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Não separarei da parte financeira, este interesse politico que naturalmente têem todas as questões d'esta ordem nas circumstancias em que nos achâmos, e por isso não posso deixar de estranhar que, n'um projecto de tanto alcance não só pela materia que n’elle se contém mas pelas declarações que fez s. ex.ª, o sr. ministro da fazenda, pelas quaes se vê a importancia que elle lhe liga, tenham fallado sete oradores todos contra, e que os amigos mais distinctos e mais conhecidos do governo ou peçam a palavra a favor e fallem contra ou a peçam e depois desistam d'ella (apoiados).

E é esta a confissão mais espontanea de que a missão de defender um projecto d'esta ordem é ardua e espinhosa, e por este facto ficam justificados de votarem contra elle os deputados que assim procederem, pertencendo aliás á maioria governamental. Eu faço parte d'essa maioria, sr. presidente, não sou opposição politica a este governo. Não o posso, nem entendo que seja conveniente se-lo n'esta occasião.

Ficam relevados pois os homens da maioria parlamentar que vem votar contra esta e algumas outras medidas apresentadas pelo governo, não só por esta, mas ainda por outra rasão, que eu peço á camara que considere, para que não sejam nem de leve accusados de desleaes no seu procedimento politico os homens que são da maioria e que vem. combater medidas do governo e votar contra ellas.

Parece-me que as theorias liberaes indicam que os governos são a expressão, são o pensamento em acção das maiorias parlamentares; por consequencia, quando um governo apresenta medidas deve-se ter inspirado na sua maioria; e quando porventura essas medidas não representam por fórma alguma o pensamento dominante d'essa maioria, não póde queixar-se de que os homens que o apoiam divirjam e venham para á camara sustenta-lo na discussão.

Sr. presidente, seria mais conveniente para o credito do governo, e para a força da sua situação, discutir essas medidas nas suas reuniões de familia. Eu quereria que, quando o governo apresentasse ao parlamento uma medida d'esta ordem, ella viesse revestida de toda a discussão e limada por todas as opiniões dos homens que a sustentassem, porque o governo não tem mais empenho em governar bem do que a maioria em sustentar a situação que governe de accordo com as boas theorias e principios que as circumstancias indicam. Se o governo entende que satisfaz a sua missão apresentando uma medida que julga necessaria e vantajosa para o estado, a maioria tem direito tambem de ser ouvida para sustentar, podendo, essa medida de accordo com o governo. Mas isto não se deu, e sinto muito que o governo tivesse recusado até esta hora todos os elementos que podiam servir para o estudo franco e cabal da materia (apoiados).

Eu não sei o que é a divida fluctuante, não sei quaes são as bases, os calculos e os fundamentos d'onde póde o sr. ministro da fazenda tirar a cifra que nos apresentou, e de que dados se serviu para fundamentar o seu projecto; lamento isto muito, porque não tenho á minha disposição os archivos das secretarias, e estas questões sem serem muito estudadas e meditadas, difficilmente se podem discutir.

Eu queria entrar n'esta discussão com perfeito conhecimento de causa, queria poder provar com verdade mathematica as proposições que apresentasse, mas como hei de combater os calculos do nobre ministro da fazenda com relação á divida fluctuante, se eu ignoro a natureza d'essa divida? Se for dar credito ás differentes versões sobre o que é divida fluctuante, parece-me que n'esta divida que s. ex.ª apresenta como tal ha grande parte que o não é; e é esta mais uma rasão para sentir que os homens que apresentaram este projecto, não apresentassem á "camara os dados indispensaveis para ella se esclarecer (apoiados).

Eu peço á camara que preste toda a sua attenção ás palavras do relatorio do sr. ministro da fazenda, que passo a ler. São as seguintes (leu).

Se não existisse o recurso das corporações e não continuasse a desamortisação dos bens a que se refere esta lei, cujo nome de desamortisação lhe não cabe perfeitamente, nós só podiamos saír das difficuldades graves em que nos achâmos «por medidas extremamente violentas» diz s. ex.ª

E que faz o sr. ministro a esses valores que vae levantar? Ponho de parte a questão de direito, que está, a meu ver, exuberantemente tratada, e eu não quero entrar n'ella, porque me não julgo competente para isso; que faz o sr. ministro aos grandes valores que por esta lei quer levantar? Vae salvar-nos das difficuldades em que nos achâmos? Não o creio. '

S. ex.ª divide as difficuldades presentes em duas entidades distinctas: divida fluctuante e deficit. S. ex.ª para fazer uma apreciação mais perfeita, mais exacta, devia, no meu entender, inverter a ordem das suas apreciações—primeiro o deficit e depois a divida fluctuante, primeiro o pae e depois a filha.

Pois o que é a divida fluctuante entre nós? Disse hontem o sr. Fradesso da Silveira muito bem—que a divida fluctuante deve ser a antecipação das rendas do anno.

S. ex.ª diz muito bem, isso é o que se entende por divida fluctuante na sua expressão economica. Mas a divida fluctuante entre nós não se parece nada com isso; a divida fluctuante entre nós são letras a prasos, por capitaes que nós não podemos pagar em inscripções. Quando ninguem quer receber só as inscripções, quando todos têem medo d'este papel e o governo não póde pagar com elle, faz emissão de letras, de titulos a curto praso. Esta é que é a nossa divida fluctuante, e temos assim divida fluctuante auctorisada por contratos de emprestimos de 500:000$000 réis e de réis 600:000$000 para compras e concertos de navios, para trabalhos de obras publicas, etc... etc...

Esta divida fluctuante, diz o sr. ministro da fazenda, que é o que nos mata, porque a todos os instantes pésa sobre o thesouro, e o governo não sabe se de um momento para o outro os prestamistas virão em chusma agravar-lhe as difficuldades, e talvez pôr o paiz todo em hasta publica ou em execução imminente.

Isto não é tanto assim, sr. presidente; estes perigos que o sr. ministro da fazenda suppõe são exagerados de mais (apoiados). E ainda bem que são exagerados de mais, porque, se o não fossem, muito mais rasão teriam os fundamentos com que eu combato o projecto.

Os capitaes não estão sujeitos a caprichos politicos, os capitaes estão sujeitos ás leis da sciencia economica, e por uma ou outra vez a certa influencia particular, que póde um dia collocar o governo em difficuldades. Mas quando assim acontecer lá estão os principios geraes da sciencia economica que no dia seguinte o aliviarão d'essas difficuldades (apoiados).

Em o governo tendo credito, em os capitaes dos prestamistas estando bem collocados e garantidos os seus interesses e bons interesses, esteja certo o sr. ministro da fazenda de que todos hão de acudir ao governo, todas as praças do mundo (apoiados). E não podem os prestamistas da Russia, da Prussia, da Allemanha e da Inglaterra vir de um dia para o outro, por uma questão ou por um capricho politico dizer ao governo = pomos-te a faca aos peitos, e has de pagar tudo quanto nos deves. = Isto não póde ser (apoiados). Ninguem acredita na verdade e importancia d'este argumento (apoiados).

Este argumento poderá valer só n'um caso, o seu valor é muito restricto, só tem uma tal ou qual importancia em relação á nossa praça, que é muito limitada e acanhada, e porque os governos de ordinario têem feito transacções com certo numero de individuos que exercem pressão sobre elles; mas não tem importancia nenhuma em relação aos outros mercados e aos outros prestamistas (apoiados).

Mas em geral, em these os governos devem regular as suas acções pelos bons principios. Não deve portanto o governo attender de preferencia á divida fluctuante e abandonar o deficit para medidas futuras. A divida fluctuante de hoje não é mais do que o deficit passado, é o deficit de hontem, como a divida fluctuante de ámanhã ha de ser o deficit que vier depois do actual. Por isso se o sr. ministro da fazenda podesse levantar capitaes avantajados para matar a divida fluctuante, melhor seria que os applicasse para matar o deficit (apoiados).

S. ex.ª diz que se não houvesse este recurso a nossa situação era perigosa, e que só por medidas violentas sairíamos d'ella. Mas pergunto eu — em que melhora s. ex.ª a nossa situação? S. ex.ª o mais que faz é dar-nos dois annos de descanso, e provavelmente s. ex.ª não conta estar já no ministerio no fim d'essa epocha. E com que direito vae o sr. ministro onerar o estado d'aqui a dois annos com uma difficuldade que agora prevê e que não quer evitar? Pensa s. ex.ª que por não estar no ministerio a esse tempo as nossas difficuldades financeiras nos afligirão menos? S. ex.ª terá uma responsabilidade menos directa n'essa occasião, mas ha de ter um remorso mais profundo por não ter aproveitado esta occasião em que acha o paiz todo a seu lado prompto a votar sacrificios ainda os mais pesados, quando reconheça a necessidade e vantagem de o fazer, ha de então, sr. presidente, ter um remorso mais profundo de ter adiado e não remediado a difficuldade... não sei porque motivo (apoiados).

O que é verdade é que s. ex.ª não esta correspondendo em nada, absolutamente em nada á grande expectativa da nação toda (apoiados), que faz justiça ao seu talento e á sua energia, e que esperava ver em s. ex.ª um novo Pitt.

S. ex.ª póde ser um homem muito importante, mas pelas medidas que nos tem apresentado leva-nos á nossa ruina. Eu considero as medidas de s. ex.ª como o ultimo passo para essa ruina. Reconheço n'estas medidas motivos bastantes para nos julgarmos perdidos se ellas passarem em leis (apoiados); e eu vou dizer a v. ex.ª a rasão por que o sr. ministro da fazenda calcula que os bens produzam 20.000:000$000 réis. E esta uma hypothese que eu admitto, porque a não posso combater. S. ex.ª calcula que os bens produzam 20.000:000$000 réis. O que faz s. ex.ª d'estes 20.000:000$000 réis? Paga 12.500:000$000 réis de divida fluctuante. E quanto lho fica? 7.500:000$000 réis. Com estes 7.500:000$000 réis vae s. ex.ª satisfazer aos encargos não pagos até ao fim do anno economico que acabou em 30 de junho. Quanto importa isto? E uma parte do deficit de 1868-1869 absorve esses 7.500:000$000 réis. Já dou do barato que s. ex.ª tenha pago metade do deficit de 1868-1869. Estamos pois sem divida fluctuante e com um deficit só de 3.000:000$000 réis; mas no anno de 1869-1870 o deficit é de 6.000:000$000 réis e mais os juros das inscripções que s. ex.ª creou para pagar ás corporações a quem foi buscar esses bens, o essas inscripções representam trezentos e tantos contos de réis de deficit, sendo computadas a 45 por cento. Tenho os calculos feitos; mas uma questão de cifras é sempre muito arida.

Se quizesse demonstrar, podia faze-lo, porque tinha presentes todos os calculos da emissão que s. ex.ª propõe. Para que a medida de s. ex.ª seja decente para o governo e honrosa para a maioria que a sustenta, e digna de uma nação que está publicando nos fastos do seu parlamento as discussões que aqui se passam, não quero acreditar que na redacção do projecto que s. ex.ª nos apresentou houvesse um pensamento reservado que fizesse approximar este artigo da famosa interpretação dos telegrammas para Londres (apoiados); que haja dois pensamentos, o pensamento de fazer votar facilmente uma medida, e o de lhe tirar as consequencias por modo diverso, não é decente nem serio.

Lamento que esta redacção não seja a mais ampla, feita em portuguez mais claro, que esteja ao alcance de todos, e que não fique a menor duvida nas nossas consciencias e na consciencia do publico. S. ex.ª apresentou a sua hypothese com relação á divida fluctuante, e a necessidade absoluta de emittir as inscripções, e emittidas ellas no nosso mercado a quanto subirão depois?

Quanto é preciso para garantir a renda dos bens? Suppondo que esta vale 600:000$000 réis, vejo ahi a ruina do nosso credito por todos os modos que encare a questão.

Além d'isto aonde estão os capitaes no nosso paiz para pagar 20.000:000$000 réis de propriedade? (Apoiaãos.) Se os bens não produzirem 20.000:000$000 réis, e se produzirem só o que eu sei que hão de produzir, hão de levantar-se então emprestimos que custa alem de tudo commissões, juros, e a propriedade fica mais onerada, porque embora se diga no projecto apresentado pela commissão que as corporações ficam administrando estes bens, olhe V. ex.ª que não é assim. Essas corporações hão de receber as inscripções, e recebendo-as hão de ficar os bens administrados por conta do estado com o desconto das despezas, e essas despezas não hão de ser insignificantes. Portanto a medida, longe de vir salvar o paiz, vem dar a ultima enxadada no nosso credito. A situação é desgraçada e é preciso que nós nos levantemos com um esforço grande para não caír no abysmo, á borda do qual estamos e para o qual esses homens que nós levantámos, e que eu levantei, como capazes de nos salvar, parecem ser os primeiros a lançar-nos. Lamento isto, e lamento, porque não vejo facil solução á situação em que s. ex.ª nos quer collocar.

Não vejo uma facil solução n'este negocio, e eu pedia a s. ex.ª, o sr. ministro da fazenda, que era logar de attender á divida fluctuante (que não me assusta) attendesse ao deficit, e que estabelecesse o credito do paiz tratando de diminuir a despeza e augmentar a receita; se s. ex.ª equilibrar estes dois elementos de contabilidade publica, ha de ver que todas as praças do mundo estarão desejosas de fazer operações com o nosso governo (apoiados).

Quando na crise nacional de 1797, Necker sustentou na assembléa nacional as difficuldades do thesouro e todos os deputados se levantaram offerecendo seus bens como garantia dos planos do governo (e nós tambem eramos capazes de assim proceder, se nos batesse á porta o risco de perdermos a nossa independencia nacional) (apoiados), Necker não pediu que se pagasse a divida, mas sim que se restabelecesse o credito do estado (muitos apoiados), augmentando a receita e diminuindo a despeza.

Estes é que são os principios, e assim é que se póde governar. Mas que s. ex.ª venha pedir que se pague a divida fluctuante, e que declare, que depois se attenderá ao deficit, e que para o anno apresentára o resto do seu plano, não comprehendo! Ainda que o valor do nosso estado se revela nas promessas do sr. ministro da fazenda, comtudo nem os documentos que aqui estão, nem os projectos que têem sido apresentados ao parlamento nos dizem que d'ahi nasça cousa que possa equilibrar a receita com a despeza (apoiados).

Quero que o governo vá desamortisar não só os bens dos passaes, mas até todos os bens que estão fóra da communhão dos interesses que a liberdade do commercio garante.

Concedo tambem que o governo vá retirar d'essas operações as vantagens que forem precisas como sacrificio que se impõe a essas classes. Já em outra occasião sustentei esta mesma idéa, e não posso afastar me d'ella. Vá V. ex.ª ás mitras, aos bens da corôa, ás lezirias, etc... (apoiados); depois nenhuma classe terá direito de que se queixar, e o beneficio para o thesouro será palpavel.

S. ex.ª podia applicar o pensamento do seu projecto em grande escala e não applica-lo unicamente á divida fluctuante, porque quando varios interesses garantam os capitaes, e quando igualmente tivermos 20.000:000$000 réis no fundo do uma caixa, todas as transacções que quizermos fazer serão tratadas em condições muito melhores e mais favoraveis do que não tendo nada.

S. ex.ª disse e muito bem: «Gastos estes recursos só medidas muito vexatorias nos podem salvar!» Mas conhecendo s. ex.ª isto quer applicar estes recursos para pagar a divida fluctuante que torna a apparecer d'aqui a um anno ou anno e meio?! (Apoiaãos.)

Quer s. ex.ª amplos recursos, repito? Vá ás mitras, aos bens da corôa, e depois ás outras classes da sociedade, que paguem todas a sua prestação, e s. ex.ª com esses fundos ha de mostrar ao paiz em que os applica, e nós por um estudo profundo veremos com evidencia como havemos de chegar a esse fim: por ora tudo é escuro; por ora nada inspira confiança. Estou desejoso de accender os brios do sr. ministro da fazenda n'este ponto, porque s. ex.ª tem-se de corto sacrificado a rasões que não conheço, quando não tem devidamente considerado estes pontos importantissimos que acabei de indicar á camara. Não o tem querido fazer.

Há uma hypothese, que é formada pela commissão de fazenda, é a dos 50 por cento, preço dado ás inscripções, que serão fornecidas pelo governo. Que lucro retira o governo? Que vantagem é esta? É uma vantagem insignificante e ridicula. Sustenta-se o principio de impor o grande sacrificio de todo o direito de propriedade, para que? Para não tirar vantagem alguma.

Sr. presidente, o pensamento do sr. ministro da fazenda é bom, menos na applicação; mas é energico, e dará em resultado ver entrar para o thesouro uns poucos de mil contos de réis; porém pelo calculo da commissão de fazenda, sinto muito discordar da opinião de ss. ex.ªs, sustentando o mesmo principio, que é odioso, e o resultado é mesquinho.

Eu, sr. presidente, sustentarei esse principio, mas quando seja util o sacrificio. Mas agora não ha senão espoliação, sem podermos invocar uma cousa a que se chama a extrema exigencia da salvação da patria. Só a esta grande