimento pela morte do Sr. Conselheiro Joaquim Germano de Sequeira, que foi um ornamento da magistratura portuguesa.

O Sr. Cordeiro de Sousa: - Pedi a palavra para me associar ás palavras sentidas de V. Exa. pela memoria do nosso collega Sr. Germano de Sequeira, cuja perda todos nos lamentamos.

O Sr. João de Menezes: - Os Deputados republicanos associam-se á proposta de V. Exa., Sr. Presidente.

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara, considero a minha proposta approvada.

Lê-se o seguinte:

Decreto

Hei por bem, tendo ouvido o Conselho, de Estado, nos termos do artigo 110.° da Carta Constitucional da Monarchia, prorogar as Cortes Geraes Ordinarias da Nação Portuguesa até o dia 18, inclusivamente, do corrente mês.

O Presidente da Camara dos Senhores Deputados da Nação Portuguesa assim o tenha entendido para os effeitos convenientes.

Paço, em 10 de setembro de 1909. = REI. = Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

O Sr. Paulo Cancella: - Julgo que interpreto os sentimentos da maioria desta Camara mandando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro a V. Exa. se digne consultar a Camara se permitte se entre desde já na discussão da ordem do dia. = Paulo Cancella.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Em vista da votação da Camara, vae passar-se á ordem do dia.

Os Srs. Deputados que teem documentos para mandar para a mesa podem faze-lo.

O Sr. Emygdio da Silva: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, com toda a urgencia, seja enviada a esta Camara copia do parecer da Repartição de Contabilidade do Ministerio das Obras Publicas, com respeito á falta de pagamento aos tres clinicos que fazem as inspecções sanitarias aos funccionarios desse Ministerio, pagamento ordenado pelo artigo 50.° da lei de 9 de setembro de 1908. = Emygdio L. da Silva Junior.

Mandou-se expedir.

O Sr. Ramalho Ortigão: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro novamente copia da informação da antiga 3.ª Repartição da extincta Direcção Geral de Instrucção Publica, ácerca da reclamação do socio correspondente da Academia Real das Sciencias, Antonio Cabreira, contra a deliberação da La classe da mesma Academia, tomada em 20 de fevereiro de 1904.

Requeiro mais que, não sendo possivel satisfazer o meu pedido ainda na actual sessão legislativa, o seja feito no intervallo parlamentar. = Ramalho Ortigão.

Mandou-se expedir.

O Sr. Visconde de Coruche: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro novamente me seja fornecida, pelo Ministerio das Obras Publicas, Cominercio e Industria, nota dos documentos, autos levantados ou quaesquer outros que porventura ali existam e que digam respeito á transgressão á lei que se refere á suspensão da plantação de vinhas. = Visconde de Coruche.

Mandou-se expedir.

O Sr. Moreira de Almeida: - Mando para a mesa os seguintes

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministerio das Obras Publicas, me sejam enviados esclarecimentos necessarios sobre o assoreamento na ribeira do Almargem, alteração no regime das aguas, em virtude da construcção da ponte-ferrea e providencias tomadas em conformidade com os regulamentos hydraulicos. = José Augusto Moreira de Almeida.

Mandou-se expedir.

Requeiro, com toda a urgencia, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, copia de toda a correspondencia official que, desde maio ultimo, tenha sido recebida ou expedida para aquella Secretaria de Estado sobre o conflicto entre o Governo Geral de Moçambique e a Inspecção de Fazenda d'aquella provincia e a Inspecção Geral de Fazenda do Ultramar. = José Augusto Moreira de Almeida.

Mandou-se expedir.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vae entrar em discussão o parecer n.° 75, de 1908, sobre o caminho de ferro de Portalegre.

Lê-se na mesa. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 75

Senhores. - A vossa commissão de obras publicas foi presente o projecto de lei n.° 43-B, relativo ao caminho de ferro de Portalegre.

No relatorio que precedo este projecto de lei justificam-se largamente as condições economicas desta linha ferrea e as vantagens da sua rápida construcção. Não nos referiremos por isso, novamente, a este assunto.

Mas o que a vossa commissão não pode deixar de notar, muito claramente, é o facto de que este projecto altera essencialmente as condições do contrato actualmente em vigor.

As modificações propostas neste projecto importam, embora, sob designação diversa, uma garantia de juro para o capital que venha a empregar-se na construcção da referida linha.

Não nos repugna conceder as novas vantagens resultantes da approvação deste projecto; pois estamos absolutamente convencidos, pelos exemplos de todos os países do mundo, que, actualmente, é impossivel construir caminhos de ferro, sem que previamente se garanta o juro razoavel do capital a despender.

Mas se admittimos esta tão importante alteração no contrato, não podemos tambem deixar de acautelar e defender os legitimos interesses do Estado, da região e do concessionario.

A concessão em vigor foi feita em concurso publico; em concurso publico deve fazer se a modificação que completamente a altera.

As modificações propostas pela vossa commissão, de acordo com o Governo, asseguram os interesses do Estado, os interesses da região e os que, legitimamente, devem attribuir-se ao actual concessionario.

A concorrencia reduzirá os encargos do Estado até os justos limites; aquella região assegura-se a realização dos seus legitimos desejos, e e eoncessionario, ou é indemnizado das despesas justamente feitas, ou beneficiará das modificações do contrato se não houver outros concorrentes.

Pelas razões expostas, e pelas muitas outras que é inutil apontar ao vosso esclarecido criterio, nos esperamos que approvareis o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E o Governo autorizado a adjudicar em concurso publico, do acordo com o actual concessionario, a construcção da linha ferrea de Portalegre, nos termos das bases annexas á presente lei e segundo as condições te-chnicas exarada?, no contrato actualmente em vigor.

§ 1.° E motivo de preferencia para a adjudicação a menor renda a pagar á empresa adjudicataria.

§ 2.° Se o actual concessionario não for o preferido no Concurso, será indemnizado nas despesas feitas com os

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estudos e construcção da linha, mediante avaliação contra ditoria, e bem assim dos juros legaes da quantia, que se liquidar, correspondentes ao tempo que decorrer desde a data da assinatura do novo contrato de adjudicação até data do pagamento da quantia liquidada.

§ 3.° Se o concurso ficar deserto, manter-se-ha par todos os effeitos o contrato feito com o actual concessionario, sem que este tenha direito a qualquer indemnização.

§ 4.° Os depositos provisorio e definitivo serão respectivamente 10 contos de réis e 20 contos de réis.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Base 1.ª

A empresa entregará á administração dos caminhos de ferro do Estado, nos prazos previstos- nos contratos de concessão, a linha, pronta para ser explorada, com todas as dependencias necessarias conforme os projectos approvados, devendo-se proceder a uma vistoria previa do estado em que é recebida.

As officinas de reparação serão limitadas ás instalações subsidiarias das officinas do Barreiro que pela administração forem julgadas indispensaveis.

Base 2.ª

A administração explorará a linha durante o prazo da concessão, com o seu material circulante, cobrando todas as receitas e effectuando todas as despesas de policia, conservação e exploração, organizando livremente e sem a minima ingerencia da empresa, as tarifas, horarios, e a contabilidade e escrituração respectivas.

Base 3.ª

Em pagamento da exploração reverterá para a administração a quantia de 600$000 réis por kilometro explorado, entregando-se a renda liquida á empresa.

Logo que a receita bruta exceda 1:0.00^000 réis os excedentes dessa quantia serão repartidos entre a administração e a empresa nas proporções respectivas de 40 por cento e 60 por cento, até que a receita attinja 2 contos de réis.

Alem d'essa quantia serão repartidos em partes iguaes.

Para os effeitos desta base as receitas brutas serão calculadas sommando o rendimento proprio de linha, liquido de impostos, com o dos impostos e transito e sello que sobre elle incidem e com o participe da receita liquida das linhas do sul e sueste proveniente do affluxo do trafego da de Portalegre, que durante os primeiros 30 annos de exploração pertence, assim como os rendimentos dos impostos á empresa, nos termos do artigo 26.°, n.ºs 2.° e 6.°, do contrato de 9 dezembro de 1903, sendo o referido participe determinado pela forma prescrita no artigo 27.° do mesmo contrato. A somma de todas as receitas mencionadas será dividida pela extensão explorada da linha.

Base 4.ª

As obras complementares exigidas pelo desenvolvimento do trafego serão executadas pela administração, ficando, porem, a cargo da mesma 40 por cento da respectiva importancia, logo que haja a partilha do excesso de receita prevista na base 3.ª

Base 5.ª

Logo que a linha esteja em exploração até a linha de leste e caso a receita, que deve ser entregue á empresa, não attinja 800$000 réis por kilometro explorado, a administração entregar-lhe-ha esta quantia, devendo o que fal-tcir á receita effectiva para a attingir e os juros simples dessa differença, á razão de 5 por cento ao anno, ser reembolsados pelo participe do excesso de rendimento pertencente á empresa, nos termos da base 3.a, depois de satisfeitos os encargos previstos na base 4.ª

A referida quantia será elevada a 900$000 réis nas mesmas condições, desde que a linha esteja em exploração até Portalegre, e a 1 conto de réis quando esteja em exploração o troço entre Castello de Vide ea linha da Beira Baixa.

Sala das sessões da commissão de obras publicas, em 27 de agosto de 1908. = Francisco Ravasco = Antonio Rodrigues Nogueira = Claro da Ricca = Conde de Arrochela = Chaves Mazziotti = E. Valerio Villaca (relator).

A vossa commissão de fazenda concorda com o parecer da commissão de obras publicas, = Alfredo Pereira - José Ascensão Guimarães = Alberto Navarro = C. Ferreira = José Cabral Correia do Amaral = D. Luis de Castro = João Soares Branco.

N.° 43-B

Senhores. - No momento em que um mau anuo agricola impõe ao Estado o encargo de minorar as crises de trabalho pelo impulso dado a obras publicas, tanto quanto o permitiam as circunstancias do Thesouro, justifica-se, mais que qualquer outra providencia, a construcção de caminhos de ferro, susceptivel de occupar numerosos braços, criando ao mesmo tempo instrumentos poderosos e lucrativos de fomento.

E se essa construccão se pudesse realizar sem sacrificio, mediante prescrições que afoitem os capitães e amparem a iniciativa privada é dever indeclinavel dos poderes publicos resolverem equitativamente difficuldades que não teem deixado surtir effeito aos esforços tentados até agora para a realização de emprehendimentos d'esta natureza.

Por contrato de 9 de dezembro de 1903 foi concedida, precedendo concurso, a linha de Portalegre, Estremoz por Portalegre a Castello de Vide e seu ramal da Fronteira a Avis, ambos de via reduzida, conforme fora preceituado no decreto de classificação de 7 de maio do mesmo anno, respeitando-se apprehensões de ordem militar sobre os inconvenientes da adopção da via larga.

A ligação que se podia estabelecer pela primeira d'aquellas linhas, entre quatro outras de via larga, aconselhava a uniformidade de typo; tão poderosas eram as considerações de ordem economica e tão instantemente representaram os povos da região para que a ellas se desse a primazia, que uma revisão do assunto levou as estações competentes a aconselharem a alteração do typo de via.

Não era, porem, esta realizavel prontamente sem se rescindir do ramal de Avis, que podia ser supprido na sua funcção economica por uma alteração da directriz da linha de Ponte de Sor.

Por decreto de 27 de junho de 1907 foi, pois, autorizado o Governo a eliminar da concessão feita por contrato de 9 de dezembro de 1903 o ramal de Avis substituido pelo prolongamento da linha de Portalegre, construida com via larga, de Castello de Vide á linha da Beira Baixa. D'essa autorização resultou o contrato de 9 de agosto de 1907.

Demonstrou o concessionario a seriedade do seu proposito, effectuando os estudos para via reduzida, encetando os de via larga e construindo a infraestructura dos primei-os 16 kilometros de linha.

A despeito de todos os seus esforços e diligencias, não em podido, porem, obter os capitaes precisos que, perante os cálculos mais bem fundados do rendimento provavel, se manteem retrahidos quando falta um juro garantido.

Sendo a linha de Portalegre o natural complemento da de Evora, ligando o alto Alemtejo e a Beira Baixa com o medio e baixo Alemtejo e com o Algarve, a sua exploração pelo Estado, com o material circulante das linhas do sul e sueste, e sem transmissão no ponto de juncção, seria a mais proficua e economica possivel, assegurando, pelo rendimento proprio e pelo tributo trazido áquellas linhas, um trafego valioso.

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Assim o reconheceu o Governo, reservando explicitamente para o Estado, no decreto de 27 de junho de 1907 e no contrato d'elle derivado, a preferencia em qualquer contrato de arrendamento ou de exploração.

Propôs o concessionario una contrato de exploração em que o Estado se obrigasse a adeantar o que faltasse para determinado rendimento liquido, porque só assim o capital acudirá ao seu appello sem que o Thesouro seja onerado. Pode de facto ser modificado o contrato sobre essa base sem o minimo encargo para o Estado.

A população dos concelhos atravessados pela linha de Estremoz até Castello de Vide é de 64:640 habitantes, segundo o censo de 1900, sem contar com a dos concelhos vizinhos que a utilizarão.

A riqueza da região sob o ponto de vista agricola, as importantes relações commerciaes que mantém com a zona que lhe fica ao sul, attestada pelo extraordinario movimento na estrada de Estremoz a Portalegre, permittem prever rendimento bruto inicial superior a 1:500$000 réis por kilometro. Foi essa cifra attingida logo desde o inicio da exploração pela linha de Vendas Novas. A linha da Beira Baixa, de muito menor trafego, rende 1:400$000 réis.

Alem d'isso as linhas do sul e sueste verão o seu rendimento aumentado pelo tributo da nova linha, que se pode computar em dois terços do seu rendimento proprio, a julgar pela relação existente nas linhas do Minho, do Douro e de leste, entre o rendimento proprio das linhas affluentes e o respectivo affluxo áquellas. Arbitrando metade dessa receita para o acréscimo correspondente da despesa de exploração fica um terço como receita liquida. E pois fácil calcular os encargos que ao Estado adviriam de um contrato dessa natureza.

Se se entregarem ao concessionario 900$000 réis por kilometro e se computar em 700$000 réis o custo effectivo da exploração, o encargo do Estado seria, em 101 kilometros de Estremoz a Castello de Vide, 161:600$000 réis.

Para se attingir rendimento igual basta que a nova linha renda 1:200$000 réis por kilometro incluindo impostos e que determine portanto uma receita liquida de réis 40:000$000 nas do sul e sueste. As previsões menos optimistas e mais cuidadosamente fundamentadas permittem esperar rendimento superior.

Pode se computar em 600$000 réis apenas a despesa da exploração por kilometro, attendendo a que as despesas geraes das linhas do sul e sueste pouco aumentarão e a que a qualquer deficiencia proverá a nova receita liquida determinada n'essas linhas.

Em 500$000 réis foi com o mesmo criterio fixada pela Companhia Real a despesa da exploração da linha de Coimbra á Lousa.

Assim pois se o Estado se comprometter a entregar 900$000 réis e fixar em 600$000 réis a despesa de exploração, é preciso que o rendimento da linha obtido pela somma da receita propria do trafego com metade do aumento do rendimento liquido nas linhas do sul e sueste attioja 1:500$000 réis, tendo ainda o Estado cerca de 20:000$000 réis do seu participe das novas receitas liquidas nas referidas linhas.

E esse o minimo abaixo do qual haveria realmente que adeantar o complemento dos 900$000 réis da renda, adeantamento que seguramente não virá a ser feito, constituindo a sua promessa segurança e incentivo para o capital. Justo é que dos aumentos dá receita da nova linha acima de 1:500$000 réis partilhe o Estado em tanto maior proporção quanto mais ella cresce.

Tambem é justo elevar um pouco o minimo da renda quando a linha for prolongada alem de Castello de Vide, por ser exactamente essa a parte de mais dispendiosa construcçao, aggravada pelo onus de uma ponte importante sobre o Tejo. Pelo contrario, poderá ser reduzida a réis 500$000 emquanto a linha não attingir Portalegre.

A renda de 900$000 réis corresponde ao juro de 5 1/2 por cento á annuidade do capital de 15:700$000 réis, amortizado em 60 annos, quantia que representa o custo kilometrico da linha e os juros durante a construcção, não podendo pois ser taxada de excessiva.

A combinação proposta, equitativa e util para ambas as partes contratantes, offerece as vantagens da garantia de juro sem os inconvenientes que não raro lhes andam adstrictos, animando pois os capitães com a perspectiva de uma remuneração certa que o Estado vae buscar á receita criada pela propria linha.

Uma combinação desta natureza não cabe nas faculdades do poder executivo, visto alterar, essencialmente o contrato de concessão celebrado nos termos da base 5.ª da lei de 14 de julho de 1899.

Tem sido norma inalteravel do Estado dispensar leal cooperação ás empresas concessionarias de vias ferreas acordando com ellas novas clausulas quando o interesse publico as aconselhem.

Bem cabido é igual procedimento no caso presente, assegurando o rapido incremento dos trabalhos de construcção de uma linha de incontestavel importancia e de rendimento certo.

Temos pois a honra de submetter ao vosso esclarecido criterio o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É autorizado o Governo a celebrar com a empresa concessionaria da linha de Portalegre, por contratos de 9 de dezembro de 1903 e 9 de agosto de 1907, um contrato de exploração da referida linha segundo as bases annexas, que ficam fazenda parte integrante da presente lei.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Base 1.ª

A empresa entregará á administração dos caminhos de ferro do Estado, nos prazos previstos nos contratos de concessão, a linha, pronta para ser explorada, com todas as dependencias necessarias conforme os projectos approvados, devendo-se proceder a uma vistoria previa do estado em que é recebida.

As officinas de reparação serão limitadas ás installações subsidiarias das officinas do Barreiro que pela administração forem julgadas indispensaveis.

Base 2.ª

A administração explorará a linha durante o prazo da concessão, com o seu material circulante, cobrando todas as receitas e effectuando todas as despesas de policia, conservação é exploração, organizando livremente e sem a minima ingerencia da empresa as tarifas, horarios, e a contabilidade e escrituração respectivas.

Base 3.ª

Em pagamento da exploração reverterá para a administração a quantia de 600$000 réis por kilometro explorado, entregando-se a renda liquida á empresa. Logo que a receita bruta exceda 1:500$000 réis, os excedentes dessa quantia serão repartidos entre a administração e a empresa nas proporções respectivas de 40 e 60 por cento, até que a receita attinja 2:000$000 réis. Alem dessa quantia serão repartidos era partes iguaes, não podendo ser superior a 1:200$000 réis a parte paga á empresa.

Para os effeitos desta base as receitas brutas serão calculadas sommando o rendimento proprio da linha, liquido de impostos, com o dos impostos de transito e sello que sobre elle incidem e com o participe da receita liquida das linhas do sul e sueste proveniente do affluxo do trafego da de Portalegre, que durante os primeiros 30 annos de exploração pertence, assim como o rendimento dos impostos, á empresa, nos termos do artigo 26.°; n.ºs 2.° e 6.°,

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do contrato de 9 de dezembro de 1903, sendo o referido participe determinado pela forma prescrita no artigo 27.° do mesmo contrato.

A somma de todas as receitas mencionadas será dividida pela extensão explorada da linha.

Base 4.ª

As obras complementares exigidas pelo desenvolvimento do trafego serão executadas pela administração, ficando porem, a cargo da mesma 40 por cento da respectiva importancia logo que haja a partilha do excesso de receita prevista na base 3.ª

Base 5.ª

Logo que a linha esteja em exploração até a linha de leste e caso a receita, que deve ser entregue á empresa, não attinja 800$000 réis por kilometro explorado, a administração entregar-lhe-ha esta quantia, devendo o que faltar á receita effectiva para a attingir e os juros simples dessa differença, á razão de 5 por cento ao anno, ser reembolsados pelo participe do excesso de rendimento pertencente á empresa, nos termos da base 3.a, depois de satisfeitos os encargos previstos na base 4.ª

A referida quantia será elevada a 900$000 réis nas mesmas condições, desde que a linha esteja em exploração até Portalegre, e a 1:000$000 réis quando esteja em exploração o troço entre Castello de Vide e a linha da Beira Baixa.

Sala das sessões da Camara dos Deputados, em 5 de agosto de 1908. = Mario Monteiro = Visconde de Ollivã = J. Ferreira Netto = Lourenco Cayolla.

O Sr. Valerio Villaça (relator): - Pedi a palavra para mandar para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro a V. Exa. se digne consultar a Camara se permitte que haja uma só discussão sobre os artigos e bases annexas do projecto de lei n.° 75. = E. Valerio Villaça.

Foi approvado.

O Sr. Valerio Villaça (relator): - Mando para a mesa as seguintes

Propostas

Proponho que a base 5.ª do projecto n.° 75 seja assim redigida:

Base 5.ª - O Estado garante ao concessionario, desde que a linha esteja em exploração até a linha de leste, o rendimento de 800$000 réis por kilometro; e o de réis 900$000 logo que esteja em exploração até a linha da Beira Baixa. A construcção, porem, do troço de Castello de Vide á linha da Beira Baixa não poderá ser feita sem autorização do Governo.

As quantias que hajam de ser adeantadas para complemento d'estas garantias serão, com os juros simples de 5 por cento, reembolsadas pelo Estado, que guardará para tal fim todos os excessos sobre as quantias garantidas que porventura devessem pertencer ao concessionario até completa liquidação da conta de adeantamentos. = E. Valerio Villaça.

Proponho que ao § 1.° do artigo 1.° do projecto n.° 7õ.° em discussão se supprimam as palavras "a menor renda apagar á empresa adjudicataria" e se acrescentem as palavras "a maior percentagem a pagar pela empresa adjudicataria a Administração dos Caminhos de Ferro do Estado.

Sala das sessões, 11 de setembro de 1909. = E. Valerio Villaça.

Proponho que a base 3.ª do projecto 75.° seja assim redigida:

Base 3.ª - Em pagamento da exploração reverterá para a Administração dos Caminhos de Ferro do Estado uma percentagem, a fixar no concurso, superior a 44 por cento de receita bruta, calculada como adeante se indica; ou a quantia de 660$000 réis por kilometro, emquanto aquella percentagem não attingir o minimo de 660$000 réis.

Para os effeitos desta base as receitas brutas serão calculadas nos primeiros trinta annos sommando o rendimento proprio da linha, liquido de impostos de transito e sello que sobre elle incidem e com o participe da receita liquida das linhas do sul e sueste proveniente do affluxo do trafego da de Portalegre, que durante os primeiros trinta annos de exploração pertence, assim como os rendimentos dos impostos, á empresa, nos termos do artigo 26.°, n.ºs 2.° e 6.°, do contrato de 9 dezembro de 1903, sendo o referido participe determinado pela forma prescrita no artigo 27.° do mesmo contrato. A somma de todas as receitas mencionadas, será dividida pela extensão explorada da linha.

Saia das sessões, 11 de setembro de 1909. = E. Valerio Villaça.

Proponho que a base 4.ª do projecto de lei n.° 75 seja redigida da seguinte forma:

Base 4.ª - As obras complementares exigidas pelo desenvolvimento do trafego serão executadas "pela administração por conta da empresa, ficando, porem, a cargo da mesma administração 40 por cento da respectiva importancia, desde que a receita bruta exceda 1:500$000 réis por kilometro. = E. Valerio Villaça.

(Foram admittidas, ficando em discussão juntamente com o projecto).

O Sr. Moreira de Almeida: - Sr. Presidente: uma simples declaração desejo fazer sobre este projecto, e essa declaração é que eu não associo o meu voto a este ou outro projecto d'esta natureza, apresentado nesta Camara em condições semelhantes áquellas em que foi o projecto em discussão.

Eu admitto que nas discussões parlamentares desta Camara, no momento em que os projectos entram em discussão, se apresente uma ou outra modificação de que se possa tomar conhecimento immediato no momento da discussão, mas de alterações tão fundamentaes como essas que foram lidas na mesa, decerto que não podemos tomar conhecimento cabal.

Pode a Camara acceitar e dar o seu assentimento, mas não sem o meu protesto.
Digo isto sem censura á commissão, e muito menos ao Sr. relator, mas resalvo a minha responsabilidade, porque entendo que é péssimo esse proceder, e nos não podemos consentir que projectos desta natureza, desta importancia, em que se pedia garantias de juros, como áquellas que se pediam neste projecto de caminho de ferro, se votem simplesmente quando nos mal ouvimos a leitura de emendas substanciaes desse projecto.

Se foi por disciplina ou por uma obediencia a partidarismo, nós não associamos, o nosso voto, não podemos razoavelmente discutir este projecto.

Eu já não o approvei antes da ordem do dia, e desejo que isso fique expressamente consignado - o requerimento do Sr. Paulo Cancella, para que se supprimisse o tempo antes da ordem do dia, porque desde que se leu o decreto de prorogação das Camaras até 18 deste mês, eu entendia que deviamos discutir unicamente aquillo que fosse urgente.

Não tencionava falar sobre o assunto, e desde o momento em que a este projecto se apresentam em substituição emendas fundamentaes de que não posso tomar conhecimento, declino na Camara a responsabilidade da discussão.

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Tencionava referir-me ao caminho de ferro de Alemquer, que irá ligar a linha de Oeste com a de Leste, assunto que é realmente interessante, porque diz respeito a uma região agricola importante.

Eu poderia, no uso do meu direito, falar uma hora e um quarto sobre este projecto, mas não quero protelar os trabalhos da Camara, e, por isso, limito-me simplesmente a protestar contra a resolução ha pouco tomada pela Camara, á qual não quero ligar a minha solidariedade e ao mesmo tempo a declarar que voto contra o projecto.

(O orador não reviu).

O Sr. Valerio Villaça: - Pedi a palavra para dar urnas ligeiras explicações ao Sr. Deputado Moreira de Almeida sobre as emendas que mandei para a mesa, e vou procurar ser tanto quanto possivel claro nas minhas explicações.

Estas emendas teem razão de ser, porque veem esclarecer e tornar mais convenientes algumas das bases do projecto em discussão.

Assim, propus, e com razão, que no § 1.° do artigo 1.° se supprimissem as palavras "a menor renda a pagar á empresa adjudicataria" e se acrescentassem as palavras "a maior percentagem a pagar pela empresa adjudicataria á Administração dos Caminhos de Ferro do Estado". (Apoiados).

Relativamente á base 3.ª o que procurei foi fazer o seguinte:

(Leu).

E quanto á base 4.ª, para maior esclarecimento, introduz-se n'ella que as obras serão "feitas por conta da empresa", acrescentando-lhe um pouco mais adeante as palavras "quando a receita bruta exceda 1:500$000 réis por kilometro".

Pela base 5.ª o adjudicatario era obrigado a reembolsar o Estado das quantias que lhe fossem adeantadas para garantia de juro, e a commissão entendeu, de acordo com o Governo, e a Camara julgará se bem ou mal, que o concessionario devia pagar todos esses adeantamentos ao juro de 5 por cento.

(Leu).

Portanto, como S. Exa. vê, as emendas são vantajosas, não prejudicando os legitimos interesses do Estado.

De resto, S. Exa. dizendo que o projecto não era anti-pathico, fez a sua defesa.

Referiu-se o illustre Deputado ao caminho de ferro de Alemquer, dizendo, ao mesmo tempo, que se devia trazer á Camara uma proposta geral sobre todos os caminhos de ferro que fossem necessarios.

Devo dizer a S. Exa. que a commissão das obras publicas, na proposta do Governo relativamente ao caminho de ferro do Valle do Sado, introduziu exactamente as autorizações indispensaveis para o Governo proceder á construcção das linhas ferreas na região do centro, que é uma das mais desprotegidas sob o ponto de vista da viação accelerada.

V. Exa. e a Camara conhecem o valor de toda essa região e é preciso realmente uma providencia; e a commissão aproveitou o ensejo da linha do Valle do Sado para tratar deste caminho de feiro, reunindo tres caminhos de ferro numa proposta unica.

A commissão pedia que a construcção do caminho de ferro do Valle do Sado se fizesse em quatro annos, de preferencia a seis, porque encontrou um fundo livre de 154 contos de réis.

A commissão de obras publicas conformou-se simplesmente com a proposta do Governo numa base de 143 contos de réis.

V. Exa. coraprehende que no concurso a annnidade ha de ser inferior a 143 contos de réis, e que dentro desse limite ainda houve meio para fazer os outros caminhos de ferro. Mas eu não vou buscar ao fundo especial receita, vou buscá-la a uma verba que começou a vigorarem 1908, e que é referente a um imposto das linhas da Companhia Real dos Caminhos de Ferro.

Sr. Presidente: eram estas as observações que tinha a fazer e creio que respondi assim ás considerações do illustre Deputado Sr. Moreira de Almeida.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Archer da Silva: - Sr. Presidente: pedi a palavra para falar sobre a questão do caminho de ferro de Portalegre, mas estou certo que V. Exa. e a Camara me permittem que eu comece por lamentar o facto que se deu hoje.

Comprehendo que a Camara seja soberana nas suas resoluções, e que não as posso discutir. Mas pelo menos fica-me o direito, do qual não abdico, de lamentar que a Camara, saltando por cima do artigo 50.° do regimento, que marca pelo menos uma hora para antes da ordem do dia, tenha resolvido entrar immediatamente n'ella, o que faz com que nos não tenhamos mais, ou pelo menos hoje, a companhia de tres collegas nossos, Deputados republicanos, que nos teem sempre acompanhado nesta Camara, prestando a maior attenção a todos os assuntos, procurando com a sua intelligencia e com o seu valor, que é muitissimo, elucidar todas as questões e coadjuvar-nos o mais leal e sinceramente que é possivel.

Sr. Presidente: eu lamento profundamente esse facto, e permitia-me V. Exa. que eu lhe diga que em minha consciencia, como! Deputado moderno, não posso dizer francamente se é ou não perinittido que taes factos, se deem.

O artigo 50.° do regimento da Camara é bem claro e marca que as sessões durem quatro horas, sendo tres para ordem do dia e uma para antes d'ella.

É verdade que o artigo 223.° diz:

(Leu).

O que me parece, Sr. Presidente, é que a Camara não tem o direito de alterar o regimento, simplesmente por uma resolução de momento.

A questão é muito grave, e desde o momento em que tivemos, e todos nós nos felicitamos por ter como companheiros, homens como Brito Camacho e João de Menezes, que ainda na sessão de hontem mostraram quanto vale a sua intelligencia e o seu valor, permitta-me a Camara que eu comece por expressar o meu sentimento por não os ver presentes na sessão de hoje, depois do facto que se passou.

Entrando na ordem de considerações para que eu pedi a palavra, que é a questão do caminho de ferro de Portalegre, vou explicar o motivo por que pedi a palavra sobre tal assunto.

A questão do caminho de ferro de Portalegre veio dar aso a levantar-se uma questão a que não estive presente nos ultimos dias infelizmente, e lamento-o, porque sou d'aquelles que como Deputado teem procurado ser o mais assiduos possivel a esta casa.

Sr. Presidente: o caminho de ferro de Portalegre veio proporcionar-me a occasião para mais uma vez mostrar á Camara o meu profundo sentimento sobre os dois annos que nos pesaram de um Governo que nos calcou todos os direitos de parlamentares e todos os direitos individuaes e veio permittir-me nesta occasião lamentar que a Camara consentisse que se tivesse levantado uma questão desta ordem quando de todos os lados da Camara temos trabalhado como irmãos para desfazer tal obra. (Apoiados).

Depois de duas sessões legislativas vemos encerrar o Parlamento sem que a commissão do bill tenha cumprido o seu dever de marcar bem claramente quaes os decretos que devem ser revogados.

Sr. Presidente: a questão do caminho de ferro de Portalegre veio permittir-me demonstrar como as palavras do

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Sr. José Tavares feitas no seu ultimo discurso, porque é claro e natural que S. Exa. como Deputado franquista defendesse o seu partido, que a celebre virtude triunfante não foi triunfante, mais sim uma burla ao Rei.

É necessario que se saiba que no dia 1 de fevereiro a bala que atravessou um Rei, que a historia julgará, e um Principe innocente, matou essa celebre virtude triunfante frauquista que parece novamente querer tomar conta do que é deste país.

Entrando agora na apreciação do caminho de ferro, procurarei não combater o projecto porque foi modificado pela commissão, mas fazer á historia desse caminho de ferro e mostrar o que foi essa virtude triunfante.

Permitta-me V. Exa. que, para começar, historie um pouco o que se passou com este celebre caminho de ferro de Portalegre.

Sabe V. Exa. e a Camara que para os estudos dos caminhos de ferro foram nomeadas tres commissões: uma ao norte do Mondego outra ao sul do Tejo e outra entre o Tejo e o Mondego.

Em virtude desses estudos o Sr. Conde de Paçô-Vieira, Ministro das. Obras Publicas de então, abriu concurso para a concessão e exploração de uma linha de via reduzida de Estremoz para Sousel.

Ora V. Exa. etoda a Camara sabem bem que, havendo parte desta linha de correr parallela á nossa linha ferrea da Companhia Real dos Caminhos de Ferro do Estado, estava comprehendida na faixa de terreno de 40 kilometros e era mais que necessario consultar a Companhia Real dos Caminhos de Ferro.

Esta companhia não optou e não escolheu poder fazer essas obras, certamente fundada em que não podia comprar o material circulante das outras linhas, porque, se era de via larga, está era de via estreita.

Portanto, o concurso foi aberto nas seguintes condições: Para via estreita e nas condições e bases do concurso de 15 de julho de 1903.

A este concurso apresentaram-se dois concorrentes: um pedia a base do concurso e outro pedia o prazo da exploração.

Um pedia a exploração por setenta annos e o outro pedia-a por noventa.

Note V. Exa. que o concorrente que pedia a exploração por noventa annos apresentava certas vantagens que estavam fora das bases do concurso.

No dia seguinte, ou dois depois de estar fechado o processo do concurso, o concorrente que pedia a exploração por noventa, annos apresentou uma carta em que declarava que diminuia o prazo da exploração por setenta annos, conservando as outras melhorias de condições que elle tinha apresentado na primeira proposta.

Vê V. Exa. que desde esse momento ficava preferivel, está claro, a proposta do segundo concorrente, visto que apresentava melhorias que o outro não tinha apresentado.

O Sr. Conde de Paçô-Vieira, dentro da legalidade, deu a adjudicação áquelle que tinha apresentado primeiro a proposta dos setenta annos, não se importante com as outras vantagens.

O Sr. Conde de Paçô-Vieira, neste caso, procedeu legalmente, visto que, não apresentava essa vantagem uma alteração, nem technica, nem financeira, que era a unica que podia ser acceita, segundo o artigo 54.° do concurso.

S. Exa. desde que, não apresentando alteração nesse género, ainda assim e vendo que para o Estado era melhor a outra proposta, ouviu a Procuradoria Geral da Coroa, que foi de parecer que, desde o momento em que estava fechado o concurso e que se tinha apresentado a proposta por noventa annos e a outra por setenta, devia a adjudicação ser feita áquelle que tinha apresentado a proposta por setenta annos. Para nós, porem, temos a certeza de que houve mais concorrentes nessas condições, e mesmo melhores.

Ora, Sr. Presidente, depois deste periodo de legalidade, vou entrar num periodo absolutamente de illegallidade: o periodo de quando foi Ministro das Obras Publicas o Sr. Malheiro Reymão, que, apesar de fazer parte dessa virtude triunfante, commetteu a ditadura mais aggravante e mostrou que todos os protestos do Sr. João Franco nos quartos andares da baixa não eram mais do que uma burla ao país.

Sr. Presidente: logo a seguir á assinatura da adjudicação, em 29 de outubro de 1903, adjudicação concedida a um homem, de cujo nome não me recordo, nem quero saber, começaram a chover sobre o Ministerio das Obras Publicas as reclamações pedindo modificações sobre as bases do concurso. E assim começou-se por pedir a mudança do entroncamento do ramal de fronteira Sousel. Essa reclamação foi enviada pelo Ministro das Obras Publicas de então, Sr. Conde de Paçô-Vieira, ao Conselho Superior de Obras Publicas e depois de ter sido ouvida a Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses foi concedida. Depois vieram reclamações instantes para que a construcção da linha fosse de via larga, em vez de via estreita, mas o Sr. Conde de Paçô-Vieira não acceitou esse pedido porque era essa condição a base primordial do concurso, visto que, tendo sido ouvido o Conselho Superior de Guerra, elle foi de parecer que a linha devia ser de via estreita.

Não se podia admittir que fosse alterada essa base do concurso, porquanto eu creio que, se porventura o ramal tivesse de ser feito por via larga, a Companhia Real teria naturalmente ido ao concurso, visto o seu material ser todo de via larga. Quem poderá dizer que, se a linha, em vez de ser de via estreita, fosse de via larga, a Companhia Real não a teria acceitado? Ninguem com verdade o poderá dizer.

Em 20 de janeiro de 1900, em virtude de uma portaria do Ministerio das Obras Publicas, foi approvado o projecto para a construcção da linha de Estremoz a Castello de Vide, dando ao, concessionario o prazo de tres annos para a construir. As suas reclamações, para que essa linha fosse de via larga em logar de via estreita, o Sr. Conde de Paçô-Vieira não as attendeu, procedeu como devia e eu presto-lhe a minha homenagem, apesar de ser meu adversario politico, mas é que eu presto sempre a minha homenagem a quem a merece.

Entramos agora nesse periodo de franca ditadura, durante o qual todas as liberdades individuaes, todos os direitos concedidos aos cidadãos portugueses pela Carta Constitucional, foram absolutamente calcados por um homem que tinha simplesmente a ambição.

Veio o decreto de 27 de julho de 1907, e a Camara toda, que é muito lida, conhece certamente, e muito bem, uns certos artigos que foram publicados em um jornal que por todos nos é respeitado e tido como muitissimo digno nos seus processos jornalisticos: as Novidades. Todos nós conhecemos os artigos que foram publicados sobre esse assunto, nesse jornal. Pois muito bem; foi as Novidades o primeiro jornal que apresentou essa questão sobre o decreto de 27 de julho de 1907.

N'essa decreto o Sr. Reymão, que é um d'aquelles homens decididos, não esteve com meias medidas. Comecem por alterar o decreto eliminando a base do ramal fronteiro a Avis. Foi um traço só, não foi preciso mais: aumentou o prazo para a construcção em mais dois annos e meio; não foi preciso um traço, bastou duas letras. Era pouca difficuldade para S. Exa. e a virtude triunfante mostrava mais uma vez que era decidida; isto é, pelo decreto de 27 de julho de 1907, a virtude triunfante alterou absolutamente as condições em que tinha sido aberto o concurso; mas fez mais atropelos.

O artigo 83.° do decreto de 14 de setembro de 1859

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determinava que não podia ser dada concessão alguma a qualquer companhia particular, sem que a Companhia dos Caminhos de Ferro declarasse que acceitava.

O Sr. Reymão não esteve com meias medidas, acceitou isso e fez o seguinte: passou o que era de via reduzida a via larga.

Aqui tem S. Exa. mais um para juntar aos muitos factos que eu podia apresentar, mas não quero sair fora da ordem do dia.

Aqui tem S. Exa. como se percebe claramente que o Ministerio do Sr. João Franco tinha tanto respeito á lei como ás liberdades individuaes.

O Sr. João Franco nlo hesitou em alterar de uma só pennada as bases da concessão, fez ainda mais, cortou o artigo 83.° do decreto de 14 de setembro de 1879 com a Companhia Real, entregando de mão beijada o que o Sr. Paço Vieira, nobremente, dignamente, tinha recusado annos antes; e acceitou as condições quando tinha passado o prazo em que o concessionario estava obrigado a construir a linha.

Mas fez mais ainda; se nos estudarmos com um pouco de attenção esse celebre decreto de 27 de julho de 1907, nos encontramos que o artigo 2.° está redigido de maneira a esconder a concessão de se poder dar a garantia de juro a uma companhia- não a deu porque não se atreveu pelas razões muito ponderosas que vieram, publicadas nas Novidades. Esses artigos mostraram bem claramente que o artigo 2.° do decreto de 28 de julho de 1907 não fazia mais do que encobrir o decreto que no dia seguinte dava uma garantia de juro a essa companhia; quer dizer, o concessionario, que não tinha bases em que se fundasse e não tinha capitães, que fez?

Tratou em primeiro logar de alterar o prazo do concurso; tratou de alterar as bases em que tinha sido dado, cortando o ramal, para a companhia não poder concorrer. Fez mais; o que era de via estreita, e que tinha sido uma das bases primordiaes do concurso, passou para via larga.

A Companhia Real entendeu que no primeiro caso não lhe convinha de forma alguma ir fazer a obra por sua conta, porque tinha que adquirir novo material.

Quem disse ao Ministro que nessa occasião não convinha á companhia construir esse ramal?

Não lhe convinha ouvi-la, e por isso não a ouviu.

Aqui está a questão do caminho de ferro de Portalegre até a data de ser publicado o decreto de 27 de Junho de 1907.

Feito esse novo contrato, o concessionario ainda não arranjou capital.

E que tratou de fazer? Tratou de fazer questão dessa garantia de juro, e então é natural, clarissimo, toda a gente protestou contra esse facto.

Desde o momento em que não conseguiu a garantia de juro nessa occasião, por se terem levantado todos contra esse facto, moveu-se novamente o concessionario, e apparece agora ao Parlamento este projecto n.° 75.

A commissão alterou profundamente este projecto, substituindo o que era uma concessão para um homem por um concurso para outros concessionarios.

Neste ponto não posso deixar de estranhar que, quando em um concurso com outras bases não se dava garantia de juro ao concessionario, agora para este novo concurso, não feito nas mesmas bases, sem ser necessario dar garantia de juro, segundo o projecto que é presente á Camara, a garantia de juro é clara e perfeita.

O Sr. Valerio Villaça: - Por isso mesmo se alteraram as bases do concurso, e fez-se novo concurso.

O Orador: - Era melhor alterar o contrato. Não comprehendo porque, tendo apparecido no primeiro concurso dois concorrentes para essa concessão, sem ter a garantia de juro, hoje, que vamos melhorar as bases do concurso, ainda alem d'essa melhoria, damos a garantia de juro.

Comprehendia-se que déssemos a garantia de juro depois de aberto o concurso com as novas bases, não tendo apparecido nenhum concorrente.

Mas, se no primeiro concurso, appareceram dois concorrentes, é de esperar que agora, com melhoria das condições, tambem appareçam concorrentes.

Portanto, parece-me que se devia dar garantia de juro, unicamente se o concurso tivesse ficado deserto.

O Sr. Valerio Villaça: - A questão é simples.

Modificaram-se as bases para outro concurso.

S. Exa. sabe que é muito difficil dar concessões para se construirem caminhos de ferro sem garantia de juro. Por isso, com o fundo especial dos caminhos de ferro garantiu-se o juro.

O concessionario para executar esse caminho de ferro pediu ao Governo que no contrato se desse a garantia de juro. A commissão de obras publicas foi de opinião que, desde o momento em que se alteravam profundamente as bases do concurso, se desse a garantia de juro. Essa garantia de juro não é ao concessionario, dá-se á linha ferrea de Portalegre.

Peço desculpa da interrupção.

O Orador: - Houve toda a razão em se alterar profundamente as bases do concurso. Mas agora pergunto eu: se se acha preferivel abrir concurso em novas condições, para que se ha de conceder a garantia de juro?

Peco desculpa a S. Exa., das haveria alguém que concorresse.

O Sr. Valerio Villaça: - Foi só um.

O Orador: - Foi só um, mas não quer dizer que esse um não concorra hoje nas mesmas condições. Havia dois, e foi dada a concessão a um. O outro não foi ouvido, e dava umas certas vantagens alem do concurso, vantagens que não foram acceites, e muitissimo bem, porque o concurso estava já fechado e não alterava as melhorias, que dava o artigo 54.° do concurso.

Desde o momento em que na primeira se apresentava um novo adjudicatario, não ha razão alguma para não se abrir concurso nas mesmas condições.

Não havia razão nenhuma, não havia motivo nenhum, e S. Exa. não pode assegurar firmemente ter a certeza de que ficasse deserto, desde que da primeira vez havia um outro concessionario.

O Sr. Rodrigues Nogueira: - S. Exa. pode estar absolutamente seguro: ultimamente, em parte nenhuma do mundo, e digo-o com absoluto conhecimento de causa, ha. empresa que tome a construcção de um caminho de ferro. sem garantia de juro. Em parte nenhuma. Não conheço um unico caso, por mais brilhante que se apresente o negocio.

Nós não. estamos aqui para nos illudirmos. Se queremos, dotar aquella região com caminho de ferro, para que havemos de adoptar uma solução que praticamente seria inutil?

O Orador: - De uma maneira simples: apresentando-se um projecto em que se diga que o Governo fica autorizado a abrir um outro concurso. Mas não está autorizado a dizer que fica deserto.

Desde o momento em que appareceu um outro, nada ha que possa fazer com que S. Exa. o declare. Não pode de modo algum garantir que, tendo havido um homem, que não sei quem é, que apresentou uma proposta acceitando todas as condições do concurso, e melhorando-as

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ainda, desde esse momento não ha ninguém que possa vir aqui á Camara garantir que elle ficará deserto. Desde o momento em que S. Exa. é o primeiro a confessar que é melhor o projecto 75, não ha razão nenhuma para não se abrir o concurso. Isto é logico.

Eu não quero atacar o projecto 75, e a prova é que o voto, mas isso não quer dizer que não haja melhor, e digo mesmo: hoje ha melhor.

O Sr. Valerio Villaça: - Sem licença do concessio nario não se podem alterar as bases do contrato que ella tem só de acordo com elle.

O Orador: - É absolutamente justo, mas, desde que elle não cumpriu as condições, hoje não ha concessionario essa concessão está nulla, e, desde o momento em que está nulla, o Sr. Ministro das Obras Publicas está no direito de abrir concurso, como muito bem entender. Mas eu o que achava melhor processo era o que determina o projecto 75.

Como disse, pedi a palavra, não para atacar o projecto porque lhe dou o meu voto, mas simplesmente para levantar uma frase do Sr. José Tavares, quando aqui fez a apologia da ditadura, e em que se atreveu a dizer uma heresia - porque calculo ter sido uma heresia -, dizendo-se admirado de que o Sr. Campos Henriques fizesse na commissão do bill a apologia dessa ditadura, e tivesse declarado que ella tinha sido um bem para o país.

Ah! Sr. Presidente, eu fui nesse tempo correligionario do Sr. Campos Henriques, - fui seu irmão de armas, e que se havia combatentes nesse partido, um d'elles era S. Exa.

Desafio quem quer que seja a dizer o contrario. O Sr Campos Henriques estava á testa desse movimento, fosse até onde fosse, sacrificasse-se quem quer que se sacrificasse.

Chamo a attenção da Camara para estas palavras, porque tomo a responsabilidade d'ellas - sacrificasse-se quem quer que se sacrificasse-. Nesse tempo reconheciamos acima de tudo, do proprio Rei que a historia julgará, uma outra cousa que era o bem do país e o restabelecimento da nossa Constituição.

Eu tenho muita pena de não estar presente o Sr. Presidente do Conselho, para lhe lembrar que neste momento é tudo quanto ha de mais grave para a nacionalidade portuguesa, o querer novamente essa patrulha que caiu pela bala que matou um Rei e um Principe innocente, tomar conta deste país. Pois muito bem, &e o Sr. João Franco, de triste memoria, não morreu nessa tarde, se voltar para governar o país, lembre-se o Sr. Presidente do Conselho, nesse dia nos estaremos todos ao lado uns dos outros, sem distincção de partidos, para combater um homem que pisou aos pés tudo quanto eram liberdades individuaes e o nosso direito constitucional.

Eu quis mostrar neste pequeno discurso o meu sentimento por ninguém se ter levantado contra as palavras do Sr. José Tavares, e por sobretudo terem permittido que se dissesse que o Sr. Campos Henriques, o marechal mais vermelho do meu partido, aquelle que eu acompanhava como amigo, e de quem hoje ainda sou amigo, fez a apologia dictadura na commissão do bill. Não o acredito; o Sr. José Tavares, que é um homem serio, estou certo, disse isso por informação errada que recebera.

O Sr. Augusto do Valle: - O Sr. José Tavares declarou que o Sr. Campos Henriques na sua presença tinha feito essa affirmação. Se o Sr. José Tavares não tivesse razão, d'aquelle lado da Camara, ou qualquer membro da commissão do bill tinha-se seguramente levantado para a contestar.

O Orador: - Eu simplesmente garanto a S. Exa., sob minha palavra de Deputado da nação e de homem, que dentro do meu partido, se houve alguem que combatesse a ditadura franca e lealmente, e ao lado de quem eu sempre estive, foi o Sr. Campos Henriques.

Eu lamento que seja eu só a levantar-me para tomar a defesa de S. Exa. quando sou seu adversario, e, até que o bom filho á casa torne, continuarei a sê-lo. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Lourenço Cayolla: - Poucas palavras pronunciarei, e seria mesmo escusado tomar n'este momento a palavra, visto o illustre Deputado o Sr. Archer da Silva ter declarado que concorda plenamente com o projecto e lhe dá o seu voto. Apenas pela consideração que me merece S. Ex.a, vou referir-me muito rapidamente ás suas observações.

Começou S. Exa. por mostrar a sua magua pela resolução da Camara permittindo que na sessão de hoje não-houvesse a hora que costuma ser destinada aos trabalhos antes da ordem do dia e se entrasse logo na ordem do dia. Em primeiro logar, S. Exa. sabe muito bem que ha disposições do regimento, que são muitas vezes modificadas, conforme as circunstancias reclamam, pelo voto da Camara; em segundo logar, sabe que o proprio artigo 50.°, que S. Exa. invocou, determina que a ordem do dia tenha pelo menos tres horas, o que quer dizer que não supprime a hypothese de poder dedicar-se todas as quatro horas da sessão á ordem do dia. A resolução que hoje tomou a maioria da Camara tem sido já adoptada em muitas sessões!

Referiu-se tambem S. Exa. com magua ao facto de não estarem hoje presentes os representantes da minoria republicana, que costumam ser os mais assiduos e os mais activos cooperadores dos trabalhos parlamentares. S. Exas. assistiram á votação que se fez e, portanto, eu interpretei a sua saida com uma cousa normal.

Com relação ao projecto o illustre Deputado elogiou-o, mostrando que estava de acordo com elle, disse até que lhe dava o seu voto e, por consequencia, eu pouco terei a dizer.

Depois carregou a fundo sobre a ditadura franquista e nessa parte tenho a dizer que S. Exa. tem o meu applauso; procurou tambem pôr em realce a responsabilidade do Sr. Malheiro Reymão e nesse ponto nada tenho que dizer, porque não sou partidario de S. Exa.

Eu assisti a uma conferencia dos representantes do circulo de Portalegre, que vinham perfilhar o pedido desta concessão, se ella se pudesse tornar viavel, e o Sr. Ministro das Obras Publicas dessa época acompanhou essa commissão com a melhor boa vontade e declarou que estava pronto a dar-lhe seguimento.

O Sr. Archer da Silva: - O Sr. Conde de Paçô-Vieira deferiu até parte d'esse artigo, mas quanto á outra parte, respondeu com a portaria de 21 de janeiro de 1900, declarando obrigada a construcção no prazo de tres annos explica os motivos por que o fazia no seu livro caminhos de ferro portugueses.

O Orador: - O Sr. Ministro das Obras então declarou que, se não houvesse uma difficuldade juridica, estaria pronto a deferir essa pretensão, mas infelizmente esse illustre Ministro poucas horas depois deixou de ser Ministro e, por conseguinte, não pode conseguir o seu intento.

O illustre Deputado, torno a repetir, não atacou o projecto, mas apenas atacou o projecto apresentado por alguns collegas desta casa, entre os quaes estou eu, porque no primitivo projecto nos não propunhamos que a nova concessão fosse posta em concurso, mas dada ao concessionario!

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Não tenho as menores relações com o actual concessionario, mas todas as pessoas d'aquella região affirmam que o actual concessionario tem realmente empenhado todos os esforços para cumprir as obrigações respectivas.

O actual concessionario não entrou no concurso como quem joga na lotaria, entrou no proposito firme de cumprir a sua obrigação, e affirmo isto pelo facto do concessionario começar logo as obras, fazer immediatamente os estudos no periodo regulamentar, sabendo-se que elle já ali empregou uns 100 contos de réis.

Ora, com um concessionario d'esta natureza, que estava disposto a cumprir com as suas obrigações, que eram materia do primitivo projecto de lei, seria justo que se fizesse a concessão nos termos em que fosse mais util para o Estado e para o concessionario; e quando a commissão das obras publicas mandou fazer o concurso, posso garantir que da parte d'elle encontou a melhor boa vontade.

Tambem tenho a dizer que os membros da commissão estão inteiramente de acordo com as emendas mandadas para a mesa hoje.

Eu não posso nem quero concluir sem explicar ao illustre Deputado as rasões por que, tanto os signatarios do primitivo projecto como a commissão das obras publicas entenderam que devia realmente assegurar-se com uma garantia de juro a nova concessão.

O relator da commissão, Sr. Valerio Villaça, explicou e é o Sr. Rodrigues Nogueira, com a sua grande autoridade e a sua competencia de engenheiro, provou que em parte nenhuma do mundo se faria uma obra destas sem garantia de juros.

N'estes termos, provada a incapacidade do actual contrato e provada a necessidade da contrucção d'esse caminho de ferro, que ha muito tempo é a aspiração mais ardente e enthusiasta do povo do Alemtejo, porque elle vae atravessar uma das regiões mais ricas do país e até hoje uma das mais abandonadas, a commissão entendeu que devia fazer o que fez e estou convencido que isto, assim remodelado, dará resultados praticos.

Era isto que queria dizer e por aqui encerro as minhas considerações. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Está esgota a inscrição.

Vae ler se o projecto e as emendas mandadas para a mesa.

Lido na mesa o projecto, foi approvado, bem como as emendas.

O Sr. Presidente: - Vae entrar em discussão o projecto de lei n.° 38, garantia de juros ás obrigações da União Vinicola de Portugal.

Lê-se na mesa. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 38

Senhores. - A vossa commissão de fazenda tendo examinado com a devida attenção a proposta de lei n.° 34-C, e reconhecido quanto é justificada a sua doutrina, propõe á vossa approvação o seguinte projecto de lei cujo § 1.° do artigo 1.° é o § 1.° do artigo 1.° da proposta com o acrescentamento das palavras "sem prejuizo do disposto nos artigos 23.° e 24.° do decreto de 28 de novembro de 1908", que teem por fim ficar bem assente a obrigação que á União dos Vinicultores de Portugal é imposta n'aquelles artigos.

Foi modificada a redacção do § 2.° da proposta por forma a tornar bem expressos os direitos que pertencem ao Estado, se por ventura a amortização das obrigações tiver de ir alem da existencia d'aquella sociedade.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É autorizado o Governo a garantir o juro de 5 por cento ás obrigações que a sociedade cooperativa União dos Vinicultores de Portugal já emittiu ou venha a ser autorizada a emittir em uma ou mais series, até o valor nominal maximo de 2:000 contos de réis, nos termos das disposições legaes em vigor.

§ 1.° A verba destinada ao pagamento do juro d'aquellas obrigações será annualmente inscrita no orçamento do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, durante 99 annos, constituindo o pagamento do respectivo juro encargo do Estado para com os portadores das obrigações a que se refere este artigo, emquanto estes titulos não forem amortizados, sem prejuizo do disposto nos artigos 23.° e 24.° do decreto de 28 de novembro de 3908.

§ 2.° Se a amortização das obrigações tiver de ir alem do prazo da existencia da União dos Vinicultores de Portugal, o Estado continuará o serviço do juro dos titulos emittidos até a sua completa extinccão, ficando com os direitos que aos obrigacionistas competirem como credores, hypothecarios.

Art. 2.° Fica revogada a Legislação em contrario.

Lisboa, sala das sessões, 31 de agosto de 1909. = João Soares Branco = Conde de Castro e Solla - José Galrai Correia do Amaral = Alfredo Pereira = José Jeronimo Rodrigues Monteiro = Carlos Augusto Ferreira = A. M. Nogueira = José de Ascensão Guimarães = Francisco Miranda da Costa Lobo (relator).

N.° 34-C

A carta de lei de 18 de setembro de 1908 promoveu a formação de uma sociedade cooperativa de viticultores, á qual seria concedida a garantia de 5 por cento ás obrigações, que emittisse até 2.000:000$000 réis.

Tendo-se organizado a Cooperativa União dos Vinicultores de Portugal e tendo-lhe sido adjudicado, em concurso, aquelle privilegio, encontrou essa sociedade diifi-culdades, realizada a primeira emissão de 1.000:000$000 réis, em achar tomadores para os seus titulos, difficuldades que já tiveram echo no Parlamento, e que parecem provir de encontradas interpretações da lei e de diplomas subsequentes que se referem ao mesmo assunto.

Com o fim de remover essas difficuldades apresentamos a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° E autorizado o Governo a garantir o juro de 5 por tiento ás obrigações que a Sociedade Cooperativa União dos Vinicultores de Portugal já emittiu ou venha a ser autorizada a emittir, em uma ou mais series, até o valor nominal maximo de 2.000:000$000 réis, nos termos das disposições legaes em vigor.

§ 1.° A verba destinada ao pagamento do juro d'aquellas obrigações será annualmente inscrita no orçamento do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, durante noventa e nove annos, constituindo o pagamento do referido juro encargo do Estado para com os portadores das obrigações a que se refere este artigo, emquanto estes titulos não forem amortizados.

§ 2.° Se a amortização tiver de ir alem do prazo da existencia da União, dos Vinicultores de Portugal, o Estado, substituindo-se a esta sociedade cooperativa perante os obrigacionistas, e tomando, em garantia para si, os direitos destes credores hypothecarios, continuará o serviço dos titulos emittidos até a sua completa extincção.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio da Fazenda, 25 de agosto de 1909. = Francisco de Paula de Azevedo.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Pereira de Lima: - Principia por dizer que a Camara sabe quão grande é a importancia do projecto que está em discussão. Não é só grande porque diz respeito a um dos ramos mais importantes da nossa economia agricola, é grande e de demasiada ponderação para o momento actual e para o estado das nossas finanças.

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Tendo apresentado esta proposição, fará o possivel por a desenvolver.

Antes d'isso, porem, é preciso que faça, seguindo um pouco as regras da hermeneutica antiga, a parte historiei do assunto, que é aquella que verdadeiramente vae explicar e referir a genese do actual projecto.

Tinha vindo a Lisboa uma commissão de vinicultores e viticultores do Douro, que vieram dizer ao Parlamento português que no Douro havia fome. Era verdade. Disseram mais que os vinhos do Douro se não vendiam. Tambem era verdade. Vinham, portanto, reclamar providencias que para o caso urgia tomar.

Tinha elle, orador, e tem, a honra de representar um circulo que faz parte da região propriamente duriense; e n'essa occasião, capacitado tambem, como todos, que o mester prover de remedio a semelhante crise, elaborou um projecto e apresentou-o. Mostrou-o, então, aos seus amigos e Deputados pela região do Douro, tanto pelo circulo que elle, orador, representa, como pelos outros circulos limitrofes, extremamente durienses.

Esse projecto, era principio, mereceu a approvação do seus collegas, e mandou-o apresentar ao presidente da commissão que tinha vindo solicitar medidas governativas. Não lhe agradou. Não mereceu logo a plena approvação. Mas tendo-o mostrado a outros membros da commissão, foi-lhe dito, pessoalmente que o projecto agradava em demasia. Havia a attender que o presidente d'essa commissão tinha outras ideias preconcebidas, outra orientação, que não podia apresentá-las de um dia para o outro.

Foram-se passando semanas e a questão foi-se complicando. Do sul surgiam as reclamações, visto que infelizmente para os interesses economicos portugueses ha uma linha equatorial que divide o norte do sul; quando um pede providencias, apparece logo, justificadamente tambem, o sul a pedi-las.

N'esse seu projecto teve a coragem de apresentar, a seguir ás providencias tomadas para o Douro, aquellas que elle, orador, julgara mais necessarias para o sul. Aconselhou, pois, o remédio que julgava util, para a crise vinicola do sul.

Começou-se a debater no seio augusto da commissão a differentes hypotheses, mais ou menos alicerçadas, no que se tinha legislado.

Se elle, orador, faltar á verdade agradece todas as correcções que lhe queiram fazer.

Começaram, pois, a debater-se na commissão os assuntos baseados na lei ditatorial, quando chegavam do Douro e de toda a parte as maiores adhesões a favor de um grémio que se devia fundir e formar-se com es exportadores dos vinhos do Douro, transformados no typo chamado vinho do Porto.

Não quer, porem, tratar da questão do Douro, mas dirá unicamente que os remédios aqui applicados para o Douro fizeram tanto que a fome continua e até foi preciso donativos de jornaes para acudir ao operariado agricola.

Levantou, então, na commissão - embora soubesse que ficava vencido - a questão de que um assunto tão importante não devia enxertar-se numa lei ditatorial e que a commissão do bill, que era uma commissão de exame e de approvação, não podia tomar sobre si a iniciativa de um acto differente do que tratava, e que no caso contrario representava uma questão constitucional.

Mas a politica de todos os tempos é de tal forma que ás vezes se julga constitucional o que é inconstitucional, para uma questão ser resolvida era poucos dias.

A commissão do bill, arvorada em commissão de fomento e de agricultura propriamente dita, vinha pedir-lhe o seu beneplacito.

Depois, a commissão de agricultura teve deante de si tres projectos - chamemos-lhe assim - a estudar: um, o da commissão do bill; outro, o do seu amigo e distincto parlamentar, o Sr. Costa Lobo; e outro, o d'elle orador.

Quis o acaso que eu começasse a entrai- em discussão, embora genericamente. A commissão do bill não estava de acordo com elle, e a maioria da commissão igualmente. Á boa vontade do digno relator da commissão do bill e á sua perspicacia e tacto se deve p começar se a discutir o seu projecto. E como via que a maior parte dos representantes do Douro se aggremiavam ao lado da solução contraria ao seu projecto, e tendo, o orador, varrido a sua testada, exclamou: "o tempo lhe fará justiça".

Pediu que se tomasse a serio o problema do estabelecimento de feitorias para as vendas dos nossos productos agricolas e varias outras industrias. Tem vindo com esta cruzada desde 1897; tem feito diversas conferencias, até na Real Associação de Agricultura Portuguesa, á qual assistiu como director o seu collega, illustre parlamentar e homem de Estado o Sr. D. Luis de Castro, que certamente se recorda como, elle, orador, foi applaudido, mas esses applausos esvairam-se, ninguem mais pensou em tal senão para dizer que o conferente tinha dito duas palavras, umas em seguida ás outras e que não tinha dado muitos erros grammaticaes.

O nosso país está caracterizado pelos ditados: "só nos lembramos de Santa Barbara quando faz trovões", e pelo "amanhã".

Pugnou pelas feitorias, e pediu á commissão que olhasse, com olhos de ver, para essa altissima questão. Todos concordaram que elle, orador, tinha razão. Mas, francamente, a ideia da commissão era, se não se engana, de fundar duas ou tres feitorias, e dizia-se até que para experiencia. Insurgiu se contra essas palavras de experiencia e contra o seu numero limitadissimo. Em primeiro logar, a experiencia já se tem feito de uma maneira, quasi desastrada, mandando-se pessoas que não conhecem os mercados, apesar de competentes e illustradas, e conhecendo, mesmo, o que são lagares de vinho e as reacções do sobredito vinho -mas não conhecendo a situação dos mercados, a sua economia e adaptação dos productos ao commercio local. Para isto ha no estrangeiro o exercito dos caixeiros viajantes, que, na Allemanha, é importantissimo, saindo esses caixeiros viajantes preparados, devidamente habilitados, porque fazem a aprendizagem pratica.

As feitorias, porem, não se devem criar como experiencia, visto que os embaixadores que fossem tratar da questão só poderiam obter a informação de que a adaptação dos vinhos podia fazer-se. E nada mais.

As feitorias deviam criar-se, e, caso se tivessem criado, bem como uma repartição de exportação, quanto lucraria com isso a. nossa economia?

Quererão por acaso distribuir pelo Governo e pelos membros da Camara o vinho produzido no país?

O que nos precisamos, tanto para a economia externa, como para o equilibrio da nossa balança commercial, é valorizar-se este artigo unico, primacial da economia agricola, que se chama o vinho. E alem disto temos ainda a considerar a cortiça, o azeite e as conservas alimenticias.

Mas o que querem exportar para fazer o equilibrio de 50 por cento a menos de uma balança commercial, que é a mais desequilibrada de todo o mundo?

Só chifres e pelles de animaes quadrupedes? Ora, já depois delle, orador, ter defendido a questão da criação de uma repartição de exportação, a França criou essa mesma repartição e criou os seus addidos commerciaes, dividindo-os em duas classes: addidos commerciaes attinentes ao Ministerio dos Negocios Estrangeiros e os addidos propriamente ditos para trabalharem nos mercados. Criou ainda as feitorias.

Em 1897 ainda nenhuma nação tinha feitorias para a venda dos productos agricolas. Tres annos depois criou as a Italia na Suissa; sete annos depois na Espanha; dez annos depois na Argelia, com licença do Governo da metropole.

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O que fazem as nações que teem productos para vender? O que fazem as nações exportadoras?

Tratam de os collocar. Arranjam tratados de commercio para gozarem os beneficios de nação mais favorecida. E depois disso não ficam só com os tratados de commercio mettidos numa gaveta, como os grandes senhores antigos fechavam a sete chaves os seus pergaminhos e só collocavam as armas heraldicas ou ás portas esculpidas no marmore ou então em seus pomposos anneis.

Nós, com grandes massas vinicas, brancas e tintas, que se podem desdobrar, esperamos que, neste recanto occidental, tendo ante nos a vizinha Espanha, logo adeante os Pyrinéos e depois a França, a Divina Providencia nos valha. Que temos para satisfação desta grande crise e para a resolução deste grave problema? Apenas palliativos, auxilios provisorios.

E tendo defendido, por esta e muitas outras razões, as feitorias, entendeu que devia pugnar pela criação de uma companhia vinicola e foi elle, orador, que apresentou o alvitre na connnissão, o qual fazia parte do seu projecto no artigo 5.°

Ao principio a commissão não decidiu logo, custou-lhe bastante essa formação, mas como elle, orador, dissesse que urgia estabelecerem-se as feitorias no norte e uma companhia vinicola ao sul, mostrou-se resolvida a tratar do assunto.

Mas quando elle, orador, pensou nessa companhia, pensou numa companhia vinicola a valer, com sufficientes capitães para satisfazer devidamente a sua funcção.

Propunha, em principio, que o Estado garantisse 3:000 contos em obrigações, mas depois fez uma reducção para 2:000 contos de réis.

Apresentara então o seguinte plano financeiro que não é difficil de inventar.

2:000 contos de réis de obrigações garantidas ou privilegiadas; 2:000 contos de réis de capital, visto como não podia admittir que o capital realizado fosse inferior ao quantitativo das obrigações garantidas pelo Governo.

Eram já 4:000 contos de réis, e a companhia ficava, dentro dos termos de uma lei excepcional, autorizada a emittir outros 2:000 contos de réis correspondentes ao seu capital. Logo, com os 2:000 contos de emissão de obrigações communs, tinhamos 6:000 contos de réis.

A companhia assim formada teria no mercado interno e externo, porquanto, devia trabalhar principalmente para o estrangeiro, um credito pelo menos de 4:000 contos de réis. E com 10:000 contos de réis, acrescenta o orador, fazia-se alguma cousa.

Os 2:000 contos de réis de obrigações privilegiadas, collocava-as a companhia facilmente, dando ao lavrador em troca do seu vinho 50 por cento nessas obrigações, e os outros 50 por cento em dinheiro.

E para que servia a garantia?

Somente para, ficando o Governo autorizado a dispensar annualmente até a quantia de 400 contos de réis para a sustentação e desenvolvimento das feitorias de renda, divididos por doze ou quatorze feitorias, o máximo, o proprio Governo que tomava a se, no primeiro ou no segundo anno, a montagem dessas feitorias, transformasse esse encargo para a companhia a quem devia, por outro lado, uma garantia de juro, do ut des. O Estado ficava livre desse encargo, dessa iniciativa urgentissima, e a companhia ficava com a administração dessas feitorias para collocar os seus productos.

O que é um facto é que a maior parte das industrias da Belgica vão procurar o seu dinheiro á França, e o mesmo succede á Suecia e á Noruega.

Vê, portanto, a Camara como desapparecia a verba que sobrecarregava o Estado para a sustentação das feitorias. O Estado concorria com o primeiro anno, e a companhia com o segundo e o terceiro; e neste tempo a companhia havia de manter os seus caixeiros viajantes estrangeiros, tendo ao seu lado caixeiros portugueses que aprendessem a lingua e a arte de negociar com os generos, estudando os mercados, e a riqueza vinicola teria a devida collocação.

Com tudo, em que consistia a garantia e como a tomava elle, orador?

Foi a garantia discutida pelos membros da commissão. Alguns admiraram-se desta innovação e do encargo que poderia advir para o Estado. N'esta occasião acudiu o illustre relator da commissão e veio com o soccorro do fundo que todos conhecemos.

Ora, tendo a companhia capital seu, fazendo operações boas e justas, e sendo verdadeiramente bem administrada, com toda a certeza que, a não ser no primeiro ou segundo anno, não teria necessidade do auxilio do Estado, porquanto a primeira cousa que tinha a fazer nos seus lucros, era fazer o serviço do pagamento das obrigações privilegiadas, como se faz lá fora.

O orador, allude, em seguida, á Companhia do Commercio e Agricultura das Vinhas do Alto Douro, criada pelo Marques de Pombal, e diz que quando ao principio se offereceram casas importantes para subscreverem, quem subscreveu mais foi o commercio do Porto.

O Sr. Presidente: - Adverte o orador de que fala ha uma hora tendo mais um quarto de hora para concluir o seu discurso.

O Orador: - Continuando, accentua que se se tivesse seguido o seu alvitre, não teriamos, na hora actual, povoações a virem pedir ao erario, não uma garantia, mas uma dadiva de 100 contos de réis annuaes.

E isto numa occasião em que o nosso déficit toca o coefficiente para nos levar mais ao descrédito no estrangeiro, numa occasião em que tivemos de votar a emissão de titulos que vem carregar mais a divida interna.

Ha quarenta arinos que era de 8:000 contos de réis o encargo da nossa divida; e hoje não ha nação nenhuma que tenha, como nos, de empregar quasi metade da receita para o serviço da sua divida.

E quando estamos neste estado podemos porventura ser generosos? De onde?
Quantos apuros nas suas reflexões pessoaes deve soffrer o alto espirito do actual Sr, Ministro da Fazenda!

Quanto elle sentirá, neste momento, os espinhos do poder! Vê-se numa posição de não poder lançar impostos sem provocar um movimento como aquelle que deitou por terra o Ministerio de que fazia parte seu pae, o sr. Conde de Samodães, e de que fazia parte, também, o vulto austero, verdadeiramente patriotico e liberal, que se chamou bispo de Viseu.

De um lado, Scylla: não mais impostos; do outro lado Carybdes: um problema financeiro difficil de resolver.

Agora vamos dar de mão beijada nada menos de 100 contos de réis annuaes. Certamente que o Sr. Ministro da Fazenda deve estar como Pilatos no Credo pois ao assumir o seu logar já encontrou a lei feita.

Amanhã, d'aqui tres ou quatro annos, a companhia - continuando a terrivel crise e sem se procurar lá fora a collocação dos nossos vinhos - ver-se-ha na necessidade de uma fallencia.

N'esta altura, o orador, chama a attenção do Sr. Presidente do Conselho para o seguinte. A França acabou de delimitar a sua região de Bordeaux. Escusa-se, portanto, de pensar, depois da delimitação da Gironda e de mais sessenta e tres arrondissements, em mandar vinho para França.

O Sr. Presidente: - Previne o orador de que decorreu o tempo regimental para S. Exa. falar.

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O Orador: - Como não tenha concluido, pede se consulte a Camara para continuar no uso da palavra.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara, pode S. Exa. continuar.

O Orador: - Proseguindo nas suas ideias, declara que nos já não podemos metter vinho em França, nem tão pouco a Espanha.

O que representa Portugal no consumo mundial e na producção vinicola total?

A producção mundial é de 150 milhões de hectolitros, na vindima, e de 134 milhões de hectolitros quando a uva se reduz a vinho.

Que representa Portugal que produz 7 milhões de hectolitros? Está abaixo da Allemanha, da Argelia, da Austria-Hungria, da Espanha e da Itália e abaixo de nos estão a Russia, a Bulgaria, os Estados Unidos, a Grecia, a Suissa e a Romania; isto é, Portugal, que dantes figurava no quarto logar entre os países vinicolas, occupa hoje um logar de pouca importancia.

A França teve no anno passado uma producção de 51 milhões de hectolitros, collocando o hectolitro por um preço que mediava entre 10 e 12 francos, isto é, por 20000 réis.

Se a sociedade cooperativa for comprar por este preço, pois que comprar por menos é rebaixar o preço, que quantidade vae adquirir com 1:870 contos?

Julga que o defensor das soluções economicas dos problemas agricolas, aquelle que foi o originador do artigo da lei que cria a companhia, aquelle que pediu para as obrigações dessa companhia uma garantia, demonstrou e explicou que, mesmo apesar de ter muitos desejos de servir a viticultura de Portugal inteiro, comprehende o que se quer fazer com a interpretação do artigo da lei vinicola e sabe qual devia ser essa interpretação. Com o seu voto não podem contar.

O Sr. Ministro da Fazenda (Paula Azevedo): - Sr. Presidente: o Governo ao apresentar o projecto que está actualmente em discussão estava certamente longe de que elle desse pretexto a ouvir-se uma oração tão erudita como aquella que a Camara acaba de ouvir.

Como muito bem disse o Sr. Pereira de Lima, o Governo apresentou este projecto levado pela força das circunstancias e não por qualquer forma pretender reaccender no Parlamento a questão vinicola, que tão debatida foi no anno passado.

As considerações que a Camara acaba de ouvir são mais de um caracter geral do que tendentes a fazer a apreciação do projecto era discussão; e, embora muito grande fosse o prazer que tive em ouvir o Sr. Pereira de Lima, a verdade é que S. Exa. naturalmente não convenceu a Camara hoje como não a convenceu quando em tempos expôs as suas ideias, porque, se bem comprehendi do que S. Exa. acaba de dizer, a exposição que para mim foi nova e agradavel não era nova para os membros desta Camara.

O Sr. Pereira de Lima: - Em grande parte era nova.

O Orador: - Mas nas suas linhas fundamentaes creio que não era porque S. Exa. referiu as ideias que expendeu no Parlamento.

Proponho-me demonstrar que, dada a situação actual, o Governo não podia fazer menos do que fez, apresentando este projecto, nem tinha obrigação de fazer mais.

As considerações economicas do Sr. Pereira de Lima não demoveram a Camara de fazer a lei de 18 de setembro de 1908, e ò Governo actual achou-se perante ella.

O Sr. Pereira de Lima: - S. Exa. dá-me licença para um aparte?

Não estava na Camara quando se mudou de opinião como expliquei aqui relativamente ao que estava assente. Tive de retirar-me para o estrangeiro e quando sai, ainda tinha ficado assente que era uma companhia. Depois é que a Camara, sem eu estar, na sua alta sabedoria resolveu essa formação.

O Orador:-Não estava presente, mas tinha formulado o seu plano de solução da crise vinicola. O que S. Exa. não pôde, em vista das circunstancias que apontou, foi defende-lo até final, mas a Camara tem conhecimento desse plano.

O que se ve é que não se convenceu das excellencias d'elle e entregou ao actual Governo esta lei, que não está sanccionada, mas que tem todas as formalidades que são exigidas para as leis do país.

Por isso digo que não acompanharei S. Exa. nas considerações economicas que apresentou e apenas procurarei justificar o Governo de ter apresentado um projecto desta ordem.

Foi em 18 de setembro que esta lei foi publicada e n'ella se resolveu a criação de um organismo cooperativo que devia dar solução ao problema vinicola do sul.
Pensaram os autores desta lei que a forma cooperativa era a mais adequada ao problema. Não admira que assim fosse, e aqui permitta-me S. Exa. que eu rectifique um ponto do seu discurso, talvez o unico, em que me pareceu que a apreciação dos factos apontados por S. Exa. era menos exacta, e não me leve S. Exa. a mal que só encontrasse um ponto do seu discurso onde a exactidão das suas affirmações me parecesse deixar duvidas.

O Sr. Pereira de Lima: - É até um elogio immerecido.

O Orador: - Immerecido não, se é licito reconhecer o merito de alguem, é um elogio.

S. Exa. invocou a constituição da Companhia dos Vinhos do Alto Douro, ou melhor, a chamada Companhia da Agricultura dos Vinhos do Alto Douro, instituida pelo Marques de Pombal, e em seguida, não se tendo referido á maneira como foi organizada, falou de uma outra companhia que se organizou no nosso país.

O Sr. Pereira de Lima: - Eu só me referi á primeira.

O Orador: - Seja só a primeira, porque a historia da organização dessa companhia é sensivelmente a mesma. O processo da organização dessa companhia obedeceu a uns moldes que eram então correntes, mas que hoje não se podem empregar.

O Marques de Pombal organizou a companhia, nomeou os accionistas e ordenou os individuos que o haviam de ser. E colheu igualmente entre os proprietarios os viticultores do Douro e quando elles não tinham recursos para entrarem para essa companhia, elle não exitou um momento e ordenou ás associações de beneficencia que emprestassem o dinheiro preciso a esses individuos que elle mandara que fossem accionistas para elles entrarem para a companhia.

Ora essa garantia apparece no artigo 32.°, sob a seguinte forma:

(Leu).

Quem tomar estas obrigações quer saber se é o Governo Português que lhe garante directamente o juro ou se o

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Governo garante esse juro por intermédio da sociedade vinicola.

O texto, tal como era, parecia indicar que esse juro só era garantido pela companhia, de modo que no dia em que ella desapparecesse o portador da obrigação não tinha o intermediario que havia de lhe ir buscar ao Thesouro a garantia promettida.

Sobre esta lei houve diversas interpretações que a pouco e pouco se foram complicando, emaranhando, e não admira nada que assim succedesse, porque o proprio Sr. Pereira de Lima disse, quando apresentou o seu alvitre, que se organizasse a companhia com o capital inicial de 2:000 contos de réis em obrigações, com responsabilidade exclusiva da companhia.

Mas alem d'estes 2:000 contos de réis em obrigações ha outros 2:000 contos de réis, proferenciaes, que são garantidas pelo Estado; de modo que ha 4:000 contos de réis com a garantia de 2:000 contos de réis iniciaes e podendo a companhia ainda levantar no estrangeiro mais 4:000 contos de réis.

O Sr. Pereira de Lima: - Era uma previsão.

O Orador: - Já vê V. Exa. que previa e ninguém dirá que essa previsão era muito acautelada de se poder levantar 6:000 contos de réis com um capital de 2:000 contos de réis.

O Sr. Pereira de Lima: - O Credito Predial tem um pequeno capital em relação ás obrigações emittidas.

O Orador: - Mas essa companhia goza de privilegios...

O Sr. Pereira de Lima: - Isso já caducou ha muito tempo.

O Orador: - Sei perfeitamente que ha muitas empresas que teem um capital muito pequeno e que nem por isso deixam de trabalhar com um capital muito grande. Mas isso são situações precarias e desde que não se apoiem em privilegios, estão sujeitas a desapparecerem.

Mas eu não quero discutir as bases financeiras em que que S. Exa. imaginou constituir a sua companhia.

Dou de barato que ellas fossem boas.

Mas o que, sem as explicações que S. Exa. aqui fez, naturalmente suppunha, como suppuserarn os viticultores, era que esses 2:000 contos de réis eram uma garantia do Estado.

E se o não suppusessem das palavras de S. Exa., eram autorizados a suppô-lo do proprio texto da lei.

O Governo só ficará isento pela lei, que o Parlamento fez, quando as acções da Companhia tiverem um dividendo de 12 por cento; só neste caso é que o Estado ficará exonerado de pagar, os juros das obrigações.

Se S. Exa. me perguntar se eu acho isto muito bem feito, dir-lhe-hei que não (Apoiado do Sr. Pereira de Lima), mas é o que está feito e eu tinha obrigação de o respeitar. O que é certo é que isto está assim e assim foi confirmado nos documentos que posteriormente foram editados pelo Governo.

Sobre esta lei fez-se o decreto de 1 de outubro de 1908, que reune tudo que n'esta lei se escreveu, assim como o que já se tinha escrito nas. leis anteriores e depois deste regulamento, que sobre este ponto não alterou o que estava estabelecido na lei, publicou-se o regulamento de 28 de novembro de 1908, para o funccionamento da fiscalização das sociedades vinicolas portuguesas, o qual referindo-se a esta questão da emissão das obrigações em differentes pontos, é sobretudo explicito no seu artigo 20.°, que diz:

(Leu).

Aqui já não apparece a garantia expressa, por uma forma que admitte a interpretação de que o intermediario das sociedades é indispensavel, aqui apparece já a garantia directa ás obrigações. E foi sobre este regulamento que a cooperativa dos viniculteres se apresentou em Portugal e que se fez o contrato.

Esse contrato é tambem muito expresso, porque logo no principio diz:

(Leu).

Em documentos variados, umas vezes confessa-se que a existencia da União dos Viticultores é indispensavel, outras vezes vê se que ella é perfeitamente dispensavel, até que se chegou á situação em que estamos actualmente.

A sociedade á sombra do seu contrato e desta interpretação foi fazendo as suas installações; criando compromissos, e levantando esses tantos contos de réis que lhe consentia o seu capital, até que viu ser preciso recorrer á emissão das obrigações. Essa emissão de obrigações foi autorizada pelo Sr. D. Luis de Castro, Ministro das Obras Publicas, em 8 de maio do corrente anno, e na mesma occasião o Sr. Ministroda Fazenda autorizou uma forma de amortização das obrigações que mais encarnava essa interpretação que a cooperativa dava ao contrato que tinha feito e á lei, a qual não era violada por essa autorização.

Os encargos do Estado não foram alterados em cousa nenhuma, pelo contrario foram em parte garantidos com uns tantos contos de réis.

Era preciso encarregar uma estação official de fazer o serviço da amortização. Evidentemente essa amortização não devia cessar de um momento para o outro pelo desapparecimento da cooperativa.

A intervenção da estação official na amortização lançou no espirito publico uma desconfiança que não tinha razão de ser, pois temia-se que as obrigações deixassem de ter juro em qualquer epoca.

Foi esta a situação que se deparou ao Governo.

Apesar da todos estes esclarecimentos e documentos, a cooperativa, quando quis realizar a sua emissão, apenas correspondente ao seu capital, encontrou da parte dos banqueiros uma difficuldade que era fundada na interpretação do texto primitivo da lei.

Naturalmente vieram ter com o Ministro da Fazenda, que representa no poder o interprete das leis na ausencia das Camaras, mas o successor de todos estes documentos de iniciativa governamental, desde 7 de setembro de 1907 até 9 de maio de 1909, não achou remédio para essa situação. O remedio não estava nas mãos do Governo.

Estando ainda reunidas as Camaras que tinham feito a Lei, e sendo as duvidas dos banqueiros originadas unicamente na interpretação da lei, era natural que a solução desse problema fosse trazida ao Parlamento, para que elle dissesse como tinha imaginado a lei quando a fez.

O illustre Deputado sabe muito bem que quando se quer interpretar uma lei muitas vezes se invoca o espirito do legislador. Muitas vezes acontece que esse espirito não está á mão, mas no caso presente não se dava isso, e elle podia dizer qual a sua intenção.

E muito melhor que se de hoje já a hypothese apontada, que esperar o caso desses interesses estarem mais definidos, e haver maior numero a esperarem o caso não desejado da fallencia para receberem a indemnização.

Pelo que tenho dito não podia prescindir de fazer esta consulta ao país, por isso que me sentia perante este problema numa situação muito pouco desafogada.

Quando o Sr. Pereira de Lima em tempos debateu este assunto no Parlamento, tive eu occasião de o tratar, embora com proficiencia inferior á sua, em reuniões da Associação Commercial do Porto.

Por via de regra o commercio é contrario a instituições d'esta ordem por isso que ellas representam um privilegio a individuos que mais tarde ou mais cedo vão ser commerciantes e entrar em concorrencia.

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SESSÃO N.° 64 DE 11 DE SETEMBRO DE 1909 17

Nessas reuniões combatiam essa ordem de ideias, que em via que iam predominar no Parlamento.

O Parlamento decidiu e eu acceitei as decisões tomadas, sem pensar que um dia seria chamado a pô-las em execucão.

Isso deu em resultado ver-me numa situação que o acto que pratiquei pudesse ser interpretado como desfavoravel á lei, e considerado como influenciado pela opinião que tinha apresentado então, e porventura pelos interesses collectivos.

Esta situação é que me levou a acceder prontamente á apresentação ao Parlamento do projecto de lei sobre o qual elle tem que se pronunciar.

Tendo dito o que acabo de dizer, creio ter definido com precisão não só os motivos que me levaram a apresentar o projecto, mas qual a situação do Governo perante elle.

O Governo considera este projecto como uma consulta feita ao Parlamento.

O Sr. Pereira de Lima (interrompendo): - Eu disse tambem a minha opinião individual.

Não quero que se supponha que é a opinião do meu partido.

Era questões economicas e de instrucção, não ha questões de partidos. Cada um apresenta as suas opiniões e vota como quer. (Apoiados).

O Orador: - A opinião de V. Exa., assim como a opinião individual de todos os membros da Camara, não serve para o Governo como norma de conducta; precisando a uma norma de conducta, não a pode obter senão por uma votação sobre este projecto, favoravel oudesfavoravel. É essa votação que o Governo pede á Camara. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Pereira Cardoso: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que se consulte a Camara sobre se permitte que se prorogue a sessão até se votar o projecto em discussão. = O Deputado, Antonio Augusto Pereira Cardoso.

Lido na mesa e consultada a Camara, foi approvado.

O Sr. Pinto da Motta: -Mando para a mesa a ultima redacção ao projecto de lei n.ºs 75.

O Sr. Presidente: - A commissão de redacção não fez alteração alguma ao projecto de lei n.º 75. Vae ser enviado á Camara dos Dignos Pares.

Participo á Camara que, em virtude da proposta do Sr. Rodrigues Nogueira, a mesa nomeou para a commissão de inquerito á instrucção os Srs.:

José Joaquim da Silvai Amado, director da Escola Medico-Cirurgica de Lisboa.

Eduardo Augusto Valerio Villaça, lente da Escola do Exercito e engenheiro de minas.

João Ignacio de Araujo Lima, professor do Lyceu de Lisboa.

Francisco Miranda da Costa Lobo, lente da Universidade.

Antonio Duarte Ramada Curto, lente de hygiene colonial e sub-director geral dos negocios do Ultramar.

Abel Pereira de Andrade, antigo lente dá Universidade, antigo director geral de instrução publica e advogado.

José Maria de Queiroz Velloso, antigo professor do lyceu, lente de pedagogia no Curso Superior de Letras e chefe da Repartição da Direcção Geral de Instrucção Secundaria Superior e Especial.

João de Sousa Tavares, official do exercito e professor do Real Collegio Militar.

Vicente de Moura Coutinho de Almeida d'Eça, lente da Escola Naval.

Rodrigo Affonso Pequito, lente do Instituto Industrial.

João Henrique Ulrich, advogado e publicista.

José Maria de Oliveira Simões, engenheiro, lente da Escola do Exercito e chefe de repartição da Direcção Gerar do Commercio e Industria.

Ernesto Jiilio de Carvalho e Vasconcellos, engenheiro hydrographo, antigo lente da Escola Naval 5 lente da Escola Colonial.

João Duarte de Menezes, advogado e jornalista.

Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, lente da Universidade e medico.

José Malheiro Reymão, antigo Ministro das Obras Publicas e advogado.

Alberto Pinheiro Torres, director da Casa de Correcção de Villa do Conde e advogado.

O Sr. Moreira de Almeida: - Não se assuste a Camara, que está em sessão prorogada, por eu ter pedido a palavra, persuadindo-se de que vou occupar por largo tempo a sua attenção na discussão do projecto, que é antes, como disse o Sr. Ministro da Fazenda, uma lei interpretativa do que propriamente uma lei substancial. Mas, Sr. Presidente, eu não queria deixar passar esta occasião sem accentnar o perigo que ha em se votar nesta Camara leis como aquella que nos do anno passado tanto discutimos, a de 18 de setembro de 1908, e que não só se tornou impraticavel, como esta o foi, mas ficou com uma redacção tão confusa, tão sujeita a duvidas, que ao proprio poder executivo collocou em embaraços e difficil situação tal como aquella em que se encontra o Sr. Ministro da Fazenda.

Eu não irei fazer neste momento, não o permitte a hora, nem me chegaria a competencia, uma dissertação economica sobre esta questão vinicola, tão debatida entre nos, e sempre tão imperfeitamente resolvida, e que se encontra ainda num embaraço tal com respeito á sua solução definitiva, que o Sr. Ministro das Obras Publicas este anno apresentou uma proposta de lei, que eu creio não chegará a ser discutida, restringindo o plantio da vinha durante mais de dois annos, a titulo de experiencia; quer dizer que nos, por assim dizer, depois de tantos remédios applicados á crise, ainda quasi que estamos na primeira fase do problema, depois de feita uma lei em que entraram todos os partidos politicos desta Camara, de se digladiarem o norte, o sul e centro, vindo tantos interesses antagonicos convergir a esta Camara num debate animado, como foi o do anno passado, em torno de uma questão em que gravitam interesses enormissimos de milhares de contos de réis e de uma classe enormissima, por todas as razões digna da nossa sympathia, e apesar dessa união de todos os esforços, ou antes, da desunião de todos estes pareceres, ainda chegamos ao fim desta sessão com uma interpretação controversa de uma lei votada o anno passado, cuja excellencia o Sr. Ministro da Fazenda, com a sua aguda intelligencia, não quer neste momento classificar de boa, porque S. Exa. não lhe quer ligar a sua responsabilidade, e fez muito bem, atira-a sobre nós.

S. Exa. disse, os senhores fizeram esta lei, os senhores que a interpretem.

Não sou eu que faço a defesa da lei que promulgaram, apenas peco que digam a razão e o motivo por que assim legislaram.

Disse bem S. Ex.a, e nesta hora quasi extrema da Camara, esta invocação aos espiritos dos legisladores chega de ser symptomatica.

Eu tambem invoco as recordações do anno passado para dizer o espirito com que legislei, ou antes, o espirito com que votei contra uma lei que a maior parte desta Camara adoptou e votou o anno passado.

Sr. Presidente: no anno passado o Sr. Dr. Antonio

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18 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Centeno discutiu aqui e, com aquella proficiencia e imparcialidade politica que S. Exa. põe sempre nas suas discussões sobre questões economicas, que devem ser encara das fora de qualquer criterio partidario, apontou á Camara os inconvenientes de estarmos a fazer leis de excepção e darmos garantias que, porventura, possam um dia reverter para o Estado um encargo pesado pelas circunstancias do Thesouro, que são angustiosas.

Na sessão de 24 de agosto, aquelle illustre Deputado chamou a attenção do Governo para um ponto, para o qual ainda depois chamou de novo a attenção do Sr. Ministro da Fazenda e que era o seguinte:

(Leu).

Era sua opinião que, embora a Camara concedesse a garantia de juro, se determinasse no diploma que daqui saisse que a emissão das obrigações da Sociedade Vinicola Portuguesa, que agora é para esta doutrina a união dos viticultores, obedecesse precisamente ás clausulas do Codigo Cornmercial, isto é, que o capital real e effectivo correspondesse no seu máximo ao máximo das obrigações a emittir, e que só assim o Estado desse a segurança da sua propria garantia.

Na lei este ponto não ficou muito claro, ficou mesmo omisso.

Lamento que isto saia daqui como lei, porque sendo um decreto facilmente se revogaria, ao passo que uma lei é já mais diificil, porque só o Parlamento a pode revogar.

O decreto de 28 de novembro de 1908 diz no seu artigo 19.° o seguinte:

(Leu).

Isto quer dizer que o proprio regulamento verifica que a lei que aqui combatemos era omissa, e um dos pontos a meu ver fundamental foi o de se exigir que a sociedade tenha um capitai máximo igual ao maximo das obrigações emittidas, quer dizer, que se esse capital for por exemplo de 14:000 contos, o Estado não pode garantir nem mais dez réis acima desse capital.

Não julgo de todo o ponto inopportunas estas minhas observações.

Como V. Exa. sabe, não tenho o empenho de protelar a discussão, mas nem por isso quero deixar de accentuar a inconveniencia que ha em se votarem á pressa projectos desta ordem, quando em questões desta ordem devemos, pelo menos, garantir os interesses do Estado, se mais nada pudermos fazer.

Devo dizer, recordando o que disse ha tempos, que eu lamento que a commissão respectiva d'esta Camara nada tivesse dito sobre as affirmações, apresentadas pelo Sr. Dr. Antonio Centeno e que estão exaradas no seu discurso proferido na sessão de 24 de agosto, as quaes, para não fatigar a Camara, me dispenso de enumerar.

Mas como o Sr. Ministro das Obras Publicas é um espirito muito esclarecido, peço a attenção de S. Exa. para estas bases que a dissidencia progressista apresentou o anno passado. Estas constituem um plano economico que, posto em pratica com acerto e criterio, estou convencido de que levarão mais longe do que os simples elixires que teem sido lembrados e trazidos á Camara e que não dão á crise vinicola a solução pedida.

Peço a attenção do Sr. Ministro das Obras Publicas para isto, porque entendo qne as commissões parlamentares não teem direito de sepultar nos seus archivos o que parte dos Deputados deste lado da Camara.

Ora, Sr. Presidente, prometti ser breve e quero sê-lo, mas devo dizer que ha um ponto neste projecto que me embaraça um pouco e que deixou no meu espirito uma impressão desagradavel. A elle se referiu o Sr. Ministro da Fazenda. É que eu vejo, pelo § 2.° do projecto em discussão, que o encargo do juro vae alem da existencia da propria União dos Viticultores.

Comprehenderia que nos garantissemos o juro, não discuto se bem se mal, a meu ver mal, mas entendo que o juro se garantisse tendo em attenção o activo dessas sociedades durante a sua existencia; porem no § 2.° encontro a seguinte disposição:

(Leu).

A meu ver isto é um encargo larguissimo.

O Sr. Ministro da Fazenda (Paula Azevedo): - V. Exa. dá licença?

Esse ponto é precisamente aquelle sobre que visava a discussão que obrigou o Governo a trazer á Camara este projecto. Mas emquanto a sociedade existir não ha duvida nenhuma sobre a interpretação da lei de 18 de setembro. As duvida só podem surgir desde o momento em que a companhia deixe de funccionar, e chegado esse momento é que o obrigacionista quer saber se perdeu ou não o seu dinheiro.
Portanto, a parte a que S. Exa. se referiu é essencial e sobre esse ponto não pode haver duas opiniões. Ou a Camara quer que a sociedade vá por deante ou não quer que vá.

Emquanto ella não tiver isso, não consegue levantar no mercado as quantias necessarias.

Este e que é o ponto capital.

Agradeço ao illustre Deputado o ter-me permittido esta interrupção.

O Orador: - Foi este o ponto principal que me obrigou a usar da palavra.

Trata-se, é certo, de um beneficio para uma classe, que não digo que o não mereça, mas constitue uma lei de excepção.

Era isto que desejava mostrar á Camara, a inconveniencia de se votarem no fim da sessão tumultuariamente e á pressa projectos de tão grande importancia como o que se discute.

Como disse, não contrario este projecto, nem impedirei a sua approvação, mas desejo salvar a minha responsabilidade e do grupo a que tenho a honra de pertencer.

As minhas considerações não representam menos sympathia por anelasse interessada, mas entendo que as devia fazer por coherencia com as declarações que a dissidencia sempre tem feito, na defesa dos interesses geraes do país.

Acima de qualquer interesse particular estão os interesses geraes do país que estamos aqui representando e que nos cumpre defender.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Costa Lobo: - E em nome dos interesses geraes do país que eu vou falar. Faço inteira justiça ás intenções do illustre Deputado. S. Exa. interessa-se o mais possivel pela causa publica como nós nos interessamos e a differença que existe nas nossas opiniões é quanto á maneira como entendemos que devemos tratar d'este problema, que é de capital importancia. S. Exa. tratou d'elle por uma forma com que eu não concordo, por me parecer que não é essa a melhor forma e a mais harmonica para a sua solução. O Sr. Pereira de Lima falou muitissimo bem, como é costume, não me causando admiração, por isso que já estava acostumado a ouvir S. Exa.. A questão é gravissima, diz S. Exa., sem duvida, e é gravissima porque exactamente se trata de uma das fontes mais importantes de riqueza publica.

O Governo é digno da maior consideração pela maneira como redigiu este projecto de lei, encarando a serio o problema e com a melhor boa vontade de acertar, procurando resolver um problema de difficil solução.

Acho extraordinario que tantas duvidas appareçam a respeito da medida do Governo e que se diga que o Estado é altamente prejudicado, quanto é certo que o sacri-

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ficio que o Estado faz em virtude d'esta lei é de 90 contos de réis, o máximo, sendo certo que a agricultura fornece ao mesmo Estado uma media annual de 12:000 contos de réis com ás suas exportações. O Estado tem a obrigação de desenvolver por todas as formas as exportações, mas o facto é que as exportações em vez de aumentarem teem diminuido, o que é deveras para lastimar.

Nos annos de abundancia a agricultura é affectada por esta forma.

(O orador não pode ser ouvido).

E como?

Por um lado, disse o meu illustre collega, pela instituição do credito agricola. Mas, sendo a primeira vez, será um recurso autorizado?

Não; os factos estão provando bem.

Se S. Exa. tivesse visto longe e tivesse examinado a questão profundamente e tivesse visto as difficuldades que, evidentemente, surgiram agora, veria que nem mesmo a agricultura precisava de favores do Estado.

Não chego bem a comprehender a distincção que ha entre a agricultura do país e uma outra parte, tambem importante, do mesmo país. Não ha duvida nenhuma, porem, de que por esta forma a viticultura não achava que o Governo não devesse inscrever no seu orçamento uns 40 contos de réis para lhe valer.

A viticultura organizada por esta forma é que pode e deve criar um fundo para valer ao proprio Estado.

V. Exa. comprehende muito bem, Sr. Presidente, que, desde o momento em que uma sociedade ou entidade tivesse credito, por esta forma poderia facilmente fazer o seu serviço, sem precisar de que o Estado soccorresse com uma quantia como esta, absolutamente insignificante e ridicula, no meio das finanças portuguesas.

Portanto o credito agricola não é inevitavel. A companhia não precisa de recorrer a esses 40 contos de réis, que o Estado vae inscrever no orçamento.

Nestas circunstancias uma outra medida se deveria apresentar nesta occasião: - a criação de um Ministerio da Agricultura.

Devo observar que, bastante longe essa ideia do meu espirito, empenhado nesta occasião com um trabalho que estou fazendo, não deixo de julgá-la absolutamente indispensavel, mas não. podia resolver immediatamente.

E porque? Porque, por uma circunstancia feliz, o ex-Ministro das Obras Publicas, Sr. D. Luis de Castro, que reconhece a necessidade, em seu alto espirito, de elevar a agricultura, e em seguida o Sr. Barjona de Freitas, que tem decerto a mesma orientação e as mesmas ideias, porque, se realmente assim não fosse, teria caido a pasta nas mãos de outro homem - viram que as difficuldades haviam de ser enormes, podendo talvez haver uma perda superior a 100 contos de réis por anno.

Outra cousa tambem a ter em via de conta era a restricção do plantio.

Não quero agora tratar d'ella, pois faz objecto de uma proposta que não pode deixar de ser posta em pratica e que pode dar bons resultados em todo o país.

Em resposta agora ao illustre Deputado Sr. Pereira de Lima, devo dizer que não nos devemos limitar a um tratado, o mais bem elaborado possivel, para nos equilibrarmos com o excesso de producção.

Esse excesso, diz S. Exa., é pequeno; mas a verdade é que é um excesso.

E, portanto, com certeza, grande o trabalho para se chegar a este resultado.

Dito isto, termino por aqui as minhas, considerações.

Vozes: - Muito bem.

O orador foi muito cumprimentado.

(O orador não reviu).

O Sr. José Cabral: - Sr. Presidente, começo pedindo desculpa á Camara de tomar a palavra nesta altura do debate e depois das considerações dos illustres Deputados que me precederam.

São tambem os interesses do país que me levaram a tomar a palavra.

Ha pois um aumento de despesa que eu vou justificar.

O artigo 43.° da lei de 18 de setembro é resultante de uma emenda apresentada pelo Sr. Conde de Mangualde.

A primeira cousa que preciso - demonstrar é que esse artigo é pratico e exequivel e digo só a S. Exas. que leiam o Diario do Governo do dia 2 deste mês.

O real de agua em 1880 rendia 600 contos de réis e nas contas que vou fazer não entram os rendimentos da alfandega do Porto.

O rendimento arrecadado peias repartições de fazenda foram os seguintes que vou ler á Camara.

(Leu).

Vamos ao anno actual; no ultimo anno este imposto rendeu 900 e tantos contos de réis. Em relação a 1879 e 1880 o imposto cresceu 50 por cento.

Sabem V. Exas. quanto cresceu a despesa com a fiscalização e arrecadação deste imposto? Está aqui o orçamento. A despesa subiu de 36 a 360 contos de réis. Eu não quero agora estar a ler á Camara, mas é cousa facil de documentar, V. Exas. teem-no no orçamento. V. Exa., que é um agricultor e conhece muito estas questões, vae ver e ha de concordar comigo.

Pelo systema que o Sr. Conde de Mangualde propôs, acaba-se com esta fiscalização, a venda é livre. V. Exa. sabe perfeitamente que nenhum proprietario pode expor á venda livre os seus productos.

O Sr. Paulo Cancella: - Infelizmente.

O Orador: - Aqui tem V. Exa. que me ha de applaudir e ao Sr. Conde de Mangualde, autor da proposta.

Por esta disposição a vencia é livre para o proprietario, para o industrial, para todos; não teem senão que fazer uma cousa, ir á respectiva repartição fazer a declaração, o que é gratuito, que quer vender vinho da sua lavra ou da sua compra, que ninguém lhe pergunta mais nada.

Desde que faz essa declaração, é inscrito no arrolamento; faz-se toda essa arrecadação sem intervenção dos empregados da fiscalização de qualquer especie, faz-se o arrolamento de todos os que quiserem vender géneros sujeitos ao real de agua e por esse arrolamento, com os elementos que ha nas repartições de fazenda, faz-se a repartição do que rendeu o imposto do real de agua no anno anterior, dispensando se todas as fiscalizações e todas as despesas.

Já V. Exa. vê que o syslerna é simples e pratico, e se V. Exas. quiserem ler os documentos que veem hoje no Diario do Governo e forem ler o regulamento publicado tambem no Diario do Governo de ha oito dias, qualquer de V. Exas. se convencerá de que eu tenho razão e o Sr. Conde de Mangualde, e de que o Governo não perde nada, porque lhe está assegurada a mesma receita que arrecada actualmente, sem essa despesa.

Este imposto passa a ser um imposto de repartição votado annualmente pela Camara, e a Camara pode alterá-lo para mais ou menos conforme as informações que o Governo respectivo lhe apresentar.

Eu a este respeito queria fazer mais algumas considerações, mas vejo que a Camara está fatigada; em todo o caso, não posso deixar de dizer que para esta e outras reformas não acho melhor governo do que o que ali está. Esta é a minha opinião. Nem o Sr. Conselheiro Wenceslau de Lima nem os seus collegas teem amigos que lhe façam exigencias, nem adversarios que os incommodem; todos o que desejamos é que S. Exas. governem em harmonia com os interesses geraes do país, e teem capacidade e talento para governar. (Apoiados).

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20 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. Ministro da Fazenda então, em especial, esse tem talento de sobra e qualidades distinctissimas, não tendo senão admiradores, quer nesta Camara, quer fora d'ella. (Apoiados).

S. Exa. para deixar o seu nome ligado a uma administração fecunda e distincta falta-lhe só uma qualidade, é querer. Creia S. Exa. que ha de fazer um distinctissimo logar, e deixar o seu nome ligado a reformas e medidas de grande alcance, se quiser. (Apoiados. - Vozes): - Muito bem, muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Fazenda (Paula Azevedo): - Sr. Presidente: o illustre Deputado que acaba de falar referiu-se a um assunto que me tem preoccupado, sobre o qual já apresentei á Camara uma proposta de lei e a cujo respeito ella terá de se pronunciar.

Eu sinto discordar das opiniões de S. Exa., mas é muito possivel que eu possa ser convencido na occasião em que o projecto seja discutido.

Modificar, como S. Exa. quer, o imposto que em Portugal tem quatro séculos de existencia é uma questão que precisa de ser pensada, e eu não quero de maneira nenhuma traçar n'esta altura da sessão uma discussão sobre um assunto que de mais a mais será a seu tempo aclarado.

Por isso terminarei, agradecendo a S. Exa. as palavras de immerecido elogio que dirigiu ao Governo e especialmente a mim.

Disse.

(O orador não reviu.)

O Sr. Visconde da Torre: - Sr. Presidente: só duas palavras apenas.

Eu não nego o meu voto ao projecto em discussão, porque sei que os viticultores atravessam uma crise muito grave e vejo que elles julgam este projecto remedio para os seus males. Mas eu deixaria de cumprir o meu dever se não viesse aqui defender bem alto uma ou outra região do país que se está debatendo com uma crise vinicola gravissima e que soffrem com estes privilegios que todos os dias se concedem, e se estão concedendo ao Douro e ao sul.

O Sr. Visconde de Coruche: - Tem o privilegio da plantação.

O Orador: - S. Exa. entende que isso é um privilegio; quando se trata de uma crise de abundancia.

É necessario dizer que na região do Minho, onde as adegas estão abarrotadas, se vende pouquissimo vinho e esse pouco por um preço diminuto, como posso provar com o meu testemunho, pois, tendo vendido pela quantia de 9$500 réis cada 500 litros, o comprador ainda não o levou e todos os dias me diz que é caro o preço.

Tenho aqui um jornal de Vianna do Castello hoje recebido, e que dá noticia do que occorre de principal nos pontos d'aquelle districto onde a industria é mais intensa.

Diz elle:

(Leu).

Já vê V. Exa. que, sendo de 10$000 réis a pipa de 500 litros e pagando ainda todos os impostos, a crise não é só no Douro, mas sim geral.

Ora, é preciso dizer-se isto; a cultura do vinho é uma das mais caras do país. Hoje, já não estamos nos bons tempos em que a planta lançada ao terreno dava esse fruto que, transformado em vinho, era trocado immediatamente por bom ouro. Porem, agora já a planta precisa de cuidados extraordinarios, de um tratamento demorado e tudo isto custa dinheiro.

E porque o Minho não ameaça e porque o Minho não geme, imaginam que está a nadar em riqueza.

Era isto somente o que eu queria dizer á Camara.

Tenho dito. - (Vozes: Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Está esgotada a inscrição. Vae ler-se o artigo 1.° do projecto para se votar.

Lê-se na mesa e é approvado o artigo 1.° do projecto.

Lê-se na mesa e é approvado sem discussão o artigo 2.°, sendo portanto approvado o projecto.

O Sr. Presidente: - A proxima sessão é na segunda-feira, 13 do corrente, á hora regimental, e a ordem do dia é a continuação da que estava dada para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 7 horas e 20 minutos da tarde.

O REDACTOR = Luiz de Moraes Carvalho.

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