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Sessão de 4 de julho de 1868

PRESIDENCIA DO SR. JOSÉ MARIA DA COSTA E SILVA

Secretarios — os srs.

José Tiberio de Roboredo Sampaio.

José Faria de Pinho Vasconcellos Soares de Albergaria.

Chamada — 68 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Agostinho de Ornellas, Alvaro de Seabra, Villaça, Antonio de Azevedo, A. Bernardino de Menezes, Sá Nogueira, Castilho Falcão, Gomes Brandão, Guerreiro, A. J. da Rocha, A. J. de Seixas, A. J. Teixeira, Magalhães Aguiar, Costa e Almeida, Araujo Queiroz, Falcão da Fonseca, Montenegro, Saraiva de Carvalho, Barão da Trovisqueira, B. F. da Costa, Carvalhal Esmeraldo, Vieira da Motta, Conde de Thomar (Antonio), Custodio Freire, Pereira Brandão, Albuquerque Couto, Dias Lima, Francisco Luiz Gomes, Xavier de Moraes, Guilhermino de Barros, Henrique Cabral, Jeronymo Pimentel, Meirelles Guerra, Almeida Araujo, Judice, Assis Pereira de Mello, Ayres de Campos, Cortez, J. M. da Cunha, Aragão Mascarenhas, Fradesso da Silveira, Gusmão, Galvão, Bandeira de Mello, Klerk, Correia de Oliveira, Faria Pinho, Sousa Monteiro, Freire Falcão, Pereira de Carvalho, Lemos e Napoles, J. M. da Costa e Silva, Frazão, Ferraz de Albergaria, J. M. Rodrigues de Carvalho, Rosa, José de Moraes, José Tiberio, Camara Leme, Leite de Vasconcellos, Motta Veiga, Julio Guerra, Aralla e Costa, Pereira Dias, Lavado de Brito, Limpo de Lacerda, Mathias de Carvalho, Sabino Galrão, Visconde dos Olivaes.

Entraram durante a sessão — os srs.: Annibal, Braamcamp, Rocha París, Alves Carneiro, Ferreira de Mello, Sousa e Cunha, Ferreira Pontes, Barros e Sá, Azevedo Lima, A. Pinto de Magalhães, Seabra Junior, Arrobas, Pequito, Faria Barbosa, Lopes Branco, Augusto de Faria, Garcez, Cunha Vianna, B. F. Abranches, Carlos Bento, Eduardo

Cabral, Eduardo Tavares, Faustino da Gama, Silva Mendes, F. Coelho do Amaral, Gavicho, Bicudo Correia, F. M. da Rocha Peixoto, Silveira Vianna, Van-Zeller, Gaspar Pereira, G. Rolla, Faria Blanc, Silveira da Motta, I. J. de Sousa, Freitas e Oliveira, Baima de Bastos, Santos e Silva, J. A. Vianna, Mártens Ferrão, J. de Deus, João M. de Magalhães, Pinto de Vasconcellos, Ribeiro da Silva, Joaquim Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, Xavier Pinto, Maia, Costa Lemos, Mardel, Dias Ferreira, Achioli de Barros, J. M. Lobo d'Avila, José M. de Magalhães, Menezes Toste, José Paulino, Mendes Leal, J. F. Pinto Basto, Levy, L. de Carvalho, Ferreira Junior, M. B. da Rocha Peixoto, Penha Fortuna, Paulino Teixeira, P. A. Franco, R. de Mello Gouveia, Theotonio de Ornellas, Deslandes.

Não compareceram — os srs.: Adriano de Azevedo, Fevereiro, Costa Simões, Correia Caldeira, Falcão e Povoas, Torres e Silva, Testa, Fernando de Mello, Fortunato Frederico de Mello, Pinto Bessa, Matos e Camara, Gaivão, Albuquerque Caldeira, Calça e Pina, J. T. Lobo d'Avila, Sette, Teixeira Marques, Vieira de Sá, Silveira e Sousa, Batalhoz, J. R. Coelho do Amaral, P. M. Gonçalves de Freitas, R. Venancio Rodrigues, Sebastião do Canto, Thomás Lobo, Vicente Carlos Teixeira Pinto.

Abertura — Ao meio dia e meia hora.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Representações

1.ª Da camara municipal de Loulé, pedindo alguns melhoramentos materiaes.

A commissão de obras publicas.

2.ª Dos escripturarios do escrivão de fazenda do concelho de Chaves, pedindo augmento de vencimento. A commissão de fazenda.

3.ª Dos mesarios da irmandade de Nossa Senhora da Ajuda, da cidade de Braga, pedindo que não seja approvado o projecto do lei sobre a desamortisação.

A mesma commissão.

4.ª Dos irmãos da irmandade do Bom Jesus de Passos, da cidade de Braga, pedindo que não seja approvado o projecto de lei sobre a desamortisação.

A mesma commissão.

Requerimento

Requeremos que o governo, pelo ministerio da marinha e ultramar, haja de enviar a esta camara, para ser apreciado quando for examinado o orçamento das provincias ultramarinas, o orçamento da provincia de S. Thomé e Principe, ultimamente remettido ao governo pela junta de fazenda d'aquella provincia. = Os deputados pela provincia de S. Thomé e Principe, José Maria Lobo d'Avila = Bernardo Francisco de Abranches.

Foi remettido ao governo.

Notas de interpellação

1.ª Desejando interpellar o governo ácerca do estado da administração civil no districto de Braga, requeiro que se previna o sr. ministro do reino com urgencia. == Barros e Sá.

2.ª Requeiro para ser inscripto na interpellação do sr. Villaça, ácerca do estado da administração municipal no concelho dos Olivaes. = Barros e Sá.

3.ª Requeiro para tomar parte na interpellação annunciada ao sr. ministro da justiça, pelo sr. deputado Mathias de Carvalho, a respeito dos delegados para uma só delegacia. = Freitas e Oliveira.

4.ª Requeiro que quando se verificar a interpellação hoje annunciada pelo sr. deputado Barros e Sá sobre o estado da administração civil no districto de Braga, se me conceda a palavra para tomar parte n'ella se o julgar conveniente. = Pereira de Carvalho.

Mandaram-se fazer as devidas participações.

SEGUNDA LEITURA

Projecto de lei

Senhores. — A proposta de lei n.° 13, que faz parte das medidas financeiras do governo extingue o imposto especial sobre o vinho exportado da ilha da Madeira.

Sendo porém da maior urgencia emprehender no porto do Funchal obras de melhoramentos analogos ás já começadas em Ponta Delgada e na Horta, e sendo mister crear para o custeamento daquellas obras receita especial, a exemplo do que se praticou nas referidas localidades:

Tenho a honra de submetter-vos o seguinte projecto de lei.

Artigo 1.° É o governo auctorisado a mandar construir, no mais curto praso possivel, um porto artificial nas proximidades da cidade do Funchal, ilha da Madeira.

Art. 2.° Para occorrer ás despezas d'esta obra, é o governo auctorisado a contrahir um emprestimo até á somma de 600:000$000 réis em moeda forte, por series de titulos de divida emittidos na proporção das sommas que forem sendo necessarias para o começo, continuação e conclusão dos trabalhos.

Art. 3.° É mantido o imposto de 4$800 réis por pipa de vinho que se exporta da ilha da Madeira, e o seu producto exclusivamente applicado aos juros e amortisação d'este emprestimo.

§ unico. O producto do imposto que se for accumulando até o começo dos trabalhos não poderá ser destinado a nenhuma outra despeza.

Art. 4.° O governo destinará tambem ao pagamento dos juros e amortisação do dito emprestimo 10 por cento dos direitos cobrados na alfandega do Funchal e suas delegações, bem como todo o rendimento do porto artificial, deduzidas as despezas de sua conservação.

Art. 5.° Concluido este porto artificial e amortisado competentemente o referido emprestimo e qualquer outro que seja necessario para o acabamento da obra, ficam extinctos todos os tributos para este fim creados ou conservados.

Art. 6.° O governo estabelecerá para a administração financeira d'esta obra uma junta escolhida como a que funcciona na ilha de S. Miguel para as obras do porto de Ponta Delgada, revestida das mesmas attribuições e como ella presidida pelo governador civil.

Art. 7.° O governo fará os regulamentos necessarios para a boa execução d'esta lei.

Art. 8.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 1 de julho de 1868. = O deputado por Santa Cruz, Agostinho de Ornellas = Camara Leme = Caetano Vellosa do Carvalhal Esmeraldo = João Barbosa de Mattos Camara = Annibal Alvares da Silva = Theotonio Simão Paim de Bruges = Mendonça Cortez = Conde de Thomar (Antonio) = Custonio Joaquim Freire.

Foi admittido e enviado á respectiva commissão.

Leram-se na mesa as seguintes

Propostas

1.ª Ficará sendo despeza obrigativa dos districtos 25 por cento da despeza com a instrucção secundaria, e a mesma percentagem quanto á instrucção primaria constituir a despeza obrigativa dos municipios. = O deputado, Carlos Bento da Silva.

2.ª É auctorisado o governo a permittir que os engenheiros militares possam prestar o serviço no ministerio das obras publicas sempre que as circumstancias o exijam, e sem prejuizo das vantagens que por lei são concedidas á referida classe dos engenheiros militares. = O deputado, Carlos Bento da Silva.

3.ª Será fixada para o anno economico de 1868-1869 a importancia do deficit provavel d'esse anno, e designados especialmente os meios necessarios para occorrer ao mesmo deficit.

Nos primeiros dias da proxima sessão legislativa apresentará o governo ás camaras o orçamento rectificativo do anno economico de 1868-1869, com a indicação das principaes alterações verificadas na receita e despeza orçadas, e os meios de occorrer a qualquer desequilibrio financeiro que se apresente, dentro do mesmo anno.

No caso de ser approvada a auctorisação pedida nas propostas de lei, que acompanham o orçamento, para a creação de creditos supplementares, fixar-se-ha a importancia d'esses creditos em harmonia com a media da despeza d'esta procedencia, verificada em annos anteriores. = O deputado, Carlos Bento da Silva.

4.ª Fica auctorisado o governo a applicar para as despezas do corpo diplomatico, qualquer receita de emolumentos consulares, que sem inconveniente possa ser desviada da sua actual applicação. = O deputado, Carlos Bento da Silva.

5.ª E reduzido a quatro annos o tempo do serviço militar activo, marcado na lei do recrutamento, e fixado em quatro annos o praso do serviço na reserva.

Para os voluntarios será reduzido o tempo de serviço activo a dois annos, e ao mesmo praso o serviço na reserva.

Fica auctorisado o governo a poder reduzir o minimo da altura exigida para o serviço.

É fixada aos dezenove annos a idade propria para o serviço militar.

Para os voluntarios será fixada a idade para aquelle fim aos dezoito annos. = O deputado, Caídos Bento da Silva.

Foram admittidas e enviadas ás commissões respectivas.

O sr. Fradesso da Silveira: — Por parte da commissão de commercio e artes mando para a mesa um requerimento, pedindo a dissolução da mesma commissão por a considerar inutil.

O requerimento é o seguinte (leu).

Aproveito esta occasião para mandar para a mesa duas notas de interpellação, uma ao sr. ministro das obras publicas, e a outra ao sr. ministro dos negocios estrangeiros.

A ultima é já repetição.

O sr. Albuquerque Couto: — -Mando para a mesa uma declaração de que por motivo justificado não pude comparecer a algumas das sessões anteriores, devendo declarar a v. ex.ª que a minha saída não foi inopinada, porque já no principio do mez anterior havia dito a alguns collegas que tencionava retirar-me no fim do mez, mas quando saí não tinha noticia alguma de que o sr. Pequito, distincto membro da commissão de verificação de poderes, tambem se ausentava. Se eu o soubesse com antecipação, talvez que adiasse a minha partida para mais tarde.

Tive conhecimento de uma resolução de v. ex.ª quando estava para entrar no comboio, e apenas cheguei á Mealhada escrevi logo ao sr. Castilho, a quem tinha deixado o parecer da commissão para entregar ao sr. Pequito, pedindo-lhe que fizesse adiar a sua discussão por dois ou tres dias, porque eu faria por abreviar a minha volta, a fim de vir ainda desempenhar os meus deveres como relator. Infelizmente porém n'essa noite houve um descarrilhamento no caminho de ferro, de modo que o correio chegou aqui mais tarde, e quando o illustre deputado veiu para a camara ainda não tinha recebido a minha carta, por isso não me póde responder, ficando por alguns dias sem saber o que havia passado.

Foi este o motivo por que não compareci mais cedo, e devo asseverar a v. ex.ª que muito me penalisou não o poder fazer antes, porque sinto que as cousas corressem do modo por que toda a camara o sabe.

O que peço a v. ex.ª e á camara é que acreditem que eu não tive em vista, com a minha ausencia, fazer demorar a discussão do parecer sobre a eleição de Sabrosa; e estou convencido de que toda a camara me fará justiça e aos meus collegas da commissão, não suppondo que no animo de ca-

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valheiros, que nós todos respeitámos pelo seu caracter, entrasse a idéa de demorar a discussão do mesmo parecer.

O sr. Seixas: — Ha mais de um mez que dirigi uma nota de interpellação ao sr. ministro dos negocios estrangeiros sobre diversos assumptos relativos á provincia de Angola, que vem a ser sobre occupação do porto do Ambriz, sobre a violação do tratado de 1842, e sobre o bombardeamento feito por um vapor inglez na costa do Ambriz, no logar de Dombe-Grande, do que resultou a destruição de alguns edificios nacionaes, e a respeito do que o sr. presidente do conselho disse que existem reclamações diplomaticas com a Inglaterra, mas o sr. ministro ainda não se dignou dar-se por habilitado; entretanto, não lhe fazendo por isto censura, porque sou o primeiro a reconhecer os muitos negocios que o cercam, pedia a v. ex.ª que me dissesse se devo renovar a nota de interpellação, ou se a mesa se encarrega de renovar o meu pedido.

O sr. Presidente: — A mesa encarrega-se de fazer a renovação do seu pedido.

O Orador: — Agradeço a v. ex.ª

O sr. Quaresma: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Loulé.

Para não tomar tempo á camara abstenho-me de a ler, declarando comtudo que me parecem justos os motivos allegados pela camara para conseguir o que intenta, e por isso peço que a representação seja enviada para a commissão respectiva.

O sr. Aragão Mascarenhas: — Visto estar presente o sr. ministro da fazenda, pedia a v. ex.ª que tivesse a bondade de interceder para com o seu collega da justiça, a fim de que s. ex.ª se dê por habilitado para responder a uma interpellação que ha já muito tempo lhe annunciei, e pela qual já depois instei n'esta casa.

A interpellação é por sua natureza urgente, e estando annunciada ha tantos dias, ainda não pude obter resposta de s. ex.ª Pretendo com a interpellação ver se posso evitar um grande vexame aos povos da localidade que tenho a honra de representar n'esta casa, e a outros que estão hoje soffrendo com a actual lei sobre o jury.

Esperava que o illustre ministro, tendo-lhe sido annunciada em tempo uma interpellação sobre materia tão grave e urgente, se tivesse apressado a vir dizer alguma cousa que podesse tranquillisar aquelles povos; mas s. ex.ª, apesar das minhas instancias e do V. ex.ª, sr. presidente, ter tido a bondade de expedir a competente communicação, ainda se não deu por habilitado para me responder.

Pedia pois ao meu amigo, o sr. ministro da fazenda, que servisse de empenho, a fim de que o seu collega se declare habilitado para eu poder realisar a minha interpellação.

Realmente, ha um certo desprezo pela prerogativa parlamentar no facto de qualquer sr. ministro se não dar por habilitado para responder a uma interpellação, ou de não prestar qualquer desculpa.

Uma resposta dos srs. ministros é uma homenagem á prerogativa parlamentar. S. ex.ª nem sempre póde estar habilitado, mas declare-o, ou que ha inconveniente em se verificar a interpellação. Qualquer resposta me serve, mas o que me não serve é este desprezo pela prerogativa parlamentar.

O sr. Ministro da Fazenda (Dias Ferreira): — Não é de certo por menos consideração pela prerogativa parlamentar que o meu collega da justiça se não tem declarado habilitado para responder á interpellação do illustre deputado, o sr. Aragão Mascarenhas. Póde V. ex.ª e a camara estarem certos de que, logo que lhe seja possivel, não só o meu collega da justiça, mas todos os outros, responderão ás interpellações annunciadas pelos srs. deputados, porque nos não demoraremos um momento em cumprir o nosso dever, de ter toda a consideração pela prerogativa parlamentar, e de satisfazer quanto em nós couber o dever que nos impõe a nossa posição official.

O sr. Julio Guerra: — Mando para a mesa uma proposta relativa ao orçamento do ministerio das obras publicas, e quando elle entrar em discussão desenvolverei as minhas idéas para a justificar.

Aproveito a occasião para declarar que não tenho comparecido a estas ultimas sessões por motivo justificado.

O sr. Ministro da Justiça (Visconde de Seabra): — Declaro-me habilitado para responder a todas as interpellações que me têem sido annunciadas.

O sr. Sá Carneiro: — Não me queixo de v. ex.ª, nem da camara, queixo-me da minha voz, porque fui um dos primeiros a pedir a palavra, e só momentos depois pude ser ouvido; mas agora que v. ex.ª m'a concede, vou fazer uso d'ella.

Em uma das sessões passadas disse a v. ex.ª que considerasse retirada a minha assignatura do projecto n.° 18, relativo á fixação da força, porque em uma sessão anterior disse eu, com relação a uma idéa apresentada pelo sr. ministro da guerra, de que intentava augmentar a força do exercito, que não acompanhava s. ex.ª por esse caminho, porque longe de augmentar a força publica, diminui-la-ia sempre para o fim de termos armamento que nos falta; mas não é esta a occasião para fazer largas considerações a este respeito, e reserva-las-hei para quando se tratar da discussão do projecto n.° 18; é outro o meu fim.

Retirada a minha assignatura do projecto, mostro coherencia nos meus principios, tanto assim que quando eu disse que não acompanhava o sr. ministro, com relação ao augmento da força, já a proposta de s. ex.ª estava n'esta camara, ignorando-o eu; assim como não sabia se estava discutida na commissão em alguma sessão a que não compareci.

Portanto é para admirar que não houvesse então algum membro da commissão ou algum deputado que me elucidasse a esse respeito e me dissesse francamente que eu estava em erro.

Devo dizer que com estas minhas palavras não quero offender, nem de leve, o melindre do membro da commissão e relator do projecto, que foi quem m'o deu a assignar, e acredito que não houve intenção alguma da parte de s. ex.ª em colher a minha assignatura, como já se praticou commigo na legislatura passada.

O illustre membro da commissão e relator do projecto que m'o apresentou para assignar não imaginava que eu sabia do que se tratava, pelo facto de estar no Diario, porque nunca leio o Diario de Lisboa, nem tinha estado na commissão.

Ouço sempre com muita attenção o que dizem os meus collegas, mas não leio o Diario, porque não tenho só o serviço da camara, tenho tambem o do commando do regimento, e portanto muito que fazer; por isso repito, não admira que não tivesse conhecimento d'essa proposta de lei que foi publicada no Diario, depois de convertida em projecto. Digo pois que, se estivesse presente quando foi discutida no seio da commissão, te-la-ia combatido, como hei de combate-la quando a camara a discutir, porque realmente me repugna, nas circumstancias em que estamos, ver augmentar-se a força do exercito, não se pedindo nada mais ao estado; mas fazendo-se economias que poderiam ser applicadas a objectos muito mais necessarios do que ao augmento da força.

De mais a mais importa o augmento da contribuição de sangue, a que espero que os illustres deputados, em occasião opportuna, darão a devida consideração.

Tinha de fazer muitas e diversas interpellações ao sr. ministro da guerra; mas não as faço, porque não quero que haja certos preconceitos sobre os motivos que eu tinha para fazer essas interpellações.

Além d'isso estou doente, e não sei se a camara e se o governo estarão mais doentes do que eu.

O sr. Bandeira de Mello: — Pedi a palavra, por parte da commissão de guerra, para responder a s. ex.ª, o sr. José Paulino, que nas observações que acaba de fazer estranhou o silencio dos outros membros da commissão, porque o não adverti da existencia do projecto do sr. ministro da guerra sobre o augmento da força militar, tendo-se elle, sr. deputado, pronunciado na camara contra esse augmento.

Pela minha parte tenho a declarar que não me recorda de ter ouvido fallar s. ex.ª sobre esse assumpto, só sim de não ter assistido á discussão do projecto na commissão de guerra; toas ouvi-o ler na camara ao sr. ministro da guerra, li-o no Diario, e li-o quando o assignei, e com declarações pelas mesmas rasões pelas quaes o sr. José Paulino declarou retirar a sua assignatura.

O sr. Falcão da Fonseca: — Mando para a mesa uma representação dos escripturarios da repartição de fazenda do districto de Chaves, pedindo augmento de vencimento.

Mando tambem uma rectificação a algumas propostas que apresentei, relativamente ao orçamento (leu).

Agora, em satisfação do compromisso que tomei perante a camara, quando apresentei uma proposta para que a commissão de legislação apresentasse um projecto relativo á lei eleitoral, sobre certas bases que eu indiquei, proposta que eu retirei, mando para a mesa o seguinte projecto de lei (leu).

Se este projecto vier á discussão eu direi o que se me offerecer para o sustentar; mas desde já declaro que da sua adopção resulta uma economia de 30:000$000 réis, e que as prerogativas parlamentares hão de ganhar muito com este ou outro projecto que for apresentado segundo as mesmas bases.

O sr. Conde de Thomar (Antonio): — Mando para a mesa duas notas de interpellação; uma ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, e outra ao sr. ministro das obras publicas.

O sr. Araujo Queiroz: — Mando para a mesa uma representação da irmandade da Santa Cruz da cidade de Braga, com duzentas e quarenta assignaturas, contra o projecto de lei n.° 1, do sr. ministro da fazenda, denominada «de desamortisaçâo», e requeiro a v. ex.ª que lhe dê o destino conveniente.

Apresento outra identica com sessenta e seis assignaturas da irmandade de S. Sebastião da mesma cidade, para ter igual destino.

O sr. Presidente: — Passa-se á ordem do dia. Os srs. deputados que tiverem requerimentos ou representações a mandarem para a mesa podem faze-lo.

O sr. Annibal: — Mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo.

O sr. Presidente: — Previno os srs. deputados de que a interpellação annunciada ao sr. ministro do reino pelo sr. Villaça terá logar na sessão de segunda feira, bem como as interpellações annunciadas ao sr. ministro da justiça. Verificar-se-hão antes da ordem do dia, não havendo pois na segunda feira a denominada palestra antes da ordem do dia.

O sr. Freitas e Oliveira: — Peço a palavra para um requerimento.

O sr. Presidente: — Tem a palavra.

O sr. Freitas e Oliveira: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se ella quer que, attendendo-se ás declarações do sr. ministro da justiça, se verifiquem hoje as interpellações annunciadas a s. ex.ª

O sr. Presidente: — O requerimento do sr. deputado não tem logar, porque eu já annunciei que se ía passar á ordem do dia.

O sr. Freitas e Oliveira: — Mas eu não podia fazer o meu requerimento antes da declaração de v. ex.ª, porque suppunha que se iam verificar as interpellações.

O sr. Presidente: — O regimento oppõe-se a que se admitta discussão sobre qualquer materia differente da ordem do dia, depois d'esta annunciada.

O sr. Freitas e Oliveira:. — Então, se tanto é preciso, peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer dispensar o regimento, para se poder votar o meu requerimento (apoiados).

O sr. Presidente: — O sr. ministro da justiça declarou que estava prompto para responder a todas as interpellações que lhe tinham sido annunciadas. Depois d'isto, eu destinei o dia de segunda feira para se verificarem estas interpellações, bem como outra annunciada pelo sr. Villaça ao sr. ministro do reino. Annunciei em seguida que se ía passar á ordem do dia, e o regimento manda que, depois d'esta annunciada, não se admitta discussão sobre nenhuma outra materia differente. O sr. Freitas e Oliveira requer agora que eu consulte a camara sobre se esta quer que se verifiquem já as interpellações, pondo-se de parte a ordem do dia. Vou pois consultar a camara. Os senhores que são d'esta opinião tenham a bondade de se levantar.

Decidiu-se negativamente.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO SOBRE O PROJECTO DE DESAMORTISAÇÃO

O sr. Gavicho: — Pedi a palavra sobre a ordem, e v. ex.ª perguntou-me se eu era a favor ou contra o projecto. Não comprehendi isto bem, porque, quando se pede a palavra sobre a ordem, nunca se póde dizer se é a favor ou contra; é sobre a ordem.

Inscrevi-me porém a favor, não porque seja a favor do projecto, financeiramente considerado, mas porque sou a favor do principio de desamortisação.

Disse estas palavras simplesmente para que não se note que, tendo eu pedido a palavra a favor, falle agora contra o projecto que está em discussão.

Para cumprir os preceitos do regimento, e tendo necessidade de mandar para a mesa uma moção de ordem, tenho a honra de ler e remetter para essa mesa a seguinte emenda ao projecto n.° 13 (leu).

Pela emenda ou substituição, que acabo de ler, já vê V. ex.ª as minhas idéas relativamente ao projecto em discussão. Este projecto póde considerar-se debaixo de dois pontos de vista. E a continuação da desamortisação votada em 1866, e é um expediente financeiro. Como medida economica, que torna extensivas as disposições da lei de 1866, levando a desamortisação aos bens, que foram a excepção d'aquella lei, approvo com o mesmo enthusiasmo com que approvei o projecto que se converteu na lei de 22 de julho de 1866. Como expediente financeiro o projecto, como esta, não póde merecer a minha approvação; hei de votar contra elle com toda a força da minha convicção. A desamortisação da terra é medida economica de grande alcance, e produzirá a prosperidade do paiz para o qual se legisla, mas como expediente financeiro, e do modo como está estabelecida no projecto, não passa de ser uma espoliação ás corporações, cujos bens se desamortisam em proveito do estado. E um ataque á propriedade de corporações respeitabilissimas, é um roubo arvorado em principio financeiro no nosso paiz. Contra isto voto eu com toda a energia de que sou capaz, porque sou portuguez, e amo os brios e a dignidade do meu paiz.

A mão morta é a prisão da terra. E um attentado contra o direito commum n'uma das suas mais essenciaes applicações, impede que cada um possa elevar-se livremente a todas as vantagens do estado social, uma das quaes, e valiosissima, se traduz na posse livre e desassombrada da terra. A terra amortisada quer dizer esterilidade, quer dizer despovoação, pela formidavel á prosperidade das nações, apparelho engenhoso de miseria e de fome, que fomenta a emigração, que impede a acquisição dos bens a quem póde, sabe, e quer tirar da terra o que ella póde dar, que é muito. A mão morta rouba á terra a sombra fecunda do proprietario, a chuva benefica do trabalho e do capital, e o sol vivificador da liberdade, á luz do qual só podem prosperar as nações.

A mão morta supprime o interesse individual, mola poderosa do trabalho, e sem o interesse individual o trabalho afrouxa e pára, impede o augmento da riqueza, porque se oppõe ás vantagens conhecidas da diffusão da propriedade e divisão do solo; revela a incuria proverbial dos corpos collectivos a respeito das terras que possuem. A máo morta não póde senão mostrar o espectaculo desolador da despovoação e da miseria. Onde houver a mão morta, haverá o baldio, o ermo, o terreno inculto em tratos extensíssimos, a esterilidade da producção, da população e da riqueza, base do imposto. Os braços robustos do proletario, que póde ser proprietario, encontrando a mão morta, e a impossibilidade de applicar o seu trabalho na terra, que lhe não deixam adquirir, vae levar ao novo mundo o trabalho, que aqui não póde empregar, e lá vae na America ganhar a vida, onde a acquisição da terra é facil, onde elle a póde fecundar com o seu suor, e com o seu trabalho. A mão morta tira ao possuidor dos bens paralysados por ella o estimulo da accumulação perseverante, d'aquella vigilancia continua, d'aquella actividade indefeza e pertinaz, aquella satisfação intima de doar, de dispor, de testar, aquelle ardor fecundo de proprietario individual; extingue quasi as forças productivas, as forças creadoras da terra, impedindo que a terra passe de senhores indolentes para cultivadores assiduos e intelligentes, obsta ao feliz acerto na divisão dos trabalhos sociaes, que eleva as nações á sua maior altura, priva os terrenos do fermento dos capitaes circulantes, da encorporação dos capitaes fixos, depaupera as povoações de uma grande quantidade de materia alimenticia, as industrias de materias primas, a circulação e o commercio de uma somma enorme de productos, o estado emfim do alargamento da materia collectavel, fonte de receitas que assim se subtrahem ás necessidades, sociaes. A mão morta é a despovoação, é a esterilidade, é a fome, é a miseria, é a

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emigração, é tudo quanto póde produzir a desgraça dos povos.

A desamortisação da terra tem todas as vantagens em contraposição da mão morta. Toda a medida que alargue a desamortisação que temos votado em diversas sessões legislativas, eu a approvarei com a convicção de que voto um meio para a prosperidade do meu paiz. A desamortisação fomenta os aperfeiçoamentos da industria agricola, promove o maior aproveitamento das terras, os arroteamentos das incultas, e todos esses commettimentos que o pleno direito da propriedade, e o trabalho de homem, podem emprehender á luz vivificadora da liberdade, facilita a transmissão dos bens, a facilidade dos contratos, a consolidação do dominio util com o dominio directo, incita essa luta corajosa com o solo, que faz brotar culturas verdejantes de baldios escalvados.

A população agricola é o nervo do estado na phrase de D. Diniz, o rei lavrador. A desamortisação augmenta o numero dos proprietarios, póde elevar o proletario a cultivador e proprietario, que, rasgando as entranhas da terra com o alvião ou ferro da charrua, póde operar essas maravilhas, filhas do trabalho e fadiga do cultivador, que fazem a prosperidade das nações.

O alargamento da area cultivável, o valor progressivo de terrenos anteriormente amortisados são consequencias da desamortisação. A amortisação e a desamortisação estão julgadas. A terra livre procura o trabalho, utilisa as forças naturaes, promove o proletario a proprietario, é o mais poderoso instrumento da riqueza, da população e do progresso.

Se fosse necessario citar factos para provar o que a rasão nos mostra, e que os theoremas da sciencia nos ensina, eu citaria Utrera, onde a amortisação deixou 12:000 fangas de terrenos baldios; eu citaria Cidade Rodrigo, onde se contavam 110 despovoados e 30:000 fangas de terra inculta; eu citaria Zavala na Extremadura hespanhola; citaria o termo de Badajoz com 26 leguas de comprido sobre 12 de largura de terreno inculto; eu citaria a Catalunha, onde se contavam 228 despovoados, devidos á amortisação da terra; eu citaria esse espectaculo desolador, que a Hespanha mostra, e que fez dizer a um dos seus mais notaveis escriptores, Jovellanos, estas palavras: «Quem ha de ver sem horror e sem lagrimas tão vergonhoso desamparo no meio da pobreza e despovoação de tão pingues territorios?»

A amortisação como que enfeuda um paiz a limitado numero de proprietarios, e que significaria então, quando se não podessem adquirir terrenos, os esforços do trabalho, a accumulação de capitaes, as preoccupações do futuro, os sentimentos de ordem, e os actos de previdencia para aquelles, que querem ser proprietarios, e que a mão morta lhes impede que o sejam? Na Polonia só a nobreza podia possuir terra, e qual foi o resultado? Foi que a classe media se achou impossibilitada de crescer em numero e abastança, foi que as classes ruraes permaneceram sujeitas e annexadas, e a Polonia morreu, e ainda hoje mostra á Europa o corpo ensanguentado e retalhado pelas garras da Russia, sem que as nações europeas lhe possam dar remedio. Se fosse necessario citar factos para provar as vantagens da desamortisação, diria o que se passou em França. Dos 4.720:000 hectares amortisados civilmente na França menos de metade só está aproveitada. Aquella area, que é a undécima parte do territorio francez, segundo a opinião de mr. Du Parynode, está avaliada em 342 francos por hectar, e o seu rendimento em 9 francos. Se compararmos este valor e este rendimento com o valor e renda da terra em França, em termo medio, veremos que onde na França existo a amortisação a terra vale e produz a quarta parte do que vale e produz a terra nas communas onde existe a liberdade e allodialidade da terra.

Eis-aqui os effeitos da mão morta, e da desamortisação. Onde ha amortisação da terra o seu valor é a quarta parte, onde ha a desamortisação o valor da producção da terra é o quadruplo.

Foi por isto, que a Inglaterra, onde a opinião publica é rainha, chamou anno de oiro áquelle, em que o grande ministro William Pitt ordenou a venda forçada dos bens communaes amortisados na grande extensão do 5.000:000 hectares.

O augmento da população agricola foi uma consequencia necessaria, em França, das medidas audazes da revolução franceza, que vendeu os bens nacionaes.

A revolução franceza foi uma convulsão espantosa. D'essa grande revolução data a vida politica e economica das modernas sociedades. A revolução franceza ordenou a venda dos bens nacionaes. Até ahi a nobreza e o clero senhoreavam dois terços do solo francez. O numero dos proprietarios em França era diminuto; meio seculo depois, pouco mais ou menos, em 1 de janeiro de 1851 elevava-se o numero dos proprietarios a 7.846:000. Duas vezes foram submettidos os bens immobiliarios a um recenseamento geral. Eis aqui os resultados:

Em 1821 o valor venal do solo, comprehendendo habitações e officinas era de 39.514.000:000 francos. Em 1 de janeiro de 1851 valia mais 83.744.000:000 francos. O rendimento liquido era em 1821, 1.580.597:000 francos. Em

1 de janeiro de 1851 era de 2.643.366:000 francos, havendo mais a circumstancia, de que o valor da grande propriedade subiu um terço ou um quarto n'este periodo de trinta annos, e o valor e rendimento dos terrenos, embora de inferior qualidade, mas adquiridos quasi exclusivamente por cultivadores, subiu ao quadruplo e ao quintuplo. E isto o que dizia o relator do projecto do codigo rural apresentado ao senado.

Entre nós, e em toda a parte apparecem os mesmos factos. O nosso distincto economista o sr. Marreca n'uma memoria apresentada á academia real das sciencias sobre um projecto de estatistica mostrou, que, com o allivio dos encargos pesados e desiguaes, que opprimiam o nosso solo, junto com uma desaccumulação de propriedade rural, cresceu no continente portuguez não só o alimento vegetal, que d'antes faltava á nossa população, mas nos quatorze annos decorridos desde 1836 a 1851 os cereaes e os legumes cresceram 32 por cento, e na Hespanha com iguaes reformas os cereaes, que n'aquelle paiz escasseavam, augmentaram no periodo de 1837 a 1850, 35 milhões de fangas, ou 40 por cento.

Eis-aqui as vantagens da desamortisação.

Se o projecto se limitasse a tornar extensiva a desamortisação, que está votada por lei, aos bens ainda hoje amorsados, não haveria ninguem n'esta casa que se oppozesse a um tal projecto, porque a desamortisação é o meio mais efficaz que se conhece para augmentar a prosperidade publica. A lei de 1866 desamortisou tudo, e apresentava duas excepções: uma dellas foi os passaes dos parochos, a outra os maninhos e baldios, e creio que, por esquecimento, não foram comprehendidos na lei de 1866 os bens pertencentes aos corpos scientificos. Que resta pois a fazer, se queremos alargar as medidas de amortisação que temos já votado? Introduzir n'uma nova lei as excepções da lei de 1866; isto é, os passaes, os baldios e maninhos, e os bens pertencentes aos corpos scientificos.

Estas excepções devem deixar de o ser. Estes bens devem-se desamortisar. E isso que eu proponho, é isso o que eu sustento, é isso o que votarei. Tudo quanto não for alargar sómente as medidas da amortisação, que já votámos, não o posso aceitar.

O projecto em discussão é mais alguma cousa do que isto, é um expediente financeiro, é um ataque á propriedade das corporações, cujos bens se desamortisam. Isto não voto eu. A desamortisação sim, porque a desamortisação da terra quer dizer prosperidade dos povos, e amortisação esterilização da terra.

Eu podia, porque a materia dá de sobra para se poder discorrer largamente sobre este ponto, eu podia apresentar muitas considerações ainda a favor da desamortisação e contra a amortisação, mas parece-me mesmo extemporaneo; a desamortisação esta sufficientemente defendida, é um principio que entre nós foi adoptado com enthusiasmo e com bastante sentimento, talvez geral, appareceu na lei de 1866 a excepção dos passaes dos parochos, excepção que foi talvez aconselhada pela politica, a dos baldios e dos maninhos, e creio que, por esquecimento, a dos bens pertencentes aos corpos scientificos.

Mas diz o sr. Barros e Sá: «A desamortisação será legitima? Poderemos nós faze-la?» E apresentou isto como questão previa.

Eram bem cabidos estes escrupulos quando em 1861, primeiro se tratou de desamortisação em Portugal; ainda eram bem cabidos em 1866, quando se discutiu o projecto n.° 10 d'aquella legislatura, o qual se converteu na lei de 22 de julho de 1866; mas hoje a que se póde referir esta questão previa? Esta questão previa póde-se referir simplesmente a dois pontos. — Podemos desamortisar os passaes? Podemos desamortisar os baldios e os maninhos? Podémos desamortisar os bens pertencentes ás corporações scientificas? Será legitima esta desamortisação?

O sr. Barros e Sá apresenta esta proposta como uma questão previa. S. ex.ª n'um discurso, em que mais uma vez mostrou os seus vastos conhecimentos juridicos, provou que as corporações, cujos bens se querem desamortisar agora, e que se desamortisaram já pela lei de 22 de julho de 1866, tinham propriedade. Baldado empenho foi o de s. ex.ª se me quiz convencer d'esta verdade. Se s. ex.ª fizesse o seu discurso em 1861, quando primeiro se tratou de desamortisar os bens das corporações religiosas; se o fizesse ainda em 1866, quando se discutiu o projecto n.° 10 daquella legislatura, bem cabida seria a sua argumentação.

Em 1866 um deputado, que era professor de direito na universidade de Coimbra, e que hoje é ministro, sustentou o absurdo juridico de que as corporações de mão morta não tinham o direito de propriedade. Um ministro então, professor tambem da universidade de Coimbra, e que sinto não ver n'esta camara, sustentou a cerebrina opinião de que as corporações de mão morta tinham propriedade, mas só em virtude da lei; que a propriedade d'estas corporações provinha exclusivamente da lei. Se n'essa occasião o sr. Barros e Sá pronunciasse o seu discurso, na parte em que mostra exuberante e evidentemente, que as corporações de mão morta têem propriedade, vinha em occasião propria sustentar uma grande verdade; mas agora? Não me parece que seja bem recebida a argumentação. Em 1866 eu tive occasião de fallar sobre este ponto, e mostrei, como as minhas forças me permittiam, que as corporações, •cujos bens se queriam desamortisar, e se desamortizaram, tinham um direito de propriedade sobre os seus bens, como pessoas juridicas; que esse direito de propriedade era limitado pelo fim a que eram destinados os seus bens, na conformidade dos seus estatutos, compromissos e natureza d'essas sociedades; que a propriedade era um direito preexistente, nunca podia provir da lei; que era um direito absoluto, tinha o seu fundamento na natureza humana, na personalidade, e que a lei não podia mais do que harmonisar o livre exercicio do direito da propriedade com o livre exercicio dos direitos dos outros nas suas respectivas espheras juridicas, que coexistem no estado. As idéas que então sustentei, sustento-as hoje.

No seculo XVI o chanceller Dupprat, revolvendo o pó dos cartorios, sustentou que o rei era senhor de todos os bens.

No seculo XVIII o celebre Paulmy reproduziu a mesma doutrina, e o abjecto adulador soffreu que Luiz XV chamasse machiavelica uma tal opinião. Os encyclopedistas reproduziram a mesma doutrina. Foi n'ella que se firmou a terrivel metaphysica com que em 1789 se sustentou que o estado era senhor de todos os bens. Mirabeau, Chapellier e Thouret foram os formidaveis oradores que sustentaram essa terrivel doutrina que se traduziu na lei de 2 de novembro de 1789 em França. Esta doutrina porém morreu, ninguem hoje se lembra d'ella, senão para lamentar os desvarios de brilhantes talentos. Esqueçamos essa doutrina. A propriedade collectiva resultante da propriedade individual não póde perder a sua natureza pelo facto de se pôr em commum para o cumprimento de um fim racional.

As associações, alavancas poderosas do progresso e da civilisação, têem uma propriedade tão respeitavel como a do individuo. Se a sua entidade juridica depende da lei, a propriedade não póde provir d'ella. A lei só póde regular o exercicio do direito da propriedade, em harmonia com o livre exercicio do direito dos individuos e pessoas moraes coexistentes no estado e com os interesses geraes e bem entendidos da nação. Supponhamos que cinco ou seis individuos, que possuidos de verdades proclamadas por mr. Bonnemère na sua memoria premiada pela academia das sciencias, bellas letras e artes de Besançon, reuniam as suas propriedades para uma exploração agricola. A propriedade individual tornou-se collectiva. Por este facto deixaria esta associação de ter o direito de propriedade? Negou já alguem que as corporações scientificas, industriaes, commerciaes tivessem direito de propriedade? Porque o não terá a igreja, as associações religiosas ou outra qualquer associação, que tenha um fim racional? Diz o sr. Barros e Sá que = se as corporações têem o direito de propriedade, não se podem desamortisar os seus bens, senão por meio da expropriação por utilidade publica, na conformidade das leis. Não é assim. As associações têem o direito de propriedade, e os seus bens podem-se desamortisar sem expropriação. O estado pelo seu direito de inspecção e de tutela póde obrigar as corporações a converterem os seus fundos prediaes em outra riqueza tão segura como a terra, que lhes dê igual ou superior rendimento, que facilite a sua administração, que produza a prosperidade d'essas corporações, em harmonia com a prosperidade publica.

Foi por estes principios que nós desamortisámos todos os bens das corporações tuteladas pelo estado, ficando só por desamortisar os passaes dos parochos, os baldios e maninhos e os bens das corporações scientificas. A questão previa do sr. Barros e Sá limita-se hoje a esta sorte de bens. Poderemos desamortisar os passaes? A igreja póde ter propriedade como qualquer individuo. Isto é um ponto incontroverso. O estado póde regular este direito de propriedade em harmonia com o livre exercicio do direito dos individuos e das associações e com os interesses geraes e bem entendidos da nação. O que é o passal? O passal é o antigo dextro. Os dextros eram os logares juntos das igrejas, que gosavam de alguma immunidade como o direito de asylo. Estes logares tinham limites marcados na lei. Não eram menores de trinta passos nem maiores de sessenta. E assim que se vê no decreto de Nicolau II de 1059.

Permitta-me a camara que lhe leia um pouco de latim barbaro, latim de idade media: «Statuimus ita; ut major ecclesiae per circuitum sexaginta passus habeat, capellae vero, sic e minores ecclesiae trintaginta». Estes dextros gosavam de immunidades, e assim se vê no concilio coyaense de 1050, capitulo 3.° «Intra etiam dextros ecclesiae laici uxorati non habitent, nec jura possideant. No capitulo 12.° do mesmo concilio se lê: Proecipimus ut si quilibet homo pro quoecumque culpa ad ecclesiam confugerit, non sit ausus aliquis eum inde violenter abstrahere, nec persequi intra dextros ecclesia:, qui sunt triginta passus, etc... Estes passos contavam-se dos muros da igreja (extra aedium sacrarum ambitum) como se vê do concilio helenense de 1027 e narbonense de 1054.

Estes terrenos em volta das igrejas na extensão de trinta passos nas igrejas menores e de sessenta passos nas cathedraes eram os passaes.

Em virtude das immunidades inherentes a estes terrenos, que eram como coutos e honras, os padres promoveram que se alargassem os passaes; e como os passaes gosaram sempre entre nós da immunidade de não pagarem alguns onus ou serviço, a igreja tentou alargar os trinta e os sessenta passos, primitivos limites do passal, até onde podesse. D'esta tentativa é documento vivo a ord. do liv. 2.° tit. 22.° em que se definem os passaes, os assentos das igrejas e terrenos conjunctos a ellas, não sendo mais terra que aquella que um lavrador commummente em um anno, no tempo da lavoura, póde lavrar com uma junta de bois para sua lavoura porque de taes assentos e passaes não pagavam tributo.

Era pouco fixa a limitação do passal. Veja a camara como o antigo dextro, o passal primitivo, o verdadeiro passal, se converteu no que nós vemos hoje.

A igreja a principio nada possuia, apenas das oblações de pão, azeite, vinho, incenso, alguns subsidios pecuniarios e das primícias das colheitas, que segundo o costume dos judeus se offereciam á Deus, a igreja sustentava o seu clero, amparava os pobres, as viuvas e os peregrinos. É o que ensina o dr. Aguirre em Hespanha e Walter na Allemanha. O desprezo do mundo era o caracter distinctivo da igreja a principio, naquelles santos tempos, nos primitivos tempos da igreja. Pouco tempo depois a igreja enriqueceu-se de um modo admiravel, parecia querer adquirir o mundo. As leis permittiam-lhe o poder herdar por testamento, por successão de seus clerigos, que, não tendo herdeiros, fallecessem ab intestato; é o que se vê das leis romanas, do codigo theodosiano e do de cânon 15.°, causa 12.ª, questão 1.ª Acresceu que se lhe adjudicaram os bens dos conventiculos dos herejes. A piedade e a politica dos principes veiu engrossar o cabedal da igreja. Enormes doações vieram augmentar os seus bens allodiaes, e não ficou só aqui; os principes e

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magnates cederam á igreja em ferido muitas cidades e logares; os réis mesmo cediam os reinos a santa sé e sujeitavam-nos a um censo annual, a que se chamou o dinheiro de S. Pedro.

As idéas dos padres, ou as idéas da epocha, concorreram poderosamente para a enormissima riqueza da igreja. Os padres disseram que para a remissão dos peccados mortaes era necessaria a penitencia de sete annos, que os peccados se remiam por meio de doações, que as penitencias se resgatavam por dinheiro e por doações. A vida dos peccadores não chegava para o cumprimento das penitencias publicas, é, aberta a porta do resgate das penitencias por meio das doações, a igreja quasi que empolgou o territorio das nações catholicas.

(Interrupção do sr. Ribeiro da Silva, que não se ouviu.)

Estimei o áparte que me dirigiu o meu honrado collega, illustre ornamento do clero portuguez (apoiados), porque me dá occasião a eu fazer algumas reflexões sobre este ponto que eu tencionava calar. Desculpe-me a camara alguma divagação.

A igreja possuiu tanto que Montesquieu calculava que em tres gerações a igreja possuiria exclusivamente o territorio francez.

É notavel esse capitulo da historia que nos mostra os padres fazendo propagar que no anno 1000 o mundo acabava, que era mister purificar as almas, resgatar as penitencias, e remir os peccados por meio de doações. A igreja absorvia tudo, e foi formidavel a luta entre os barões e a igreja para a revendição dos bens tão arteiramente havidos. Carlos Magno teve de cohibir e condemnar o enriquecimento dos padres á custa das lagrimas dos parentes de defuntos que oram ricos, o cujos filhos mendigavam o pão por toda a parte.

Entre nós na partilha das terras, quando conquistámos palmo a palmo o solo da patria, foram equiparados os prelados aos magnates e ricos homens; para estes havia a reversão, para aquelles não a podia haver pela natureza perpetua da igreja. A acquisição da propriedade pelo clero era enorme. As queixas dos povos subiram ás côrtes de Coimbra em 1211, e ahi se prohibiu a compra dos bens de raiz pela igreja. A luta do clero contra o poder civil era tremenda, foi mister a promulgação da lei de 10 de julho de 1286 no tempo de D. Diniz, conhecida geralmente pela lei da desamortisação. N'essa lei se determinou que a igreja vendesse todos os bens dentro de anno e dia. Continuou a luta entre a igreja e o poder civil, e vinte e tres annos depois exceptuavam-se da desamortisação os bens dotaes da igreja. Os padres entenderam que todos os bens eram dotaes. Os antigos dextros, os passaes alargaram-se quasi indefinidamente, as queixas dos povos continuaram. Nas côrtes de Lisboa em 1371 ampliou-se a desamortisação a todos os bens adquiridos por qualquer titulo. Estas determinações passaram para a ordenação de D. Manuel, para a ordenação Filippina, e foram corroboradas pela lei de 30 de junho de 1611. O braço energico e admiravelmente audaz do marquez de Pombal escreveu as leis de 4 de junho de 1768, e alvarás de 12 de maio e 9 de setembro de 1769. Era uma luta de seculos entro a igreja e o podér civil.

A pertinacia da igreja era admiravel, zombou muitas vezes das mais energicas disposições das nossas leis.

Nós reconhecemos sempre a propriedade da igreja, e o que sempre sustentámos foi que ella não poderia possuir fundos prediaes. Veiu a revolução de 1834; até ahi a igreja sustentava-se das suas rendas, dos dizimos unidos aos fóros provenientes das grandes e muitas doações dos nossos monarchas e das pessoas ricas. Pelos decretos de 30 de julho e 13 do agosto de 1832 foram abolidos os dizimos, os fóros e alcavalas que pesavam enormemente sobre a terra. Nós extinguimos os dizimos, e fizemos muito bem, porque não havia contribuição mais absurda.

(Áparte do sr. Ribeiro da Silva, que não se percebeu.)

Extinguimos os dizimos e fizemos muito bem, repito. O que foi mau foi não substituirmos aquella contribuição horrivel por uma justa e proporcional, porque, se o fizessemos, não estariamos talvez no estado desgraçado em que estamos. Os dizimos fundavam-se na antiga obrigação que tinham os judeus de os pagar á tribu de Levy. Esta obrigação cessou, porque se derrogaram os preceitos legaes da lei de Moysés. É por isso que nos primeiros seculos christãos se não fallou nos dizimos; depois, e muito depois, é que os padres propunham aos fieis o exemplo dos judeus, é que aconselharam o seu pagamento como meio de obterem boas colheitas de fructos, saude e bens celestiaes. De contribuições puramente voluntarias os padres fizeram-nas puramente obrigatorias, e tanto que excomungavam quem as não pagasse. Abolimos os dizimos, repito, e todas as alcavalas e fóros de que se sustentava a igreja. Prometteu-se então que para supprir os dizimos se estabeleceriam congruas pagas pelo thesouro para a sustentação do culto e do clero. Esta promessa solemne foi exarada no decreto de 30 de julho, artigos 7.° e 8.°

Essas congruas estabeleceram-se com effeito, pela portaria de 5 de julho do 1834, carta de lei de 20 de dezembro do mesmo anno, e de 23 de outubro de 1835.

N'essa epocha as circumstancias do thesouro e os tripudios que as seguiram ao festim da liberdade não permittiram o pagamento pontual. A sorte dos parochos era realmente desgraçada. A promessa solemne de uma nação não estava cumprida. Era um verdadeiro escandalo, como se diz no preambulo do decreto de 19 de setembro de 1836. Era necessario pôr cobro a esse escandalo; estabeleceram-se as congruas. As congruas compõem-se do rendimento dos passaes, de pé de altar, direitos de estola ou benesses, e de derramas lançadas sobre os parochianos. Estas benesses, direitos de estola e pé de altar foram voluntarios sempre, até que pelo decreto de 30 de julho de 1790 a Rainha D. Maria I os tornou obrigatorios.

Dotamos hoje o clero com fintas ou derramas, com os direitos de estola e pé de altar e com o rendimento dos passaes. Que representam pois hoje os passaes? Uma parte da dotação do clero. Representam um meio com que o estado, que tem obrigação de dotar a igreja, lhe dá os meios para parte da sustenção do clero. Poderemos desamortisar os passaes? Podemos e devemos. Nos paizes onde ha uma religião do estado, este tem obrigação de dotar o culto e o clero d'essa religião; tendo esta obrigação, tem a liberdade juridica de a cumprir por uma ou outra fórma. Se o estado hoje dota o clero com as congruas, que se compõem do rendimento dos passaes, do pé de altar e das derramas, póde dota-lo de um outro modo, comtanto que dote o culto e o clero da religião do estado como deve ser.

E cabe-me agora responder ao que disse aqui o meu nobre amigo o sr. Belchior José Garcez. S. ex.ª reprova este projecto, porque vê na desamortisação dos passaes uma medida percursora da dotação do clero, e s. ex.ª não quer a dotação do clero, porque não somos a isso obrigados como o foi a França pela concordata do principio d'este seculo, e porque s. ex.ª, partidario da igreja livre no estado livre, não quer que o estado dote a igreja.

Nós somos tão obrigados a dotar a igreja do estado, como é a França. Em França tiraram-se os bens á igreja, fez-se uma concordata, restituiram-se-lhe bens, que ainda não estavam vendidos, e obrigou-se o estado a dotar o culto e o clero. Entre nós tiraram-se pelos decretos de 1832 os bens á igreja, prometteu-se na legislação do paiz solemnemente a sustentação do culto e do clero, determinou-se que a religião catholica era a religião do estado, e nos paizes, onde ha religião do estado, este tem obrigação de sustentar o seu culto e o seu clero. E o que faz a Inglaterra, que dota ricamente a religião protestante, que é a religião do estado. E o que fazem todos os paizes, onde ha religião do estado. Mas s. ex.ª quer a igreja livre no estado livre, e por isso não quer a dotação do culto e do clero: Eu tambem sou partidario da igreja livre no estado livre, idéa do conde de Montalembert expressa no parlamento italiano n'um famoso discurso pelo notavel conde de Cavour, por estas palavras: «Igreja livre no estado livre.» Segundo a opinião d'estes homens tão notaveis, a igreja coexiste no estado com as outras associações religiosas, sem que o estado tenha mais obrigações para com ellas de que garantir-lhe o livre exercicio dos seus direitos, e a harmonia, que deve existir entre todas as associações e individuos coexistentes no estado. Esta doutrina é uma consequencia da theoria de Kranse, de que eu sou partidario convicto. Mas conceberá alguem que possa haver igreja livre no estado livre sem liberdade de cultos? Se querem a igreja livre no estado livre, é mister primeiro estabelecer alem da liberdade de consciencia que temos, a liberdade de cultos, que a carta não permitte (apoiados).

Chegámos ao tempo de poder decretar a liberdade de cultos e o principio da igreja livre no estado livre? Parece-me que não. Sou partidario da igreja livre no estado livre, aspiro a ella, mas não creio chegado o tempo de poder ver realisada a minha aspiração. Quando houver liberdade de cultos, quando a possa haver em Portugal, seja então a igreja livre no estado livre, então sustentem os catholicos a sua igreja, e os sectarios das outras religiões sustentem o seu culto: emquanto houver uma religião do estado, o estado tem de sustentar essa religião. A religião catholica é a religião do estado em Portugal, é um indeclinavel dever do estado dotar convenientemente o culto e o clero catholico. Quando conquistámos a liberdade tirámos os bens á igreja, ficaram só os passaes e alguns pequenos fóros que não provinham de doação regia. Promettemos dotar com congruas os parochos, sustentar o culto e o clero, mal cumprida esta obrigação. Uma lei da dotação do culto e do clero é uma necessidade e é um dever. Nós hoje dotamos o clero com o rendimento dos passaes, com derramas e pé de altar. O pé de altar é um imposto absurdo, por vezes o tenho dito n'esta camara. O parocho, quando morre algum freguez, em vez de ir consolar a viuva que perdeu o companheiro de seus dias, guia e arrimo, os orphãos, que choram a perda do pae, vae saber a quanto montou a herança para ver que officios ha de fazer, e que dinheiro ha de receber. Isto e repugnante, isto é abominavel. O parocho recebe pelos baptisados, pelos proclamas, pelos casamentos, e estas propinas parecem-se com a simonia, degradam o parocho aos olhos do povo, e o parocho tem um grande sacerdocio a exercer, uma alta missão a cumprir. O pé de altar não póde continuar, as derramas têem muitos inconvenientes, muitas vezes indispõe o parocho com os freguezes, e o parocho deve ser pae espiritual de todos os que vivem na parochia. Os passaes têem todos os inconvenientes de mão morta, são uma pela á prosperidade do paiz, os passaes devem desarmortisar-se. É mister que esta terra, hoje amortisada, passe da mão de quem não tem interesse em melhora-la para a máo de quem possa, de quem queira, de quem saiba aproveita-la, agriculta-la, e augmentar-lhe as forças productivas, para acrescentar a riqueza agricola e a prosperidade da nação. Temos direito de desamortisar o passal, direito inconcusso; temos dever de o fazer, porque temos obrigação de dotar o culto e o clero de uma maneira justa, rasoavel e digna, e o modo por que o dotámos é mau, é deficiente, é anachronico e absurdo. Podemos desamortisar os passaes, porque temos a liberdade juridica de dotar a igreja com elles, ou com uma outra sorte de riqueza, temos obrigação de o fazer em proveito da igreja e do paiz, e assim respondo á questão previa do sr. Barros e Sá. Era logico que junto com um projecto de desamortisação dos passaes viesse o projecto da dotação do culto e do clero, nem seja a desamortisação dos passaes a medida percursora da lei da dotação do culto e do clero, e, assim cumpriremos um dever sagrado, a que não podemos faltar sem nos degradarmos e sem faltarmos ás promessas solemnes que a nação fez. Desamortisem-se os passaes, e dote-se o clero e o culto catholico.

Poderemos desamortisar efe bens das corporações scientificas ou de instrucção? Podemos do mesmo modo e pelas mesmas rasões por que desamortisámos os bens das outras corporações. O estado pelo seu direito de tutela, de inspecção, de patrocinio, póde e deve fazer converter os fundos prediaes d'estas corporações em outras propriedades, resultando d'esta conversão vantagem para o paiz e para esses estabelecimentos, que merecem toda a solicitude, toda a consideração e toda a protecção dos poderes publicos. Podemos desamortisar os baldios e terrenos incultos dos municipios e parochias?

Podemos e devemos. A vantagem do aproveitamento dos baldios é manifesta; a questão está decidida. Na lei de desamortisação civil vinha um artigo que determinava a alienação dos baldios. Essa lei foi posta de parte; aqui não foi posta de lado, foi a força dos argumentos que n'esta casa se apresentaram para mostrar as vantagens de uma tal medida.

O baldio quer dizer o despovoado, o abandono, a charneca inculta onde podiam brotar productivas culturas, quer dizer, a miseria, onde podia haver a abundancia, o proletarismo, onde podiam trabalhar milhares de braços robustos, rasgando a terra; o baldio quer dizer o abandono do mais admiravel instrumento de producção, a terra; o baldio quer dizer a miseria, a esterilidade, a fome e a despovoação. E uma hedionda nodoa na civilisação dos povos. O aproveitamento dos baldios quer dizer augmento de população agricola, quer dizer actividade, incentivo ao trabalho, que é o grande regenerador das nações. A desamortisação do baldio é o augmento da riqueza, é a conversão do proletario em proprietario, é pela formidavel á emigração que desampara os estados, é a abundancia e a prosperidade.

O baldio esterilisa o solo, a sua desamortisação leva a abundancia, a riqueza, a prosperidade aos estados, onde se adoptar tal medida. Entregue-se á propriedade individual o baldio, o terreno inculto, o maninho, o logradouro commum; faça-se com que á indolencia se substitua a actividade, á miseria de algumas povoações succedam as maravilhas do trabalho e da fadiga. Em nome da prosperidade do nosso paiz e dos beneficios que de tal desamortisação hão de porvir ás parochias e municipios; desamortise-se a charneca safara, e deixe-se que o trabalho perseverante do homem torne campo, vinha, olival, vergeis e matas, o que é hoje despovoado medonho, baldio desolador.

As excepções da lei de 22 de julho de 1866 devem desapparecer. Os bens que por essa lei se não desamortisaram, desamortisem-se; é o que proponho, o que sustento, o que votarei. Examinarei agora o projecto pelo lado financeiro.

O projecto, como expediente financeiro, p projecto por o modo como se apresenta, é uma espoliação. É uma espoliação revoltante. Que se pretende fazer por este projecto? Vender por conta do estado os bens, que ainda não estão vendidos, e que estão desamortisados por as leis de 1861 e 1866; vender os passaes e os bens pertencentes ás corporações scientificas, receber o governo o dinheiro para pagar a divida fluctuante, e entregar ás corporações, cujos bens se vendem, inscripções a rasão de 50 por cento. Que quer dizer isto? Quer dizer que o estado, em vez de usar do seu direito de tutela, de inspecção, de patrocinio, sobre as corporações as mais sympathicas, as mais uteis, as mais admiravelmente proveitosas, em vez salvaguardar os seus interesses futuros, de segurar e garantir os presentes, em vez de entregar a essas corporações real a real o producto da venda dos seus bens, e remissão dos seus fóros e direitos dominicaes, e fiscalisar o seu religioso emprego em fundos que dêem segurança e maior rendimento, em vez do estado cumprir este sagrado dever, vae vender a essas corporações os seus bons e fóros, recebe o dinheiro para tentar remediar as suas finanças mal regularisadas, e entrega-lhes um papel, a que dá um valor arbitrario. Isto não póde ser; isto é um roubo, e o roubo elevado a principio financeiro é repugnante, é abominavel aos olhos da justiça e da rasão.

Os bens vendidos dão um capital que, empregado em fundos publicos, em obrigações prediaes, em acções de bancos e companhias, rende mais, e muito mais. E porque é isto? É porque o rendimento da terra progride, o rendimento dos papeis de credito, se não diminue, é estacionario.

Quando em França se tratou da questão de desamortisação dos bens dos estabelecimentos de beneficencia, mr. Charles Lucas, no seu notavel discurso na academia de sciencias moraes e politicas, em 27 de janeiro de 1855, dizia que no collegio instituido por o arcebispo de Tours em 1334 se sustentavam seis escolares então por 3 seus por semana; que em 1540 se gastavam com os mesmos 7 seus, que em 1563 15 seus, e annos depois 20 seus; que apesar d'este augmento progressivo de despeza, o collegio se sustentava, porque os seus fundos eram terras, e o rendimento d'estas augmentava ao passo que a vida se tornava mais cara.

«Ao contrario, dizia o illustre escriptor, o collegio de Lirieux, fundado em 1336, perdeu toda a sua importancia, porque o seu fundo era dinheiro, e não póde sustentar-se. O collegio de Chagnac, fundado em 1324, sustentava no seculo XVI metade dos escolares que era obrigado por a sua instituição.»

Sustentou o mesmo escriptor, que a moeda no seculo XVI se depreciou 75 por cento em setenta e cinco annos; que por isso Neker garantia 1/10 do capital e juros ás corporações na renda do estado, porque não queria que ellas perdessem com a depreciação da moeda e augmento do valor e rendimento das terras.

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Mr. Henry de Riancey, antigo deputado e auctoridade respeitavel n'estas materias, dizia por essa occasião, que as propriedades pertencentes ao hospicio da caridade, e reunidas depois ao hospicio de París, rendiam no seculo XVIII 4:281 francos, e em 1855 rendiam 23:000 francos; que as propriedades que em 1261 Godofredo e sua mulher deram ao Hotel Dieu de París, no seculo XVIII quasi nada rendiam, e que valiam em 1840 3.000:000 francos.

Mr. Davenase, director geral da administração de assistencia publica, no seu relatorio administrativo para o exercicio de 1855, depois de apresentar dados estatisticos muito curiosos, e varias considerações sobre a desamortisação dos bens dos estabelecimentos de beneficencia, diz que em 1845 as rendas dos hospicios de París, provenientes de propriedades em París, eram 432:003 francos, e que 10 annos depois essas rendas subiram a 482:357 francos; que nos bens ruraes a renda subiu 400 por cento de 1730 a 1830, que de 1819 a 1849 a renda em bens ruraes subira 250 por cento, que de 1849 a 1855 subira 31 por cento, que a propriedade chamada S. Gobert rendia no seculo XVII 3:600 francos e 2 meios de trigo, e que em 1855 rendia 18:540 francos, e por isto propunha que da renda dos papeis de credito em que se convertesse o producto da venda dos bens se reservasse 1/10 todos os annos para fundo de reserva dos estabelecimentos de caridade.

Mr. Ploix, administrador do hospicio de Versailles, sustentou que em todo o emprego de capitaes proveniente da venda de bens dos estabelecimentos de caridade se reservasse uma porção da renda, fixada por a administração; que com esta renda se formasse um fundo de reserva, e que todos os annos se empregasse convenientemente; sustentou mais, que os estabelecimentos de beneficencia podessem fazer o emprego dos seus capitaes e do producto da venda dos seus bens não só na renda do estado, mas em titulos de obrigações municipaes, e de companhias designadas por o estado. «É por este modo, diz o respeitavel mr. Ploix, que as rendas dos estabelecimentos de beneficencia não enfraquecerão por o correr dos tempos, augmentarão sempre, e a actual geração poderá gloriar-se de salvaguardar o interesse das gerações futuras.»

Eis aqui como se pronunciava este homem tão notavel e tão entendido n'estas materias.

(Áparte que não se ouviu.)

É uma pieguice economica isto? E qual será a rasão por que, quando se põe uma propriedade em praça, o capitalista contenta-se com um rendimento de 3 ou 4 por cento, isto é, dá um capital pela propriedade, cujo rendimento está com esse capital na proporção de 3 por cento, e quando o mesmo capitalista vae comprar fundos publicos, não quer dar senão 40$000 por uma renda de 3$000 réis, isto é, não se contenta com menos de 7 por cento de juro? A rasão d'isto é a tal pieguice economica. A pieguice economica é o bom juizo dos capitaes, e o bom juizo dos capitaes vê perfeitamente que o rendimento da terra em geral progride sempre, emquanto que o rendimento dos fundos publicos, se não diminue, e está pelo menos estacionario.

Pieguice economica era tambem aquelle estabelecimento do fundo de reserva, que em França se pretendia estabelecer, fundo de reserva que eu desejaria que tambem cá se estabelecesse e que nos havia salvaguardar dos inconvenientes de uma depreciação dos fundos publicos, que se póde I dar no futuro?

(Áparte que não se ouviu.)

Ha de have-la, diz o nobre deputado. Talvez. Deus queira que não: Se nós quizermos restaurar as finanças com projectos d'esta ordem; se, para votarmos as nossas finanças, formos lançar mão de parte da propriedade das corporações de máo morta, é possivel que isso se dê, porque uma nação, que eleva o roubo a principio financeiro, é uma nação que se degrada, e unia nação que se degrada, morre. Mas suppondo mesmo que o estado não vae lançar mão da parte da propriedade dos estabelecimentos, que os não rouba, eu entendo que este projecto vae tirar ás corporações os meios de estabelecerem aquella caixa ou fundo de reserva, que os podia salvaguardar dos prejuizos resultantes do valor progressivo da terra, e estacionamento da renda publica. E porque? Porque este projecto faz perder ás corporações 25 por cento do seu rendimento.

Uma voz: — Peço perdão, mas não faz perder similhante cousa.

O Orador: — Ora supponhamos que se vende uma propriedade por 1:000$000 réis, pertencendo essa propriedade a uma d'estas corporações; as inscripções estão a 40 por cento, portanto, póde-se comprar com esse dinheiro réis 2:500$000 réis nominaes, o que rende 75$000 réis por anno; mas por este projecto, as corporações são obrigadas a receber do governo só 2:000$000 réis nominaes, e portanto perdem ou não 15$000 réis de rendimento? Pois ha de ir só ás misericordias, irmandades e hospitaes, cujos bens ainda não estão vendidos, mas desamortisados, pela lei de 22 de julho de 1866, e ha de dizer-se: «Em nome da necessidade de acabar com a divida fluctuante, eu estado quero-vos vender esses bens por minha conta; não vos quero entregar o producto d'esses bens, mas sim um papel com um valor nominal que eu lhe quero dar; esse papel está a 40 por cento, mas hei de dar-vo-lo a 50 por cento, e isto porque o meu estado financeiro não é bom?»

Ámanhã se eu fizer tres parvoíces, se eu tiver uma infelicidade qualquer, se as minhas finanças se desorganisarem, e se me chegar ao pé do primeiro homem rico, e lhe disser — para cá dinheiro, porque quero satisfazer as minhas dividas (riso), como se chamaria isto?

Não se riam os nobres deputados; o negocio é serio. Se o estado tem direito de obrigar a vender ás corporações de mão morta os seus bens, e a não lhes entregar real a real o producto da venda d'esses bens, mas lhes entrega só um papel com um valor nominal superior ao valor do mercado, se ha direito a esta espoliação, ámanhã haverá direito de chegar o tutor junto do seu pupillo, e dizer-lhe — quero vender os teus bens, as tuas propriedades, e não te quero entregar o producto da venda, mas um papel com um valor que eu lhe quero dar, com um valor arbitrario, superior ao valor do mercado. Aonde nos póde levar esta cerebrina opinião? Que nome darão os nobres deputados a isto? O de roubo. Eu chamar-lhe-hei espoliação, para lhe não chamar roubo.

Mas diz-se — as corporações ficam muito bem, dando-se-lhes titulos de divida publica a 50 por cento.

No relatorio das commissões reunidas diz-se que, valendo a propriedade tanto, o seu rendimento será só de 3 ou 4 por cento, e recebendo as corporações titulos a 50 por cento, ficarão auferindo uma renda de 6 por cento do seu capital, quando até agora só recebiam 3 ou 4 por cento; devem pois as corporações ficar ainda muito agradecidas ao estado. Não nos illudâmos com está argumentação. As corporações não ficam bem, nem têem que agradecer; as corporações ficam espoliadas em tanto quanto for a differença entre o valor real dos titulos de divida publica no mercado e o valor arbitrario que o governo lhes quer dar. Esta é que é a verdade. É um roubo de 25 por cento na renda.

(Áparte que não se ouviu.)

São 25 por cento do rendimento. Pois entre 75 e 60 não ha differença de 15? E 15 não é a quarta parte de 60?

Eu com 1:000$000 réis compro 2:500$000 réis, estando as inscripções a 40; e estando ellas a 50 compro só réis 2:000$000. Comprando 2:500$000 réis, tenho de rendimento 75$000 réis; e comprando 2:000$000 réis, tenho de rendimento 60$000 réis. Isto é que não póde ser duvidoso; isto é que é exacto.

Pois o estado, para organisar as suas finanças, ha de fazer uma espoliação d'esta ordem?!... E a quem!... As misericordias e aos hospitaes!!

Pois quando ha o fervor da caridade, quando se estão deixando legados grandes e importantes aos estabelecimentos de piedade, vae ferir-se o direito de propriedade destes estabelecimentos que têem por fim cumprir as obras de misericordia, a caridade nas suas diversas formas, e fazer com que os bemfeitores não continuem a enriquecer estas admiraveis instituições, tão nossas, tão portuguezas?

E vae ferir-se o direito de propriedade a estabelecimentos d'esta ordem n'um paiz que se chama Portugal!... Estavamos reservados para, em 1868, vermos aqui a espoliação elevada a um principio financeiro! Estavamos reservados para, em 1868, vermos a espoliação considerada, por um ministro da fazenda em Portugal, como pedra angular do seu edificio financeiro!...

Custa-me isto, porque tenho amor aos brios da minha terra e á dignidade d'esta nação. Custa-me porque sou portuguez, e não desejava que n'um parlamento de Portugal houvesse um ministro que apresentasse um projecto d'esta ordem, o roubo arvorado em systema financeiro.

Como expediente financeiro voto contra o projecto com toda a força da minha convicção; daria contra elle trinta votos se podesse dispor d'elles. Como medida economica, como ampliação da desarmortisação já votada, votaria a favor d'elle; mas votar o projecto como elle está, atacando o direito de propriedade d'estas corporações para tentar salvar as finanças, isso é que não posso fazer, porque, como ainda ha pouco disse n'um áparte o meu nobre amigo que está ao meu lado, a espoliação, como principio financeiro, é uma cousa que degrada, e eu nunca poderia votar no parlamento portuguez uma medida que degradasse este paiz.

Estou cansadíssimo, e por isso não acrescentarei muitas outras considerações que podia apresentar, mas não posso deixar de tocar ainda alguns pontos, como é, por exemplo, que este projecto vae diminuir ainda mais o preço arrastado a que estão já as nossas inscripções.

E preciso dizer isto (áparte que não se ouviu), e eu o vou provar, porque ha um áparte que me obriga a dizer ainda duas palavras a este respeito.

Quando porventura este projecto não fosse senão a ampliação da lei de 1868, o dinheiro proveniente da remissão dos fóros e da venda dos bens havia de ser empregado em inscripções compradas no mercado, e por consequencia as inscripções haviam de subir, porque o pedido d'estes titulos augmentava; mas assim não se compram as inscripções no mercado. Agora ha uma fabrica de inscripções na junta do credito publico, o pedido estará estacionario e por consequencia o preço dellas no mercado não subirá. Esta é que é a verdade.

E depois o que quer dizer este projecto?

Em 1866 calculavam-se todos_ os bens pela desamortisação em 12.000:000$000 réis. E quer V. ex.ª saber o que eram os 12.000:000$000 réis? Eu vou ler o periodo daquelle relatorio:

«Orçando os valores pertencentes a estes estabelecimentos pela quantia de 12.000:000$000 réis, e senão a importancia da propriedade immovel apenas a quarta parte d'aquella somma approximadamente, já se vê, etc...»

Temos pois para vender 3.000:000$000 réis. O resto são fundos mutuados.

Os passaes rendem hoje 111:000$000 réis; supponhamos que têem uma avaliação muito baixa de renda, que estão avaliados em metade, e que rendem o dobro; supponhamos que davam na praça vinte vezes o seu rendimento, que é o preço regular da terra ao norte do paiz, porque é ao norte do paiz que ha mais passaes, porque foi onde os benedictinos estabeleceram ou edificaram maior numero de igrejas; supponhamos que rendem 250:000$000 réis e que dão por elles na praça 5.000:000$000 réis com 3.000:000$000 réis de bens por desamortisar, temos réis 8.000:000$000. Que vem pois o governo a lucrar com o roubo que pretende fazer? 1.600:000$000 réis! É roubo de ratoneiro. Eis-aqui o valor d'este projecto, é uma espoliaçãosita de 1.600:000$000 réis, que é quanto póde dar, mais nada.

Mando esta proposta para a mesa. Eu taxo-a como emenda, não sei se v. ex.ª concordará com isto; mas emenda ou substituição, aqui está consignado o meu voto. A camara póde votar como quizer, póde approvar ou rejeitar o projecto; eu é que não approvo senão isto que apresento, isto é, a ampliação das disposições da lei de 22 de junho de 1866, a ampliação da desamortisação, mas como medida economica simplesmente, e respeitando o direito de propriedade, facilitando a estas corporações a administração dos seus bens, salvaguardando seus interesses futuros; porque, e diga-se de passagem, a facilidade de administração foi uns dos fins da desamortisação; os bens das freiras rendiam 208:400$000 réis, e a sua administração custava réis 46:000$000, os inventarios provaram que alguns conventos eram ricos, e as freiras pediam esmola, e o governo, sabendo isto, e em virtude do seu direito de inspecção, obrigou estas corporações a converter estas propriedades em inscripções, mas respeitou-lhe o seu direito de propriedade, e essas corporações auferem hoje o dobro do que lhes rendiam os bens.

Aceito a desamortisação e quero-a, não como em beneficio das arruinadas finanças do estado, mas em beneficio do paiz e d'essas corporações, cujos bens se desamortisam.

Vendam-se os bens que hoje possuem as corporações) converta-se o producto da venda em fundos publicos, em obrigações prediaes, em acções de companhias, á escolha d'essas corporações, precedendo as formalidades legaes, e auctorisação do governo, desamortise-se o baldio, tudo o que estiver amortisado, entregue-se real a real o producto da venda ás corporações a que esses bens pertenciam, seja empregado esse capital em fundos publicos ou outros titulos, mas pelo preço do mercado, e fique esta liberdade a cada uma das corporações, precedendo as formalidades legaes e a auctorisação do estado. Eis-aqui o que eu quero.

Quanto ao mais, o projecto como está é um desgraçado expediente financeiro; não póde ser approvado por mim, porque entendo que é uma espoliação, e eu nunca poderia votar de modo nenhum uma espoliação como expediente financeiro (apoiados).

Tenho dito. Mando para a mesa a minha proposta.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos dos seus collegas.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho como emenda ao projecto n.° 13 o seguinte:

Artigo 1.° As disposições da lei de 22 de junho de 1866 são extensivas ao passaes dos parochos, aos direitos dominicaes e propriedades dos estabelecimentos scientificos, que não forem necessarios para poderem cumprir a sua missão, aos maninhos, terrenos baldios e logradouros communs dos municipios e parochias.

§ unico. Exceptuam-se os maninhos e terrenos baldios e logradouros communs no litoral até 6 kilometros da costa, e nas encostas, limites dos rios seus fluentes, e os terrenos que o governo, depois de havidas as necessarias informações das competentes auctoridades, julgar indispensaveis para mercados e feiras, jardins, passeios, viveiros de arvores, goso e serviço do publico.

Art. 2.º Os maninhos e terrenos baldios e logradouros communs no litoral e nas encostas, serão arborisados á custa dos respectivos municipios e parochias debaixo da direcção do estado.

Art. 3.° Todos os outros baldios maninhos e logradouros communs serão aforados, em hasta publica, aos respectivos municipios e parochianos em porções, nunca menores que um hectar.

Art. 4.° Os maninhos, baldios e logradouros communs, que não poderem ser aforados aos respectivos municipios e parochianos, serão vendidos em praça, e quando não possam ser vendidos serão arborisados convenientemente á custa dos respectivos municipios e parochias debaixo da direcção do estado.

Art. 5.° Em todos os emprazamentos haverá a faculdade de remissão dentro de 5 annos, findos os quaes, serão vendidos os fóros em praça.

Art. 6.° As camaras, parochias, pessoas moraes, corporações e estabelecimentos, cujos bens se desamortisam e se vendem, devem logo empregar o producto da venda dos seus bens, e remissão de seus fóros em inscripções, obrigações prediaes, acções de bancos e companhias por o preço do mercado, precedendo as formalidades legaes e auctorisação do governo.

Art. 7.° Metade do excesso da renda, que as corporações tiverem proveniente do emprego do producto da venda de seus bens e remissão dos seus fóros, será applicada por essas corporações a um fundo de reserva, que será todos os annos empregado para fórma prescripta no artigo antecedente.

Art. 8.° Fica d'este modo ampliada a lei de 22 de junho de 1866, e revogada a legislação em contrario. = J. Gavicho, deputado por Lamego.

O sr. Rodrigues de Carvalho (sobre a ordem): — Por parte da commissão de fazenda peço licença para mandar para a mesa tres pareceres, a fim de serem remettidos á commissão de guerra para ser ouvida na parte que lhe diz respeito.

O sr. Ferreira de Mello: — Mando para a mesa a seguinte moção de ordem (leu).

Sr. presidente, sendo o projecto, que actualmente se discute, uma medida governamental, daquellas que os habitos d'esta casa costumam classificar de completamente ministe

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riaes; e tendo eu de fallar contra esta medida, tenho rigorosa necessidade de por esta occasião definir, em breves palavras e muito rapidamente, a minha posição politica n'esta casa, e de explicar á assembléa qual a rasão por que eu não posso deixar de combater uma medida d'esta natureza, e por que tenho de preferir aos dictames do meu coração, aos meus sentimentos mais intimos de amisade para com o ministro, auctor d'esta proposta, um dever que eu reputo sagrado, e que me leva a fazer calar esses sentimentos do meu coração para entrar na discussão d'esta lei friamente, apreciando-a apenas segundo os dictames de uma rasão mais ou menos esclarecida, mas em todo o caso sincera.

Eu tenho visto por varias vezes que alguns membros d'esta casa têem entendido dever explicar á assembléa a posição politica que adoptam, costume que me parece louvavel, porque desde que se entra na carreira publica é bom definir as posições, e é bom que as posições não sejam equivocas (apoiados). Tenho visto uns dos meus illustres collegas declararem que tomaram mais ou menos parte na manifestação do paiz que teve logar em janeiro, outros que lhe imprimiram movimento, outros que vieram d'esse movimento, e alguns que eram historicos antes da fusão, outros fusionistas, outros anti-fusionistas, etc.. etc.. muitos nomes que eu mesmo não pude fixar na memoria.

Eu sou o primeiro a respeitar, a admirar mesmo a genealogia illustre, a procedencia distincta e nobre de qualquer, e de todos os membros d'esta casa que a allegaram aqui a seu favor; mas no meio do respeito e no meio da admiração que estas genealogias e que estas procedencias me causam, eu sinto-me tambem um pouco disposto a admirar (permitta-se-me a expressão), a grandeza da minha alma que, sensivel a esse respeito e a essa admiração, tem todavia a força sufficiente para não invejar essas procedencias illustres e essas genealogias muito distinctas, resignando-se com a sua obscuridade.

Não posso allegar a meu favor nenhuma d'estas procedencias, tenho pelo contrario de fazer uma confissão simples e clara á camara. Nunca pertenci a partido algum. Vim para esta casa do meu escriptorio de advogado, aonde me conservava completamente estranho e quasi indifferente a todos os movimentos e a todas as scenas politicas do paiz. Tenho mesmo a franqueza precisa para declarar a v. ex.ª e á camara que até ao momento da minha eleição fui sempre mais egoísta do que patriota. Cuidava de mim, e precisava para isso de todo o tempo. Deixava a intelligencias superiores á minha, a illustrações e a homens praticos com quem eu não posso ter a louca vaidade de medir-me, completamente o cuidado das cousas publicas e de dirigir a administração do paiz, que por força, mais tarde ou mais cedo, eu esperava que haviam de levar a bom caminho.

Esta minha declaração não envolve uma confissão de que me fosse inteiramente indifferente a sorte da paiz. Não é preciso ser patriota, basta ser cidadão para desejar a felicidade da patria, para desejar a boa administração e todas estas vantagens de que deve gosar uma sociedade civilisada (apoiados). Porém o que isto significa é que reconhecia não ter ainda chegado para mim a hora de pôr a mão e de tomar parte de alguma fórma nas cousas publicas; e por consequencia esperava, tratando apenas dos negocios da minha casa e dos meus negocios particulares, que um acaso ou vicissitude futura me chamasse tambem para esta scena publica em que appareci pela primeira vez n'este parlamento.

Antes das eleições tiveram logar os acontecimentos de janeiro. Deixo aos illustres deputados, conforme a opinião que formam d'elles, a classificação que já lhes têem dado, e que uns exaltam até ás nuvens, e que outros deprimem até á rua, até á lama. Deixo livre essa classificação. Para mim os acontecimentos de janeiro, em que eu não tomei parte absolutamente alguma, para que não concorri de fórma alguma, a que não estava ligado por vinculo de natureza alguma, os acontecimentos de janeiro para mim são apenas uma manifestação do paiz, não os chamo outra cousa, e não lhes dou mais importancia do que aquella que elles podiam ter debaixo d'este ponto de vista. Ignoro o fim do movimento de janeiro, esse só podem com exactidão sabe-lo os que entraram n'elle. Não sei do movimento de janeiro senão aquillo que se publicava no paiz, e que se declarava ser o desejo, o intuito e o fim d'aquella manifestação, eram economias na administração, reducções nas despezas, sem prejuizo do serviço, a attenuação até á extincção do deficit, e todas as garantias de que uma vez attenuado ou extincto o deficit, o paiz tivesse a certeza de que não tornaria a apparecer, porque ao governo se fariam as restricções e as cautelas precisas para que a despeza publica nunca podesse exceder a receita que para isso tivesse sido votada, salvos os acontecimentos extraordinarios que auctorisam o excesso da despeza sobre a receita, como são os casos especialissimos de guerra, de peste, de fome, de inundações ou casos de igual natureza. Estes fins da manifestação aceitei-os eu, não me compromettendo com o movimento, nem com a manifestação, porque não tomei compromisso algum; mas aceitei-os, porque julgo que são estes os principios fundamentaes da boa administração e bom governo.

Ora, entrando n'esta casa sem ligações com o movimento de janeiro, sem ligações com partido nem com parcialidade de partido absolutamente nenhuma, sem precedentes politicos de nenhuma especie, porque eu nem pela imprensa guerreei ou auxiliei nenhum partido, entendi que devia vir para aqui absolutamente livre para apreciar isoladamente cada caso e cada questão, e para votar sobre esses casos e sobre essas questões com perfeita, com plena liberdade, sem que o meu voto me compromettesse nem para um nem para outro lado (apoiados). Eu digo a v. ex.ª a rasão por que faço isto.

Sei perfeitamente que em politica ninguem se póde collocar na posição isolada em que me colloquei, porque um homem isolado não faz nada, não póde influir em ninguem, não póde ser soldado em campo nenhum, e por consequencia fica completamente inutil n'estas lutas politicas (apoiados). Mas, sr. presidente, esta regra tem excepção e essa excepção encontra-se exactamente nas circumstancias extraordinarias do nosso paiz.

Não é possivel a nenhum homem publico, a nenhum homem que entra na carreira politica, conservar-se isolado, quando ha partidos organisados, partidos separados com idéas e principios diversos, distinctos e previamente estabelecidos; então o homem que entra na vida publica não entra para se conservar isolado (porque quem quer ficar isolado não vem para ella); então alista-se n'um ou n'outro partido, e confia como soldado leal desde a primeira até á ultima nas condições do credo politico do partido a que pertence (apoiados).

Eu, sr. presidente, sem ter a vaidade (que nunca imaginei) de poder formar partido, tenho todavia o proposito firme de concorrer com todas as minhas forças para que se organisem os partidos; e uma vez organisados escolherei aquelle a que pertenço, e mostrarei então que ninguem com mais coragem, ninguem com mais assiduidade e constancia vota desde as primeiras até ás ultimas todas as medidas do partido a que pertencer.

No systema representativo ha só dois partidos possiveis: o conservador e o progressista; tudo o mais é excrescencia anomala e prejudicial, impossivel de conciliar com a continuação do verdadeiro systema representativo (apoiados). Todavia entre nós os dois partidos não existem, ou, pelo menos, não figuram actualmente distinctos, separados e oppostos, como cumpre que estejam, nas lides politicas. Por emquanto o que se encontra é a divisão e subdivisão do partido progressista em tantas fracções, que a memoria mais feliz difficilmente alcança reter os appellidos distinctivos que muitas vezes são já os nomes proprios dos homens respeitaveis que presidem a uma ou outra situação. N'estas circumstancias, quem não entra em politica para trocar o seu nome, embora obscuro, pelo nome de outro homem, embora respeitavel e brilhante, encontra-se em serias difficuldades; e eu não vim ao parlamento para trocar o meu nome por outro nome, para ser homem de nenhum homem, echo de outra voz, sombra de outro corpo (apoiados).

Actualmente o partido conservador, disperso, ou, pelo menos, dividido em grupos, reune-se e confunde-se constantemente nas varias situações que se succedem rapidamente, ás quaes não consegue imprimir caracter puramente conservador, mas onde influe, e ás vezes prepondera na resolução de medidas isoladas e parciaes.

Este estado, sr. presidente, é anormal, e não póde durar muito. Os partidos hão de separar-se, e eu não espero por essa occasião para me pronunciar. Pronuncio-me desde já. Ao effectuar-se a separação serei sempre progressista (apoiados). Todavia, emquanto se não distinguem, emquanto as diversas fracções do mesmo partido progressista estão todas confundidas em questões e em principios diversos, tenho de reservar para mim a liberdade plena de apreciar isoladamente cada medida que vier á discussão, votando sobre ella segundo a minha pequena intelligencia, mas sempre segundo a idéa que eu tiver do partido a que desejo pertencer no futuro e conforme as circumstancias especiaes do paiz.

No projecto em discussão voto a generalidade e rejeito a especialidade. Voto a generalidade do projecto, porque voto o principio da desamortisação; porém o principio da desamortisação, como eu o voto, precisa ser definido, porque não é o mesmo principio que se encontra n'esta proposta, nem o que se encontra tambem nas propostas que já foram approvadas, e que hoje são lei do paiz.

O principio da desamortisação, que eu voto, é o direito pleno, absoluto que a nação ou o governo tem de desamortisar todos os bens immoveis que não pertençam aos particulares, ou a associações individuaes com os mesmos direitos que têem os individuos. Mas pela palavra desamortisação entendo eu apenas o direito de obrigar a vender, e de obrigar a vender em certo e determinado praso; mas obrigar a vender um certo e determinado praso sem que todavia o estado, a nação deixe de respeitar a propriedade que as corporações têem sobre o producto da venda d'esses bens deixando-o livremente empregar pelas corporações a quem se fez a desamortisação, ou a quem se obrigou a vender a propriedade: salva já se vê a fiscalisação, e salvos os meios que o governo póde e deve adoptar para que esses capitaes, producto da venda dos bens desamortisados, não sejam distrahidos, e sejam applicados ao fim a que previamente eram destinados.

Eu não me canso em fazer uma demonstração longa e muito menos scientifica do direito de desamortisação que tem a nação, ou que tem o governo. Nunca fui muito forte em dissertações academicas. E creio tambem que, n'uma questão tão simples e clara como esta é, não se torna necessario recorrer á historia, procurando ahi exemplos e argumentos nas leis antigas, umas das quaes já estão revogadas e outras esquecidas, para provar que em tal e tal epocha se procedeu d'este ou d'aquelle modo.

A questão da desamortisação é de tal ordem que reputo hoje perigosa a discussão não só para os que a defendem como para aquelles que a combatem. O direito de desamortisação pela fórma que eu o entendo, que é o direito de obrigar as corporações a vender juntamente com a liberdade de administração e do emprego dos capitaes, constitue um axioma por tal fórma claro e intuitivo, que se é grande risco impugna-lo, tambem é algum risco defende-lo; porque esse axioma não precisa de defeza. E dá má idéa de si quem se cansa a demonstrar que dois e mais dois são quatro segundo os rudimentos arithmeticos das addições de unidades. Ha cousas que se veem, não se demonstram.

Com effeito é axiomático, que cada geração que se succede sobre a terra tem os mesmos direitos e as mesmas obrigações que tinha a geração que ella veiu substituir. E então é necessario que nós nos convençamos por uma vez que nenhuma das gerações passadas, que nenhuma das gerações anteriores tinha direito de dispor por tal fórma do mundo e da terra em que viveu que as gerações futuras, se quizerem exercer os mesmos direitos e as mesmas obrigações, encontrem a terra a tal ponto presa por disposições velhas, antigas e de tempos muito remotos, que as impossibilitam de cumprir os seus deveres e exercer os direitos que são originaes e inherentes á natureza humana. É por isso que para mim n'este ponto não têem importancia alguma as lições da historia, nem os argumentos das leis antigas para saber que desde que uma nação possue a sua autonomia, tem plena liberdade, sem licença de ninguem, de legislar sobre todas as partes do territorio que compõem essa nação.

Não é porque Abraham levou ou mandou seu filho Isaac ao sacrificio, que se me ha de argumentar para que eu sacrifique tambem o meu. Não é porque uma geração anterior quiz dar ou quiz presentear alguem com parte das terras da sua nação, que nós, geração nova, havemos de respeitar essa lei e essa especie de inamovibilidade perpetua determinada por uma geração que já não existe.

Por consequencia para mim é fóra de duvida, é axioma que dispensa toda a defeza, o direito pleno, absoluto que uma nação tem de desamortisar ou de obrigar a vender todas as terras e todas as propriedades immoveis pertencentes a corporações que não têem direito de propriedade, a fim de que entrem no commercio e uso commum, e fiquem sujeitos plena e absolutamente ás leis que regem a propriedade n'esse paiz.

O argumento que ordinariamente se apresenta da parte daquelles que defendem o direito de desamortisação, é dizer que aquelles que não querem a desamortisação, reconhecem o direito de propriedade nos possuidores.

A não ser nas associações individuaes, eu não reconheço em corporação alguma o direito de propriedade, nem direito perfeito, nem direito imperfeito.

E aqui é occasião de eu combater algumas das proposições avançadas pelo meu illustre amigo e distincto ornamento d'esta casa, o sr. Barros e Sá, que no discurso que aqui apresentou e que terminou por uma questão previa, teve a habilidade de defender por tal fórma principios que eu reputo erroneos, que a não ser a maxima illustração d'esta assembléa, estou convencido de que aquelle discurso produziria impressão profunda em todos nós. Para mim é ponto indubitavel que não só n'uma assembléa menos illustrada, mas ainda em grande parte das povoações do nosso paiz, o discurso de s. ex.ª ha de ser considerado como modelo de justiça, como modelo de verdade, como modelo de perfeito conhecimento da legislação do paiz e do dever que temos de respeitar a propriedade.

O illustre deputado distinguiu o direito de propriedade perfeito e o imperfeito, confundindo esse direito com a simples administração ou detenção que até hoje têem tido as differentes corporações do paiz sobre as terras que possuem, assim como confundiu as associações individuaes com outras corporações, e confundiu ingenuamente, porque não posso suppor que foi de proposito, e quero antes deixar de respeitar a infallibilidade do illustre deputado, do que fazer qualquer insinuação ás suas intenções. A confusão pois que s. ex.ª ingenuamente fez das corporações individuaes com as corporações permanentes, e das corporações que têem direito de acquisição, de dominio, de propriedade sobre os bens que adquirem com as corporações que são apenas simples administradoras dos bens que possuem; não é argumento, porque o principio não é verdadeiro. Não é logica, é sophisma confundir no principio questões diversas para applicar a ambas o que só a uma pertence, e foi apenas este expediente sagaz, que causou no discurso do illustre deputado uma especie de argumentação firme, ligada e presa entre as suas diversas partes, que deve produzir muito effeito lá fóra, e que o produziria aqui tambem se as pessoas illustradas que escutaram o illustre deputado não soubessem distinguir umas cousas das outras, e um sophisma de um argumento. Porém eu não só não admitto direito de propriedade, perfeito nem imperfeito, nas corporações a que se tem dirigido até hoje a desamortisação; mas mostrarei tambem ao meu illustre collega, o sr. Barros e Sá, que o direito de propriedade, ainda que o tivessem, não era por fórma nenhuma offendido pela desamortisação, como tem sido feita anteriormente, como eu entendo que o deve ser hoje, e como eu a proponho.

Em nenhuma das definições das varias ramificações em que se divide o dominio, em nenhum de todos os desmembramentos de propriedade podemos encontrar definição precisa e exacta para o acto, pelo qual as diversas corporações de mão morta retêem em si as propriedades e as desfructam.

E a rasão é muito simples, é porque essas corporações não têem nem tiveram nunca direito de propriedade perfeito ou imperfeito, exercem um facto que é a negação mais positiva do direito de propriedade.

Direito de propriedade sem a liberdade de gosar da propriedade, de dispor d'ella e de a transmittir, não é direito de propriedade, é uma excepção ao direito de propriedade, é a negação d'elle, é uma cousa inadmissivel e prejudicial no meio de uma nação; é um mal que affecta todas as leis economicas e sociaes, e que pouco a pouco vae definhando as forças vitaes de um paiz até o fazer caír em completa inanidade (apoiados).

Por consequencia o direito que têem não é direito de propriedade.

E não se canse o illustre deputado a procurar nas leis do

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paiz ou nos mais abalisados praxistas uma definição exacta para mostrar o que é que essas corporações exercem em relação á propriedade que têem na mão.

E um defeito ou excepção do nosso direito civil, do direito positivo, é a negação d'esse direito, e um abuso, para evitar, o qual não ha senão desamortisar, obrigar a vender, para que essas terras venham a ter todos os progressos da cultura, do aperfeiçoamento social para que ellas tenham as consequencias da livre disposição, e todas as outras condições que têem os demais predios, e que são uma fonte efe receita permanente para o governo, e a condição indispensavel de melhoramento d'esses predios.

Muitas vezes o predio que está inculto ou mal cultivado nas mãos de um individuo, passando para a mão de outro, é melhorado, aperfeiçoado, e vae augmentar a riqueza publica.

Assim, defendendo eu o principio da desamortisação, e negando o direito de propriedade a todas as corporações a que este projecto e os anteriores se dirigem, tenho a declarar que entre o direito de desamortisação, como eu o entendo e proponho, e o que tem sido apresentado e seguido, obrigando as corporações a vender e a receber em troca, por um ou outro preço, uns certos papeis que ellas não podem querer, entre estes dois direitos ha um abysmo.

Eu quero o primeiro e não quero o segundo. Combato este e voto contra elle com todas as minhas forças e com a mais plena convicção.

Não sei se esta minha declaração no animo de alguns dos meus collegas, envolverá contradicção com os meus principios politicos, declarando que pertencerei sempre ao partido progressista e liberal, porque tenho ouvido dizer que a desamortisação como tem sido applicada, é dogma do partido liberal. Era melhor que o partido liberal em logar de se attribuir como dogma este principio de desamortisar por esta fórma, fallasse com mais franqueza e declarasse mesmo abertamente, que o principio da desamortisação, como tem sido applicado e vem proposto n'este projecto, em vez de ser maxima ou preceito do codigo do partido liberal, era preceito ou maxima do codigo do partido financeiro, e que tivesse a coragem de dizer que um tal principio se não podia defender nem com o direito, nem com a moral, e que só se podia invocar pela rasão do salus populi suprema lex. Era melhor reconhecer que depois de muitos desperdicios e má administração, depois de grandes faltas e de grandes peccados, como tem acontecido em todas as nações que têem passado do regimem absoluto para o liberal, não veem outra solução senão trocar por titulos da divida publica os bens que se desamortisam. Isto era mais leal, e deixava muito mais á vontade aquelles que se declaram progressistas e liberaes, e que se não querem declarar financeiros por esta fórma.

Portanto, fixo as minhas idéas por esta fórma. Voto a generalidade do projecto, como o direito que o estado e a nação têem de obrigar a desamortisar, sobretudo os bens que não são possuidos por particulares, ou por associações que não têem os mesmos direitos que têem os individuos; mas não, voto por fórma alguma que o governo se aproveite do producto d'estes bens, para os trocar por papeis, sejam de que natureza for. Quero deixar aos desamortisados a escolha de titulos ou valores por que hão de trocar as propriedades, que se obrigam a vender.

A moção de ordem que mandei para a mesa estabelece a exclusão dos passaes da lei da desamortisação. E a exclusão dos passaes não a quero porque julgue que o governo ou a nação não póde fazer desamortisar esses bens, por isso que reconheço tanto direito na nação para obrigar a vender estes bens, como quaesquer outros das corporações que não têem a propriedade d'elles; mas a unica rasão por que quero a exclusão, é porque tendo ás circumstancias politicas do paiz; e digo politicas, porque a politica é a sciencia de governar bem e de fazer a felicidade de uma nação: é uma sciencia mais pratica do que theorica, e é necessario que se attenda bem ás condições dos povos a que se querem applicar as leis, antes de lh'as applicar, porque leis boas e incontestaveis na theoria, podem produzir pessimos effeitos na pratica, quando applicadas a um paiz que não está ainda preparado para as receber.

Esta lição deu-a ainda o paiz ha bem pouco tempo, conspirando-se abertamente contra leis que tinham muitas cousas boas, muitas cousas que constituem uma necessidade impreterivel de execução n'este paiz, e conspirando-se contra estas cousas boas por causa de outras más, mas guerreando tudo, porque não comprehendia ainda o que era bom, o que devia ser aproveitado, e o que devia ser excluido daquellas leis, que elle combatia em globo, sem respeitar o que ellas tinham de bom.

Fallemos francamente. Em geral, no nosso povo, não ha ainda a instrucção necessaria para que elle comprehenda perfeitamente que a desamortisação dos passaes não tem nada com as leis da igreja, nem offende em nada os interesses da religião; e emquanto a nação não estiver sufficientemente esclarecida para comprehender esta condição primeira, para comprehender que esta lei não offende o que a nação mais preza, que é a sua religião, emquanto não está preparada para isto, não se lhe póde impor á força uma lei que vae alterar os seus habitos, costumes, e até prejuizos, mas que em todo o caso provoca uma resistencia, uma reluctancia muito difficil de vencer, e muito prejudicial ao paiz.

Mas ha ainda outro lado para considerar a questão. E n'esta parte eu declaro previamente á camara que não desejo nem pretendo que os illustres deputados, membros d'esta casa, participem das minhas idéas; quero apenas declarar quaes ellas são, e reservar para mim o direito de pensar, assim como o reconheço e respeito tambem em todos os meus collegas.

Desenganamo-nos. O que leva o clero portuguez e o povo em geral a combater a desamortisação e a subrogação forçada por inscripções é a falta de confiança nas mesmas inscripções; desconfiança que muita gente tem, e que eu, emquanto a mim, talvez até exagere um pouco.

Esta desconfiança vem de se notar uma differença permanente e crescente entre a nossa receita e a nossa despeza, de se ver que nós vamos tendo um deficit cada anno mais augmentado, e por consequencia não é necessario ser dotado de um dom prophetico para reconhecer que, continuando-se n'este caminho, ha de chegar uma epocha em que ha da ser impossivel salvar a divida do paiz, porque a receita não augmenta, e a despeza cresce todos os annos.

Eu não desenvolverei mais as minhas idéas a este respeito, mas direi apenas que, desde que a desamortisação se tem implantado n'este paiz, impondo-se a subrogação forçada dos bens desamortisados por titulos de divida publica, aquella desconfiança augmentou, porque a desamortisação, que ao principio foi proposta muito limitadamente, tem-se estendido successivamente, tem-se ampliado a mais bens, e não é facil prover onde o espirito de desamortisação irá chegar, se por acaso elle continuar na progressão em que tem estado constantemente desde certos annos para cá.

E eu admitto mesmo e reconheço em todos o direito de confiarem muito nas inscripções d'este paiz ou de outro qualquer, assim como quero para mim o direito de não confiar nas inscripções de paiz nenhum; e portanto, se eu reconheço e admitto o direito de cada um confiar muito nas inscripções, respeito ainda mais esse direito naquelles que empregam os seus capitaes em inscripções d'este paiz ou de outro qualquer. Respeito a confiança que elles têem, e não posso admirar-me de que os beneficios que elles tomam para si os queiram dar tambem ás corporações; por isso, se eu quizesse inscripções, não tinha duvida alguma em votar uma lei que desse inscripções ás corporações, mas se eu não as quero para mim, não as posso dar a ninguem.

Eu prevejo que se continuarmos a ampliar a desamortisação como a temos ampliado successivamente até ao dia de hoje, votado este projecto, desamortisados estes bens, havemos de applicar a palavra e o systema tambem aos bens moveis e aos fundos das irmandades e confrarias, e desamortisados, receio muito que a desamortisação se estenda aos nossos bens particulares; receio que ámanhã venha um governo que queira, por mera curiosidade, saber quanto dá um predio na praça publica, e diga ao proprietario: «O senhor tem um predio que ha muito tempo não vae á praça, desejava saber quanto elle vale, por isso é necessario desamortisa-lo, pago-lhe o seu valor em inscripções, e venha o preço da propriedade para mim». Contra isto é que eu me acautelo, e quero-me acautelar com muita antecedencia. Confesso que não estamos ainda n'estas circumstancias, porque a desamortisação ainda cá não chegou, e não fallo porque ella chegasse, fallo porque desejo tomar as minhas cautelas para que ella nunca chegue, e para que eu fique sempre habilitado a combater toda a tentativa que ella faça para cá chegar.

Portanto, sr. presidente, a primeira cousa a fazer é procurar o meio de dar aos nossos papeis o valor que elles devem ter, e para isso a primeira condição é pôr termo ás emissões e abandonar o systema de fazer dinheiro com papeis. Desde que, por meio de todas as reformas justas e economicas possiveis, e pela exploração dos immensos recursos do paiz conseguirmos restabelecer o equilibrio entre a receita e a despeza da nação, a desconfiança tomar-se-ha em confiança, e os nossos titulos, longe de se depreciarem, serão avidamente procurados. A unica condição do credito nacional é a prosperidade das finanças na nação. Trabalhemos para isso e veremos os capitaes affluirem aos nossos titulos de divida publica, cessarem todas as repugnancias e todos os receios, e estabelecer-se o credito nas mais prosperas condições.

Termino aqui.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado pelo sr. ministro da fazenda e por varios srs. deputados.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que da desamortisação fiquem excluidos os passaes, e que o preço da venda dos outros bens seja empregado livremente pelos possuidores em titulos da sua escolha, salva a fiscalisação do governo, segundo as leis. = Ferreira de Mello = A. J. de Seixas.

Foi admittida.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Van-Zeller.

O sr. Van-Zeller: — Cedo agora da palavra, e peço a v. ex.ª que me mantenha a inscripção, porque não posso deixar de fallar n'esta questão, uma vez que assignei o parecer da commissão de administração publica como relator.

Não tive pretensão de pedir á camara que me concedesse a palavra como relator em qualquer occasião, porque sei que não é das praxes nem do estylo d'esta casa, e foi o motivo por que me inscrevi sobre a ordem. Ha um só relator, e é o da commissão de fazenda. Peço pois a v. ex.ª me reserve a palavra, se isso é permittido pelo regimento.

O sr. Presidente: — Pela ordem da inscripção pertence agora a palavra ao sr. deputado, mas como s. ex.ª cede da palavra, tem-na o sr. Araujo Queiroz.

O sr. Araujo Queiroz: — Não admitto que haja duvida sobre se os bens das corporações de máo morta devem ser desamortisados.

Assim foi recebido desde o principio da monarchia, e no reinado de El-Rei D. Diniz se prohibiu que os corpos de mão morta podessem adquirir bens alguns.

Isto repetiu-se por vezes successivas, e ultimamente no tempo de D. João VI, pelo alvará de 1806 se ordenou ás

misericordias que alienassem os bens que tinham adquirido desde certa epocha.

Todos nós sabemos que o mandar-se que se alienassem aquelles bens que se tinham adquirido contra a expressa determinação da lei, era por venda voluntaria em moeda valiosa, isto é, por valor intrinseco.

E tanto estes bens como todos os outros que constituiam a dotação de todos estes corpos moraes eram alienados, só por principio do interesse da sociedade, porque tenho como principio invariavel que aquillo que uma vez foi meu, sem facto meu, não póde deixar de ser meu, excepto pelo maior interesse da sociedade. Esta é a justiça universal.

Por consequencia aquelles bens foram desamortisados por utilidade geral; mas esta utilidade geral nunca póde encontrar ou infringir a justiça universal; isto é, fazer-se-lhe um preço elevado e exagerado, a que na realidade não podem chegar.

Ora, se houvesse uma garantia com que de futuro essas corporações podessem contar com a permanencia de todos esses meios, eu não teria a menor duvida em votar isto; mas emquanto eu não vir o credito estabelecido, ou que se façam economias de ordem tal que façam encontro ao deficit que se apresenta no orçamento, eu não vejo que possam estar tranquillisadas essas corporações.

Eu fallo especialmente dos bens das misericordias, hospitaes e tambem dos passaes, porque estes estabelecimentos datam de uma era bastante antiga, e nós por elles somos conhecidos e apreciados no resto da Europa pelo espirito de caridade que existe no animo dos portuguezes, dotando generosamente estes estabelecimentos que mantêem a humanidade enferma.

Ora, os bens que estes estabelecimentos têem não lhes chegam, porque pagam avultadíssimas despezas com os hospitaes que todos esses estabelecimentos têem, e por consequencia se forem privados d'elles ainda ficam com muito menos para poderem supprir ás despezas de tão valiosos encargos.

Ora, se com os rendimentos que actualmente têem d'estes bens não podem acudir a todas as despezas, mesmo estando -na posse dos bens, muito menos o hão de fazer tirando-lhes esses e substituindo-os por titulos que forçosamente hão de ser depreciados, porque isto é da natureza da moeda papel, a qual se se eleva de preço no mercado é porque se fazem grandes sacrificios para ella assim se elevar, mas desde logo começa a declinar.

Não posso portanto admittir que se tire ás misericordias e outros estabelecimentos os seus rendimentos, emquanto por outro lado eu não vir que o credito publico melhora, que a receita é igual á despeza, e que finalmente estes estabelecimentos têem uma garantia solida de meios de subsistencia com que possam contar no futuro.

Emquanto aos passaes é claro que esta medida, pelo lado financeiro, traz grandes vantagens á primeira vista, porque a venda dos passaes dará um augmento consideravel na receita publica pelo imposto de registo, pelos direitos de transmissão de propriedade, pelo augmento de producção e pelo augmento da decima de repartição. Tudo isto avultará muito no orçamento. Mas o que é verdade é que estas vantagens não são tão grandes como a muita gente se afigura, porque creia a camara que a maior parte dos passaes estão bem tratados e produzem geralmente o maximo que é possivel produzirem. Os parochos em geral são bons agricultores, e por consequencia temos que, pelo lado economico não se melhora muito, e pelo lado financeiro é uma violencia que vamos fazer obrigar os parochos a receberem um papel que ámanhã poderá não valer cousa alguma.

E de mais emquanto a religião catholica for religião official, temos de sustentar o clero, os servidores da igreja, que tambem o são portanto do estado. Mais um argumento pois com que se combate esta medida, que longe de tender áquelle fim, tende a diminuir o rendimento do clero, e por consequencia a exigir do paiz novos impostos.

Acresce finalmente a todos estes inconvenientes a circumstancia da agitação por que este paiz tem ultimamente passado, e portanto não acho muito politico que n'este momento se queira ir alimentar esta agitação por meio de uma lei que ha de levantar forçosamente no paiz serias reluctancias e difficuldades.

Admittindo portanto o principio da desamortisação, nego comtudo o meio violento e espoliador adoptado no projecto em discussão, compellindo a vender os seus possuidores aquelles bens que têem como seus, e que se lhes dê por troca titulos a 50 por cento, não estando elles assim no mercado, e sendo por consequencia um preço figurado e fictício, o qual entendo que vae ferir todas as leis da justiça.

Entendo igualmente que esta medida é inopportuna, e entendo que especialmente as misericordias soffrem com ella um prejuizo que nunca será remediado, porque, se as misericordias hoje estão reduzidas a muito pouco, ficarão com muito menos, e d'ahi resultar periga a humanidade, se o governo não acudir a esses estabelecimentos; mas, se o governo não tem meios de satisfazer aos seus credores, muito menos os póde ter para satisfazer a essas necessidades que havemos de reconhecer que são importantissimas.

Estes são os motivos por que assignei o parecer com declarações na commissão de administração, e nunca me conformarei com outro modo de pensar.

O sr. Mardel (sobre a ordem): — Sr. presidente, a hora está adiantada e eu não desejo levar a palavra para casa. Por uso resumirei as observações que tenho a apresentar para justificar o meu voto contra o actual projecto.

Para satisfazer ás prescripções do regimento mandarei a minha moção de ordem e começo por encarar a questão pelo lado financeiro, por isso que, tendo-a os illustres oradores que me precederam encarado pelo lado do direito, esse ponto está sufficientemente discutido.

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Não separarei da parte financeira, este interesse politico que naturalmente têem todas as questões d'esta ordem nas circumstancias em que nos achâmos, e por isso não posso deixar de estranhar que, n'um projecto de tanto alcance não só pela materia que n’elle se contém mas pelas declarações que fez s. ex.ª, o sr. ministro da fazenda, pelas quaes se vê a importancia que elle lhe liga, tenham fallado sete oradores todos contra, e que os amigos mais distinctos e mais conhecidos do governo ou peçam a palavra a favor e fallem contra ou a peçam e depois desistam d'ella (apoiados).

E é esta a confissão mais espontanea de que a missão de defender um projecto d'esta ordem é ardua e espinhosa, e por este facto ficam justificados de votarem contra elle os deputados que assim procederem, pertencendo aliás á maioria governamental. Eu faço parte d'essa maioria, sr. presidente, não sou opposição politica a este governo. Não o posso, nem entendo que seja conveniente se-lo n'esta occasião.

Ficam relevados pois os homens da maioria parlamentar que vem votar contra esta e algumas outras medidas apresentadas pelo governo, não só por esta, mas ainda por outra rasão, que eu peço á camara que considere, para que não sejam nem de leve accusados de desleaes no seu procedimento politico os homens que são da maioria e que vem. combater medidas do governo e votar contra ellas.

Parece-me que as theorias liberaes indicam que os governos são a expressão, são o pensamento em acção das maiorias parlamentares; por consequencia, quando um governo apresenta medidas deve-se ter inspirado na sua maioria; e quando porventura essas medidas não representam por fórma alguma o pensamento dominante d'essa maioria, não póde queixar-se de que os homens que o apoiam divirjam e venham para á camara sustenta-lo na discussão.

Sr. presidente, seria mais conveniente para o credito do governo, e para a força da sua situação, discutir essas medidas nas suas reuniões de familia. Eu quereria que, quando o governo apresentasse ao parlamento uma medida d'esta ordem, ella viesse revestida de toda a discussão e limada por todas as opiniões dos homens que a sustentassem, porque o governo não tem mais empenho em governar bem do que a maioria em sustentar a situação que governe de accordo com as boas theorias e principios que as circumstancias indicam. Se o governo entende que satisfaz a sua missão apresentando uma medida que julga necessaria e vantajosa para o estado, a maioria tem direito tambem de ser ouvida para sustentar, podendo, essa medida de accordo com o governo. Mas isto não se deu, e sinto muito que o governo tivesse recusado até esta hora todos os elementos que podiam servir para o estudo franco e cabal da materia (apoiados).

Eu não sei o que é a divida fluctuante, não sei quaes são as bases, os calculos e os fundamentos d'onde póde o sr. ministro da fazenda tirar a cifra que nos apresentou, e de que dados se serviu para fundamentar o seu projecto; lamento isto muito, porque não tenho á minha disposição os archivos das secretarias, e estas questões sem serem muito estudadas e meditadas, difficilmente se podem discutir.

Eu queria entrar n'esta discussão com perfeito conhecimento de causa, queria poder provar com verdade mathematica as proposições que apresentasse, mas como hei de combater os calculos do nobre ministro da fazenda com relação á divida fluctuante, se eu ignoro a natureza d'essa divida? Se for dar credito ás differentes versões sobre o que é divida fluctuante, parece-me que n'esta divida que s. ex.ª apresenta como tal ha grande parte que o não é; e é esta mais uma rasão para sentir que os homens que apresentaram este projecto, não apresentassem á "camara os dados indispensaveis para ella se esclarecer (apoiados).

Eu peço á camara que preste toda a sua attenção ás palavras do relatorio do sr. ministro da fazenda, que passo a ler. São as seguintes (leu).

Se não existisse o recurso das corporações e não continuasse a desamortisação dos bens a que se refere esta lei, cujo nome de desamortisação lhe não cabe perfeitamente, nós só podiamos saír das difficuldades graves em que nos achâmos «por medidas extremamente violentas» diz s. ex.ª

E que faz o sr. ministro a esses valores que vae levantar? Ponho de parte a questão de direito, que está, a meu ver, exuberantemente tratada, e eu não quero entrar n'ella, porque me não julgo competente para isso; que faz o sr. ministro aos grandes valores que por esta lei quer levantar? Vae salvar-nos das difficuldades em que nos achâmos? Não o creio. '

S. ex.ª divide as difficuldades presentes em duas entidades distinctas: divida fluctuante e deficit. S. ex.ª para fazer uma apreciação mais perfeita, mais exacta, devia, no meu entender, inverter a ordem das suas apreciações—primeiro o deficit e depois a divida fluctuante, primeiro o pae e depois a filha.

Pois o que é a divida fluctuante entre nós? Disse hontem o sr. Fradesso da Silveira muito bem—que a divida fluctuante deve ser a antecipação das rendas do anno.

S. ex.ª diz muito bem, isso é o que se entende por divida fluctuante na sua expressão economica. Mas a divida fluctuante entre nós não se parece nada com isso; a divida fluctuante entre nós são letras a prasos, por capitaes que nós não podemos pagar em inscripções. Quando ninguem quer receber só as inscripções, quando todos têem medo d'este papel e o governo não póde pagar com elle, faz emissão de letras, de titulos a curto praso. Esta é que é a nossa divida fluctuante, e temos assim divida fluctuante auctorisada por contratos de emprestimos de 500:000$000 réis e de réis 600:000$000 para compras e concertos de navios, para trabalhos de obras publicas, etc... etc...

Esta divida fluctuante, diz o sr. ministro da fazenda, que é o que nos mata, porque a todos os instantes pésa sobre o thesouro, e o governo não sabe se de um momento para o outro os prestamistas virão em chusma agravar-lhe as difficuldades, e talvez pôr o paiz todo em hasta publica ou em execução imminente.

Isto não é tanto assim, sr. presidente; estes perigos que o sr. ministro da fazenda suppõe são exagerados de mais (apoiados). E ainda bem que são exagerados de mais, porque, se o não fossem, muito mais rasão teriam os fundamentos com que eu combato o projecto.

Os capitaes não estão sujeitos a caprichos politicos, os capitaes estão sujeitos ás leis da sciencia economica, e por uma ou outra vez a certa influencia particular, que póde um dia collocar o governo em difficuldades. Mas quando assim acontecer lá estão os principios geraes da sciencia economica que no dia seguinte o aliviarão d'essas difficuldades (apoiados).

Em o governo tendo credito, em os capitaes dos prestamistas estando bem collocados e garantidos os seus interesses e bons interesses, esteja certo o sr. ministro da fazenda de que todos hão de acudir ao governo, todas as praças do mundo (apoiados). E não podem os prestamistas da Russia, da Prussia, da Allemanha e da Inglaterra vir de um dia para o outro, por uma questão ou por um capricho politico dizer ao governo = pomos-te a faca aos peitos, e has de pagar tudo quanto nos deves. = Isto não póde ser (apoiados). Ninguem acredita na verdade e importancia d'este argumento (apoiados).

Este argumento poderá valer só n'um caso, o seu valor é muito restricto, só tem uma tal ou qual importancia em relação á nossa praça, que é muito limitada e acanhada, e porque os governos de ordinario têem feito transacções com certo numero de individuos que exercem pressão sobre elles; mas não tem importancia nenhuma em relação aos outros mercados e aos outros prestamistas (apoiados).

Mas em geral, em these os governos devem regular as suas acções pelos bons principios. Não deve portanto o governo attender de preferencia á divida fluctuante e abandonar o deficit para medidas futuras. A divida fluctuante de hoje não é mais do que o deficit passado, é o deficit de hontem, como a divida fluctuante de ámanhã ha de ser o deficit que vier depois do actual. Por isso se o sr. ministro da fazenda podesse levantar capitaes avantajados para matar a divida fluctuante, melhor seria que os applicasse para matar o deficit (apoiados).

S. ex.ª diz que se não houvesse este recurso a nossa situação era perigosa, e que só por medidas violentas sairíamos d'ella. Mas pergunto eu — em que melhora s. ex.ª a nossa situação? S. ex.ª o mais que faz é dar-nos dois annos de descanso, e provavelmente s. ex.ª não conta estar já no ministerio no fim d'essa epocha. E com que direito vae o sr. ministro onerar o estado d'aqui a dois annos com uma difficuldade que agora prevê e que não quer evitar? Pensa s. ex.ª que por não estar no ministerio a esse tempo as nossas difficuldades financeiras nos afligirão menos? S. ex.ª terá uma responsabilidade menos directa n'essa occasião, mas ha de ter um remorso mais profundo por não ter aproveitado esta occasião em que acha o paiz todo a seu lado prompto a votar sacrificios ainda os mais pesados, quando reconheça a necessidade e vantagem de o fazer, ha de então, sr. presidente, ter um remorso mais profundo de ter adiado e não remediado a difficuldade... não sei porque motivo (apoiados).

O que é verdade é que s. ex.ª não esta correspondendo em nada, absolutamente em nada á grande expectativa da nação toda (apoiados), que faz justiça ao seu talento e á sua energia, e que esperava ver em s. ex.ª um novo Pitt.

S. ex.ª póde ser um homem muito importante, mas pelas medidas que nos tem apresentado leva-nos á nossa ruina. Eu considero as medidas de s. ex.ª como o ultimo passo para essa ruina. Reconheço n'estas medidas motivos bastantes para nos julgarmos perdidos se ellas passarem em leis (apoiados); e eu vou dizer a v. ex.ª a rasão por que o sr. ministro da fazenda calcula que os bens produzam 20.000:000$000 réis. E esta uma hypothese que eu admitto, porque a não posso combater. S. ex.ª calcula que os bens produzam 20.000:000$000 réis. O que faz s. ex.ª d'estes 20.000:000$000 réis? Paga 12.500:000$000 réis de divida fluctuante. E quanto lho fica? 7.500:000$000 réis. Com estes 7.500:000$000 réis vae s. ex.ª satisfazer aos encargos não pagos até ao fim do anno economico que acabou em 30 de junho. Quanto importa isto? E uma parte do deficit de 1868-1869 absorve esses 7.500:000$000 réis. Já dou do barato que s. ex.ª tenha pago metade do deficit de 1868-1869. Estamos pois sem divida fluctuante e com um deficit só de 3.000:000$000 réis; mas no anno de 1869-1870 o deficit é de 6.000:000$000 réis e mais os juros das inscripções que s. ex.ª creou para pagar ás corporações a quem foi buscar esses bens, o essas inscripções representam trezentos e tantos contos de réis de deficit, sendo computadas a 45 por cento. Tenho os calculos feitos; mas uma questão de cifras é sempre muito arida.

Se quizesse demonstrar, podia faze-lo, porque tinha presentes todos os calculos da emissão que s. ex.ª propõe. Para que a medida de s. ex.ª seja decente para o governo e honrosa para a maioria que a sustenta, e digna de uma nação que está publicando nos fastos do seu parlamento as discussões que aqui se passam, não quero acreditar que na redacção do projecto que s. ex.ª nos apresentou houvesse um pensamento reservado que fizesse approximar este artigo da famosa interpretação dos telegrammas para Londres (apoiados); que haja dois pensamentos, o pensamento de fazer votar facilmente uma medida, e o de lhe tirar as consequencias por modo diverso, não é decente nem serio.

Lamento que esta redacção não seja a mais ampla, feita em portuguez mais claro, que esteja ao alcance de todos, e que não fique a menor duvida nas nossas consciencias e na consciencia do publico. S. ex.ª apresentou a sua hypothese com relação á divida fluctuante, e a necessidade absoluta de emittir as inscripções, e emittidas ellas no nosso mercado a quanto subirão depois?

Quanto é preciso para garantir a renda dos bens? Suppondo que esta vale 600:000$000 réis, vejo ahi a ruina do nosso credito por todos os modos que encare a questão.

Além d'isto aonde estão os capitaes no nosso paiz para pagar 20.000:000$000 réis de propriedade? (Apoiaãos.) Se os bens não produzirem 20.000:000$000 réis, e se produzirem só o que eu sei que hão de produzir, hão de levantar-se então emprestimos que custa alem de tudo commissões, juros, e a propriedade fica mais onerada, porque embora se diga no projecto apresentado pela commissão que as corporações ficam administrando estes bens, olhe V. ex.ª que não é assim. Essas corporações hão de receber as inscripções, e recebendo-as hão de ficar os bens administrados por conta do estado com o desconto das despezas, e essas despezas não hão de ser insignificantes. Portanto a medida, longe de vir salvar o paiz, vem dar a ultima enxadada no nosso credito. A situação é desgraçada e é preciso que nós nos levantemos com um esforço grande para não caír no abysmo, á borda do qual estamos e para o qual esses homens que nós levantámos, e que eu levantei, como capazes de nos salvar, parecem ser os primeiros a lançar-nos. Lamento isto, e lamento, porque não vejo facil solução á situação em que s. ex.ª nos quer collocar.

Não vejo uma facil solução n'este negocio, e eu pedia a s. ex.ª, o sr. ministro da fazenda, que era logar de attender á divida fluctuante (que não me assusta) attendesse ao deficit, e que estabelecesse o credito do paiz tratando de diminuir a despeza e augmentar a receita; se s. ex.ª equilibrar estes dois elementos de contabilidade publica, ha de ver que todas as praças do mundo estarão desejosas de fazer operações com o nosso governo (apoiados).

Quando na crise nacional de 1797, Necker sustentou na assembléa nacional as difficuldades do thesouro e todos os deputados se levantaram offerecendo seus bens como garantia dos planos do governo (e nós tambem eramos capazes de assim proceder, se nos batesse á porta o risco de perdermos a nossa independencia nacional) (apoiados), Necker não pediu que se pagasse a divida, mas sim que se restabelecesse o credito do estado (muitos apoiados), augmentando a receita e diminuindo a despeza.

Estes é que são os principios, e assim é que se póde governar. Mas que s. ex.ª venha pedir que se pague a divida fluctuante, e que declare, que depois se attenderá ao deficit, e que para o anno apresentára o resto do seu plano, não comprehendo! Ainda que o valor do nosso estado se revela nas promessas do sr. ministro da fazenda, comtudo nem os documentos que aqui estão, nem os projectos que têem sido apresentados ao parlamento nos dizem que d'ahi nasça cousa que possa equilibrar a receita com a despeza (apoiados).

Quero que o governo vá desamortisar não só os bens dos passaes, mas até todos os bens que estão fóra da communhão dos interesses que a liberdade do commercio garante.

Concedo tambem que o governo vá retirar d'essas operações as vantagens que forem precisas como sacrificio que se impõe a essas classes. Já em outra occasião sustentei esta mesma idéa, e não posso afastar me d'ella. Vá V. ex.ª ás mitras, aos bens da corôa, ás lezirias, etc... (apoiados); depois nenhuma classe terá direito de que se queixar, e o beneficio para o thesouro será palpavel.

S. ex.ª podia applicar o pensamento do seu projecto em grande escala e não applica-lo unicamente á divida fluctuante, porque quando varios interesses garantam os capitaes, e quando igualmente tivermos 20.000:000$000 réis no fundo do uma caixa, todas as transacções que quizermos fazer serão tratadas em condições muito melhores e mais favoraveis do que não tendo nada.

S. ex.ª disse e muito bem: «Gastos estes recursos só medidas muito vexatorias nos podem salvar!» Mas conhecendo s. ex.ª isto quer applicar estes recursos para pagar a divida fluctuante que torna a apparecer d'aqui a um anno ou anno e meio?! (Apoiaãos.)

Quer s. ex.ª amplos recursos, repito? Vá ás mitras, aos bens da corôa, e depois ás outras classes da sociedade, que paguem todas a sua prestação, e s. ex.ª com esses fundos ha de mostrar ao paiz em que os applica, e nós por um estudo profundo veremos com evidencia como havemos de chegar a esse fim: por ora tudo é escuro; por ora nada inspira confiança. Estou desejoso de accender os brios do sr. ministro da fazenda n'este ponto, porque s. ex.ª tem-se de corto sacrificado a rasões que não conheço, quando não tem devidamente considerado estes pontos importantissimos que acabei de indicar á camara. Não o tem querido fazer.

Há uma hypothese, que é formada pela commissão de fazenda, é a dos 50 por cento, preço dado ás inscripções, que serão fornecidas pelo governo. Que lucro retira o governo? Que vantagem é esta? É uma vantagem insignificante e ridicula. Sustenta-se o principio de impor o grande sacrificio de todo o direito de propriedade, para que? Para não tirar vantagem alguma.

Sr. presidente, o pensamento do sr. ministro da fazenda é bom, menos na applicação; mas é energico, e dará em resultado ver entrar para o thesouro uns poucos de mil contos de réis; porém pelo calculo da commissão de fazenda, sinto muito discordar da opinião de ss. ex.ªs, sustentando o mesmo principio, que é odioso, e o resultado é mesquinho.

Eu, sr. presidente, sustentarei esse principio, mas quando seja util o sacrificio. Mas agora não ha senão espoliação, sem podermos invocar uma cousa a que se chama a extrema exigencia da salvação da patria. Só a esta grande

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necessidade da salvação da patria se póde sacrificar um direito tão importante como este que se pretende sacrificar pelo projecto.

Aqui tem V. ex.ª outra hypothese sobre essa operação. As propriedades valem 20.000:000$000 réis. Se o governo podér levantar, como garantia d'essa propriedade, réis 20.000:000$000, creio que ninguem poderá taxar de deficiente este calculo; com o rendimento dos predios considero eu pagará o juro do emprestimo

Mas diz o artigo 2.° do projecto do sr. ministro da fazenda: «O governo garante desde já em titulos de divida fundada o rendimento que produzem os bens a que se refere o artigo antecedente.» Quer dizer, que desde aquella data o governo dá 600:000$000 réis de inscripções de rendimento aos proprietarios, que é quanto se póde calcular o rendimento dos bens pelo valor que se diz ser de 12.000:000$000 réis, e para este emitte o governo 20.000:000$000 réis de inscripções, para ter a renda de 600:000$000 réis que dá aos proprietarios. Ora, se o capital, depois de vendidos os bens, se eleva á quantia de 20.000:000$000 réis, ha um ex cedente de 8.000:000$000 réis, e o governo tem por consequencia de dar mais 400:000$000 réis de rendimento, nos termos do seu projecto, aos proprietarios. E para dar mais 400:000$000 réis ha de emittir mais 13.333:000$000 réis; porque o artigo 4.° diz o seguinte: «O governo entregará em titulos de divida publica o excesso do capital, que a praça der sobre o correspondente ao rendimento calculado nos termos do artigo antecedente.»

O governo emitte pois 20.000:000$000 réis e mais réis 13.000:000$000, são 33.000:000$000 réis. O juro de réis 33.000:000$000 são 990:000$000 réis. Agora pergunto ao sr. ministro qual é a vantagem que o governo tira d'esta operação? Emitte 33.000:000$000 réis, tem de pagar de juro perto de 1.000:000$000 réis, ganha o governo réis 125:000$000 cada anno, em relação ao juro que está pagando. Ora, posto fosse admittida a hypothese de que os bens produzem 20.000:000$000 réis, quando for menor a avaliação d'estes, que produz? Produz uma cifra negativa Produz resultado perigoso, e não satisfaz de fórma alguma o pensamento que s. ex.ª teve em vista.

Mas se s. ex.ª em logar de emittir inscripções for comprar inscripções com o producto d'esses bens; mas se constituir um fundo de reserva, se disser ao paiz, se disser ás praças estrangeiras que tem 20.000:000$000 réis nos cofres do estado para satisfazer ás necessidades urgentes, não tenho receio da divida fluctuante, porque a divida fluctuante então não representa mais do que um juro rasoavel, e não como agora, que quando a Inglaterra tem divida com juro de 1 1/2 por cento, nós pagâmos 6 e 7 por cento (Uma voz: — É 9), e precisâmos de fazer concessões ás casas commerciaes, vamos de rasto pedir-lhes um favor (apoiados) Se o sr. ministro tivesse 20.000:000$000 réis nos cofres do estado, se estabelecesse principios que annunciassem o desejo de augmentar esses recursos, se procurasse restabelecer o nosso credito pela diminuição da despeza e pelo augmento da receita, não haveria divida fluctuante que me mettesse medo, porque não ha divida alguma que metta medo a quem tem o seu credito estabelecido sobre bases solidas (apoiados).

Estabeleça-se o credito, tratemos do deficit e depois do deficit garantidamente destruido, caminhe então s. ex.ª como quizer, porque então dou-lhe pleno voto de confiança. Mas na actualidade, permitta-me s. ex.ª, permitta-me o governo que eu declare, que não sou opposição politica, mas não posso deixar de ser opposição muito viva com relação a esta medida (apoiados).

Não quero tomar mais tempo á camara e mesmo estou cansado.

Ficam consignadas as rasões do meu voto, rasões que me parece que são justas.

Ainda não ouvi dentro d'esta casa ou fóra d'ella, argumento algum que possa destruir as observações que tenho feito.

Sentirei muito que d'esta questão se queira fazer uma questão ministerial (apoiados). Sentirei muito que sobre um sacrificio grave que se impõe ao paiz, o governo diga aos seus amigos: «faço d'isto questão ministerial» que queira comprometter assim a dignidade da maioria, que faça com que sejam sacrificados os interesses reaes e legitimos do paiz, aos interesses politicas da situação. (Apoiados. — Vozes: — Ouçam! ouçam!)

Os srs. ministros não devem fazer questão ministerial d'estas cousas, muito menos quando as apresentam aqui sem terem sido limadas e discutidas pela sua maioria.

E note-se que fallando assim, não quero ir para a opposição.

Se os srs. ministros, no meu modo de entender, não corresponderem aos meus desejos, não exprimirem o meu pensamento politico, eu, como membro da maioria, hei de votar para que ss. ex.ªs sáiam d'ali e venham outros homens, mas outros homens meus e não homens da opposição (apoiados).

O sr. Barros e Isso é que não póde ser.

O Orador: — Esta é a theoria constitucional. A theoria constitucional não é o governo dizer á maioria vote isto; a verdade dos principios é a maioria dizer ao governo as vossas medidas não me satisfazem, não representaes as minhas idéas, sai d'ahi— (apoiados).

É esta a theoria constitucional, é isto que eu queria que a maioria fizesse, é isto que tenho visto fazer na Inglaterra, não digo agora, porque agora tambem lá se tem servido d/estas regras, que eram praxe estabelecida n'aquelle paiz.

Tenho concluido, porque não quero cansar mais a attenção da camara (apoiados. — Vozes: — Muito bem, muito bem).

(O orador foi cumprimentado por muitos dos srs. deputados.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

O producto da venda dos bens é applicado unica e exclusivamente á creação de receita, para attenuar o deficit. = Mardel.

Foi admittida.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para segunda feira é a continuação da que estava dada. Está levantada a sessão. Eram quatro horas da tarde.

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