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N.º 2.

Tabella das Taxas, que deve ter o Papel Sellado, para nelle se processarem os Papeis mencionados no Artigo 4.º da Lei de ...

[Ver tabela na imagem]

N. B. Não haverá Papel Sellado de nenhuma outra Taxa.

Para o Ministro dos Negocios do Reino.

Excelentissimo e Reverendissimo Senhor. - Tendo a Camara dos Srs. Deputados da Nação Portugueza, approvado o Parecer da Commissão, a quem se encarregou o exame da Representação do Enfermeira Mor do Hospital Real de S. José, remettida em Officio do Ministro dos Negocios da Fazenda, que tudo junto por copia conforme, nessa conformidade enviou á Camara dos Dignos Pares do Reino o respectivo Projecto de Lei, afim de ser authorisado o Governo Executivo a auxiliar o mesmo Hospital com prestações até á quantia de 8:000$000 reis por emprestimo, e o participo a V. Exca. pedindo-lhe que obtendo quasquer informações, e esclarecimentos, que forem convenientes sobre a arrecadação, administração, dotação, e recursos do mesmo Hospital, possão á vista deites as Côrtes Geraes na futura Sessão de 1828 prover sobre os meios necessário» pira a sustentacão de um Estabelecimento de tanta utilidade, e beneficencia. Deos guarde a V. Exca. Palacio da Camara dos Deputados em 28 de Março de 1827. - Excellentissimo e Reverendissimo Senhor Bispo de - Vizeu, Par do Reino - Francisco Barroso Pereira.

SESSÃO DE 29 DE MARÇO.

Ás 9 horas, e 45 minutos da manha, pela chamada, a que procedeo o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa, se acharão presentes 98 Srs. Deputados, faltando, alem dos que ainda se não apresentarão, 11; a saber: os Sra. Mendonça Falcão - Araujo e Castro - Trigoso - Van-Zeller - Isidoro José dos Santos - Queiroz - Galvão Palma - Ferreira de Moura - Machado d'Abreu - Ribeiro Saraiva - Azevedo e Mello - todos com causa motivada.

Disse o Sr. Presidente que estava aberta a Sessão; e, sendo lida a Acta da Sessão precedente, foi approvada.

Offerecêo o Sr. Deputado F. J. Maya, em n orna do Sr. Deputado Van-Zeller, por se achar este doente, uma Indicação, tendo por objecto pedir-se ao Governo differentes informações e Papeis relativos ao Emprestimo feito pela Cidade do Porto em 1808.

E em seu proprio nome offerecêo mais duas Indicações, tendo por objecto: uma, pedirem-se ao Governo esclarecimentos sobre os Direitos, e Depezas de Porto, a que estão sujeitas as Embarcações nos Portos de Portugal: e tendo por objecto a outra, o pedir igualmente esclarecimento! ao Governo sobre os Requerimentos dos Negociantes da Cidade do Porto para a extincção do Direito de Portagem; e sobre os Papeis relativos ao Direito de Canadagem dos Vinhos. Não se tomou resolução alguma sobre as fim referidas Indicações, ficando reservado para o fim da Sessão.

Pedio, e obteve a palavra o Sr. Deputado João Alexandrino de Sousa Queiroga, como Relator da, Commissão da Verificação dos Poderes, e dêo conta do Parecer da mesma Commissão sobre o Officio do Sr. Deputado Manoel Cristovão Mascarenhas de Figueiredo, acompanhando a Certidão da Sentença, que o julgou innocente, a fiai de ser admittido a tomar na Camara o seu respectivo lugar: e parece á mesma Commissão que, tendo sido absolvido do crime de rebellião, que se lhe imputou, achando-se as-

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sim innocente, está nas circumstancias de tomar o seu respectivo assento na Camara.

O Sr. Barreto Feio: - Eu opponho-me ao Parecer da Commissão. Este homem assignou um Auto de rebellião contra a Carta, e contra o Rei legitimo proclamado, e jurado pela Nação: e, ainda que foi absolvido da pena, está condemnado pela opinião publica; perdeo a confiança dos seus Eleitores. He determinado expressamente na Carta que se um Deputado, depois de eleito, for nomeado Ministro d´Estado pelo Governo, perca, por este simples facto, o lugar, que occupava na Camara, só pela razão (que outra não pode haver) de que se deve entender que perdeo a confiança dos Eleitores. Pois se um Deputado, porque mereceo a boa opinião do Governo, se julga ter perdido a confiança de quem o elegeo, e perde o seu lugar na Camara, deverá ser admittido nella o que assigna um Auto de rebellião? Não. Por tanto voto contra o Parecer da Commissão.

Tendo-se procedido á votação, suscitou-se a questão, se devia ser por levantados, e assentados, ou por esferas.

O Sr. Guerreiro: - He singular que no fim de uma votação se requeira que se faça por outro modo, antes de se saber o resultado da primeira: pelo menos, ainda que seja nulla, deve saber-se o resultado daquella votação. Bem claramente manifestei outr´ora a minha opinião sobre esta materia: hoje as circumstancias são mui diversas; o Poder Judicial competente pronunciou a innocencia do accusado: nada mais ha que fazer senão admittir-se o Sr. Deputado a tomar assento na Camara.

O Sr. Magalhães : - A votação, que se faz, não pode ter lugar, porque o Regimento determina (lêo). Por conseguinte esta votação he contra Lei, e he nulla, e deve ser por esferas. Ainda quando tenha sido O contrario, uma pratica constante na approvação dos Pareceres da Commissão dos Poderes, he porque não tem apparecido difficuldades na admissão, como até aqui não apareceo; mas logo que houve um Sr. Deputado, que impugnou o Parecer, não sobre outro Deputado da Nação, se não sobre Manoel Christovão de Mascarenhas, deve a votação ser secreta.

O Sr. Caetano Alberto: - Proponho que esse Parecer da Commissão fique sobre a Mesa para se examinar, e dar-se para Ordem do Dia.

O Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa: - Devo manifestar que não ha dúvida alguma no Diploma deste Deputado, que pelo Diploma foi declarado Deputado, sendo por isso mesmo julgado na Camara dos Dignos Pares.

O Sr. Caetano Alberto: - Quando recahio essa resolução, eu não estava na Camara por isso não votei agora a favor do Parecer; e por isso desejava inteirar-me para votar com conhecimento de causa.

O Sr. L. J. Moniz: - Devo advertir, e declarar solemnemente que eu nada tenho com a Sentença, nem nella me intrometto, nem posso intrometter-me, porque isso já está decidido. A minha consideração he sobre a legalidade do Diploma.

O Sr. Presidente : - A legalidade do Diploma tambem está decidida.

O Sr. Leomil: - Eu queria dizer o mesmo: sobre essa legalidade a Camara já decidio por duas vezes. Em quanto ao que diz o Sr. Magalhães, considere-
se que a dúvida não foi a Commissão quem afez, mas sim um Deputado; e foi ao Diploma? Não: foi á pessoa. E por ventura podêmos nós ser superiores ás decisões do Poder Judicial? Senhor, respeitemos suas decisões, porque, respeitando-as, respeitâmos a Carta.

O Sr. Cordeiro: - Só hoje he que temos Regimento? Pois desde que temos Regimento, sempre foi a votação nestes casos por assentados e levantados: não sei porque hoje deva fazer-se de outra maneira.

O Sr. F.J. Maya: - He muito extraordinaria a questão, que se tem suscitado nesta Casa: praza aos Ceos que ella não sirva para seu desdouro! A votação por assentados, e levantados não pode ter lugar neste objecto. Tracta-se de, impugnar o Parecer da Commissão sobre um Deputado. A Commissão diz que eslava legal, mas depois sobreveio uma dúvida a respeito de se podia entrar nesta Camara o Deputado, visto achar-se pronunciado na Devassa; e a Camara decidio que fosse julgado na Camara dos Dignos Pares. A questão agora he somente, se a Certidão da Sentença está, ou não conforme; e a Commissão diz que á vista dessa Certidão o Deputado está no caso de tomar assento na Camara. A isso deve limitar-se a discussão.

O Sr. L. Tavares Cabral: - Neste negocio, e em qualquer outro, estou prompto para dizer publicamente a minha opinião; mas desejo que se execute a Lei, aliàs seguir-se-hão todos os males; o Regimento diz (lêo); logo a votação deve ser Secreta, eu assim o requeiro, e só para sustentar a necessaria execução da Lei.
O Sr. Miranda: - A questão he se se deve votar por assentados, e levantados, ou por esferas. Aqui tem havido exemplos de votar de ambas as maneiras, e quando se nos tem offerecido a menor dúvida, tem-se votado em segredo. Por conseguinte, he uma consequencia necessária da dúvida, que tem occorrido, a dever ser a votação
Secreta.

O Sr. Caetano Alberto: - Eu não estava esclarecido sobre este objecto, e não via aqui nada de legalisação do Diploma do Sr. Deputado: nestas circumstancias, como eu não estava illustrado, fiquei assentado; mas agora que pela discussão tenho conhecido que o Diploma está legal, eu voto a favor do Parecer da Commissão; e tanto se me dá que a votação seja por esferas, como por assentados, e levantados.

O Sr. Cordeiro: - A prática de votar por assentados, e levantados sobre os Pareceres da Commissão de Poderes em sido constante, e somente foi alterada duas vezes em consequencia de outras duas Indicações, uma minha sobre o Sr. Deputado Trigoso, e outra do Sr. Magalhães ácerca do Sr. Gouvêa Durão. A questão então era muito differente, pois duvidava-se se aquelles Senhores erão Deputados; mas isto agora se não duvida, e não sei como nos queremos intrometter nas decisões do Poder Judicial.

O Sr. M. A. de Carvalho: - He na verdade extraordinario que se mova questão sobre este objecto: por duas vezes foi o Deputado, de que tractâmos, declarado nesta Assemblêa Deputado da Nação, e tanto assim, que foi julgado na Camara dos Dignos Pares, sem cuja circumstancia o não podia sor. Declarou-se, digo, que era Deputado da Nação, mas que não podia ter assento nesta Camara, sem se mostrar innocente.- Mostrou-se tal; vem de novo o esta Ca-

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mara pedindo que seja admittida a Representação, e a Commissão de Verificação de Poderes vem hoje declarar, que effectivamente a Certidão mostra a innocencia do accusado, e que já não falta aquella circumstancia, que o impedia tomar assento nesta Salla. Nestas termos a votação, que se deve seguir, he a de levantados, e assentados, que sempre se segue nesses casos, porque os outros, que se tem
allegado, forão em circumstancias muito distinctas destas. Então era a votação sobre a pessoa, houve Indicação do Sr. Magalhães, e do Sr. Guerreiro, e na conformidade do regimento devêo ser, como foi, por esfrias a votação, e não por assentados, e levontados. Quanto mais, Senhores, uma só reflexão bastará: sômos nós authorisados para examinar, se o Deputado, de quem fallâmos, foi bem, ou mal julgado?

O Sr. Aguiar: - Dos Srs. Deputados, que fallárão antes de mim, uns requerêrão que a Votação fosse por assentados, e levantado?, outros que fosse por esferas, visto que versa sobre um negocio pessoal eu peço que seja nominal, porque nenhum receio tenho de manifestar em qualquer occasião, e em qualquer parte o que a minha consciencia dicta Sem respeito a pessoas, e a juizos mal fundados; e em prova declaro já o meu voto. Não pude deixar de me espantar quando ouvi que, apezar da Sentença proferida na camara dos Dignos Pares, o Deputado Manoel Christavão não podia tomar assento nesta Camara, visto haver perdido a opinião pública, em consequencia dos factos da rebellião por elle praticados: se eu tivesse de interpôr o meu Juizo, como particular, poderia, sem offensa das Leis, e da Carta, considera-lo como criminoso, não obstante haver sido julgado innocente, visto que o Parecer de qualquer não produz necessariamente a minha convicção porem agora Julgo como Deputado, e nesta qualidade não me he permittido negar a uma Sentença proferida em Tribunal competente o seu pleno effeito.

A Carta da Monarchia incumbe aos Dignos Pares Julgar os crimes dos Deputados, e offende-se manifestamente, se se não der comprimento ás suas Sentenças; nem sei como possa dizer-se que esta Camara, votando contra a habilidade do Deputado Manoel Christovão para exercer as suas Funcções em consequencia de ter perdido a confiança pública pelos factos, sobre que recahio a Sentença de absolvição, em nada impugna esta decisão, nem deixa de reconhecer a sua validade para todos os effeitos. Não seria na realidade o mesmo dizer: A Sentença dos Dignos Pares não tenha nesta Camara o effeito, que pode ter, ou não tome o Deputado assento nesta Camara, porque á opinião está contra elle, apezar da Sentença, que o Julga innocente, e violentados os factos, em que essa opinião se fundava? A opinião Legal, e Juridica está a favor da sua innocencia, ainda que outra o mostre criminoso. Guardemos a Carta, que sustenta o Poder Judicial; guardemos a Carta, que faz a Camara dos Dignos Pares Juizes competentes dos crimes dos Deputados; guardemos a Carta, que requerendo nestes a circumstancia de não terem pronunciados em Querela, ou Devassa, são exclue os que se achão legitimamente absolvidos; guardemos coherencia com o que decidimos, quando se declarou que o Deputado Manoel Christovão não tinha outro impedimento a entrar no exercicio das suas Funcções, senão achar-se criminoso, e dever por isso ser julgado pela camara dos Dignos pares.

Se queremos a carta, que o senhor D. Pedro nos dêo, devemos querê-la sempre, em todo o caso, e em quasquer circumstancias, não dêmos um exemplo terrivel da sua infracção, aliàs os nossos inimigos...

Sr. Presidente, para aqui.

O Sr. Tavares de Carvalho: -- Quando se tractou deste Negocio, se votou sobre a legalidade do Titalo, mas não sobre a habilidade do Deputado, o que me parece que são cousas distinctas. Eu reconheço a Authoridade da Camara doa Dignos Paras, e não he da minha intenção impugnar a innocencia desse Deputado reconhecida por uma Sentença. Parece-me porem que era este o lugar de se tractar da habilidade fysica, e moral do Deputado.

O Sr. L. T. Cabral: - Ninguem, me parece que nega a Authoridade dos Dignos Pares para Julgar, nem se Vai contra a Sentença, que pronunciárão; porem os unicos princípios para decidir a questão, de que agora se tracta, são e que está determinado pelo regimento neste caso; e tenho-me admirado de vêr acarretar para aqui cousas muito alhêas delle, ao menos na minha opinião. A questão reduz-se, se se ha de votar por assentados, e levantados, Ou por esferas; nesta parte ha de consultar-se o regimento tudo o mais não vem para aqui, nem disso se lembrou ninguem, ou, pelo menos, eu decerto me não lembrei.

O Sr. Aguiar: - O Sr. Tavares de Carvalho disse que nada se decidio ainda nesta Camara sobre a habilidade pessoal do Deputado, a respeito do qual tem versado toda a questão, e que por consequencia ha lugar a votar-se sobre ella, e pode sem offensa da Sentença dos Dignos Pares ser excluido desta Camara. O que deduz das Actas deste Camara ne o contrario, porque consta que a Commissão da verificação dos Poderes achou legal o seu Titulo, e apenas em quanto á pessoa delle Deputado o impedimento proveniente de se achar pronunciado como criminoso de rebellião, em consequencia do que só poderia tomar assento na Camara, removido este por Sentença proferida competentemente pelos Dignos Pares: he esta a que elle boje apresenta.

Comtudo: eu quero conceder que ainda não esteja verificada a habilidade pessoal, e portanto reconheço na Camara a faculdade de lhe negar assento, havendo uma legitima causa; mas veja esta bem, se he causa legitima aquella, que provêm de um crime, de que elle foi absolvido, ficando, em quanto a elle, reduzido ao estado em que se achava antes de ser pronunciado, isto conforme a censura das Leia, e para os exercicios de todos os direitos civis, e políticos, ainda que particularmente cada um dos Membros desta Camara possa entender que o delicto existio, e o Réo devia ser condemnado.

O Sr. Gerardo de Sampaio: - Tenho reparado que alguns Srs. se tem intromettido no merecimento, e nesse caso quero fallar.

O Sr. Presidente: - Agora tracta-se simplesmente do modo, com que se ha de fazer d votação: em quanto ao merecimento, ninguem duvida; porem pode tornar-se a abrir a discussão sobre esse ponto.

O Sr. Geraldo de Sampaio: - Pois no caso, em que se tracte do merecimento, então reservo-me a palavra

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O Sr. M. A. de Carvalho: - Limito-me á Ordem.

Peço que a votação seja nominal, o que julgo que deve ser, até por decoro desta Camara.

O Sr. Tavares de Carvalho: - Respondendo ao Sr. Aguiar, devo dizer, que não he falso o que eu manifestei. Sr. Presidente, eu argumentei com o § do regimento, e com o Artigo da Carta; e repito que do que me parece que se deve tractar somente he da habilidade da pessoa.

O Sr. Tavares de Almeida: - Tambem sobre a ordem, Sr. Presidente. Se a votação pode ser secreta, tambem pode ser nominal. Pergunto: qual gora mais decorosa? Eu não sei até o que tem de odiosa a votação secreta.

Julgou-se suficientemente discutida esta questão, e venceo-se que a votação fosse nominal.

O Sr. Presidente: - Se ha alguma reflexão a fazer-se agora sobre o Parecer da Commissão, podem tomar a palavra os Senhores que o julgarem conveniente.
O Sr. Gerardo de Sampaio: - Sr. Presidente: ouvi soar nesta Assemblêa as palavras, que indicárão que nella houve quem opinou, que a Sentença definitiva dos Dignos Pares do Reino, que reconheceo innocente o Sr. Deputado da Nação Portugueza, Manoel Christovâo Mascaranhas de Figueiredo, não deve produzir effeito deste se assentar entre nós. Persuadido de que isto não foi illusão, e sim verdade, direi alguma cousa sobre uma semelhante Indicação; e como não assisti ao primeiro acto de ser discutido um tão importante negocio, para deliberar com algum conhecimento de causa, peço a V. Exca. queira dignar-se de mandar ler o Parecer da Commissão (lêo-se).

Sr. Presidente: Fico surprendido de que se pertenda embaraçar o exito da Causa julgada, muito mais neste respeitavel Recinto, em que devem começar os terminantes exemplos do sagrado reconhecimento da divisão dos Poderes Politicos, e das sua diversas Auttibuições, e em que a Constituição, que tanto recommenda este preceito, tem sido observada de forma, que nada deixa a desejar.

A Camara dos Dignos Pares erigida nesta parte, e por Lei, em um verdadeiro Poder Judiciario, determinou pelas formulas, que não he da nossa competencia indagar, e que com tudo devemos suppor que forão segundo a Carta, que o referido Sr. Deputado da Nação Portugueza ficasse isento da suspeita, que sobre elle recahira em virtude da culpa, que se lhe havia imputado: a esta Assembléa, que não he, nem pode reputar-se em taes circumstancias Tribunal Superior, e Deliberante, só lhe incumbe a religiosa execução deste Julgado: tudo o mais he desordem, e contravenção de Lei.

Eu não sei se a opinião se tem desenvolvido a favor de uma semelhante decisão, ou contra, e menos isso me deve importar no caso em questão: assás presença de espirito tenho para deliberar pela parte que me toca, sem receio de censuras, e só com a mira na execução das Leis, e nos impulsos da minha intima consciencia: estes dous principios dictão-me (visto o Sr. Deputado da Nação Portugueza, Manoel Chritovão Mascaranhas de Figueiredo, ter sido declarado como tal por esta Assembléa, não se lhe dando Jogo nella assento por ter a inhabilidade da pronuncia, que o tornava suspeito do crime, que se lhe imputava) que deve agora, em cumprimento do Julgado, que o considerou innocente, lendo cessado aquella inhabilidade, ser admittido entre nós; mais claro: o individuo, de que se tracta, foi declarado Deputado pela Assembléa; não entrou logo para ella, porque estava pronunciado; este embaraço da pronuncia foi removido pela Sentença, que o julgou innocente; logo só nos resta o recurso de indagar, se alem daquelle impedimento tem outros; e, não os tendo, he nosso dever admitti-lo sem hesitação. Esta a minha opinião, que sustento, e sustentarei.

O Sr. Borges Carneiro: - Muito me tem maravilhado, ou, antes, espantado a presente questão. Quer-se acaso combater a authoridade da Causa julgada, a qual he tão sagrada, que segundo a frase de Cicero, nada será estavel, nada seguro no Paiz , onde se não guardar? Foi o Sr. Mascaranhas declarado Deputado por esta Camara á vista do seu Diploma achado legal; pareceo porem que não podia entrar em exercicio por lhe obstar um impedimento: e qual? O da suspeita que lhe resultava da pronúncia. Digo suspeita, porque a pronúncia não constitue os réos, somente os indica como taes. Seguio-se pois a Sentença proferida em Juizo competente, e decidio que não era réo do crime imputado. Haverá pois alguem que ainda queira sustentar que aquelle impedimento persevera? Qual he logo o effeito da Sentença? Se porem aquelle impedimento cessou, aponta-se acaso algum outro?. Não. Longe pois desta Camara authorisar com o seu exemplo o que tanto se tem recriminado em alguns Empregados Públicos, a saber: a arbitrariedade, e a illusão das Leis. O Parecer da Commissão deve-se approvar sem demora.

O Sr. L. J. Moniz: - Alguns dos Srs. Deputados parecem suppor em seus Discursos a idéa de se pertender impugnar a Sentença da Camara dos Dignos Pares. Eu, pela parte que me toca, protesto contra semelhante supposição, que nunca me entrou na cabeça, nem podia entrar em quanto estivesse em meu juizo. Sei muito bem a obrigações, que me impõe a Carta Constitucional; nunca me affastarei dellas nem um só momento, em qualquer materia qua seja, e muito menos na de uma Sentença da outra Camara. O Poder Judicial he independente em todos os seus ramos; e como o poderá deixar de ser, quando exercido constitucionalmente pela Camara dos Dignos Pares!

Isto he tão claro, que só quem tivesse perdido a cabeça poderia pertender que destruir este principio, e acabar com o Governo Representativo, não fosse uma, e a mesma cousa. Eu fiquei assentado, porque quando na Sessão Extraordinaria do anno passado se tractou esta materia, ainda eu, e os meus Collegas da Ilha da Madeira, não tínhamos tomado assento nesta Camara. Nenhum conhecimento tinha da materia, senão o que pude obter pelos Papeis Publicos, que ninguem crerá que eu tinha por Documentos authenticos para objecto tão grave. As Actas da Camara só indicação as proposições geraes, e seus resultados, despidos das circumstancias dos factos, e não me podem obrigar em consciencia. Como não tivesse outro caminho a seguir em uma materia, em que me não achava suficientemente instruido, segui, o de ficar assentado: isto he o mesmo que em outras, occasiões tem praticado alguns dos Sr. Deputados;

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e he o mesmo que ainda há pouco praticou um, quando se tractou da Lei sobre o Commercio da Ilha da Madeira. Creio que pela mesma razão assim praticarão muitos outros dos Srs. Deputados, que ficarão assentados: esta foi sem duvida a causa de alguma vacillação nos votos, o que até percebi pelo que disserão em voz baixa muitos dos mesmos Senhores. Longe pois a idéa de quem pertendesse que esta Camara se erigisse em Tribunal revisor da Sentença dos Dignos Pares. Isso, e dar um golpe mortal na Carta, sería para mim uma, e a mesma cousa; e por tanto fora de toda a questão que podesse caber no juizo de Membro algum desta Camara.

O Sr. Miranda: - Se se olha bem a questão, o resultado necessario he não haver lugar a votar. Se pela votação se tracta de declarar valida, ou não valida a Sentença dos Dignos Pares, então digo que não ha lugar a votar (apoiado); mas não he essa o questão. Suscitou-se outra sobre a validade do Titulo, e disse-se que este Titulo tinha já sido declarado legal pela Camara; mas então se não tractou da validade da pessoa, pois ainda que se tracte desta validade, nem porisso nos intromettemos na Sentença, que declarou innocente a pessoa, de quem fallâmos. Eu ponho um exemplo: supponhâmos um sujeito, que ficou privado do seu juizo; o seu Diploma podia ser julgado bom, mas no emtanto isto nada teria que vêr com a habilidade daquelle, quem esse Titulo se concedêo antes de soffrer aquella perda. Aquelles Srs., que tem pertendido, que se vai atacar a Carta, emittirão uma consequencia mui diversa daquella, que devera ser: a consequencia deveria ter sido que não havia lugar a votar; mas, havendo lugar a votar, necessariamente concluem que vão votar sobre a validade da pessoa. Em quanto a esta votação, já está declarado que seja nominal, e nem porisso deixará ninguem de votar a favôr, ou contra o Parecer; mas declarando desde já, pelo menos eu, que essa votação não importa reprovação, nem intrometimento na Sentença dada pelo Tribunal competente.

O Sr. Magalhães começou lendo o Regimento, e continuou: - Vê-se que aqui pode haver duas dúvidas: proponho que, como ha dúvida sobre a idoneidade da pessoa, se suspenda a discussão, e se chame o Deputado para responder o que lhe convenha.

O Sr. Presidente : - Já em outra Sessão se tractou de se devia entrar este Deputado na Camara a assistir á discussão, e se resolvêo que não.

O Sr. Magalhães lêo outra vez o Regimento, e disse: - Eu peço outra vez que não progrida a discussão sem vir o Deputado aos Bancos.

O Sr. Campos Barreto: - Eu julgo que esta nova questão, que agora se tem suscitado, não tem lugar nenhum. Diz o Regimento (lêo-o): não ha dúvida que este Artigo do Regimento suppõe que possa haver duas votações, uma sobre a legalidade do Titulo, e outra sobre a legalidade da pessoa; mas o Sr. Deputado, que suscitou esta questão, não reparou que já estes quesitos estão plenamente satisfeitos: já decidio a Camara que os Titulos estavão legaes; já houve tambem decisão sobre a legalidade da pessoa, porque foi julgada innocente; se não ha outra invalidade, essa esta inteiramente destruida.

O Sr. M. A. de Carvalho: - Declaro que tal questão preliminar não pode ter lugar. Dous são os que sitos essenciaes para ser uma pessoa reconhecido De putado: 1.º legalidade do Titulo : 2.° validade da pessoa. Pergunto eu: quando nesta Camara se perguntou se o Sr. Manoel Christovão de Mascarenhas era Deputado, e se decidio que sim, reconhecemos estes dom quesitos, ou não? Depois do julgado cessou, ou não cessou o impedimento condicional, que era o que somente o inhabilitava para tomar assento na Camara? Cessou sem duvida alguma, porque foi julgado innocente por Authotidade compente: logo, não ha votação a fazer sobre isto. Do que se tracta agora he de declarar se a Certidão da Sentença, que elle apresentou, he, ou não legal: reconhecida a legalidade dessa Certidão, toda a questão deve desapparecer.

O Sr. L. T. Cabral - Parece-me que se não deve declarar suspensa a discussão, e mandar para ella chamar o Sr. Deputado; e até me parece, informado pelo progresso da questão, que não deve haver mais discussão sobre a materia. Os Diplomas estão approvados, o Sr. Deputado tem sido declarado innocente; então que ha que duvidar?

O Sr. Caetano Alberto: - Na primeira votação fiquei assentado, porque não encarei a questão na sua verdadeira luz. Mas, verificando-se que o Deputado, que está lá fora, he o mesmo, que foi absolvido pela Camara dos Pares, cessa toda a questão; e approvo o Parecer da Commissão.

O Sr. Soares Castello Branco: - De certo eu não interromperia meu costumado silencio, se não visse pelo progresso desta discussão que por algum modo pode ser a final compromettida minha reputação; e he o que me obriga a fallar. He verdade que meu interesse particular não deve aqui entrar em contemplação; mas tambem mal poderá um Deputado merecer a confiança pública, se não tracta de conservar illesa sua reputação.

Vai-se proceder a uma votação nominal sobre a admissão do Deputado eleito Manoel Christovão Mascarenhas, accusado do crime de Rebellião, e julgado innocente na Camara dos Dignos Pares, unica Authoridade constituida para conhecer deste crime. Se eu estivesse na Camara quando a principio se tractou deste negocio, o Publico conheceria então quaes erão a esse respeito minhas opiniões: eu teria tido occasião de as desenvolver; e já agora não estranharia , vendo-me emittir um voto conforme ao meu modo de pensar, mas que talvez não seja o da maioria da Camara. Devo por tanto ao Publico uma satisfação, que depois não terei occasião de dar.

Manoel Christovão Mascarenhas, depois de eleito Deputado, comettêo actos de Rebellião; nisto não ha dúvida: foi absolvido quanto á intenção, com que comettêra os referidos actos, e não pode jamais ser perseguido por elles, qualquer que fosse a Authoridade, que o intentasse; tal he o effeito da Sentença de absolvição, que conseguio. Todavia: certos actos produzem effeitos moraes de tal natureza, que nenhum Julgado, ou Sentença he capaz de destruir. Longe, e mui longe de mim excitar lembranças, que possão de alguma maneira accender os animos dos Membros desta Camara, por isso não dou mais desenvolvimento a minhas idéas, nem a ordem da discussão mo permitte. Só pertendo que se não diga que aquelles, que votarem contra a admissão de Manoel Christovão, não reconhecem a legitimidade da Sentença, e votão con-

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tra a Carta. Se assim fosse, não devia haver lugar a votar; mas a Camara reconhece o contrario, porque consente que o negocio fé ponha a votos; e nenhuma cousa pode propôr-se á votação, sem que seja livre no Deputado, segundo sua consciencia, approvar, ou rejeitar.

O Sr. Cordeiro: - Reservo a minha palavra para quando se fallar na materia , para mostrar ao Sr. Castello Branco o que eu entendo, e o que entendem todos os que sabem de Direito.

Julgou-se discutida a questão preliminar, offerecida pelo Sr. Deputado Magalhães, para se suspender a votação até que o Sr. Deputado Mascarenhas fosse competentemente ouvido, e defendesse pessoalmente o seu direito; sendo posta á votação foi rejeitada.

O Sr. Guerreiro: - Sr. Presidente, antes de continuar a discussão, peço a V. Exca que mande lêr todas as resoluções da Camara a semelhante respeito.

O Sr. Presidente :- Vão-se lêr os Documentos que se pedirão.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada: -- Peço a V. Exca. que mande convidar os Srs. Deputados que estão fora.

O Sr. Magalhâes: - Ao menos o Sr. Deputado que requerêo a leitura.

O Sr. Presidente: :_ Eu não me julgo obrigado a mandar convidar nenhum dos Srs. Deputados que venhão para a Salla.

O Sr. Aguiar : - Nem nós obrigados a esperar por elle, porque devia cá estar.

O Sr. Deputado Secretario Barroso lêo os documentos.

O Sr. Leite Lobo: - Eu tinha pedido a palavra a respeito da Proposição sobre a Ordem, essa está concluida; e só direi, que este Deputado não podia vir aqui se algum dos Srs. Deputados tivesse alguma cousa que dizer fora da culpa, porque elle acaba de ser Julgado na Camara dos Dignos Pares, e digo que até he contra a Carta fallar sobre esta materia.

O Sr. Cordeiro: - Ouvi dizer a um Sr. Deputado pelas Ilhas dos Açores, que a
presente questão se devia considerar por outra forma distincta daquella, que se tem tractado na discussão, e que sem duvidar da Authoridade da Sentença, e dos seus effeitos se podia encarar a questão, se pelos actos que forão publicos havia lugar a excluir o Sr. Deputado Manoel Christovão do exercicio nesta Camara. Eis-aqui uma subversão manifesta de todos os principios de Jurisprudencia Universal. O Sr. Deputado não duvida da Authoridade da Sentença, não duvida que ella deve sortir os seus effeitos, e entretanto anima-se a propôr uma questão, que inutilisa a Sentença e seus effeitos: isto he, mette em questão os factos públicos, e ostensivos que forão ventilados e julgados, e quer concluir delles, que não deve ser admittido nesta Camara aquelle, que sendo legalmente Eleito, e que foi reconhecido Deputado, porem que por esses mesmos factos não pode ser admittido ao exercício e effectivo, ficando a sua admissão dependente do futuro Julgado; quer, torno a dizer, metter em questão o que foi objecto da questão, já determinada pela Sentença da Camara dos Dignos Pares, e quer tambem persuadir que ficão salvos os effeitos da Sentença!

Esta questão he mais digna de despreso, do que de uma refutação circumstanciada; porem quer a fatalidade que se lhe tenha dado consideração pela parte contraria ao Parecer da Commissão; e como vejo tão compromettida a dignidade da Camará , e tão arriscada a separação dos Poderes Políticos, he forçoso demorar-me para desvanecer a impressão, que poderia fazer nos Sr. Deputados a distincção, que fez o Sr. Castello Branco, sobre os effeitos da Sentença, e os actos públicos, que no seu modo de pensar lê devam considerar sufficientes paro excluir o Sr. Deputado Eleito do exercício nesta Camara , sem com tudo só offenderem os effeitos da Sentença, que o julgou innocente.

Aquelles factos publicos, e ostensivos forão anteriores, ou posteriores ao procedimento criminal? Estou muito certo que o Sr. Deputado que impugna o Parecer da Commissão ha de reconhecer, e toda a Camara, que elles forão anteriores, e que derão cousa aos mesmos procedimentos: esses factos ostensivos forão ligados a circumstancias, que pela devassa forão qualificadas para formar a imputação; esses factos, e suas circumstancias, forão examinadas no Juizo competense á instancia do Procurador da Corôa; o accusado produzio sobre elle sua defeza, e sobre tudo se proferio a Sentença de absolvição. Como he possivel por tanto instaurar agora a questão sobre os mesmos facto, e attribuir-lhes o effeito de exclusão do exercicio de Deputado, quando a Sentença sobre elles proferio o unanime Juizo de inculpado?

Como pode imaginar-se aquelle effeito de exclusão? Os factos ostensivos sem exame, e defeza inculcárão a suspensão do effeito da Eleição, porem depois de julgados não podem inculcar outro effeito, que não seja a execução da Sentença. Seria cousa nova, que os factos considerados na sua ostensibilidade, podes-se ter effeitos contrarios ao exame, e Juizo da mesma ostensibilidade! Os factos ostensivos induzem suspeita de crime, porem depois de julgados inculpaveis, a suspeita desvaneceo-se, e em seu lugar apparece a verdade qualificada na Authoridade da Sentença.

Nestas circumstancias, Senhores, ha de dar-se mais força aos factos ostensivos, despidos de exame e defeza, do que se deve Religiosamente dar á Authoridade da Sentença? E poderá ainda negar-se que he impraticavevel aquella imaginada distincção, de effeitos da Sentença, e factos públicos ? Eu creio que tenho levado esta questão á sua evidencia; porem ainda me resta ponderar o que são effeitos da Sentença.

O principal effeito da Sentença he produzir a Authoridade de cousa julgada, de que se seguem os outros de ser tida por verdade, e de ser irrevogavel. Estes effeitos são obvios, estão firmados nos principios de Direito Natural, e na Legislação de todas as Nações, desde a mais remota antiguidade. Para facilitar mais a applicação destes principios, cumpre examinar os effeitos da pronuncia.

O Corpo de delicio verifica a existencia de um facto culpavel, e a Pronuncia declara quaes são as pessoas , que pela instrucção do Processo se mostrão suspeitas de o haverem comettido; eis-aqui a grande differença que ha entre Corpo de delicio, o Pronuncio; aquelle induz certeza da existencia do facto, e esta somente induz suspeita do auctor delle, e seus socios, etc. A Sentença forma o Juízo definitivo sobre a Pronuncia, e condemna, ou absolve, e neste segundo caso a suspeita desapparece legalmente, e por

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tanto cessão todos os effeitos da suspeita, e são substituidos pelos effeitos da Sentença. Postos estes principios de eterna verdade Juridica, segue-se que o Sr. Deputado pelas Ilhas dos Açores, instaurando a questão dos factos públicos, com distincção dos effeitos da Sentença sobre elles proferida, não fez outra cousa mais do que fazer reviver os effeitos da suspeita, já extinctos pela Sentença, e dar áquelles uma consideração manifestamente destruidora dos effeitos Naturaes e Juridicos da Sentença legitima, e competente; em uma palavra, por Direito apresumpção cede á verdade, mas nella questão quer o Sr. Deputado que a apresumpção, ou suspeita que resultou da pronuncia prevaleça á verdade, que resulta da Sentença!!

Era muito para desejar, que o mesmo Sr. Deputado nos apontesse o Codigo, ou o Jurisconsulto aonde achou expendidos os principios da sua distincção, e dos effeitos das Sentenças Crimes separados dos factos, sobre que ellas forão proferidas.

Finalmente, Senhores, esta questão não teria lugar se em vez do Sr. Deputado Eleito vir aqui mendigar um Parecer da Commissão, sobre o Documento que elle apresenta da Sentença que o julgou innocente, tivesse a Camara dos Dignos Pares dirigido a esta Camara uma Participação Official sobre a julgatura do mesmo Sr.. Deputado, como era regular; porem devemos confessar ingenuamente, que toda a culpa foi nossa, porque se mandárão remetter os Papeis ao Governo, para este os juntar á Devassa, e dirigir tudo á Camara dos Dignos Pares, aonde se duvidou muito judiciosamente sobre esta formalidade parlamentar: na conformidade da Curta o Processo devia vir a esta Camara, e por Ordem da mesma se deveria ratificar o procedimento Criminal; de sorte que a Camara a este respeito faz as vezes de primeiro Jury , e daqui se devia remetter o Processo á Camara dos Dignos Pares; houve por tanto da nossa parte uma falta, e essa não posso deixar de attribui-la á carencia de habitos parlamentares, e della he que procedêo agora os embaraços, em que estamos constituidos, na presença de uma questão, que jamais se podia esperar; questão melindrosa pelos seus resultados, se for rejeitado o Parecer da Commissão.

Eu tenho sustentado o mesmo Parecer, e não deixarei de me empenhar mais na questão, se houverem novos argumentos que mereção refutação. A Camara pondere seriamente o caso, e não comprometta a sua Dignidade, nem arrisque a harmonia, e justo equilibrio dos Poderes Politicos.

O Sr. Soares Castello Branco: - Sou obrigado a fallar, bem contra minha vontade; mas primeiramente para responder cabalmente ao hontado Membro, que me impugnou, preciso saber se está aberta a discussão sobre a habilidade, ou inhabilidade do individuo, porque a questão de Ordem cessou, devia seguir-se a votação; e por isso em quanto V. Exca. me não declarar se isto está em discussão, não posso
responder cabalmente.

O Sr. Presidente: - He a terceira vez que digo que se está discutindo o Parecer
da Commissão dos Poderes.

O Sr. Soara Castello Branco: - Por consequencia não tenho nada que dizer, nem posso responder ao honrado Membro.

O Sr. Cordeiro: - Quando um Deputado pronunciar nesta Camara uma Proposição, deve anterior mente considera-la em todas as suas relações, e pesar seriamente a sua importancia, para que depois se não ache inconsideradamente constituído nas tristes circumstancias de illudir a mesma Proposição, que proferio, ou divergir da sua natural intelligencia, e dos seus effeitos necessarios, e em uma palavra, para que não lhe aconteça o mesmo, que se está anualmente experimentando. Eu ouvi distinctamente dizer ao Sr. Deputado, que abrio a discussão, que apezar da Sentença, que absolvêo o Sr. Deputado eleito, elle não podia ser admittido neste Recinto, porque praticou factos públicos, pelos quaes está condemnado pela opinião pública, e que perdêo a confiança dos Eleitores; alguns outros Srs. Deputados tem sustentado fortemente esta opinião; porem outros, e muito particularmente o Sr. Borges Carneiro tem sustentado, não com palavras, que o vento leva, porem com nervosos, argumentos juridicos o Parecer da Commissão, e até manifestou a maior surpreza, e esponto por se haver suscitado uma tal questão. Depois que se tem demonstrado a sem razão de uma tão inesperada tentativa, depois que se tem manifestado que a impugnação do Parecer da Commissão abala pelos seus fundamentos a separação, e harmonia dos Poderes Politicos, alguns Senhores tem pertendido desfigurar a questão, dizendo que não se impugna a Authoridade, e os effeitos da Sentença da Camara dos Dignos Pares, e que unicamente se impugna a habilidade pessoal do Deputado eleito. Na verdade, Senhores, he para lastimar que tivesse lugar semelhante questão, e mais para lastimar ainda o disfarce, que se lhe pertende agora dar!! Por ventura essa impugnação provêm de factos subsequentes á Sentença? Provém essa inhabilidade fysica, ou moral de causas, que viessem de novo? Certamente não, porque manifesmente se deduzio dos factos públicos, que forão julgados na Sentença, e abertamente se disse que, apezar della, o homem tinha perdido a confiança dos seus Eleitores, e estava condemnado pela pública opinião. E que quer dizer isto?

Ninguem de boa fé deixará de reconhecer que importa o mesmo que negar os effeitos de uma Sentença. E quem posterga os effeitos da Sentença não menoscaba a Authoridade de quem a proferio, e não a torna illusoria, e inefficaz? Certamente. E não será este procedimento subversivo da independencia, separação, e harmonia dos Poderes ? Não pode duvidar-se á vista da Carta. Porem seja-me licito perguntar, quaes são as provas de que o Homem perdêo a confiança dos Eleitores! Quero suppôr que effectivamente perdêo essa confiança. Aonde está consagrado na Carta o principio de que os Eleitores fazem, e desfazem Deputados? Eu o que vejo na Carta são elementos de Eleição indirecta, porem não acho esses principios populares, que não quadrão ao Systema de uma Carta Monarchica.

Desejava muito saber, qual he o orgão dessa Opinião pública, como se pronunciou, e que effeitos pode ter, e como chegão ao ponto de malbaratar uma Sentença? Eu sei, pelo que tenho aprendido, que o Cidadão não pode ser privado dos seus Direitos Politicos, senão por effeito de uma Sentença, e sei igualmente que estes principios são justos, e que formão saudaveis garantias de uma bem equilibrada Liberdade; porem que a invocação de Opinião pública pre-

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valeça contra uma Sentença, e que he bastante para privar o Cidadão da fruição dos seus mais apreciaveis Direitos, he para mim uma doutrina nova, que não vi ainda escripta; e muito bom seria que o Sr. Deputado nos mostrasse esta excellente materia sanccionada em algum Codigo Constitucional.

Tambem ouvi dizer que alguns Srs. ficárão assentados na primeira votação, porque não estavão informados das primeiras discussões, que houverão na Sessão passada, porem das Actas consta tudo; e um Deputado, que se préza de cumprir os seus deveres, deve lê-las lido muito altentamente, e para esse fim he que ellas se distribuem ; e demais a Commissão explicou-se com bastante clareza, e quem não tem informação ou não vota, ou pede informação, ou adiamento na forma do nosso Regimento; mas por não ter informação votar contra o Parecer de uma Commissão, e em prejuizo de terceiro, he cousa que me faz horror, e não pode deixar de flagelar o coração dos Homens, que prezão sobre tudo a Dignidade desta Camara!

Se o Parecer da Commissão for rejeitado, então conhecerão os Srs. Deputados, que votão contra elle será conhecimento de causa, o abysmo de vergonha, em que fica esta Camara, e como hão de exultar os inimigos das nossas Instituições Politizas.

Sejamos francos, e sinceros; a impugnação, que se tem frito ao Parecer da commissão, he um absurdo indesculpavel, que pode lançar-nos em grande confusão; porem ainda estâmos a tempo de emendar tudo, a de evitar o precipicio, de que nos podiamos dispenhar na Votação de assentados, e levantados, e na votacão secreto. Senhores, votemos com firmeza, e setenidade, e salvemos a Dignidade da Camara.

O Sr. Barreto feio:- Disse o Illustre Preopinante que he franco, e sincero; franco, sincero sou eu, que não digo senão o que sinto, que me não deixo levar do interesses pessoaes, nem de paixões, nem de amizades: franco, e sincero sou eu, que nada tenho em vista, que o Bem da Patria; e quem examinar as minhas opiniões, certo se persuadirá de que nunca atirei a outro alvo. (Advertido pelo
Sr. Presidente que a materia estava discutida, o não devia continuar a discussão, concluio, dizendo) Pois bem: ainda que a elle se lhe permittio fallar, eu remetter-me hei ao silencio.

O Sr. Presidente: - Eu peço por decoro da Camara que se não tracte mais desta questão. Os sentimentos geraes dos Srs. Deputados não erão impugnar a Sentença dos Dignos Pares.

Julgando-se o objecto sufficientemente discutido, se procedeo é votação nominal, e foi approvado o Parecer da Commissão por 87 Srs. Deputados, e rejeitado por tres, que forão os Srs. Soares Castello Branco - Barreto Feio - e Miranda. - Foi immediatamente o mesmo no Sr. Deputado introduzido no Sala pelo Sr. Secretario Ribeiro Costa, prestou os respectivos Juramentos, e passou a tomar ausento na Camara.

Deo conta o mesmo Sr. Deputado João Alexandrino de Sonsa, Queiroga, era nome da commissão Administrativa, do relatorio da mesma Commissão, contendo o seguinte Balanço, e Exposição da sua Conta, e Administração, durante a actual Sessão.
A Commissão Administrativa, nomeada pela Camara dos Srs. Deputados da Nação Portugueza para servir na Sessão, Ordinaria do corrente anno de 1817, vem hoje, na conformidade do Artigo 72 do Regimento Interno da mesma Camara, apresentar a esta o devido relatorio da nua gerencia durante o periodo da mencionada Sessão.

A Commissão entrando no exercito de sua funcções, e havendi procedido ao Orçamento das Despezas certas, e presumiveis nos respectivos mezes, que tem durado a mesma sessão, exigio, e recebo do Thesouro publico as seguintes quantias

[Ver tabela na imagem]

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Toda Receita, e Despeza supramencionada se verifica pelos Documentos desde N.º 1 até N.º 52. Existe por tanto em Cofre o Soldo de l.359$ réis, que a Commissão entende que deve ser entregue so Thesouro Publico pelo respectivo Thesoureiro da Commisão.

A Commissão reconhecendo que com o encerramento da Sessão expirão as suas funcções, e attendendo á necessidade de prover, e vigiar o bom estado, e consevação do Edifício da Camara, e bem assim de satisfazer áquelles Empregados, que tem vencimentos anauaes, e a quem se deve pagar mentalmente; he de opinião, que pela Repartição do Ministerio da fazenda, sendo-lhe presente uma Relação nominal dos sobredictos Empregados, com a designação dos dias, e vencimentos a que tiverem direito, se possa fazer entrega ao Archivista, e Sub-inspector do Palacio da Camara dos Prestações necessarias para fazer face ao pagamento dos dictos Empregados, e bem assim daquellas Obras, que forem indispensaveis para a boa conservação do Edificio.

Paço da Camara dos Deputados 29 de Março de 1827. - Alexandre Thomaz de Moraes Sarmento, Presidente - visconde de Fonte Arcada - Pedro Mouzinho de Albuquerque - Antonio Vieira de Tovar e Albuquerque - Luis Antonio Rebello, Thesoureiro - Francisco Antonio de Campos - João Alexandrino de Sousa Queroga. Secretario.

Mandou-se remetter immediatamente a uma Commissão especial para a examinar, a qual seria nomeada pela Mesa. Effectivamente nomeou esta os srs.
Macedo Ribeiro - F. J. Moya - Soares de Azevedo - Ferreira Botelho - Rodrigues de Macedo- Fortunato Leite - e Soares Franco.

Entrou em discussão o seguinte

PARECER N.° 147 A.

A Commissão Especial encarregada de examinar os papeis enviados pelo Ministro Secretario d'Estado dos Negocios do Rei no, com Officios de 26 e 28 de Fevereiro passado, achou serem: doze Consultas da Mesa do Desembargo do Paço, quatro do Conselho da Fazenda, tres da Real Junta do Commercio, doze da Junta da Directoria Geral dos Estudos, um da Saneia Casa da Misericordia de Lisboa, um da illustríssima Junta da Companhia do Alto Douro, um da Junta das Confirmações Geraes, um Projecto de Regimento para o Terreiro, feito pelo Inspector .Geral, um Plano relativo ao Artigo 85 da Carta, cinco Requerimento de Partes.

Todas estas Consultas, e Requerimentos forão dirigidos ao Poder Executivo; porem o Ministro Secretario d'Estado dos Negocios do Reino enviou-os para esta Camara, sob pretexto de não competir a decisão delles ao Poder Executivo. Daqui nasce a questão previa: = se este modo de remessa , ou correspondencia he conforme aos principios parlamentares. =: E a commissão achou que não.

O Poder Executivo he quem manda proceder ás Consultas; he a elle que estas são dirigidas; e só elle pode corresponder com quaesquer Auctoridades Civis, Militares, ou Administrativas. Se por esta correspondencia o Poder Executivo acha na execução de qualquer Lei, ou na manutenção da ordem publica
difficuldades, que só por medidas legislativas possão ser removidas, a Carta Constitucional concede elle direito oposição para que o Ministro respectivo possa propor as Leis que achar necessarias, dever que o ninguem como elle pode desempenhar, pelo conhecimento da natureza, e da força das circumstancias, a que a medida legislativa deve ter adaptada.

A Commissão até acha de perigoso exemplo que as Camaras Legislativas tomem a iniciativa na resolução das Consultas; porque assim se daria aos Tribunaes em certo modo o direito de proposição, e ás Camaras uma certa ingerencia na Administração, e na execução das Leis.

Quanto aos Requerimentos de Partes: se o Ministro Secretario d'Estado os não acha fundados em Justiça , ou entende que o seu deferimento não he exigido pelo bem do Estado, não pode haver razão para que com elles se venha tomar á Camara um tempo consagrado á discussão dos interesses Nacionaes; sã porem o bem do Guindo exige que algum desses requerimentos suja defendo, a ordem natural pede que o Ministro, que assim o entende, use ácerca delle do Direito de Proposição, que compete ao Pode Executivo.

A Commissão propõe por tanto, que todos os Papeis tornem a ser enviados ao Excellentissimo Ministro, para que sobre elles faça a Proposta , ou Propostas, que o Poder Executivo houver por bem.

Camara dos Deputados 16 de Março de J827. - Doutor Francisco Xavier de Sousa Queiroga - José Homem Corrêa Telles -José Cupertino da Fonseca e Brito -. Manuel Borges Carneiro - José de Macedo Ribeiro -- Manoel Teixeira Leomil - José Antonio Guerreiro.

O Sr. João Elias: - Sr. Presidente, opponho-me ao Parecer da Commissão concebido em tanta generalidade: he verdade que o Governo não tem feito o devido uso da parte, que a Carta lhe dá na iniciativa, remettendo Papeis avulsos para a Camara os tomar em consideração; entretanto = est modus in rebus, lunl justi denique fines =. nem tanto ao mar, nem tanto á terra.

Entre os Papeis remettidos pelo Ministerio dos Negocios do Reino ha alguns, que se podião tomar em consideração ; tal he a Consulta do Desembargo do Paço o favor do Conselheiro da Fazenda Joaquim José de Sousa Lobato, para dispensa da Lei mental sobre o Titulo de Visconde de Magé, de que o Irmão falecido tinha duas vidas, a que succedêo o actual Conselheiro: por aquella Consulta vê-se, lendo já precedido os competentes informes, que o Consultado já gosa da parte principal das Mercês do Irmão, que são os Bens da Corôa; resta-lhe ainda o Titulo de Visconde, que nenhum pêzo faz ao Estado, e a que o Tribunal o julga com Direito, precedendo dispensa da Lei mental. Esta dispensa parece-me hoje desnecessaria, e contraria ao paragrafo 11 da Carta, que faz a concessão dos Títulos Attribuição do Poder Executivo, sem alguma restricção, não havendo Mercês pecuniarias. Quem podo o mais, pode o menos; se o Rei pode crear Titulos, pode conceder os existentes, principalmente havendo já concessão da vida; logo, não ha lugar á dispensa, é assim se deve julgar geralmente, declarando-se caduca nesta parte, a Lei pelo systema da Carta: portanto, o meu vo-

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he que aquella Consulta sirva de base á Resolução geral desta Camara, que deve passar aos outros Ramos do Poder Legislativo, praticando-se o mesmo com os outros Papeis em iguaes circunstancias.

O Sr. Macedo Ribeiro: - Sr. Presidente, eu tive a honra de pertencer á Commissão Central, que examinou, e assignou o Parecer, de que se tracta. Como a Carta concede a cada um dos Poderes Legislativo, e Executivo a Iniciativa das Leis, parecêo-me na Commissão, e agora que o encarregar-se a Camara de examinar, e fazer Leis sobre tantas Consultas, quaes as lemettidas pelo Governo, e remettidas sem que no officio, que acompanhou a remessa, venhão especificamente designados os seus fins, seria 'tomar uma superior tarefa, que muito a desviasse dos seus trabalhos em objectos de Leis geraes, e de muito maior necessidade, e interesse. O Sr. João Elias pertende que de mais de quarenta Consultas remettidas poderia a Camara escolher taes, e taes por ella designadas, e sobre ellas propôr as convenientes medidas Legislativas: isto poderia ser; mas não acho razão para que se faça em umas, e não em todas, devendo antes adoptar-se em regra uma generalidade.

Em alguns casos particulares tem a Camara tomado Iniciativa sobre objectos remettidos pelo Governo, mas estes tem sido especialissimos, e urgentes, quando agora a remessa contem mais de quarenta Consultas, e nem todas requerem medidas Legislativas; e para as que as requerem estou persuadido que ninguem, como o Excellentissimo Ministro, está ao alcance de conhecer os factos, e circumstancias particulares, que podem tornar utilissimas aquellas medidas: em consequencia sou de parecer por estes, e outros motivos que as mesmas Consultas voltem ao Poder Executivo, para que use sobre ellas, parecendo-lhe, da Iniciativa, que tem, e sobre as quaes pode deliberar com pleno conhecimento de causa, sabedoria, e acerto: a Camara todavia resolverá como melhor convier.

O Sr. Cordeiro: - Não posso deixar de oppôr-me ao Parecer da Commissão; pois que já pronunciei a minha opinião a este respeito, quando em outra discussão se tractou de objecto identico: então sustentei que não havia meio algum legal para fazer com que o Governo tomasse a Iniciativa sobre as Consultas remettidas á Camara, porquanto o Governo tem a faculdade de a tomar, porem não tem obrigação, e vai grande differença de faculdade a dever. Cumpre lembrar sobre este objecto que as Consultas erão pela Legislação Patria os meios competentes para se obterem as Resoluções Regias, que formão parte da nossa Legislação. Os Tribunaes procedião a estas Consultas, ou por Ordem Superior, ou por Expediente, quando tinhão Autoridade de consultar o Soberano, que então reunia todos os Poderes, na consideração de Legislador; porem vindo a Carta, e feita por ella a Divisão dos mesmos Poderes, he manifesto que o Poder Executivo já não pude resolver aquellas Consultas, que dependera da acção do Poder Legislativo, e por isso au remette á Camara, para aqui principiar a Resolução. A Carta tem garantido o Direito de Petição para os Cidadãos apresentarem suas Pertenções ao Poder Legislativo, e por isso se um Particular vier a esta Camara com um Requerimento, que dependa de um Acto Legislativo, nós havemos deferir-lhe, e a nossa Resolução ha de passar á Camara dos Dignos

Pares, e d'ahi á Sancção Real; logo, o Governo, remettendo-nos as Consultas sobre Requerimentos de Particulares, não faz mais do que dar-lhes a sua competente direcção.

O Governo, depois da mudança que fez a Carta, podia deferir a todas as Consultas, que dependessem de medida Legislativa, que requeressem ás Camaras; neste caso vinhão aqui os Cidadãos instaurar suas Pertenções; e então, se nos fossem necessarios, nós pediriamos os esclarecimentos do Governo, e este remetteria aquellas Consultas; e portanto aqui temos um rodeio inutil, e todo moroso em prejuizo das Partes interessarias.

Tenho ouvido muitas vezes pugnar pela dignidade das Resoluções da Camara; e ao principio passou como verdade innegavel, que a Camara não podia legalmente remetter ao Governo os Requerimentos dos Particulares, e nesta conformidade foi sempre coherenta a Commissão de Petições; porem a Camara abrio o contrario exemplo, rejeitando o Parecer sobre o Requerimento dos Homens da Companhia das Chaminés, e resolvendo que elle se remettesse ao Governo; e então sei á dignidade remetter a Camara Requerimentos ao Governo, e este não poder remetê-los ás Camaras sem tomar a Iniciativa, quando não he de obrigação o toma-la nestes casos.

Ha poucos dias que um Sr. Deputado pugnou muito pela Dignidade da Camara na uniformidade das suas Resoluções, e por isso ficou sobre a Mesa um Requerimento da Confraria do Corpo Sancto de Setubal, que o Governo remettêo, o qual S. Exca. propunha que fosse remettido á Commissão de Petições, e o fundamento, que se adegou, foi a Dignidade da Camara, que dias antes tinha resolvido se remettessa a uma Commissão especial um Negocio de igual natureza.

He muito justo que se pugne pela Dignidade da Camara; porem he de notar que este Sr. Deputado, que então por este fundamento sustentou que devia haver uniformidade, agora, sendo Membro da Commissão, opina consentido diametralmente opposto; porque o Parecer da Commissão he contrario a muitas Resoluções desta Camara, como passo a demonstrar pelo apontamento, que extrahi das Actas.

Em 7 de Novembro de 1826 remettêo o Governo tres Representações de differentes Camaras das Ilhas dos Açores, e foi tudo remettido á Commissão de Verificação de Poderes. Em 21 de Novembro veio a Consulta do Conselho da Fazenda sobre varios Requerimentos de Negociantes, relativos aos Direitos do Arroz da Asia, a qual foi remettida a uma Commissão Especial; formou-se Projecto, e já teve a Real Sancção. Em 6 de Dezembro do mesmo anno veio o Projecto da Guarda Real de Lanceiros, que foi a uma Commissão, e entrou em discussão o Parecer. Em 9 de Dezembro veio o Projecto de Torlade para a Creação de um Corpo de Voluntarios na Província da Estremadura, e foi igualmente a uma Commissão Especial. Veio depois o Requerimento de D. Jeronyma Valdez, que foi á Commissão de Petições; e sendo rejeitado o Parecer se mandou formar um Projecto, que generalisasse a medida pedida, e entrou em discussão o mesmo Projecto. Tambem foi a uma Commissão Especial uma Representação de Ignacio Perestelo que veio em 22 de Dezembro. Em 5 de Ja-

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neiro de 1827 veio a Consulta do Conselho de Marinha, que foi remettida ás Secções, e a final houve Parecer da Commissão Central, formou-se Projecto, e já passou a Lei respectiva. Em 23 de Janeiro veio a Consulta da Mesa da Consciencia sobre o Requerimento de um Parodio da Ilha da Madeira, Sobre que houve o Parecer de uma Commissão, e se formou Projecto, que já passou á Camara dos Dignos Pares.
em 5 de Fevereiro veio a Consulta do Conselho da Fazenda sobre a isenção dos Direitos das Balatas das Ilhas, que foi remcttida á Commissão de Fazenda; Em 12 de Fevereiro veio o Requerimento do Barão do Sobral, que se mandou á Commissão de petições Em 20 de Fevereiro veio a Consulta do Desembargo do Paço sobre o Requerimento dos Egressos, e Transatos, que foi a uma Co m missão, que já dêo o seu Parecer. Em 22 de Fevereiro veio a Representação do Enfermeiro Mor do Hospital de S. José, que foi a uma Commissão Especial, a que eu tive a honra de pertencer.

Todos os exemplos apontados, e outros mais, que ainda podia referir, são outros tantos Acto do Governo, que forão formalmente consentidos por esta Camara, e formão uma norma parlamentar a este respeito; e portanto não posso conceber como agora se ha de salvar a Dignidade da Camara, que tendo obras do constantemente de uma forma, agora procede com manifesta contradicção, se adoptar o Parecer da Commissão. Duvido muito que só possa agora contrariar uma serie de Resoluções tão uniformes, e que afias eu julgo muito acertadas. O que acho certo, e em que não tenho duvida he na disposição do Artigo 75 § 11 (leo), e á vista delle he sem questão que á respeito das recompensas pecuniarias, que não estão taxadas por Lei, o Governo, pedindo a approvação da Camara, deve tomar a Iniciativa. Quando acho um Artigo ião expresso, nenhuma duvida lenho em pugnar por elle.
O Sr. A guiar: - Eu não eslava presente, quando se abrio a discussão; portanto não posso seguir o fio dos argumentos produzidos a favor, ou contra o Parecer da Commissão pelos Srs. Deputados, que me precederão a foliar; e direi o que se me offerece, como se tivesse faltado em primeiro lugar.

Não me enfado de repetir neste lugar que, sendo a divisão, e harmonia dos Poderes do Estado o principio conservador dos Direitos dos Cidadãos, e o meio mais seguro de fazer effectivas as Garantias, que a Constituição offerece, he necessario ter sempre diante dos olhos esta maxima; porem não basta que ella seja consagrada na Carta, não basta qne a saibamos, he necessario que a observemos á risca, e que, pela parte que nos toca, façamos conservar cada um dos Poderes dentro dos limites, que lhe são marcados: não devemos exceder os que são prescriptos ao Corpo Legislativo, ainda que o Governo mesmo nos abra o caminho para entrar nas suas Attribuições; ninguem tenha razão para dizer que a Camara dos Deputados excede as que tem, antes possão dizer todos que ella zela tanto as suas, como a dos outros Poderes. Supposto isto, não me conformo inteiramente com o Parecer da Commissão; porque, segundo penso, reduz-se elle a que as Consultas enviadas pela Secretaria dos Negocios do Reino se lhe reenviem para tomar a Iniciativa a respeito dos objectos, sobre que versão. Pode entender-se avista disto que a Gamara julgou pertencer-lhe a ultima decisão de todos elles, quando he certo que entre as Consultas ha muitas, que o Governo só por si deve resolver. Eu não as extaminei todas, mas referirei algumas para exemplo; ha uma sobre o Requerimento, em que a Filha do Capitão General, que foi dos Açores, perte o Monte Pio, que lhe compete na conformidade das Leis existentes: ha outra sobre Requerimento, em que se pede um Titulo de Visconde, ou antes a sua continuação em certa Familia; a decisão de uma, e outra nada depende das Camaras, porque S. A. tem todo o Poder para fazer executar as Leis, e fazer quaesquer Mercês, sem dependencia alguma, apenas destas as pecuniarias dependem da Authorisação requerida no Artigo 75, § 11 da Carta, a qual faz a unica restricção ao Governo a respeito de Graças e Recompensas de Serviços, e reduz a nenhum effeito todas as que se possão excogitar na Lei Mental, e em qualquer outra.

He portanto o meu voto a favôr do Parecer da Commissão, declarado na forma da Emenda, que mando para a Mesa, e que se reduz a que sejão enviadas todas as Consultas, e Requerimentos, para o Governo tomar a Iniciativa sobre aquelles, que julgar, e dependerem da decisão das Camaras, ou sua Authorisação, e resolver os outros, que ou versão sobre execução das Leis existentes, e são de rigorosa justiça, ou versão sobre Recompensas de Serviços, e dizem respeito a quaisquer Mercês, não sendo pecuniarias.

O Sr. Borges Carneiro: - O Sr. Ministro aos Negocios do Reino, havendo recebido dos Tribunaes, e das Partes mais de cincoenta Consultas, e Requerimentos, os incluio em uma folha de papel, e os remouttêo a esta Camara para os decidir. Que inconvenientes, deste proceder? Não respondo aos exemplos, que allegou um Sr. Deputado, do que selem praticado nesta Camara: ella não discutio ainda esta materia, nem adoptou urna regra; ha de se obrar por uma regra, não por exemplos. Que inconvenientes, torno a dizer! Os Tribunaes, e as Parles estão sem resposta por todo o tempo, que se gastar em sé tomarem Resoluções nesta Camara, e na dos Pares, e sobre mesma Camara recahe este odioso, ou, antes, apparece a idea, de que a marcha do Regimen Representativo he por sua natureza embaraçosa. Se esta Camara fosse faceiosa, arrogaria a si o conhecimento das materias; que se lhe offerece, e usurparia as Attribuições do Poder Executivo. Este perderia a sua dignidade, convertendo-se em um vehiculo, ou meio de transporte entre as Authoridades, e a Camara. A Camara, que só deve corresponder-se com o Governo, abriria communicação com as Authoridades, cujas Consultas resolvesse, e com os Cidadãos, cujos Requerimentos despachasse. Muito deste trabalho se perderia, porque o Governo, que não tinha tomado-a iniciativa, podetia a final pôr o feio ás Resoluções das Camaras: em fim, nos nove mezes de intervalo estaria suspenso o effeito das Consultas, e das Petições, com prejuizo publico. Srs., ou estas Petições, e Consultas exigem Medida Legislativa, ou não: neste segundo caso o Poderio Executivo deve deferir-lhe como for justiça; no primeiro, quando entender que he necessaria Medida Legeslativa, deve propô-la, e tomar a iniciativa da Proposta, que para esse fim a Carta lhe outorga. Ora: isto he

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que conclue o Parecer da Commissão; e, se não está bem claro, deve acclarar-se mais, e approvar-se. Se não adoptâmos esta regra geral, a Camara será erigida em Tribunal Supremo, e todo o tempo, que se devia gastar em legislar, se gastará em Negocios privados, e não chegara.

O Sr. Guerreiro: - As Côrtes não podem fazer mais do que o que lhes determina a Carta Constitucional: no Capitulo 1.º § 4.° diz que lie da sua Attribuição o fazer Leis, interpretalas, suspende-las, e revoga-las; mas em parte nenhuma lhes concede o deferir os Requerimentos dirigidos ao Poder Executivo, nem resolver as Consultas, que a elle são enviadas pelos Tribunaes , ou Authoridades Subalternas; e, a fazerem o contrario, seguir-se-hia a marcha inversa da que se deve seguir nos Governos Representativos: por tanto não pode haver duvida nenhuma em se approvar o Parecer da Commissão. Esta Camara não poderia conter o riso, se se lhe fizesse uma exposição circunstanciada do contheudo dos Capeis enviados pelo Ministerio dos Negocios do Remo: até entre elles se acha um Projecto de Regimento para o Terreiro Publico, que foi mandado fazer, por aquelle Ministerio, e que agora he enviado aqui com o fundamento de não competir ao Governo. Nesse caso: para que o mandou o Governo fazer, se não havia de tomar sobre elle a Iniciativa, que lhe compete? Parece que mui de proposito fôrão mandadas a esta Camara todas as pertenções, que Sua Excellencia , o Ministro respectivo, não queria deferir, e ás quaes todavia não queria pôr o Despacho = não tem lugar. = Ha um Requerimento, como já se observou, em que se pede dispensa da Lei Mental para se verificar em um Irmão uma vida de um Titulo de Visconde. Mas a quem compete conceder Títulos Honorificos? Ao Poder Executivo. Portanto, se o Pertendente merece ser agranciado, pode-se-lhe conceder o Titulo por nova graça, independentemente de qualquer dispensa. Se nos intromeettermos a resolver Consultas, e a decidir Requerimentos feitos ao Governo, usurpâmos Poder alheio, e infringimos a Carta.

As Consultas, ou tem por objecto dificuldades encontradas na execução de Lei, ou pedem Medidas Legislativas. No primeiro caso ao Governo loca a resolução, porque a elle he que compete expedir os Decretos, Instrucções, e Regulamentos adequados á boa execução das Leis. Se pedem Medidas Legislativas, ou estas são necessárias, ou não; se não são necessárias, o Governo deve para isso mesmo repellir a injusta pertenção dos Tribunaes; se são necessárias, o mesmo Governo, que conhece a natureza, força, e circumstancias da precisão, deve sobre fila tomar a Iniciativa , porque para isso he que a Carta lhe concede o Direito de Proposição.

Se os Ministros achão que o caso não merece Resolução, nem Proposição do Governo, para que o mandão á Camnra? Será para lançar sobre esta o odioso da negativa? Reconheço que este expediente pode ser muito com modo para quem o empregar; mas não he justo, nem regular. Conheço as puras intenções do actual Ministerio, mas, faltando em geral, não ha meio mais proprio para um Ministerio mal intencionado empatar os trabalhos das Camarás Legislativas, do que enviando-lhes um sem numero de Requerimentos, e Consultas, que lhes tomem todo o tempo das Sessões.

Decida pois o Governo os Requerimentos, e Consultas, que lhe são dirigidas; e,
se achar necessaria alguma Medida Legislativa, use da Proposição, que lhe compete. O mais he desordem.

O Sr. Magalhães: - Levanto-me para impugnar o Parecer da Commissão na sua generalidade. A Commissão encarregada de dar o seu Parecer sobre o destino, que se deve dar aos Papeis vindos pelo Ministerio dos Negocios do Reino, he de Parecer que sejão remettidos ao Governo, para que tome Iniciativa sobre elles.

A Carta Constitucional diz no Artigo 74 § 3.º, sobre o Poder Moderador: sancionando os Decretos, e Resolução das Côrtes Geraes para que tenhão força de Lei. Logo: se necessario que haja unia Resolução do Poder Legislativo; e em consequencia disto não me parece que seja adequado, nem util o Parecer da Commissão, quando manda remetter de novo todos estes Papeis: e em quanto n mim parece-me que seria de muito maior justiça que se estremassem aquelles, que dependem de urna Medida Legislativa daquelles, que não dependem de semelhante Medida. Demais: he necessario advertirmos que he da privativa Attribuição do Poder Executivo a concessão de Honras, e Mercês; estes Papeis pois não exigem Medida Legislativa, e nesta conformidade parece-me que a resolução da Commissão não he exacta: por consequencia devem-se estremar aquelles, que dependem de Medida Legislativa, como já, disse, para quo o Governo não tome a iniciativa sobre elles, e porque o remetterem-se novamente pode ter o mesmo emharaço: portanto voto contra o Parecer da Commissão.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - Eu não posso deixar de observar o pouco favôr, com que os Ministros d´Estado tem sido tractados nesta Camara ; porem não obstante isto, e o não ler conhecimento dos Papeis em questão, por não serem da minha Repartição, e ser esta a primeira vê?, que os vejo, não me opponho com tudo ao Parecer da Commissão: porem, para ficar o Governo desembaraçado, e podêr deliberar, parece-me conveniente o remettem -se estes Papeis á Camara dos Dignos Pares, a fim da ver se coincide com elle.

O Sr. Aguiar:- Eu não teria duvida em concordar com o Excellenlissimo Ministro dos Negocios Estrangeiros para que a mesma Commissão, que offerecêo o seu Parecer sobre as Consultas enviadas pelo Governo, examinando-as, fizesse a sua classificação, segundo os principios, que eu ponderei, beparando as que carecem de Medida Legislativa daquellas, que a não precisão, e cabem nas Attribuições do Poder Executivo, ou porque recahírão sobre Supplicas, em que se pede execução de Lei, ou porque tem por objecto Graças, e Mercês, a respeito das quaes nenhuma pode ser a intervenção das Camaras: porem a Sessão deste anno finalisa amanhã, e não he possível que a Commissão apresente antes o resultado dos seus trabalhos: em tal caso ficarão sepultados na Secretaria desta Camara tantos Requerimentos, e as Partes soffrerão gravissimo prejuizo por espaço de nove meses, ou mais; este mal deve a Camara evitar do modo possivel. Diz-se que não se evita, porque se deixa o Governo na duvida, que tinha: eu não sei se o Governo podia ter a menor duvida a respeito de muitas pertenções, como aquellas, que já produzi para exem-

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plo, e que são manifestamente comprehendidas nas .Attribuições ; mas, se a leve, poderá o Excellentissimo Ministro dos Negocios do Reino tirar-te della; deferir só aquelles pertendentes, a que na conformidade da Carta he o Governo, que deve deferir.

Removido por um lado o obstaculo considerado pelo Excellentissirno Ministro dos Negocios Estrangeiros, e por outra parte obstando a minha Emenda a qualquer interpretação, que possa fazer-se contra a Camara, approvando absolutamente o Parecer da Commissão, novamente chamo a attenção da Camara sobre o que eu disse, e que faz desapparecer todas as difficuldades, que se tem ponderado.

O Sr. Leomil: - Resumindo todos os argumentos, que se tem apresentado contra o Parecer da Commissão, dous são os mais salientes: primeiro; que o Poder Executivo não tem obrigação de tomar, a Iniciativa sobre as Consultas, e mais Requerimentos entre mãos: segundo; que a Medida, que se adopta pela Commissão , deve subir á Camara dos Dignos Pares; porem nenhum destes argumentos pode subsistir, e menos destruir o Parecer da Commissão. O Poder Executivo exerce por qualquer dos seus Ministros a Iniciativa, que lhe compete na formação das Leis. Estes Papeis, Requerimentos, e Consultas remettidas pelo Governo, ou demandâo Medida Legislativa, ou não: se a demandão, he claro que ao Ministro respectivo compete fazer a sua Proposição sobre cada um dos objectos, e offerece-la a este Camara, para depois subir ás Estações competentes: se não demandão Medida Legislativa, então a que vierão cá? Para a approvação das Mercês pecuniarias (dirá o Governo), que na forma da Carta pertence ás Côrtes. Pois bem, concordo; mas sobre isso mesmo deve o Governo formar a sua Proposição, dizendo se concede, ou não essas Mercês pecuniarias, como lhe he outorgado pela Carta, para depois sobre a sua Proposição assentar a approvoção, ou desapprovação das Côrtes.

Eisaqui a marcha regular, conforme a letra, e espirito da Carta, que d'ora em diante deve adoptar-se em casos taes entre o Governo, e as Camaras; e que, se até agora se não tem adoptado, he porque não tinha havido occasião opportuna de tornar-se em consideração. o contrario disto seria um meio indirecto de o Governo evadir-se á Iniciativa , que lhe compete, e de sobrecarregar as Camaras de um trabalho enorme, mais proprio dos Tribunaes, e Estações Judiciarias, do que das Camaras Legislativas.

Quanto ao segundo argumento lembrado por Sua Excellencia o Sr, Ministro dos Negocios Estrangeiros, só poderia ter lugar se esta Camara tomasse alguma resolução definitiva; mas como a não toma, antes fica suspensa toda, e qualquer resolução, ate que o Ministro competente forme a sua Proposição sobre cada um dos objectos, nada tem que subir á Camara dos Dignos Pares. He de notar, que nem todas as Mercês pecuniarias dependem da approvação das Cartas, mas só aquellas, que ainda não estiverem reguladas por Lei, porque, se já o estão, então pode o Governo concedê-las sem dependência das Côrtes: taes são algumas ( se me não engano) das que vem comprehendidas nessas Consultas, e porisso não acho razão, para que o Ministro venha tirar o tempo ás Camaras com Negocios, que pode decidir sem a concorrencia dellas.

O Sr. Mouzinho da Silveira: - Pouco resta a doser depois do que se tem dicto; e eu pedi a palavra para fazer uma observação, e vem a ser, que me parece que depois da Carta já não existe a Lei Mental, e se acha pela Carta revogada ; e se achão em consequencia praticados actos, que revogão a Lei Mental, tal he a creação da Camara Hereditaria. A Lei Mental era uma restricção, que os Reis pozerão a si: era, uma supposição, de que as Mercês não erão tão exuherantes, como as palavras do Soberano. Desde tempos antiquissimos conhecerão os Soberanos a necessidade destas restricções; basta para isto lêr o Abbade Dubos basta ver a desordem, que existio em França no tempo da Rainha Brunebauld para se conhecer a necessidade da Lei Mental nas Monarchias puras ; mas essa Lei não cabe nas Monarchias Constitucionaes: nessas o Direito Publico, e Politico está na Carta, e nenhum fragmento fora delia; e ninguem duvida que a Lei Mental he um fragmento politico.

Assim como o Rei na Carta creou maiores restricções contra si, tambem não he justo reconhecer alguma restricção, que não esteja na Carta; e he tão evidente que a Lei Mental já não existe, que, se ella existisse, podia um Rei desfazer a Carta, cousa absurda, mas consequência da Lei Mental em vigor.

Não sei por tanto para que vem aqui a Lei Mental , nem como para o futuro se possa faltar mais nella; e o que eu sei he, que as Mercês feitas a perpetuidade estão feitas, e não podem ser acabadas por força da Lei Mental; ao mesmo tempo sei que, acabadas as pessoas agraciadas, fica livre ao Rei agraciar, ou não outras em tudo quanto não forem Mercês, que rendão dinheiro, as quaes precisão approvação das Camaras.

Não sei por tanto que quer dizer a Consulta, nem para que ella se fez, nem a que venha aqui a necessidade de dispensa da Lei Mental. O Supplicante não succedêo no Titulo, porque elle não he descendente, nem o Titulo foi de Juro, e Herdade; e a Senhora Infanta pode faze-lo Visconde de Magé, ou de outro nome, se quizer, e nada, se não quizer; e a esta Camara não cabe sobre isso dizer palavra, e menos dispensar uma Lei, que não existe já, quanto a miai, nem mesmo dispensar alguma Lei. Esta Camara pode com a dos Pares, e com o Rei fazer, ou revogar Leis, mas não dispensar as que existirem.

O Sr. Borges Carneiro:- Eu pedi a palavra para ver se consigo terminar-se esta questão, pois a Emenda está conforme com o Parecer da Commissão, só com a differença de o exprimir com mais clareza. O sentido da Commissão, e o da Emenda he que o Governo deferirá ás Consultas, e aos Requerimentos, que entender não dependem de Medida Legislativa; e, quanto aos que entender que della dependam, que fará Proposta, parecendo-lhe.

A Commissão não terá duvida em que este he o seu Parecer, e por tanto o approvo, redigindo-se com mais clareza, se se entende ser necessario; e julgo que não devemos perder mais tempo com- esta questão.

O Sr. Magalhães: - Eu não quero fatigar mais a Camara, pois acho que esta materia está sufficientemente discutida; eu approvo a Emenda do Sr. Aguiar, obsto inteiramente que sejão dirigidos á Camara dos Dignos Pares, porque acho que he uma resolução negativa.

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O Sr. Guerreiro : - Sua Exca. o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros queixou-se do desfavor, com que os Ministros tem sido tractados nesta Camara; parece-me que Sua Exca. he injusto para com a Camara.

A harmonia dos Poderes Politicos he da essencia dos Governos Representativos; e para ella se conservar he necessario que cada um se contenha nos limites das suas Altribuições: he necessario que os Ministros sejão fortes na sua posição, e que saibão defender as prerogativas du Coroa contra os ataques, ou usurpações dos outros Poderes.

Um Ministro abre imprudentemente uma porta, por onde podem ser invadidas as Attribuições do Poder Executivo: esta Camara apressa-se a fechar esta poria. Isto he proteger, e não desfavorecer os Ministros.

O Sr. Cordeiro: - Não devo occultar á Camara informações, que podem influir na regularidade das suas Resoluções. Entre as Consultas sobre que versa o Parecer da Commissão, que se discute, veio uma Consulta da Junta do Commercio sobre os Requerimentos do Barão do Sobral, e de José Diogo de Bastos, relativos ao estabelecimento de uma Companhia de Seguros de Vida; esta Consulta foi remetiida á Commissão de Petições, para servir de esclarecimento a outro Requerimento do mesmo Barão de Sobral, que estava pendente na Commissão; por tanto se a Camara resolve que se remettão as Consultas, ou hão de ir todas, ou aliás faz-se uma excepção, que não me parece decorosa, remettendo umas, e ficando esta. A Camara resolva o que for mais acertado.

Pelo que diz respeito á Emenda offerecida pelo Sr. Aguiar, como eu vejo a Camara propensa a remetter as Consultas, e a dieta Emenda me parece mais conforme para conciliar a dignidade da Camara, eu não duvido preferi-la, na alternativa de ser approvado o Parecer, que já impugno. Desejaria muito que a Camara deliberasse com reflectida attenção sobre este objecto, que he importante, pela contrariedade que offerece a serie de Resoluções, que já notei, e que formão (na minha opinião) uma norma parlamentar.

O Sr. Aguiar - Pedi a palavra para impugnar o Sr. Guerreiro, em quanto diz que a Emenda apresentada por mim não altera o Parecer da Commissão; e por tanto não ha razão para. se preferir. Ainda que ella não faça notavel alteração, com tudo confessa o Sr. Guerreiro que no Parecer da Commissão não se contem explicitamente o que nesta expressamente se diz, e então, ao menos, tem a seu favor a maior clareza, copio tenho entendido por esta mesma discussão.

O Sr. Borges Carneiro: - Eu requeiro a V. Exca. que na conformidade do Regimento queira entregar á votação se a materia está suficientemente discutida.

O Sr. Cupertino, - Não he exacto o que acaba de dizer o Sr. Deputado. A Proposta preenche o fim muito melhor do que a Emenda; porque ella diz: = para fazer as Propostas que houver por bem. = Quanto á reflexão que fez o Sr. Cordeiro, de se ter pedido uma Consulta por Resolução desta Camara, devo dizer, como Membro dessa Commissão, que não he exacto.

O Sr. Borges Carneiro: - Peço que se pergunte, se a materia está sufficientemente discutida.

Julgada a materia sufficientemente discutida, forão lidas as Emendas offerecidas pelos Srs. Deputados Aguiar, e Elias da Costa. Entregue á votação o Parecer, foi approvado, ficando assim prejudicadas as Emendas. Resolvendo se que as duas Consultas, que se havião mandado separar, e remetter á Commissão de Petições, se reunissem novamente ás outras, para se enviarem ao Governo, na forma que acabava de vencer-se.

Pedio, e obteve a palavra o Sr. Deputado Queiroga Francisco, e em nome da Commissão da Redacção do Diario, deo conta do seguinte

PARECER.

A Commissão do Diario, no Parecer que em Sessão de 22 de Dezembro do anno passado de 1826 teve a honra de offerecer á judiciosa consideração desta Camara propoz que a organisação da Tachigrafia se não considerasse definitiva; mas que á Camara, e á mesma Commissão ficava o arbitrio de mandar proceder a novo Concurso, quando o julgasse a proposito.

Tem mostrado a experiencia de toda esta Sessão, que da Tachigrafos admittidos não preenchem devidamente as suas funcções, por não se acharem ainda chegados á indispensavel perfeição da arte; apparecendo por isso os Discursos dos Srs. Deputados com muitas inexactidões, e defeitos, todas as vezes que seus Auctores não tomão o incómmodo de os dar escriptos.

He movida por estes motivos, que a Commissão julga do seu dever propor á approvação da Camara, que desde já fique determinado um novo Concurso de Tachighafos para o principio da Sessão de 1828, ao qual deverão concorrer os que quizerem habilitar-se para o serviço desta Camara, na certeza de que o merecimento, e optidão serão as primeiras qualidades a attender.

Camara dos Deputados 29 de Março de 1827. - José Antonio Guerreiro - Antonio Vicente de Carvalho e Sousa - Doutor Francisco Xavier de Sousa Queiroga.

O Sr. Cordeiro: - Requeiro esclarecimentos: desejo saber para poder votar, se os Tachigrafos tem ordenado annual, ou se por este Parecer ficão deixando de o perceber: porque a não lerem ordenado annual, e a terem que entrar cm concurso- devem deixar de pertencer á Camara.

O Sr. Queiroga (Francisco): - O ordenada, que se arbitrou, foi annual segundo o
Parecer approvado em Sessão de 22 de Dezembro de 1826; e tem de servir logo que hajão Cortes, quer sejão extraordinario, ou não, sem que por isso venção mais nado.

O Sr. Cordeiro: - Então nada tenho a dizer, estou satisfeito.

Entregue á votação foi approvado.

Entrou em discussão o seguinte Parecer da Commissão de Fazenda sobre os Officios do Ministro dos Negocios da Guerra, remettendo differentes Requerimentos de Partes, que pedem Mercés pecuniarios.

PARECER.

A Commissão de Fazenda farão remettidos dous

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Officios do Governo, dirigidos a esta Camara pela Secretaria d´Estado dos Negocios da Guerra, um em data de 3, e outro de 7 do corrente mez, acompanhando ambos vinte quatro Requerimentos das pessoas constantes da Relação inclusa, que pedem mercês pecuniarias, para que a Camara lhes defira.

A Commissão entende que a remessa de todos estes Requerimentos não he conforme com o disposto no Artigo 75 § 11 da Carta Constitucional; por quanto se os pertendentes pedem mercês, que estejão taxadas por Lei, ao Governo compele fazelas sem dependencia de approvação da Assemnléa; e se o não estão, esta Camara não pode tomar conhecimento algum de pertenções de semelhante natureza, sem que preceda Proposta certa, e determinada do Governo: á vista disto
Parece á Commissão que os sobredictos Requerimentos devem devolver-se ao Governo, respondendo-se-lhe na conformidade do que acima fica expendido.
Camara dos Deputados 16 de Março de I827. - João Ferreira da Costa e S. Paio - Florido Rodrigues Pereira Ferraz - Antonio Maya - Manoel Gonçalves Ferreira - Francisco Antonio de Campos - Luiz José Ribeiro.

Relação dos Requerimentos, que devolvem á Secretaria d' Estado dos Negocios da Guerra.

1 D. Anna Margarida de Sousa.
2 Anna Maria da Conceição.
3 Caetana na Rita do Populo.
4 José da Silva Vieira.
5 Joanna Ignacia da Cruz.
5 D. Maria Margarida de Sousa Braga.
6 Maria Joanna do Carmo.
8 Maria Rosa da Natividade.
9 D. Maria das Dores do Cabo Finali.
10 D. Maria Bilhul d'Alencaslre.
11 D. Marqueza Hermelinda d'Araújo.
12 Maria Perpetua e Castro.
13 Manoel Eugenio de Sousa.
14 Manoel Pereira dos Santos.
15 Officiaes da Contadoria do Arsenal das Obras Militares.
16 D. Suzana Floripes Laura Flora Coni.
17 D. Mana Geralda d'Araújo Lobo.
18 Martinho José' Dias Azedo.
19 D. Maria Soares Borges Vasconsellos, e suas Irmãas.
20 D. Maria Cândida Telles de Luna Salema.
21 Coetana Rosa.
22 Marianna Rita Honorata.
23 Tereza da Encarnação de Jesus.
24 D. Tereza Thomasia Carneiro de Jesus.

Entregue á votação foi approvado.
Seguio-se o Parecer da mesma Commissão sobre a Proposta do Governo, feita pelo Ministro dos Negocios Estrangeiros, para se approvar a Pensão a favor de D. Luzia Francisca Tota.

PARECER.

A Commiesão de Fazenda foi remettido o officio, que a esta Camara dirigio o Governo pela Secretaria d'Estado dos Negocios Estrangeiros em data de 7 do corrente mez, incluindo um Requerimento documentado de D. Luzia Francisca Tola, Viuva de Aurélio Gracindo Tola, Consul Geral que foi da Nação Portugueza nos Departamentos da Geronda, e Landet em França, no qual, em conformidade do Artigo 75 § 11 da Carta, pede a approvação desta Camara para conceder á dieta Viuva uma Pendão annual de 400§000 reis, ametade do Ordenado de sen fallecido Marido, como se tem praticado com algumas Viuvas de outros Consules.

Dos Documentos, que instruem o Requerimento consta que o tempo do Serviço do Marido da Supplicante na qualidade de Consul foi pouco mais de tres annos, e por isso, por não haver pratica não interrompido em conceder semelhantes Pensões, não pode a Commissão concordar com a Proposta do Governo.

Parece á Commissão que assim se deve responder ao Governo. Camara dos Deputados em 16 de Março de 1827. - João Ferreira da Costa S. Payo - Florido Rodrigues Pereira Ferras - Manoel Gonçalves Ferreira - Francisco Antonio de Campos - Antonio Maya - Luis José Ribeiro.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros : - Já em outra occasião disse que os Serviços de Marido da Supplicante não chegarão a quatro annos na qualidade de Consul; que parte delles forão no Brasil, e que pela separação destes Estados perdoo um Officio de Fazenda, que tinha na Bahia, e que lhe fôra dado em remuneração de Serviços de seu Pai, que empregando-se no Serviço Consular ahi monêra , deixando sua familia na maior desgraça; he quanto posso informar; mas melhor do que eu o pode fazer um Illustre Deputado, que se acha presente nesta Camara, e que tem lodo o conhecimento deste negocio.

Os Srs. Cordeiro, Soares Franco, e Leomil fizerão algumas observações sobre a intelligencia da Carta a respeito deste Parecer.

O Sr. Magalhães: - O Artigo 39 do Regimento diz (lêo): proponho por tanto o adiamento; primeiro porque disto não resulta bem ao Estado; segundo porque a Camara não está sufficientemente instruida sobre esta materia.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o objecto do adiamento, e tem a palavra o Sr. Borges Carneiro.

O Sr. Borges Carneiro: - Eu não pertendo fallar sobre o adiamento, e por isso cedo da palavra.

O Sr. L J. Ribeiro: - Eu voto contra, o adiamento; allega-se para o adiamento que a Camara não está instruida, porem em cima da Mesa existem os Documentos, e se o Sr. Deputado não está instruido he porque não quer.

O Sr. Magalhães: - Insto pelo adiamento.

O Sr. Soares Castello Branco: - O Adiamento não pode ter lugar, se o Illustre Deputado não está informado, sobre a Mesa estão os papeis.

Julgou-se discutida a questão do Adiamento, e depois de entregue á votação foi rejeitado.

O Sr. Borges Carneiro: - Eu exijo alguns esclarecimentos sobre os Serviços praticados pelo Marido da Supplicante, e sobre o estado de fortuna, em que ella se acha.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - Eu não posso dar uma explicação circunstanciada e exa-

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da dos Serviços do Marido da Supplicante:; só sei dos que praticou na minha repartição: sei com tudo que servio no Brasil ou Officio de Justiça, e que sempre se portou com honra, e zelo: pelo que respeita á Viuvá posso affirmar, que ella se acha no estado da maior indigencia.

O Sr. L. J. Ribeiro: - Eu posso informar a Camara sobre este negocio, porque examinei Iodos os Documentos que acompanhão o Requerimento; o Serviço CoiiMilar que fez pouco mais foi de Ires annos; porem, servio 15 ou 16 um officio de Escrivão no Brasil; por uma Consulta do Conselho da Fazenda a que e procedôe este respeito se vê que semelhantes Serviços não são remuneraveis, e foi sobre esta Consulta que a Commissão fundou o seu Parecer.

O Sr. Magalhães: - Eu levanto-me para approvar o Parecer da Commissão. Sabe-se que servio no Brasil, mas não consta os Serviços que fez; e demais, se alli fez Serviços, o Brasil que lhe pague.

O Sr. J. F. da Costa e S. Paio: - Como o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros alludio a mim, quando desceo a fallar do conhecimento prático deste homem, devo dizer o quo sei. Depois de ter Servido um Officio em Sergipe d'ElRei, Comarca então da Bahia, quando em 1811 se creárão Mesas da Estiva nas principaes Alfandegas do Brasil, foi chamado para Escrivão da que se estabeleceo na Bahia.
Ouvi que se conduzira bem, servindo com muita efficacia, a ponto de arrumar a sua saude. Por esta causa se lhe dêo licença para vir á Europa curar-se; e então obteve, ainda no tempo das Côrtes passadas, ser promovido ao Consulado, aonde me consta ter desempenhado as suas funcções, e que cm parte presenciei quando fui Encarregado de Negocios em França.

O Sr. Borges Carneiro: - A' vista das informações que lenho ouvido, e para conciliar a humanidade com a justiça, offereço uma Substituição ao Parecer, a qual se reduz a que se dê a Viuva uma Petição de 200$000 reis.

O Sr. Cordeiro: - Se me he permittido mando ema Emenda para a Mesa.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pode faze-lo sem pedir licença.

O Sr. Guerreiro: - Como se tracta de uma Proposta do Governo, deve pôr-se primeiro á votação o Parecer da Commissão, e depois as Emendas; porem a Proposta do Governo, na fórma da Carta, deve ser posta á votação tal qual está.
Julgada o materia sufflcientemente discutida, e procedendo-se á votação, não foi approvado o Parecer da Commissão.

O Sr. Presidente poz então á votação - se devia approvar-se a Proposta do Governo que dá á Viuva 400$000 reis? - Não se venceo.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros:- Visto que senão venceo a Proposta do Governo, requeiro que V. Exca. ponha é votação ametade do primeiro ordenado que o Marido da Supplicante venceo, que erão 600$000 reis, vindo a ser a pendão só de 300$000 réis

O Sr. Presidente poz á votação - Se devia conceder- se uma pensão de 300$000 reis? - Venceo-se que sim.

Propoz mais - Se a filha da Supplicante devia ter supervivencia desta pensão - Venceo-se que não.

Entrou em discussão o seguinte:

PARECER.

A Commissão de Fazenda examinou com a maior attenção o Officio que a esta Camara dirigia o Governo pelo Ministerio dos Negocios da Fazenda, em data de 5 do corrente, e no qual pede a approvação da Camara (em conformidade do Artigo 75 § 11 da Carta) para conceder o D. Maria Erigida Milner Cabral da Costa, Viuva do Contador Geral do Thesouro Publico, Nuno Caetano da Costa, uma pensão annual de 500$000 reis paga pela folha de Correntes, como sempre se praticou com os antecessores do Marido da Supplicante; bem como para conceder a Angelica Perpetua Freire, Viuvo do Abridor de Cunhos, e Medalhas da Casa da Moeda, Cypriano da Silva Moreira, 423 reis por dia, ametade do Sallario que vencia seu fallecido Marido, que servio naquella Repartição por mais de 60 annos.

Pelo que pertence n pertenção da 1.º, D. Maria Brigida Milner da Costa, entende a Commissão que ella seria mui justa e attendivel, se não lhe constasse que a Suplicante já recebe os 500$000 reis que sollicita, pela folha das Commendas Vagas que se processa na Mesa da Consciencia e Ordens; o que o Marido da Supplicante obteve ainda em sua vida, com a clausula de entrar logo no gôzo e fruição da sobredita Pensão, como effectivamente succedêo.

Pelo que pertence á 2.º, Angelica Perpetua Freire, entende igualmente a Commissão, que não sendo os Serviços do Marido da Supplicante remuneraveis, e estando o Thesouro Publico no apuro que geralmente he conhecido, não pode por isso esta Camara approvar a mencionada Pensão; reservando estabelecer por uma medida geral a remuneração, que deve competir aos Serviços de todos os Empregados Públicos; pelo que parece á Commissão que nesta conformidade se deve
responder ao sobredicto Officio do Governo de 5 do corrente mez.

Camara dos Deputados em 16 de Março de 1827. - João Ferreira da Costa e S. Paio - Florido Rodrigues Pereira Ferroa - Manoel Gonçalves Ferreira - Antonia Maya - Francisco Antonio de Campos - Luiz José Ribeiro.

O Sr. Ministro da Fazenda: - Eu já aqui disse que a Commissão de Fazenda fôra a este respeito severa em demasia; diversas pessoas tem pedido a esta Camara a conservação de Pendes, porem a Commissão de Petições tem com toda a justiça dado o Parecer, que não pertence á Camara: recorrem ao Governo, e quando este as propõe á Camara encontrão uma denegação absoluta. Então perdidas todas as esperanças, os inimigos da Causa se aproveitão disto, e com os seus aleives espalhão que o actual Systema he de tal rigor e barbaridade, que até nega a subsistencia ás familias dos Empregados Publicos. que servirão com honra e probidade, effeitos estes que produzirão os Pareceres da Commissão que se achão em discussão; colligindo-se delles que nó serão remunerados os Serviços depois da nova regulação. Pelo que diz respeito ao primeiro caso, diz - se que a supplicante está remunerada com uma Pensão, que tem pelo Cofre das Commenda Vagas, que seu Marido lhe alcançou durante

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a sua vida; porem esta pensão havia sido conferida por Serviços extraordinarios, que elle praticou em differentes Commissões de que foi encarregado: aqui não se tracta disso, tracta-se de uma Pensão que por morte dos Empregados do Erario se costuma dar ás Viuvas, sendo esta a unica Viuva de Contador, que desde a creação do Erario deixa de ter a Pensão de ametade do Ordenado de seu Marido em remuneração dos Serviços ordinarios: he por todos estes motivos que estou discorde com o Parecer da Commissão, que aliás outras vezes não tenho combatido, sendo do meu dever o sustentar os direitos e regalias da Corôa, a qual pode dar as Pensões que não estão determinadas por Lei, approvando-as a Assemblea. Pelo que diz respeito á segunda Pensão, julgo que o Parecer está em opposição com a Carta, por quanto o Supremo Auctor della deixou ao Poder Executivo a concessão das Pensões, exigindo a approvação do Poder Legislativo somente para aquellas que não estivessem authorisadas por Lei, o que verificando-se em quanto a esta não diz bem a Commissão quando se refere para quando se fizesse a Lei; então não precisará o Governo da authorisação ou consentimento da Camara. Alem de que, a Pensão proposta reune todos os caracteres, que as Pensões devem ter, pois que ella he modica, justa, e benefica; modica, por ser de 423 reis por dia; justa, por ser concedida á Viuva de um Empregado que servio o Estado por espaço de 60 annos, com uma probidade a toda a prova, sem que durante elles comettesse a mais leve falta; e benefica, porque a Supplicante he provecta, e se acha em miseria tal, que pouco lhe falta para se poder dizer que está morrendo á fome. Tenho dicto o que me pareceo incumbe ao meu dever como Ministro; e na qualidade de Deputado voto contra o Parecer da Commissão.

O Sr. Magalhães: - Sr. Presidente, he bem critica a posição de um Deputado, que tem de levantar-se para impugnar que se faça uma Mercê lucrativa; pois tem por immediato resultado o odio não só da pessoa, a quem a recusa, mas dos outros, que só desejão iguaes: todavia, indiferente a considerações particulares, e á opinião incerta dos homens, direi o que entendo, sempre francamente.

Eu levanto-me para approvar o Parecer da Commissão da Fazenda, e impugnar as razoes emittidas pelo Sr. Ministro de identica Repartição. Disse elle que até agora se comettião muitos abusos nestas concessões, as quaes devião cessar d'ora em diante. Porem, pergunto eu, porque se comettião esses abusos? Porque havião Homens poderosos, e prepotentes, que protegião as Pertenções mais disparatadas; e então resultava, que quem tinha Padrinho ia bem, e quem o não tinha, embora tivesse muita justiça, ficava a morrer de fome: por isso vemos algumas poucas Familias no meio da opulencia á custa do Estado, e milhares dellas de optimos Servidores, gemendo curvadas ao pêso da miseria. Mas se Pessoas prepotentes continuarem o systema de protecção, e afilhados, continuarão a ver-se os mesmos abusos, continuará a Justiça a ser postergada pelo Patronato.

O Systema Constitucional he um Systema de Justiça; mas a Justiça não consiste em dar tudo a um, e nada a outros; os extremos são igualmente perigoso. A Justiça consiste na igual, na imparcial protecção, que a Sociedade deve a todos os seus Membros, e fallando na hypothese, aos Empregados Publicos, e ás suas familias.

Nada mais justo do que esta protecção, do que estes soccorros; porem estes soccorros não devem ser patrimonio exclusivo de alguns. Eu seria o primeiro a horrorisar-me, se visse a Viuva de um Empregado Publico condemnada a mendigar o pão diario; e então eu votaria logo pela Pensão pedida, para remediar indirectamente a imperfeição da Sociedade nesta parte; porem esta Requerente não está em taes circumstancias; tem 500$000, tem Bens da Corôa; e então como, em tanto apuro do nosso estado financeiro, lhe havemos de ir; dar outra igual Pensão? Primeiro então requeiro que se nivelem com esta todas as Viuvas, ou Herdeiras de Empregados Públicos, que estiverem em abandono. Acabámos de contrahir um Emprestimo, de fazer uma Lei durissima para apurar os meios de lhe fazer face; e será este o modo de despender o suor dos miseraveis, que hão de pagar semelhantes Tributos? A voz da Verdade he amargoso, porem eu hei de dizê-la sempre até exhalar o ultimo alento.

Disse mais o Sr. Ministro que uma semelhante exclusão, fechando a porta á esperança, tornaria odioso o Governo Representativo. Negar-se esta duplice Pensão, não he fechar a porta á esperança, antes he, abri-la; he dizer a todos, que servirem bem a lista do que os seus Serviços hão de ser remunerados, porem não o hão de ser fora de medida; he dizer-lhes: = Extingue-se a esperança para os que tudo querem para si, a fim de restabelecê-la áquelles, para quem até agora não existia. = O que deve servir de Bussola ás discussões he a Justiça, e não o medo, porque, se com o receio de que não gostem da Carta lhe havemos de tapar a boca com dinheiro, Empregos, etc., em breve todo o Portugal será inimigo da Carta para obter dinheiro, Empregos, etc. Em breve os seus maiores inimigos serão Senhores da Renda do Estado, e de todos os meios para destruir a Carta. Cheios de Honras, e Rendimentos estão esses, que lhe tem feito a Guerra abertamente. Nada tão perigoso como confessar o Governo a sua fraqueza, e querer transigir com os seus inimigos, e com os abusos, que são os maiores de todos os inimigos.

Disse mais o mesmo Sr. Ministro que o Parecer da Commissão era contra a Carta: isto não he exacto; porquanto a razão, por que o Governo submettêo á approvação das Cortes esta Mercê, foi por não haver Lei, que o authorisasse; as Côrtes podem dar-lhe, ou negar-lhe essa Authorisação na conformidade do § 11 do Artigo 75 da Carta.

Alem disto: disse um Sr. Deputado que os 500$000 reis, que a Requerente já percebia, erão em remuneração de Serviços feitos em Repartição diversa. Se se estabelecer essa diversidade de recompensas, uma geração bastará para absorver as Rendas Publicas.

Se os 500$000 reis, que a Requerente já percebe, forão era contemplação de Serviços, ou em remuneração, he o que não consta liquidamente; porem o que vemos he haverem milhares de Empregados, e até mesmo no Erario, que sobrecarregados de uma numerosa familia não tem 300$000 reis de Ordenado.

Se a Requerente se julga com justiça á remuneração desses Serviços, que indica, convem primeiro habilitar-se como tal. Longe de mim a idéa de fechar o coração á humanidade. Praza aos Ceos que eu vis-

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se já este infeliz, e desgraçado Paiz de tal forma arranjado, que nem um só Cidadão tivesse, que deixasse de ser-lhe util; nem um só, que abandonado andasse pelas ruas mendigando o pão diario. Quando imagino este estado de perfeição, estado tão possivel, como que me sinto transportado a outros muitos! Mas, para não sermos taxados de parciaes pelos muitos infelizes, que vagão sobre o sólo Portuguez, aguardemos a occasião de poder decidir com bom conhecimento, e justiça.

Eu desejaria muito que esta Supplica parcial, porem que se pertende inculcar como de justiça, tivesse entes sido uma Proposta geral, que o Sr. Ministro apresentasse a esta Camara para regular a importante materia da recompensa dos Serviços; mas no estado, em que as cousas se achão, e debaixo dos fundamentos, que a Commissão apresenta, voto pelo seu Parecer.

O Sr. João Elias: - Não posso conformar-me com um principio emittido por um lllustre Membro, que, a ser verdadeiro, devião as Pessoas ricas, e poderosas dizer adeos ás remunerações de Serviços, fazendo-se distincção entre pobres, e ricos para aquelle fim: a remuneração de Serviços tanto he garantido em uns, como em outros. Passando agora ao que disserão outros honrados Membros sobre Terra? doadas á Supplicante em questão, previno a Camara que não ha tal Doação, mas um simples Arrendamento vitalicio pela Provedoria das Lizirias de um Moxão no largo do Téjo, ao Sul do Moxão d'Alhandra, que ha doze, ou quinze annos, que está arrendado á Supplicante, de que ainda não tirou proveito, pelas grandes dificuldade, e excessiva despeza de o vallar, abrir, e rotear, precisando diariamente levar agua doce do Norte para beberem creados, e gado, de sorte que ainda ha mezes se animarão alguns Lavradores d'Alhandra a entrar de sociedade com a Supplicante, cujo resultado ainda he incerto, pois que o Moção he muito combalido pelos ventos, que com o choque das aguas ha do levar-lhe facilmente o vallado. Por consequencia não ha aqui Merca propriamente dicta; está na mesma razão de qualquer outro Lavrador do Riba Téjo; e por isso está no caso de se attender na Pensão pedida, cuja justiça não he destruida pelos argumentos contrarios.

O Sr. P. J. Maya: - Sr. Presidente, para votar com conhecimento de causa he necessario que o Execellemissimo Ministro da Fazenda informe, se estes 500$000 réis forão concedidos em consequencia de Serviços realmente extraordinarios, que exigissem naquelle tempo tambem uma Pensão extraordinaria, ou se foi concedida por Serviços ordinarios, feitos na sua Repartição.

O Sr. Ministro da Fazenda: - Eu já tinha pedido a palavra, não para responder ao Sr. Deputado que precedeo a este ultimo, mas sim para mostrar á Camara que não tinha dicto um absurdo, quando disse que o Parecer se oppunha á letra, ou ao espirito da Carta, eu fallei da segunda pensão, e não da primeira; á cerca daquella diz a Commissão, que se não deve dar, porque não ha Lei que o determine, quando a Carta falla expressamente daquellas que não estão reguladas por Lei: neste sentido he que disse que se achava em opposição com a Carta. Era quanto ás informações exigidas pelo Sr. Deputado, que acaba de fallar, pouco mais poderei dizer, do que disse o illustre Membro da Commissão de Fazenda: o Governo julgou que devia premiar extraordinariamente esse homem pelos seus Serviços, e remunerou-lhe do modo que naquelle tempo julgou devia fazer.

O Sr. Mouzinho da Silveira: - Sr. Presidente, conheço na Administração Publica de Portugal tres principios, que fazem obrar o Governo; um he o da necessidade, quo he absolutamente imperioso em sua essencia; o segundo he o da Justiça, que se deve fazer sempre, quando a necessidade consente, e consiste o sabedoria em não fazer de modo, que as acções humanas não conduzão no ponto de ser necessário não ser justo; tal he o caso dos pródigos, que não pagão o que devem, e he justo que paguem; porque, he necessario que não tenhão dinheiro, para pagar. Outros principio he o da humanidade, a qual he uma grande virtude, quando pode ser praticada sem offender a Justiça; o homem que não devo, e faz esmolas, he um virtuoso, o homem que deve, e faz esmolas, he um ladrão; o mesmo he um Estado; se Portugal não tem meios de satisfazer obrigações perfeitamente contrahidas, como ha de continuar a fazer esmolas. A Supplicante não pede outra cousa, porque, se fosse resultado de uma Lei o que ella pede, então não vinha o Requerimento a esta Camara, o Governo teria cumprido a Lei.

Estabelecido por tanto, que se tracta de fazer por humanidade uma acção boa em si, porem má, quando por ella se faltar á Justiça, resta somente a observar que mesmo seria prodigalidade fazer esmolas a quem as não precisa: o Viuva tem 500$000 réis por anno, que o Estado lhe deo, e tanto tem muito pouca gente. He preciso, Senhores, fixar de uma vez para sempre, que Portugal não tem meios de continuar o seu systema prodigo de Mercês; que o bollo era grande, e se fez pequeno, e incapaz de ser dividido em tantas, e tão grandes fatias; que he muito generoso, e talvez impossivel manter o principio de não tirar o que se acha dado, e esperar que o tempo reforme; mas será possível que esta Camara continue a praticar a mesma prodigalidade? Será possível continuar com mil contos gastos em Pensões, e Monte Pio? Se os costumes passados são argumento, he preciso renunciar toda a idéa de reforma, e de melhora, nem a palavra reforma quer dizer outra cousa, senão que o andamento das cousas ha de ser outro. Não posso por tanto approvar apertenção; e respondo com u principio da imperiosa necessidade: = a Nação não tem e mesmo a Viuva não precisa.

O Sr. Aguiar: - Muito pezo me fizerão as razões judiciosamente expendidas pelo Exccllentissimo Sr. Ministro da Fazenda contra o Parecer da Commissão, mas tambem são de grande consideração aquela Ias que o Sr. Mansinho da Silveira, e outros produzirão a favor delle. A Camara está sufficientemente instruída para dar a uns, e outros o devido valor, a por isso escusado he que eu falle mais a este respeito; mas como um dos Srs. Deputados, o Sr. Elias da Costa, insistio em que a concessão da somma pedida pela Supplicante, a que Sua Alteza attendeo, he da mais rigorosa justiça, porque he fundada em um costume longamente macio, segundo o qual sempre se concedeo ás Viuvas dos Contadores do Erario a pensão pedida pela Supplicante, e os estilos, e cos-

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tumes antigos, conformes á razão, e não repugnantes ao direito, são verdadeiras Leis, conforme a Lei de 13 de Agosto de 1769, por isso devo impugnar este principio, e mostrar a consequencia que delle se se seguiria, se fosse verdadeiro. Não será possivel provar que semelhantes Pensões se concederão ha mais de cem annos sem alguma interrupção, como seria necessario, para que a pratica podesse allegar-se como, Lei, se não houvesse outro obstaculo a considerar-se como tal, e vem o ser: que por maior que seja o numero dos actos de mera graça, e pessoaes, nunca pode constituir direito, e só podem produzir-se como exemplos paia serem attendidaa iguaes pertenções.

Mas se se mostrar que á Supplicante he applicavel a disposição da Carta, que monda attender os recompensas de Serviços, a que houver um direito estabelecido; como se accrescenta que he necessario ser o direito fundado em Lei, seria forçoso que a Camara não desse a authorisação pedida pelo Governo, visto que delia não dependem as remunerações pecuniarias, que se acharem estabelecidas pelas Leis: com tudo o Governo entendeo, e entendeo bem, que a Supplicante não tem um direito perfeito, e rigoroso a que se lhe confira a Pensão pedida, e he por isso que recorre a esta Camara para approvar a sua Proposta. Não ai tendamos pois a Lei alguma, porque nenhuma existe realmente; attendâmos ás circumstancias da Supplicante, e aos fundamentos da sua supplica; tanto aquellas, como estes, são sobejamente manifestos.

O Sr. Borges Carneiro: - Desde a fundação do Erario, isto he, desde o anno de 1761 até ao presente, que são sessenta e seis annos, as Viuvaa dos Conta dotei do mesmo Erario tiverão sempre Pensão de 500$000 reis por morte de seus Maridos. Se este costume tivesse cem annos, talvez nem seria necessaria intervenção das Côrtes para o estabelecimento desta Pensão, porque o Direito consuetudinario he verdadeira Lei. Diz um Sr. Deputado que cumpre trabalharmos muito para se igualaria Receita com a Despeza; mas isto he necessario que se faça de maneira, que não recaia todo o pezo sobre a geração presente, e que os Empregados Publicos, e as suas Familias não caião em desalento, como bem disse o Excellentissimo Ministro da Fazenda. Fallando agora do caso actual, tenho a observar que o Contador, Marido da Supplicante, andou diligente, e conseguia em sua vida aquella mesma Pensão, que havia de ser concedida, segundo o costume, depois de sua morte; e nestes termos he evidente que agora senão deve duplicar a Pensão. Mas ella ai lega que, alem dos Serviços feitos por seu Marido como Contador, fez outros extraordinários, e independentes daquelle lugar, e que por estes he que se lhe concedêra aquella Pensão, e não pelos de Contador; e como isso se verifica, e que a Supplicante não tem outra riqueza senão os dictos -500$000 reis, e visto estar em idade adiantada, ou votaria que, em lugar de 500$000 veia se -lhe desse a metade, que são 250$000 reis; e nesta conformidade faço uma Emenda á Proposta do Governo.

O Sr. Leomil: - Sr. Presidente, eu não pertendo que sejamos prodigos com prejuizo da Nação, nem tambem mesquinhas com prejuizo dos Cidadãos pobres, e necessitados: o caso está em combinar estes dous elementos. A Carta estabelece as Garantias ao Cidadão, estabelece as reformas precisas, e diz do o Cidadão tem direito a recompensa pelos Serviços feitos ao Estado. Ora agora, Sr. Presidente, tenho a jazer sobre isto uma reflexão: estas recompensas, quando involvem Mercês pecuniarias, pertence a sua approvação ás Côrtes; porque nos pertencem, havemos de immediatamente fechar a porta ao Cidadão ? Isto he um estilo novo, e podem delle emanar muito más consequencias. Eu não digo isto para que se defira, pois que respeito sobre tudo as decisões da Camara; mas tambem respeito, e respeito muito os Direitos da Cidadão, e os Direitos da humanidade; em se attendendo a estes, marchasse conforme os principios da justiça, e da equidade: e em consequencia disto tudo voto contra o Parecer da Commissão.

O Sr. M. A. de Carvalho: - Sr. Presidente, eu não estou pela opinião da Commissão de Fazenda, e por isso não me conformo com o seu Parecer. Se fosse verdade o que dizem alguns Srs. Deputados, então escusava o Governo de cá mandar; porem o Governo achou embaraços, e remettêo o negocio para a Camara.
Disse-se aqui que já tem uma Pensão; mas como lhe foi ella concedida? Foi na vido de seu Marido, pelos Serviços feitos no Erario, e Junta dos Juros. Pergunto: os 500$000 reis fôrão concedidos em remuneração de todos os Serviços? Não. Não pode deixar de ser injusta a deliberação desta Camara, dizendo : = não te concedêmos a Pensão, porque já tens 500$000 reis; e finalmente a questão versa, se estão, ou não remunerados os Serviços: na minha opinião assento que não Por tanto eu sou de voto que se conceda a Pensão, que se pede.

O Sr. L. T. Cabral: - Disse-se aqui que, guando não ha Lei, há costume, e que este vale tanto como a Lei: eu, para tirar esta duvida, mandei buscar a Lei, que disso tracta, e acho que exige expressamente cem annos.

Julgou-se discutido o Parecer; e, entregue á votação, foi approvado, em quanto á primeira parte, vencendo-se que não devia approvar-se a Pensão proposta a favor de D. Maria Brigida Milner; e em quanto á segunda parte, á Pensão d'Angelica perpetua Freire, foi rejeitado o Parecer da Commissão, e confirmada a Proposta do Governo. Resolvendo-se que tanto este ultimo Parecer, como o antecedente, voltassem á Commissão para redigir as respectivas Propostas, que devem enviar-se á Camara dos Dignos Pares do Reino, na forma dos vencimentos.

Tomou-se em consideração a Seguinte Indicação, offerecida no principio da Sessão por parle do Sr. Deputado Van-Zeller, em que requer se requer ao Governo os seguintes objectos:

1.º Decreto da Junta Provisional do Governo Supremo do Porto, em data de 29 de Julho de 1809,

2.º Decreto do Rio de Janeiro, que sanccionou todos os actos da dieta Junto Provisional, e positivamente a creação, e applicação do Emprestimo, a Tributos impostos pelo sobredicto Decreto de 29 de Julho de 1808.

3.º Quanto foi a quantia, que emprestou a Cidade do Porto, em conformidade do dicto Decreto, especificando-se quanto se emprestou com juros, e quanto sem juros.

4.° Quanto rendeo o Direito de 4:800 réis em pi-

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pa de Vinho, e 2:000 réis em pipa de Azeite, que se exportasse pelas Barras, e Portos das tres Provincias do Norte, imposto pelo dicto Decreto, ale que este Direito se extinguio. - Lisboa 29 de Março de 1827. - Van-Zeller.

N. B. O primeiro Decreto, e os mais Papeis, que vierão do Porto, estão no Thesouro Publico, Conitadoria das Provincias, e Ilhas dos Açores, e Madeira, em poder do official João Lopes de Oliveira. O segundo Decreto acha-se na Secretaria d'Estado dos Negocios da Justiça, e Ecclesiasticos: vierão esses Papeis do Rio pelo Brigue Lebre em Abril de 1809.

Entregue á votação se determinou que se pedissem ao Governo os objectos, de que se tracta.

Resolveo-se que a outra Indicação offerecida pelo Sr. F. J. Maya ficasse reservada para a seguinte Sessão.

Dêo o Sr. Presidente para Ordem do Dia da seguinte, e ultima Sessão o Parecer da Commissão Especial sobre o Relatorio da Commissão Administrativa; os Pareceres que se achavão reservados; e os mais objectos, que se julgassem de maior urgencia, e em circumstancias de poderem resolver-se.

E, sendo 3 horas e 10 minutos, disse que estava fechada a Sessão.

SESSÃO DE 30 DE MARÇO.

Ás 9 horas e 40 minutos da manhã, pela chamada, a que procedêo o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa, se achárão presentes 93 Srs. Deputados, faltando, alem dos que ainda se não apresentarão, 16; a saber: os Sra. Girão - Barão de Quintella - Vieira da Motta - Conde de S. Paio - Araujo e Castro - Campos - Gravito - Trigoso - Van-Zeller - Izidoro José dos Sanctos - Queiroz - Galvão Palma - Machado d'Abreu - Ribeiro Saraiva - Mascarenhas Figueiredo - Nunes Cardoso - todos com causa motivada.

Disse o Sr. Presidente que estava aberta a Sessão; e, sendo lida a Acta da Sessão precedente, foi approvada.

Dêo conta o Sr. Secretario Ribeiro Costa da Correspondencia seguinte:
De um officio do Sr. Duque do Cadaval, Presidente da Camara dos Dignos Pares do Reino, acompanhando uma Participação da mesma Camara, de haver adoptado a Proposta, com data de 13 do corrente, sobre o augmento da Congrua ao Curato da Igreja do Espirito Sancto na Ilha da Madeira; e a dirigira a Sua Alteza a Serenissima Senhora Infanta Regente pedindo-lhe a Sua Sancção em Nome d'ElRei.

De outro officio do mesmo Sr. Duque do Cadaval, dos dignos pares, acompanhando a Participação de que ella havia adoptado a outra proposta data de 15 do corrente cobre conceder-se aos Juizes vencidos a liberdade de declararem o seu voto; e que a havia dirigido á Serenissima Senhora Infanta Regente.

E de um officio do Sr. Marquez de Tancos, Secretario da Camara dos Dignos Pares
do Reino, remettendo 132 Exemplares das suas Actas impressas da letra = N = que se mandárão distribuir.

Dêo mais conta da parte de doente, que mandon o Sr. Deputado Conde de S. Pato.
Teve a palavra o Sr. Deputado Pereira Ferraz, e por parte da Commissão de Fazenda dêo conta da redacção das duas Propostas a remetter á Camara dos Dignos Pares, relativas ás duas Pensões propostas pelo Governo, e approvadas por esta Camara. Venceo-se que se expedissem na forma que a Commissão as apresentava; com declaração porem que na Proposta sobre a Pensão a favor de D. Luzia Francisca Tota, se fizeste menção, e addicionasse que o respectivo Ministro dos Negocios Estrangeiros havio pessoalmente proposto a reducção de 400 § reis a 300 § reis.
E pedirão se declarasse nesta Acta que forão de voto contrario os Srs. Deputados Guerreiro - Magalhães - Cuperlino da Fonseca - e Barroso.

Dêo mais conta o mesmo Sr. Pereira Ferraz da dous Pareceres da Commissão du Fazenda sobre Consultas remettidas pelo Ministro dos Negocios da Fazenda: que ficarão reservados.

E offerecendo alguns Requerimentos remettidos em officio do Ministro dos Negocios da Guerra, para se lhe restituirem em conformidade do que hontem se vencera, se resolveo que se remettessem.

O Sr. Cordeiro: - Não só a Commissão de Petições tem em sua mão Requerimentos, a que deve dar uma decisão definitiva, mas até ha Consultas para se remetterem ao Governo. Ella tem em seu poder uma Consulta, que se pedio sobre a Junta do Commercio: ha outra para deferir o Requerimento dos Tendeiros de Lisboa: ha outra sobre diversos objectos, de que agora me não lembro; e na ultima Sessão, que a Commissão fez, disse eu na Commissão que se deve não tirar copias, e remetterem-se os originaes ás Estações competentes: ha outras sobre os Credores da Marinha, e todas estas Consultas estão em meu poder, sem saber verdadeiramente o destino, que lhe devo dar. Se a Camara porem julgar conveniente que se entreguem, porque aliás seria de grande prejuizo para as Partes a demora de nove mezes, eu as trarei hoje de tarde, ou amanhã pela manhã: com tudo devo advertir á Camara que a pertenção dos Tendeiros he tão difficultosissima que a Commissão de certo se veria embaraçada em dar sobre ella prompto Parecer; ficando pois cópia, como já disse, poderei eu apresentar para a Sessão futura (não como Membro da Commissão de Petições, porque esta já não existe.) trabalho prompto, e que o resto seja de pequena difficuldade para os Membros da Commissão, que forem nomeados.

O Sr. Presidente: - A questão versa tão somente sobre o pedir o Excellentissimo Ministro a restituição das Consultas.

O Sr. Cordeiro: - o Excellentissimo Ministro pedio a restituição dellas, não ha duvida, mas he quando se tivesse resolvido o motivo, para que ellas forão avocadas.

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