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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO EM 1 DE ABRIL DE 1864

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

Miguel Osorio Cabral

José de Menezes Toste

Chamada — Presentes 61 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Adriano Pequito, Garcia de Lima, Annibal, Soares de Moraes, Ayres de Gouveia, Sá Nogueira, Quaresma, Eleutherio Dias, Brandão, Gouveia Osorio, A. Pinto de Magalhães, Magalhães Aguiar, Pinheiro Osorio, Barão da Torre, Barão do Rio Zezere, Freitas Soares, Abranches, Almeida e Azevedo, Bispo Eleito de Macau, Ferreri, Cesario, Claudio Nunes, Cypriano da Costa, Fortunato de Mello, Bivar, Coelho do Amaral, Ignacio Lopes, Borges Fernandes, F. L. Gomes, F. M. da Costa, F. M. da Cunha, Medeiros, Sant'Anna e Vasconcellos, Gomes de Castro, Mendes de Carvalho, Mártens Ferrão, Fonseca Coutinho, J. J. de Azevedo, Nepomuceno de Macedo, Sepulveda Teixeira, Joaquim Cabral, Torres e Almeida, J. Coelho de Carvalho, Matos Correia, Mello e Mendonça, Neutel, Alves Chave, Frasão, Alvares da Guerra, Sieuve de Menezes, José de Moraes, Gonçalves Correia, Camara Falcão, Levy M. Jordão, Alves do Rio, Rocha Peixoto, Manuel Firmino, Murta, Pereira Dias, Pinto de Araujo, Marianno de Sousa, Miguel Osorio, Modesto Borges, Placido de Abreu, Ricardo Guimarães, Thomás Ribeiro, Teixeira Pinto e Visconde de Pindella.

Entraram durante a sessão — Os srs. Affonso Botelho, Vidal, Braamcamp, Abilio, Correia Caldeira, Gonçalves de Freitas, Seixas, Arrobas, Fontes Pereira de Mello, Mazzioti, Mello Breyner, Antonio Pequito, Pinto de Albuquerque, A. de Serpa, A. V. Peixoto, Palmeirim, Zeferino Rodrigues, Barão das Lages, Barão de Santos, Barão do Vallado, Garcez, Albuquerque e Amaral, Cyrillo Machado, Conde da Torre, Poças Falcão, Fernando de Magalhães, Barroso, Fernandes Costa, Cadabal, Gaspar Pereira, Gaspar Teixeira, Guilhermino de Barros, Henrique de Castro, Blanc, João Chrysostomo, J. A. de Sousa, J. da Costa Xavier, Albuquerque Caldeira, Aragão Mascarenhas, Rodrigues Camara, J. P. de Magalhães, Faria Guimarães, Lobo d'Avila, José da Gama, Galvão, Sette, Fernandes Vaz, José Guedes, Figueiredo Faria, Luciano de Castro, J. M. de Abreu, Silveira e Menezes, Menezes Toste, Oliveira Baptista, Batalhós, Mendes Leal, Julio do Carvalhal, Camara Leme, Freitas Branco, Mendes Leite, Sousa Junior, Vaz Preto, Monteiro Castello Branco, Moraes Soares e Fernandes Thomás.

Não compareceram — Os srs. A. B. Ferreira, Mais, Ferreira Pontes, Lemos e Napoles, Pereira da Cunha, Lopes Branco, David, Oliveira e Castro, Beirão, Pinto Coelho, Almeida Pessanha, Conde da Azambuja, Domingos de Barros, Drago, Abranches Homem, Diogo de Sá, Vianna, Gavicho, Bicudo, Pulido, Chamiço, Pereira de Carvalho e Abreu, Silveira da Mota, João Chrysostomo, Calça e Pina, Ferreira de Mello, Simas, Veiga, Infante Pessanha, D. José de Alarcão, Casal Ribeiro, Costa e Silva, Latino Coelho, Rojão, Mendes Leal, Affonseca, Moura, Alves Guerra, Charters, R. Lobo d'Avila, Simão de Almeida e Vicente de Seiça.

Abertura — Ao meio dia e tres quartos.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

1.º Uma declaração do sr. Nepomuceno de Macedo, de que o sr. Beirão não pôde comparecer á sessão de hoje. — Inteirada.

2.º Um officio do ministerio do reino, acompanhando o seguinte.

DECRETO

Usando da faculdade que me confere a carta constitucional da monarchia, no artigo 74.°, § 4.°; tendo ouvido o conselho d'estado, nos termos do artigo 110.° da mesma carta: hei por bem prorogar as côrtes geraes da nação portugueza até ao dia 14 do mez de maio do corrente anno.

O presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza assim o tenha entendido para os effeitos convenientes. Paço da Ajuda, em 31 de março de 1864. = REI. = Duque de Loulé.

A camara ficou inteirada.

3.º Uma representação do cabido da sé cathedral de Vizeu, pedindo que se lhe augmentem as suas congruas. — Á commissão ecclesiastica, ouvida a de fazenda.

4.º Da camara municipal de Portalegre, pedindo a concessão de um edificio, em ruinas, d'aquella cidade, e pertencente á fazenda nacional, para o derribar e aformosear a cidade. — Á commissão de fazenda.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

REQUERIMENTO

Requeiro se peça ao governo que envie a esta camara, se n'isso não encontrar inconveniente, a proposta que ultimamente fez subir o delegado do thesouro, no districto administrativo do Funchal, pelo ministerio dos negocios da fazenda, sobre a necessidade ou conveniencia de serem modificadas as taxas da contribuição industrial. Peço a urgencia. = L. de Freitas Branco.

Foi enviado ao governo.

NOTA DE INTERPELLAÇÃO

Peço seja prevenido o sr. ministro das obras publicas, commercio e industria, de que desejo chamar a sua attenção sobre os inconvenientes de estar actualmente fixado o mesmo dia de cada mez para saírem do porto de Lisboa para o do Funchal, na ilha da Madeira, os paquetes das duas companhias de navegação a vapor Lusitania e União Mercantil, ambas subsidiadas pelo estado; e sobre a necessidade de serem empregados os meios ao alcance do governo para que os mesmos paquetes sáiam em dias differentes, e com um intervallo rasoavel, para facilitar a repetição regular das communicações entre Lisboa e o Funchal. = L. de Freitas Branco.

Mandou-se fazer a communicação.

SEGUNDAS LEITURAS

PROJECTO DE LEI

Senhores. — Considerando que os queixumes contra o serviço sanitario maritimo não têem fundamento justificado

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nas medidas quarentenárias em vigor, mas sim na falta das condições materiaes do serviço, e mais particularmente na incapacidade do lazareto de Lisboa, como é geralmente sabido e foi oficialmente reconhecido pela commissão nomeada pelo governo em seu relatorio-consulta de 2 de junho de 1855, e mais recentemente pela commissão nomeada por portaria de 3 de outubro de 1863 no seu relatorio consulta de 24 de dezembro do mesmo anno, Diario de Lisboa n.° 23;

Considerando que outra falta não menos sensivel é a de um lazareto pelo menos no archipelago dos Açores, e outro na ilha da Madeira, unico meio de evitar que a importante navegação daquelles mares seja obrigada a vir aos lazaretos de Lisboa ou de Vigo, com estorvo e grave detrimento do commercio, esta falta foi tambem devidamente apreciada pelas referidas commissões;

Considerando que o novo lazareto de Lisboa se acha em construcção adiantada, segundo consta do relatorio da repartição de saude de 1862, e é de esperar que funccione brevemente. Mas isto só não basta para que o serviço se faça com a maxima rapidez necessaria, em beneficio e vantagem do commercio e dos quarentenários, e para garantia da saude publica; é alem d'isso necessario prove-lo do pessoal indispensavel, de que actualmente carece, tanto para este como para os demais lazaretos que de futuro se estabeleçam, como tambem já foi reconhecido pelas ditas commissões;

Considerando que as faltas e necessidades referidas, importando para serem devidamente attendidas augmento de despeza, só podem remediar se pela creação de meios especiaes com applicação aos melhoramentos do serviço sanitario tão justamente reclamados pelo commercio e pela salubridade publica;

Considerando que os navios portuguezes são sujeitos em quasi todos os portos da Europa ao pagamento de direitos sanitarios mais ou menos avultados; que a imposição e generalisação desses direitos foi unanimemente votada pelas conferencias sanitarias internacionaes de París; e que pelo contrario nos portos portuguezes nenhum direito sanitario pagam os navios estrangeiros, nem mesmo os d'aquellas nações que nos seus portos os exigem aos portuguezes, como é, por exemplo, a França;

Considerando que a convenção sanitaria de París, cuja adopção tem sido recommendada pelo governo e pelas camaras legislativas, prescreve no artigo 7.°:

1.º Que todos os navios que entrarem em qualquer porto, paguem, sem distincção de bandeira, um direito sanitario proporcional á tonelagem;

2.º Que os navios sujeitos á quarentena paguem alem d'isto um direito diario de estação ou ancoragem;

3.º Que as pessoas detidas nos lazaretos paguem um direito certo por cada dia de residencia nesses estabelecimentos;

4.º Que as mercadorias depositadas e desinfectadas nos lazaretos sejam tambem sujeitas a uma taxa proporcional ao peso ou ao valor;

Em virtude d'este artigo da convenção, foram em França estabelecidos os direitos sanitarios, pelo decreto imperial de 4 de junho de 1853; e em Hespanha foram reformadas as tarifas dos direitos de saude maritima pela lei organica de 28 de novembro de 1855;

Considerando que a Italia tambem estabeleceu direitos sanitarios na lei de 2 de dezembro de 1852, modificada subsequentemente em virtude da convenção sanitaria de París pela lei de 13 de abril de 1854; e que mais recentemente foram tambem estabelecidos os direitos sanitarios na Grecia;

Considerando que o tratado de commercio entre Portugal e a França, ratificado pela carta regia de 2 de setembro de 1853 (publicado no Diario do Governo n.° 73), estabelece no artigo 13.° perfeita igualdade e reciprocidade relativamente aos direitos de quarentena e quaesquer outros;

Considerando que são tão moderados os direitos sanitarios estabelecidos principalmente em França, que podem facilmente adoptar-se sem causar gravame ou embaraço sensivel á navegação e ao commercio;

Considerando que a tabella, que vae annexa ao projecto de lei, que tenho a honra de vos apresentar, não excede os limites da tabella franceza, e ao contrario vae reduzida a metade quanto á taxa que os quarentenários pagam no lazareto, a qual na referida tabella franceza é de dois francos diarios;

Considerando que o producto destes modicos direitos, prestando os meios indispensaveis de melhorar o serviço de saude em proveito da navegação e do commercio, deve subtrahir o thesouro publico ao peso de novos encargos, que o serviço e o melhoramento dos diversos ramos de policia sanitaria imperiosamente reclamam;

Considerando que com o rendimento d'este tributo será possivel, sem mais sacrificio do thesouro, não só manter bons lazaretos em Lisboa, Funchal, e no archipelago dos Açores, mas retribuir convenientemente o pessoal de todas as estações de saude, que recebem ordenados mesquinhos, e attender porventura a outras despezas de serviço sanitario interno, que é forçoso aperfeiçoar successivamente, segundo os progressos incessantes da hygiene publica;

Considerando finalmente que o governo tem reconhecido estas necessidades, e que a ultima commissão, nomeada pela portaria de 3 de outubro do anno findo, expressou claramente a mesma opinião, terminando por propor os indispensaveis melhoramentos para a repartição de saude, tenho pois a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E o governo auctorisado a estabelecer direitos sanitarios correspondentes á visita de saude dos navios, que entrarem nos portos do reino, e ao serviço quarentenário na conformidade da tabella annexa.

Art. 2.° E o governo auctorisado a crear os empregos estrictamente indispensaveis para o serviço dos lazaretos, e a estabelecer-lhes os convenientes ordenados.

Art. 3.° Os direitos sanitarios serão applicados para o melhoramento dos lazaretos, e para as despezas do serviço de saude publica.

Art. 4.° O governo dará conta ás côrtes do uso que tiver feito da auctorisação concedida por esta lei.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da camara dos deputados, 1 de abril de 1864. = João Sepulveda Teixeira.

Tabella dos direitos sanitarios, que faz parte do projecto de lei d'esta data

Por direitos de visita de entrada em qualquer porto do reino e seus dominios, pagará cada navio, por tonelada............................ 30 réis

Os navios de cabotagem de um porto portuguez

a outro, pagarão por cada tonelada......... 10 »

Os navios que fazem a cabotagem até aos portos

estrangeiros, no mesmo mar............... 20 »

Os paquetes que chegarem regularmente de porto estrangeiro em dias determinados, por tonelada.................................. 10 »

Os paquetes que chegarem em dia fixo, e navegarem entre os portos portuguezes, por tonelada.................................. 5 »

Os paquetes correspondentes a estas duas ultimas cathegorias poderão tomar abonos de seis mezes ou de um anno, calculando o abono para os da primeira na rasão de 100 réis por tonelada, e para os da segunda 50 réis, seja qual for o numero de viagens em cada anno.

Os navios, pela ancoragem e fiscalisação sanitaria durante a quarentena, pagarão por cada dia, e por cada tonelada...................... 10 »

Cada pessoa recolhida no lazareto, por dia..... 200 »

As fazendas depositadas e desinfectadas nos lazaretos, pagarão por cada 100 kilogrammas.... 100 »

Os couros, por cada 100.................... 200 »

As pelles de animaes menores, não empacotadas, por 100................................ 100 »

Pela expurgação das bagagens, roupas e mais effeitos, de cada pessoa da tripulação......... 200 »

Pela expurgação das bagagens, roupas e mais effeitos, de cada passageiro................. 400 »

Pela quarentena de grandes animaes vivos, como

cavallos, etc, por cada um............... 400 »

Os navios que, durante o curso de uma operação, entrarem successivamente em varios portos portuguezes, não pagarão o direito de entrada mais do que uma vez no porto da sua primeira entrada. Os navios ficam obrigados, alem do pagamento dos direitos sanitarios estabelecidos, ás despezas de desembarque para o lazareto, de expurgação do navio, e das mais medidas hygienicas que devam praticar-se na conformidade dos regulamentos. São isentos dos direitos de lazareto, os menores de sete annos, os indigentes embarcados por conta do governo, ou de officio pelos consules, e as pessoas que queiram alojar-se em dormitórios communs, se os houver no lazareto.

Ficam isentos de todos os direitos sanitarios acima enumerados: os navios de guerra, os navios mercantes de arribada forçada, ainda quando sejam admittidos á livre pratica, uma vez que não pratiquem alguma operação commercial no porto da arribada, e as embarcações que se empregarem em pescaria fresca.

Foi admittido e enviado á commissão de saude publica ouvida a de commercio.

O sr. Torres e Almeida: — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda.

O sr. Presidente: — Vae passar-se á primeira parte da ordem do dia.

O sr. Camara Leme: — Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra. -

E por esta occasião pedia a v. ex.ª, que tivesse a bondade de dar para discussão o parecer da commissão de guerra n.° 23 da actual sessão, que trata da interpretação da carta de lei sobre a reforma para os officiaes do exercito.

O sr. Annibal: — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara se, no intervallo antes de se passar á ordem do dia, quer passar á discussão do projecto n.° 132, de 1861, que já está dado para ordem do dia.

O sr. Presidente: — O que está dado para ordem do dia é o parecer n.° 37, e já annunciei que se ía entrar na sua discussão; mas o illustre deputado pôde fazer o requerimento, para o projecto a que se referiu ser discutido depois deste.

O sr. C. J. Nunes: — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda ácerca das propostas que foram mandadas para a mesa durante a discussão da generalidade e especialidade do projecto de lei n.° 19.

Peço a v. ex.ª que consulte a camara se dispensa a sua impressão, a fim de entrar em discussão logo que esteja presente o sr. ministro da fazenda.

O sr. Presidente: — Logo consultarei a camara a esse respeito.

Agora passa-se á

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

DISCUSSÃO DO PARECER N.° 37

É o seguinte:

PARECER N.° 57

Senhores: — A vossa commissão de legislação viu e examinou escrupulosamente o processo crime instaurado perante o juizo ordinario de Penalva do Castello contra o sr. deputado Antonio de Gouveia Osorio, e que foi remettido á camara dos senhores deputados da nação em cumprimento do disposto no artigo 27.° da carta constitucional, e para os effeitos ali consignados; bem como viu e examinou o relatorio offerecido pelo mesmo sr. deputado com cinco documentos que o acompanham, e mais seis documentos produzidos pelo administrador do concelho de Penalva do Castello.

Em 24 de outubro do anno proximo passado de 1863, como a fl. 5 dos autos, procedeu-se á autuação do dito sr. deputado Gouveia Osorio por tres differentes crimes; a saber: injuria á auctoridade, desobediencia ás ordens emanadas do superior legitimo, e abandono do emprego. Mas no despacho de pronuncia, exarado a fl. 36 v. pelo juiz ordinario, e confirmado a fl. 37 v. pelo juiz de direito respectivo, só se conheceu do crime de desobediencia, punido pelo artigo 303.° do codigo penal, com a circumstancia aggravante das expressões menos respeitosas do officio a fl. 9; dizendo em seguida o mesmo juiz preparador: «Não o considero implicado no crime de abandono do emprego, porque do processo não consta que o mesmo estivesse em exercicio de vice-presidente da camara».

A autuação de fl. 5 fundou-se nos quatorze documentos que se lhe seguem, e com os quaes o administrador do concelho autuante pretende convencer que o Sr. deputado Gouveia Osorio era o vice presidente da camara municipal de Penalva do Castello, que o seu presidente se achava competentemente licenciado, e que reclamando elle administrador em nome e por ordem do governador civil, que o vice-presidente desempenhasse as funcções de seu cargo, o mesmo se recusára, apesar das reiteradas instancias em cinco officios consecutivos. Nos seis documentos pelo mesmo administrador enviados ultimamente propõe-se elle corroborar a prova dos indicados factos.

O Sr. deputado Osorio allega que não era competente para se lhe reclamar a convocação da camara, porque tinha declarado opportunamente que se achava impedido e bem assim que não tivera conhecimento da ordem superior, que lhe não foi transmittida em fórma legal. E para comprovar sua allegação produziu cinco documentos, d'onde se colhe:

1.º Que em 20 de outubro do anno proximo passado, officiára elle sr. Gouveia Osorio ao vereador João Pinto da Silva Cabral, rogando-lhe que tomasse a presidencia, que o dito sr. Osorio não podia tomar, porque ía saír para fóra do concelho e do districto;

2.º Que a camara o não arguira pelas faltas, importando este silencio a aceitação do legitimo impedimento;

3.º Que comparecendo elle sr. deputado na sessão da camara municipal de 7 de novembro, ali justificara os motivos de seu anterior impedimento, e pedíra licença por mais algum tempo, a qual lhe fóra concedida unanimemente.

O processo mostra evidentemente, combinado com os documentos alludidos, que o presidente da camara obtendo licença para saír do concelho, officiára ao vice-presidente dito sr. deputado, para que presidisse em seu logar; que este em 20 de setembro officiára ao seu immediato João Pinto de Silva Cabral, declarando-se impedido, e rogando-lhe tomasse a presidencia; que este immediato declarára que não aceitava, porque tencionava tambem pedir licença; que passando algum tempo sem haver sessão, o secretario da camara o participara ao administrador do concelho, pedindo providencias; que este representara ao governador civil em officio de 28 de setembro o mau estado dos negocios do municipio, recebendo em consequencia ordem do mesmo governador civil para pedir em nome d'elle uma reunião extraordinaria, convidando para tanto o presidente ou quem suas vezes fizesse; que o administrador se dirigiu ao sr. deputado por seu officio de 6 de outubro, a que o sr. deputado respondeu com a carta ou officio de 7 do dito mez, por copia a fl. 9 do processo; que com pequenos intervallos enviára o mesmo administrador ao dito sr. deputado mais quatro officios para igual fim, cobrando recibo; finalmente que sendo o dia 24 de outubro o ultimo que o administrador do concelho indicou para reunião da camara, n'esse mesmo dia se lavrou a autuação de fl. 5.

São estes os factos que se passaram. Assim pois a vossa commissão:

Attendendo a que, segundo o disposto no artigo 303.° do codigo penal, a ordem superior para obrigar deve ser revestida das formulas legaes, como na hypothese parece a da exhibição da ordem original ou copia authentica d'ella, o que se não cumpriu, porque no officio documento n.° 4, a fl. 8 V. e 9 o administrador do concelho apenas diz «que V. ex.ª lhe ordena que convoque a camara para sessão extraordinária», sem que ao menos indicasse qual o documento que continha essa ordem;

Attendendo a que no officio do governador civil, por copia a fl. 8, se ordena que o administrador do concelho officie ao presidente da camara, ou quem suas vezes fizer, e não seja provado aquelle tempo fizesse as vezes de presidente o sr. Gouveia Osorio;

Attendendo a que o sr. deputado se declarou impedido de funccionario em seu alludido officio de 20 de setembro, o que chegou ao conhecimento do administrador do concelho pela exposição que lhe fez o secretario da camara em officio de 28 de setembro, por copia a fl. 7, e a que devêra por isso dirigir-se ao vereador mais velho, em cumprimento da lei de 6 de julho de 1855, não podendo nem devendo intrometter-se a julgar da legitimidade do impedimento, para que não era competente;

Attendendo a que nos termos do artigo 111.º do codigo administrativo só á camara pertence conhecer dos impedi

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mentos e faltas dos vereadores; a que nenhum acto mostra que a camara accusasse de illegitimo o impedimento allegado, e a que pelo contrario a camara de Penalva do Castello em sua sessão de 7 de novembro de 1863, como da acta, documento n.° 5 dos que o sr. deputado exhibiu, parece ter legalisado as faltas do mesmo, e unanimemente lhe concedeu licença por mais algum tempo;

Attendendo a que é pratica constante nos municipios transmittir-se a presidencia, na ordem da lei, por simples officio com declaração de impedimento;

Attendendo a que o officio ou carta de fl. 9, documento n.° 5, nos termos em que se acha redigido não pôde desaffrontadamente alcunhar se de injurioso, porque o sentido ironico não deve presumir se, excepcional como é, nem se acha provado em termos que convençam; alem de que no proprio despacho de pronuncia se considera esse facto como circumstancia aggravante do delicto, e portanto dependente da prova deste para sua conveniente apreciação;

Attendendo finalmente a que se não mostra nem ainda allega intenção malevola da parte do sr. deputado para se negar ao exercicio das funcções de presidente:

Por todas estas rasões e outras que são obvias, é a vossa commissão de parecer que o processo instaurado no julgado de Penalva do Castello contra o sr. deputado Antonio de Gouveia Osorio não deve continuar.

Sala das sessões da commissão, 18 de março de 1864. = José de Oliveira Baptista (vencido) = Annibal Alvares da Silva = Albino Augusto Garcia de Lima = José Maria da Costa e Silva = Antonio Carlos da Maia = Bernardo de Albuquerque e Amaral (vencido) = João Rodrigues da Cunha Aragão Mascarenhas = Pedro Augusto Monteiro Castello Branco (vencido) = José Luciano de Castro (vencido) = Joaquim Antonio de Calça e Pina, relator, = Tem voto do Sr. Carlos Zeferino Pinto Coelho.

(Pausa.)

O sr. Presidente: — Como não ha quem peça a palavra, vae proceder-se á votação do parecer, que segundo as disposições do regimento deve ser por espheras.

O sr. José de Moraes: — O que v. ex.ª acaba de dizer é o que manda o regimento; mas elle pôde ser alterado por uma resolução da camara; e por isso peço a v. ex.ª que a consulte, se, dispensando o regimento, quer que a votação seja pelo meio ordinario de levantados e sentados.

Assim se resolveu; e seguidamente foi approvada a conclusão do parecer.

O sr. Annibal: — Torno a lembrar a v. ex.ª o projecto de lei n.° 132 de 1861, que está dado para ordem do dia; e pedia que consultasse a camara sobre se quer entrar agora na sua discussão.

O sr. Barão do Rio Zezere: — Tambem hontem pedi a discussão do projecto de lei n.° 137; e pedia que tambem fosse consultada a camara a este respeito.

Consultada a camara, resolveu que entrassem em discussão os projectos n.° 132 de 1861 e o n.° 137.

O sr. Camara Leme: — Pedia a v. ex.ª que consulte a camara se quer que, depois da discussão d'estes dois projectos, se discuta o projecto dos capitães de 1.ª classe, que já está dado para ordem do dia.

O sr. Gouveia Osorio: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Presidente: — Vae entrar em discussão o projecto de lei n.° 132, de 1861.

É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 132

Senhores. — A commissão de estatistica, a quem foram presentes as representações dos habitantes dos supprimidos concelhos de Azeitão e Palmella, actualmente annexados ao de Setubal, em que pedem a reconstrucção de seus antigos concelhos e a restituição de seus fóros municipaes, attendendo a que o municipio não é uma entidade de capricho a que os governos possam dar formas arbitrarias e symetricas na organisação administrativa do estado, mas um facto natural e espontaneo que o governo deve reconhecer e aceitar para sobre elle firmar aquella organisação; attendendo a que a commodidade e conveniencia dos povos são as primeiras condições a attender na organisação do paiz, e que estas condições foram preteridas quando se supprimiram os antigos concelhos de Azeitão e de Palmella, e se annexaram ao de Setubal, que para a maioria dos habitantes de Azeitão fica a doze kilometros de distancia e a igual longitude para a maioria dos habitantes de Palmella, ao que acresce para os povos de Azeitão o inconveniente de ser intransitavel de inverno a estrada que os liga a Setubal; attendendo a que a povoação de Azeitão é de perto de 1:000 fogos, espalhados por oito aldeias e duas villas, sendo a principal d'ellas Villa Nogueira, que tem bellos edificios e casas proprias para paços do concelho e mais accommodações do serviço municipal, e que por mais de noventa annos gosou da categoria de concelho sem que se possa dizer que tenha decaído em cousa alguma do seu antigo esplendor, e a que a povoação de Palmella tem mais de 1:300 fogos, sendo 600 na antiga villa d'este nome e o resto espalhado por seis aldeias em uma extensão de quinze kilometros, tendo aquella villa elegante paço municipal e todas as condições necessarias para ser concelho, pois que sempre teve representação propria desde o começo da monarchia; attendendo a que os interesses geraes d'estes povos mal podem ser devidamente attendidos pela camara municipal de Setubal, que lhes fica a tão consideravel distancia, e a que os mesmos povos não podem sem grande vexame recorrer á cabeça do concelho para encontrar remedio a seus soffrimentos; attendendo a que a acção governativa mal pôde exercer-se convenientemente quando as auctoridades ficam a tão grandes distancias dos povos; e a que as despezas que possam resultar para os povos da reorganisação d'estes concelhos, não são superiores aquellas que elles actualmente

pagam, mas quando o fossem seriam compensadas pelos commodos que lhes resultam da representação local; attendendo finalmente á conveniencia de remover dos povos as causas permanentes de desgosto e de vexame, facilitando os meios de se prover com celeridade a suas publicas necessidades: a commissão é de parecer que os dois supprimidos concelhos de Azeitão e de Palmella sejam de novo reconstruídos, e para esse fim tem a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:,

Artigo 1.° São de novo restabelecidos, para todos os effeitos, os dois antigos concelhos de Azeitão e de Palmella e separados do de Setubal, a que foram annexados por virtude do decreto de 14 de outubro de 1855.

Art. 2.° E revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão de estatistica, 16 de agosto de 1861. = Francisco Coelho do Amaral = Antonio Joaquim Ferreira Pontes = Joaquim Antonio de Calça e Pina —Antonio Egypcio Quaresma Lopes de Vasconcellos = Manuel Bento da Rocha Peixoto.

O sr. José de Moraes: — Pedi a palavra para novamente emittir a opinião, que tenho emittido muitas vezes n'esta casa, de que a divisão territorial administrativa, judicial e ecclesiastica não se pôde nem se deve fazer a retalhos.

Esta é a minha antiga opinião, e se acaso ha direito e justiça em reconstruir os dois concelhos de Azeitão e Palmella, tirando-os do concelho de Setubal, igual direito e justiça têem outros concelhos que estão em peiores circumstancias do que estes.

Voto pois contra este projecto, e não só contra este, mas contra todos que forem tendentes a fazer a divisão territorial administrativa e judicial a retalho.

Mas n'este parecer, pela leitura rapida que eu ouvi na mesa, porque tenho bom ouvido...

O sr. Rocha Peixoto: — Tem um ouvido magnifico.

O Orador: — Diz o meu amigo, o sr. Rocha Peixoto, que eu tenho um ouvido magnifico; é verdade, terei muitas cousas más, mas posso affirmar que tenho bom ouvido, e parece-me que no parecer se não diz que a commissão foi de accordo com o governo.

O sr. Coelho do Amaral: — Ainda hontem se votaram dois projectos identicos, sendo um para a separação de seis freguezias de um concelho.

O Orador: — O illustre deputado meu amigo, o sr. Coelho do Amaral, falla de um projecto que tirou seis freguezias do concelho de Villa Verde para o da Ponte da Barca. Eu não estava na camara n'essa occasião, mas o illustre deputado que estava presente, e que tem uma voz muito mais auctorisada e respeitavel do que a minha, se entendia que esse projecto era injusto, devia ter tomado a palavra contra elle.

O sr. Coelho do Amaral: — Eu entendo que aquelle projecto era muito justo, assim como este e muitos outros, e entendo que não devemos esperar por uma reforma geral que nunca apparece, para fazermos justiça ás reclamações dos povos.

O Orador: — Se a reforma nunca apparece, é porque nem o illustre deputado nem o governo a querem, porque se a quizessem, podiam usar da sua iniciativa, e trazer á camara uma auctorisação para o governo fazer essa reforma...

O sr. Quaresma: — Se se apresentasse uma proposta n'esse sentido ficava na commissão, e não tinha andamento.

O Orador: — Mas se os illustres deputados têem poder e força para tirar estes pareceres da commissão, tenham igual força para tirarem um parecer sobre a reforma geral.

Dizia eu que tenho bom ouvido e boa memoria e não me esqueço da leitura do parecer da commissão de estatistica, e vejo que lhe faltam umas palavras sacramentaes que se costumam pôr nos pareceres, visto que o parecer é de accordo com o governo, e portanto parece-me que este projecto não pôde ser discutido sem se saber qual é a opinião do governo a este respeito, e mesmo a illustre commissão no seu relatorio que precede este projecto não diz que —: o governo fosse ouvido a este respeito.

Não preciso de saber qual é a opinião do governo para guiar a minha opinião, mas entendo que, tanto a respeito d'este como de outros projectos, o governo devia ser ouvido, porque o sr. ministro do reino pôde saber, por alguns documentos que tenha na secretaria, se convem ou não a divisão administrativa e territorial n'este ponto.

Por conseguinte declaro ser esta a minha opinião, mas depois da camara emittir a sua não me hei de insurgir contra ella. Entretanto entendi que devia fazer esta declaração para que se não diga que por espirito de partido ou de facção votei contra o projecto.

O sr. Annibal: — Creio, sr. presidente, que os soffrimentos dos povoa não podem deixar de merecer a esta camara especial contemplação.

Por differentes vezes têem os povos de Azeitão e de Palmella feito ouvir n'esta camara os seus clamores, allegando os soffrimentos que estão supportando em consequencia da má divisão territorial, e pedindo a reconstrucção dos seus antigos concelhos; e este acto de justiça, que até agora tem sido adiado, não pôde hoje ser-lhes denegado (apoiados).

Os antigos concelhos de Azeitão e de Palmella foram supprimidos em 1855 e annexados ao de Setubal. Mas entre Azeitão e Setubal ha a distancia de mais de duas leguas, ha duas serras a passar, e uma estrada quasi intransitavel durante o inverno.

Não é preciso dizer mais para a camara poder fazer idéa dos soffrimentos d'estes povos todas as vezes que têem qualquer dependencia na cabeça do concelho.

Os povos de Palmella estão em parte em igual distancia. Os seus soffrimentos são portanto de igual natureza; mas o que os torna insupportaveis é a certeza de que esses soffrimentos podem ser evitados concedendo-se-lhes o que agora

pedem, que é a reconstrucção dos seus antigos concelhos, o governo local.

Disse o meu nobre amigo, o sr. José de Moraes, que = o projecto importa uma injustiça, porque ha outros povos em igualdade de circumstancias, e não têem sido attendidos, porque a divisão territorial não se pôde fazer a retalho, mas em globo =.

Permitta-me o nobre deputado que lhe diga que o que me parece grande injustiça é a rejeição do projecto que se discute.

O governo tanto foi ouvido que a camara se recordará por certo de ter já por vezes ouvido dizer ao nobre presidente do conselho aquelle dito conceituoso e sisudo que encerra os verdadeiros principios fundamentaes destes assumptos. «O governo, disse elle, não faz concelhos; os concelhos é que se constituem a sr. Aonde existem os factos naturaes, isto é, aonde existe uma povoação com meios sufficientes e pessoal habilitado para os cargos municipaes, ahi está o concelhos» (apoiados).

Uma voz: — Esses são os principios.

O Orador: — Ora existindo estes factos nos concelhos que se pretendem restabelecer, e tanto que por seculos tiveram aquelles povos o seu governo local, com que direito lhe negaremos agora o que já a outros temos concedido?

Sr. presidente, demos a devida importancia a estas manifestações populares que revelam a confiança que os povos têem na justiça do parlamento. Prestemos a devida consideração a esta ambição de autonomia que existe em certas povoações pelo sentimento que ella indica. É um Sentimento de liberdade e de independencia que é de toda a conveniencia respeitar (apoiados).

Eu não quero protelar a discussão, e por isso não alongarei estas considerações; e sento-me esperando que a camara aproveitará a occasião de fazer justiça a estes povos como já tem feito a outros (apoiados).

Se eu visse que a camara seguia invariavelmente o principio de que a reforma da divisão territorial não se podia fazer a retalho (e eu entendo que não se pôde fazer de outra fórma), seria o primeiro a contribuir para que este projecto fosse retirado da discussão. Mas a camara ainda que ao principio parecesse querer adoptar aquelle systema, e tanto que adiou a discussão d'este projecto, comtudo abandonou claramente essa idéa; por isso mesmo que não só reconstruiu depois os concelhos de Salvaterra de Magos e de Souzel, mas ainda hontem desannexou (e com toda a rasão) freguezias que estavam pertencendo a um districto e as deu a outro, por assim ser conveniente á commodidade e bem estar dos povos.

Ora, sendo isto assim, é claro que seria uma iniquidade revoltante que se deixasse agora de attender aos soffrimentos d'estes povos e se não approvasse o projecto que se discute, quando já se attendeu a outros. A justiça deve ser igual para todos (apoiados).

Já vê portanto o meu amigo, o sr. José de Moraes, que a injustiça não está na opposição do projecto, mas na sua rejeição. E não venha aqui dizer-se que o governo não foi ouvido.

O sr. Presidente: — Como está presente o sr. ministro da fazenda vae passar-se á segunda parte da ordem do dia, ficando pendente a discussão do projecto que se discute.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — O sr. Claudio José Nunes requereu que se consultasse a camara se permitte que, dispensando-se o regimento, se dispensasse a impressão e passasse já á discussão do parecer sobre as propostas offerecidas ao projecto n.° 19. Vou consultar a camara a este respeito.

Decidiu-se afirmativamente.

O sr. Presidente: — Vae entrar em discussão o parecer.

É o seguinte: parecer

Senhores. — As vossas commissões de fazenda e legislação examinaram devidamente as propostas que lhes foram remettidas, com relação a varios artigos do projecto de lei n.° 19, e apresentam, de accordo com o governo, á vossa illustrada apreciação as seguintes resoluções que ácerca d'ellas tomaram.

Parece ás vossas commissões:

1.º Que o principio estabelecido na proposta do illustre deputado Medeiros, com referencia á cultura do tabaco nas ilhas adjacentes, deve ser approvado, como dando em resultado o livrar a cultura d'aquelle genero de todas as peias que poderiam difficultar a sua propagação, garantindo ao mesmo tempo ao thesouro a cobrança do rendimento liquido que actualmente ali produz o monopolio. Propõem portanto as vossas commissões que o artigo 4.° fique assim redigido, julgando-se prejudicadas todas as outras propostas que a respeito d'elle forem apresentadas:

«Artigo 4.° Nas ilhas adjacentes é livre a cultura do tabaco, que fica igualada a qualquer outra para o pagamento da contribuição predial, devendo a differença que possa haver entre a importancia dos direitos e imposições que se cobrarem por virtude da presente lei e a somma de 70:000$000 réis, em que é computado o actual rendimento liquido do tabaco nas mencionadas ilhas, ser addicionada á verba das contribuições directas, em proporção com a importancia das mesmas contribuições em cada um dos districtos administrativos do Funchal, Ponta Delgada, Angra e Horta.»

§ unico. — O do projecto.

2.º Que a proposta do sr. deputado Beirão, para liberdade de cultura no continente, ficou prejudicada pela approvação do artigo 3.°

3.º Que deve ser adoptada a proposta dos srs. deputados Poças Falcão e Medeiros, relativa á importação nas

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ilhas do tabaco produzido em qualquer d'ellas, addicionando-se ao artigo 5.° o seguinte §:

«§ 5.° Não fica sujeito ao imposto de importação nas ilhas adjacentes o tabaco produzido nas mesmas ilhas, quando for transportado de umas para outras.»

4.º Que não é necessario o additamento proposto pelos mesmos srs. deputados, com referencia á venda de tabaco nas ilhas adjacentes, por não se encontrar a obrigação de ser este genero unicamente vendido para uso das fabricas applicadas, no projecto de lei, ás transacções effectuadas nas ilhas.

5.º Que a materia da proposta do sr. deputado Sieuve de Menezes, sobre penalidade para quem causar damno ás plantações do tabaco, está prevista na disposição do codigo penal.

6.º Que a outra do mesmo sr. deputado ácerca de penas corporaes e multas, está igualmente consignada na novissima reforma judicial.

7.º Que o augmento do valor para admissão de fiança, proposto pelo sr. deputado Poças Falcão, não pôde ser aceite por inconveniente para a fiscalisação.

8.º Que a proposta do sr. deputado Figueiredo de Faria deve ser enviada ao governo, para que este a tome na consideração que merece.

9.º Que o artigo 16.°, depois das palavras = da presente lei = se addicionem as seguintes = computando-se devidamente os direitos d'aquelle genero com referencia ao estado em que foi importado =, etc.

10. ° Que, finalmente, a proposta do sr. deputado Bivar deve formar este novo artigo:

Artigo... O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer das auctorisações que lhe são concedidas por esta lei.

Sala da commissão, 31 de março de 1864. = Placido de Abreu = Hermenegildo A. Blanc = Jacinto Augusto de Sant'Anna e Vasconcellos = Pedro A. Martins Castello Branco — Joaquim Januario de Sousa Torres e Almeida = João Antonio Gomes de Castro = Annibal Alvares da Silva = Bernardo de Albuquerque e Amaral = A. V. Peixoto (vencido quanto ao artigo 4.°) = Albino Garcia de Lima = A. Ayres de Gouveia = Claudio José Nunes.

O sr. A. V. Peixoto: — Assignei vencido o parecer da commissão de fazenda, em relação á substituição ao artigo 4.° do projecto sobre a cultura do tabaco nos Açores. Direi resumidamente os motivos que me levaram a não me poder conformar com a sua ultima resolução.

Sr. presidente, é convicção minha que a permissão concedida de cultivar o tabaco nos Açores e Madeira, pelo modo que se estabelece no parecer que está em discussão, não só não protege a introducção da sua cultura n'aquellas ilhas, mas será causa de que ninguem a quererá ensaiar e promover. Que ficaremos no estado actual senão peior, pois não é possivel que se desenvolva esta cultura, ficando sujeita não só ao imposto directo, que é obrigada a pagar pela legislação em vigor, mas será sobrecarregada com os direitos addicionaes que forem necessarios lançar lhe e ás outras culturas, se o rendimento dos impostos, a que é sujeito o tabaco estrangeiro, não chegar a perfazer a quantia de 70:000$000 réis, lucro que hoje aufere o contrato do tabaco.

O sr. Sieuve de Menezes: — Vou fazer algumas reflexões a s. ex.ª e á camara no sentido de mostrar, que o parecer da illustre commissão de fazenda, com respeito ao pagamento do imposto addicionado ás contribuições nas ilhas dos Açores e Madeira para indemnisar o estado da receita do tabaco, não pôde ser assim approvado.

O governo, pela livre cultura do tabaco nas ilhas, pretendeu tirar para o thesouro a quantia de 70:000$000 réis, igual á que elle diz que dava o monopolio até agora.

Sr. presidente, quando se discutiu este projecto do tabaco na sua generalidade eu votei contra, porque entendia e ainda entendo que com a sua approvação não se tirava para o estado a importancia que até agora dava o tabaco, e porque, permittindo a cultura nas ilhas, a concedia por um preço tal, que era inaceitavel, pois toda a differença dos impostos estabelecidos para a cifra de 70:000$000 réis pesava sobre a cultura, podia um agricultor de tabaco pagar 1:000$000, 2:000$000 réis ou mais, por pouco que cultivasse. Quem cultivaria assim?

Não se garantia a liberdade, como ella se deve entender; concedia-se privilegios para Lisboa e Porto, e por bastante tempo ficava ainda monopolisado o tabaco na mão dos caixas actuaes; liberdades d'esta ordem, e com grave risco das rendas publicas, nunca as votarei; amo a liberdade, mas detesto a sophismação d'ella.

Por essa occasião tive a honra de mandar para a mesa uma proposta em substituição ao artigo 4.° em que recaíu o parecer que se discute agora, tambem assignada e combinada com mais tres illustres collegas pela Madeira.

Sr. presidente, a livre cultura do tabaco nas ilhas pôde ser de vantagem para aquelles povos, ainda que, como s. ex.ª muito bem sabe e toda a camara, esta cultura é muito melindrosa, o nosso clima por extremo húmido não é o mais proprio; e, para tirarmos algum interesse d'esta nova industria, é necessario saber se o tabaco se dá bem nas ilhas, se elle produz em ordem que o cultivador possa substituir as actuaes culturas por ella, e se a sua qualidade pôde competir com o produzido em outros paizes.

São ensaios a que temos de proceder, e cujos resultados ainda não podemos prever.

As novas industrias na sua infancia são sempre arriscadas e é muito moroso o seu desenvolvimento, especialmente quando os povos têem repugnancia em ensaia-las como entre nós acontece.

Concedida porém a cultura para os Açores e Madeira, como já hontem se votou, é forçoso (nem eu o posso nem devo negar) que o estado receba o que ali agora lhe dava o tabaco nas ilhas, mas deve ter tanta certeza na recepção de toda a cifra de 70:000$000 réis como a tem, e fica tendo pelo projecto já approvado para o continente.

Sr. presidente, a maneira do estado auferir os 70:000$000 réis que davam as ilhas, e declarada no parecer da commissão, que se discute, é um dos varios modos por que se pôde receber o imposto. O imposto do tabaco nas ilhas para o estado podia ser recebido de varias maneiras, cobrando-se da seguinte forma —primeira, lançar-se-ia um imposto sobre a producção do tabaco, com taxa fixa ou não; segundo, pagar-se-ia um tributo segundo a extensão dos terrenos cultivados, variavel segundo as qualidades das terras; terceiro, augmentar se-iam as contribuições prediaes nas differentes ilhas, em todos os terrenos e propriedades sujeitas a este imposto, ou só n'aquellas onde se cultivasse o tabaco; quarto, addicionar-se-íam a todas as contribuições algumas taxas, de maneira que a verba dos 70:000$000 réis se podesse receber sempre, ainda que a receita das differentes fontes, como a da alfandega, fabrico e vendagem (que era commum em qualquer destes systemas), fosse inferior.

Todos estes differentes modos de auferir o tributo tem as suas vantagens e inconvenientes, mas de certo o mais prejudicial e contra o qual têem representado os povos dos Açores ao governo, é aquelle que foi aceito pela illustre commissão de fazenda, que é — o dos addicionaes ás contribuições.

O systema do imposto sobre a producção, alem de ser muito vexatorio, porque obriga os cultivadores do tabaco a graves vexames e restricções, difficulta esta industria, torna muito difficil a cultura do tabaco, e o cultivador pouco desejo terá de cultivar, porque os seus productos tem de pagar o imposto na localidade e o outro nos portos do continente, quando para cá venham, como o tabaco estrangeiro.

O imposto pela licença da cultura, como nós o tinhamos apresentado na proposta, que não foi aceita pela commissão de fazenda (por infelicidade minha), era o mais facil e vantajoso para os povoa das ilhas; cada um cultivador pagaria um tanto por cada um are de terra mais ou menos, segundo a sua qualidade; era exactamente o systema implantado na Prussia, que ali tem dado optimos resultados.

O cultivador do tabaco já sabia quanto pagava pela sua nova industria, e como o tributo era modico podia exportar os seus productos; elles podiam concorrer nos mercados do continente com o tabaco estrangeiro, e aqui tinham os açorianos e madeirenses uma nova fonte de commercio.

O estado tambem auferia os seus impostos, ao principio na verdade mais escassos, com toda a franqueza o digo, assim como hontem já o disse no seio da commissão de fazenda; mas desenvolvendo se, como de certo se desenvolverá esta cultura, a receita publica não diminuiria, e senão vejamos o seguinte exemplo feito com respeito ás ilhas.

Admittindo se que no districto de Angra se podiam cultivar 2:400 alqueires de terra de tabaco, tendo cada um alqueire, termo medio, nas ilhas, 10 ares, e sendo a media do imposto que apresentámos na proposta 250 a 500 por cada are, 3$750 réis, teriamos um rendimento annual, alem dos impostos das alfandegas e os outros, de 9:000$000 réis; o mesmo se daria no districto da Horta, recebendo o estado tambem igual quantia; o duplo no districto de Ponta Delgada, attenta a sua população; e no do Funchal a cifra do districto se elevaria a 13:500$000 réis, pouco mais ou menos, perfazendo todas estas sommas a quantia de 49:500$000 réis. Pouco mais faltaria para os 70:000$000 réis; as mais fontes do tributo dariam para a falta.

A nossa proposta não foi aceita, mas sim o principio da proposta do meu illustre amigo o sr. Paula Madeiros, mas approvada ella todos aquelles districtos ficam mal e em condições mais desfavoraveis do que o continente (apoiados), porque a cifra dos 70:000$000 réis tem necessariamente de saír das fontes seguintes—alfandega, fabrica, vendagem e addicionaes ás contribuições directas nos Açores e Madeira.

Este systema é realmente mau e prejudicial aos povos das ilhas, porque, alem de ser tributado quem não consome, não cultiva nem fabrica, vae aggravar em extremo as contribuições directas, agora implantadas nas ilhas.

Todos sabem que a acção fiscal é tanto mais efficaz quanto é o desejo que ha em receber os tributos, e ainda que eu não devo, nem quero, acreditar que a fiscalisação ha de afrouxar nas ilhas para evitar o contrabando, comtudo pela ordem natural dos factos elle ha de augmentar muito, e quanto mais contrabando se der tanto menor será o rendimento das alfandegas e maiores os addicionaes ás contribuições;

As ilhas dos Açores e Madeira pagavam pelo orçamento do estado, ou melhor, a sua receita para o estado era calculada em 1860 da seguinte maneira:

Dízimos............................. 149:721$654

Decima urbana....................... 14:910$607

Quinto......:....................... 232$649

Finto na Madeira..................... 588$145

Maquias na ilha de S. Miguel........... 2:880$432

Total réis.................... 168:333$487

Pelo orçamento do estado para o proximo anno economico está calculada a sua receita da seguinte fórma:

Contribuição predial................... 201:222$000

Industrial............................ 57:000$000

Pessoal..................'............ 22:500$000

Total, afóra os 20 por cento para viação publica, réis.......................... 280:722$000

Deduzida d'esta quantia a que antes se pagava nas ilhas........................ 168:333$487

hoje as contribuições augmentaram a enorme quantia de réis, salvo o erro......... 112:388$513

e ainda agora se vão lançar mais como addicionaes ás contribuições................ 70:000$000

vindo aquellas ilhas a pagar mais do que pagavam até 1860...................... 182:388$513

isto alem da somma que lhes possa pertencer se o tabaco não produzir no continente a somma que até agora dava. Isto não é serio, não se pôde admittir, e bem avisado andou o meu amigo e distincto collega, o sr. Vicente Peixoto, quando ha pouco se levantou contra este systema que se quer applicar aos Açores e Madeira.

Estas reflexões são tanto mais ponderosas quanto a cifra que se pede é certa — são 70:000$000 réis. O estado ha de recebe los de qualquer modo — pela alfandega ou impostos directos.

E se não se cultivar o tabaco nas ilhas, ou porque não produza bem ou não seja bom, nem dê interesse, havemos de pagar sempre o mesmo tributo — 70.000$000 réis? Pois pôde admittir-se tal doutrina, taes principios, em um paiz livre e constitucional como Portugal, em que o imposto tem de ser sempre igual?

Alem d'isto, passando o principio do parecer da illustre commissão, é necessario abrir uma conta corrente com cada districto, dividir os 70:000$000 réis por elles, e subdividir ainda a quota de cada districto pelas ilhas de que elle se compõe. Não é justo que, por exemplo, o districto do Funchal pague a differença que possam dar os outros districtos dos Açores e vice-versa; o mesmo pôde acontecer nas ilhas do mesmo districto, se em algumas d'ellas houver grandes contrabandos, como é facil. Qual é a base que o governo teve para a fixação d'esta cifra de 70:000$000 réis? Como quer dividir a mesma quantia? Que bases tem? São as contribuições? São os valores do tabaco importado nas ilhas? Onde estão estes dados? As ilhas nunca pagarão mais destes 70:000$000 réis, ainda que o producto do tabaco no continente não dê o que actualmente rende? Os caixas do actual contrato não ficam ali com o monopolio por muito tempo sem concorrencia? Isto não pôde ser.

Eu tinha pedido a palavra para fazer estas considerações á camara, e para lembrar ao nobre ministro da fazenda que os povos dos Açores fizeram ver ao governo e reclamaram energicamente contra o systema dos addicionaes ás contribuições; s. ex.ª deve ter conhecimento d'estas representações, mas não fez caso d'ellas: eu sinto-o bastante, mas como deputado por aquellas ilhas aqui levantei a minha debil voz em favor dos seus interesses, e faço um solemne protesto a s. ex.ª e á camara — de que esta lei, passando assim, não dá vantagem alguma aquellas ilhas, e nós ficámos peior do que estamos, e ainda mais desfavorecidos de que os povos do continente, com uma liberdade de cultura comprada por um preço que não podia admittir-se, e com um consideravel augmento das já pesadas contribuições.

Termino declarando a v. ex.ª que voto com o parecer da illustre com missão nesta parte.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Eu tenho a consciencia de tambem amar a terra em que nasci; tenho a consciencia de ter feito, quanto cabe na alçada das minhas exiguas faculdades, tudo quanto tenho podido fazer no sentido da sua prosperidade; tenho a consciencia que no futuro hei de seguir o caminho que tenho trilhado até hoje, e que hei de empregar todas as minhas faculdades, toda a minha energia, toda a minha actividade em beneficio d'aquella terra, basta lá ter tantas affeições; basta lá ter pae e mãe, e alguns dos illustres deputados, que me ouvem, sabem se eu tenho ou não justificados motivo para a profunda e santa veneração que professo pelos meus (apoiados). Mas acima de, certas considerações, que podem conquistar a popularidade de um momento, popularidade ephemera e de occasião, ponho eu as considerações mais elevadas que devem guiar o homem publico em todos os seus actos.

Se a intenção dos illustres deputados é conseguir grandes vantagens para as ilhas, sem que ellas concorram como as outras localidades do paiz para as despezas publicas, eu declaro a v. ex.ª e á camara que não posso acompanhar aquelles que porventura tenham esta pretensão.

Eu entendo que todos devem pagar, principalmente para as despezas productivas, para as despezas da civilisação, na proporção do rendimento que auferem á sombra da protecção que o estado lhes garante.

Se eu tenho estas opiniões em these, se tenho a convicção de que a cultura do tabaco nas ilhas é uma cultura utilissima, se sou acompanhado nesta minha opinião por todos os homens que têem pensado n'este negocio desde 1835, e que têem reclamado por todos os meios e formas possiveis a cultura do tabaco nas ilhas; se por outro lado eu entendo que o methodo que a final a commissão adoptou facilita extremamente esta cultura; se estas são as minhas convicções, eu não posso, para prestar aos contribuintes uma homenagem de occasião (que talvez me fosse favoravel, principalmente em vesperas eleitoraes); não posso, digo, sacrificar essas minhas convicções, esse convencimento de homem publico serio a considerações de outra ordem (apoiados).

Eu, como homem publico, hei de sempre dizer aos meus compatriotas, que porventura se queiram recusar a concorrer para as urgencias do estado, pagae, como as outras localidades, senão daes um pessimo exemplo e haveis de chegar a um tempo em que as nossas justas reclamações não hão de ser attendidas.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O Orador: — É por todas estas rasões, que eu declaro com toda a simplicidade, e sem pretensões a querer fazer um discurso, que, depois de ter examinado maduramente esta questão, me cheguei a convencer de que o methodo ado-

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ptado pela commissão, modificando o systema proposto pelo sr. ministro da fazenda, facilita o mais possivel a cultura do tabaco nas ilhas (apoiados).

A differença que houver entre os impostos de importação e os 70:000$000 réis, é lançada em addicionaes sobre a propriedade em geral. Qual é pois o pesado encargo a que está sujeita a cultura do tabaco? Qual é o estorvo que esta resolução pôde causar á cultura? Pois os proprietarios não podem cultivar livremente pelo facto de se lançar um addicional sobre a propriedade em geral? Que mais facilidades querem os partidarios da livre cultura? Sejamos francos: se queremos conciliar a cultura da herva santa com a garantia do rendimento para o thesouro, este é o methodo mais conducente a conseguir esse fim; e os illustres deputados da opposição, que tantas apprehensões mostraram a respeito da renda do tabaco, pelo systema do projecto, não estão, me parece, n'uma situação logica, combatendo o systema proposto pela commissão. Se alguem se pôde queixar são os proprietarios que não cultivarem tabaco, mas os que se dedicarem a essa cultura têem o campo aberto e todas as facilidades na lei para cultivarem. Ora, mesmo aos proprietarios que não cultivarem o tabaco, que se queixarem d'esta ultima redacção da lei, a esses mesmos podia eu, á vista dos principios economicos, ponderar que os seus argumentos não têem rasão de ter, porque todos os membros de uma sociedade lucram com o augmento da riqueza publica, com o desenvolvimento de outras industrias, e com todas as leis tendentes a promover a prosperidade geral.

Voltando ao argumento do Sr. Vicente Peixoto, que de certo, sem muito reflectir, declarou que via nesta lei estorvos á cultura do tabaco, direi que — por mais que eu queira meditar sobre esta asserção de s. ex.ª, por quem tenho a maior consideração e amisade, não vejo n'esta lei que se difficulte a cultura do tabaco. Entendo que é preciso que haja uma fiscalisação activa e séria, para que os proprietarios não paguem o imposto do contrabando; isso é que é muito necessario, e de certo o sr. ministro da fazenda ha de fazer todos os esforços para melhora-la.

Eu não costumo lisongear ninguem, acima de tudo está a minha independencia e a seriedade do meu caracter; adiante e acima de todos os ministros possiveis está a força das minhas convicções; mas eu devo ao sr. ministro, n'esta conjunctura, duas palavras de conforto e de amisade. O sr. ministro tem mostrado na sua já longa e trabalhosa tarefa ministerial que não recua diante de nenhum acto tendente a collocar os serviços publicos no estado em que elles devem estar; s. ex.ª tem praticado actos de grande iniciativa a esse respeito (apoiados); as paixões politicas podem accusa-lo, os rancores partidarios podem n'um momento lançar insinuações e calumnias sobre o seu nobre caracter, mas acima de tudo isso está a opinião séria do paiz, que não pôde deixar de ter por s. ex.ª a consideração de que a sua probidade e intelligencia o tornam credor.

Concluo aqui as minhas considerações, sacrificando o mais que podia dizer ao desejo que tenho de ver transformado em lei do paiz mais este grande principio.

O sr. Carlos Bento: — Eu desejo que v. ex.ª me informe se effectivamente está em discussão todo o parecer, ou se se discute por partes com relação a cada uma das propostas.

O sr. Presidente: — Está em discussão todo o parecer.

O Orador: — Sujeito-me ás regras da discussão, posto que acho inconveniente discutirem-se conjunctamente objectos distinctos; isso pôde prejudicar a discussão, não sei mesmo se a votação é em globo...

Vozes: —Vota-se em separado.

O Orador: — Se a votação ha de ser por partes, parecia-me mais conveniente que a discussão fosse tambem por partes, porque na verdade ir eu agora, tratando de outro ponto, fazer uma invasão no grupo de deputados que, pela sua competencia, têem discutido os artigos relativos ás ilhas, isso traz prejuizo para a discussão. Não é este o ponto sobre que quero fallar; mas se a camara entende que devo emittir a rainha opinião, desde já a digo.

A minha duvida é a respeito do artigo relativamente ao modo como se hão de pagar os direitos do tabaco manufacturado e em deposito. No parecer da commissão estabelece-se o principio d'esse pagamento de direitos; mas não se estabelecem as regras que se hão de adoptar para fixar esses direitos, e necessariamente, na applicação d'esta regra, hão de dar-se grandes inconvenientes emquanto não - for fixada ou determinada qual ha de ser a base para a cobrança do imposto que ha de recaír sobre o tabaco manufacturado e em deposito.

Por consequencia declaro que, satisfazendo as indicações do principio, se deve fixar o direito, porque o governo depois não pôde dizer que em vez do tabaco manipulado pagar 10 ha de pagar 15.

Entendo que se podem suscitar duvidas sobre a quantidade das quebras do tabaco; e supponhamos que o contrato demonstra um erro de calculo, por exemplo, de 3 por cento, dizendo que as quebras não são tanto como se computaram: não será conveniente fixar na lei a quebra sobre que ha de recaír o direito? Como se ha de suppor que isto é regulamentar? Se porventura se julga que se não pôde fixar o valor da quebra, então diga-se claramente que o governo fica auctorisado a regular as sommas que se hão de cobrar por estas modificações do genero, porque a materia prima está modificada, e só ha de pagar pelo direito de manufactura.

Estou persuadido de que se esta camara não o fizer, a outra casa do parlamento ha de faze-lo; e eu quizera antes que saísse d'esta casa definido este ponto. O principio está reconhecido no parecer da illustre commissão e no projecto do governo, emquanto a applicar-se de uma maneira indefinida, parece-me que traz grandes difficuldades, e que pôde prejudicar os interesses publicos; e o governo não póde, sem estar auctorisado, exigir de um contribuinte uma contribuição que não está votada por lei; e por esta fórma votam-se contribuições sem serem auctorisadas por lei.

Este principio não está em harmonia com o que se faz n'esta casa quando se distribuem as contribuições; porque, se não fixámos a quantia, marcamos o modo como ellas hão de ser repartidas, como acontece com a contribuição de repartição que adoptámos para base do imposto directo.

Por consequencia reconhecido o principio, sem haver as regras definidas, não dá garantia sufficiente ao illustre auctor do projecto, e por outro lado pôde trazer duvidas quando quizer executar a lei.

O sr. Ministro da Fazenda (Lobo d'Avila): — Não posso convencer me da utilidade, nem mesmo da exequibilidade e conveniencia de se consignar aqui é valor das quebras do tabaco, sobre que ha de recaír o direito; porque para isso é preciso o exame dos peritos nas diversas qualidades do tabaco. É o que se ha de fazer, e não se pôde fixar aqui sem se proceder a esse exame.

Supponhamos que se fixa aqui uma percentagem de quebra, que é contraria á verdade dos factos, isso vae prejudicar a fazenda. Por exemplo, supponho eu, pelas informações que tenho, dadas pela commissão que ali mandei, que a maior parte do tabaco que existe é rapé, quer dizer, a especialidade em que, em logar de haver quebra, ha augmento de volume; se eu for por aqui fixar uma quebra em referencia a esta especie, igual á dos outros tabacos, em logar de estabelecer uma cousa vantajosa ao estado, vou estabelecer uma cousa que lhe traz prejuizo.

Não se pôde ir de encontro ao direito e á verdade. Qual é o principio? O principio é que todo o tabaco manufacturado deve pagar os direitos estabelecidos n'este projecto, correspondentes ao tabaco materia prima. Emquanto ao resto são os meios praticos, é o exame feito pelos peritos com exactidão e com verdade, que hão de designar quaes são effectivamente as diversas qualidades do tabaco e quanto devem pagar. Nós não temos aqui essa base, esse exame, que não se pôde fazer de repente, porque se altera de um dia para outro. Ha mesmo tabaco que, estando em elaboração, vae experimentando transformações, e portanto não é possivel fazer-se esse exame com antecipação; é preciso faze-lo na occasião.

Nas contribuições directas o rendimento collectavel, sobre o qual ha de assentar a contribuição, está consignado nas matrizes, e aqui fixa-se o principio, mas o resto depende do exame de verificação das diversas especies de tabaco; e se quizermos fixar a quebra, corremos o risco de fixarmos uma quebra que prejudique o estado.

Portanto entendo que não podemos nem devemos resolver agora cousa alguma a este respeito. O principio está votado; o mais ha de fazer se pelos meios que tenho indicado.

O sr. Poças Falcão: — Maravilhou-me sobremaneira o ouvir ler a resolução da illustre commissão de fazenda sobre uma proposta de additamento, que eu mandei para a mesa.

Depois da contraria intelligencia que na sessão de hontem deram aqui ao artigo 2.° o nobre ministro da fazenda e o illustre relator da commissão...

O sr. C. J. Nunes: — Foi um equivoco.

O Orador: — Pois bem, foi um equivoco, mas o que eu entendo é que assim mesmo não pôde prejudicar a redacção da lei, nem prejudica a sua doutrina qualquer dos additamentos, por isso que a duvida subsiste ainda.

Diz se aqui no artigo 2.°: «Do referido dia 1.º de maio em diante é livre, nos termos da presente lei, o fabrico do tabaco nas cidades de Lisboa e Porto, ilhas adjacentes e Macau, e igualmente a venda do mesmo, quando manipulado, em todo o territorio até agora sujeito ao regimem do monopólio». Agora no artigo 4.°, diz-se tambem: «Nas ilhas adjacentes é livre a cultura do tabaco». Por conseguinte, sendo livre na conformidade das disposições d'esta lei, e não havendo em nenhuma d'ellas a disposição de que é livre a venda em folha ou rolo nas ilhas adjacentes, parece-me, por uma rigorosa interpretação, que não permitte venda; quer dizer, parece-me por uma rigorosa interpretação, que a lei não permitte a venda do tabaco em folha ou rolo nas ilhas dos Açores.

Parece-me por isso que, se no artigo 4.° onde se diz = nas ilhas adjacentes é livre a cultura =, se accrescentasse = e a venda do tabaco em geral =, ficaria -mais claro; e parece-me que é esta a mente tanto do nobre ministro da fazenda, como da illustre commissão.

Não acho por isso, grande inconveniente em se fazer o additamento d'esta unica palavra, ou então que do artigo 2.° se retirem estas palavras = quando manipulado =, para assim se entender que é manipulado e não manipulado.

Digo que me parece que d'aqui não resulta prejuizo nem á opinião do nobre ministro da fazenda e da illustre com missão, nem á intelligencia da lei; mas se por qualquer circumstancia, que eu não posso comprehender, não se quer admittir o additamento nem retirar aquellas duas expressões, então eu ficaria satisfeito, ficaria satisfeito o paiz, e ficariam satisfeitos e com um caminho mais claro e seguro aquelles que têem de dar execução a esta lei; se o illustre ministro ou o illustre relator da commissão declarar, que effectivamente é permittida a venda do tabaco em folha e rolo nas ilhas dos Açores, com esta declaração creio que estará tudo remediado.

Diz-se que =se não pôde aceitar o additamento, porque ha uma grande inconveniencia =; já digo que não a comprehendo, no entanto dar me-hei por satisfeito se porventura se fizer a declaração a que alludi.

Emquanto á outra questão, estou convencido que a proposta, que foi admittida pela illustre commissão, foi admittida no meu entender a parte que tinha de mau para as ilhas (O sr. Sieuve de Menezes: — Apoiado.), e foi rejeitada a que tinha de bom. Eu entendia que a parte conveniente para as mesmas ilhas, era aquella em que se propunha a isenção de tributos durante um numero de annos para poderem fazer-se experiencias, e saber-se primeiro se o tabaco produzia ou não produzia; se elle podia ser manipulado com vantagem; se o clima era proprio para se enxugar, que é uma das maiores difficuldades da cultura do tabaco; emfim era preciso fazer estas experiencias, dando-se cinco ou seis annos, como se pedia n'essa proposta, para se fazerem estas experiencias, e depois com mais segurança podia legislar se sobre o tributo, e podia inerir-se uma disposição com conhecimento de causa, para que se podesse fazer contribuir de uma ou outra maneira; mas assim continuam os embaraços, continuam as dúvidas e as grandes difficuldades que trazia o projecto, para que se possa cultivar o tabaco. E por outra parte é necessario tambem que a camara, quando trata de legislar, de impor um novo tributo a toda a propriedade; é preciso digo, que attenda tambem e olhe para a mesma propriedade em geral.

Nos Açores estão-se pagando de tributos mais 121:000$000 réis (O sr. Sieuve de Menezes: — Apoiado.) do que se pagava aqui ha tres annos; não é muito antigo; e ir agora sobrecarregar a propriedade com um novo tributo, certo e determinado, em troca de vantagens incertíssimas que podem ser nenhum, parece-me que é violento, não direi violento, violentissimo (apoiados); e consignar-se-ha uma grande injustiça se porventura se não estabelecer que haja liberdade de cultura em todas as ilhas, independente de novos tributos sobre a propriedade; porque; repito o que já disse hontem, estou persuadido que d'ella ha de vir grande vantagem para as ilhas adjacentes e para o paiz, porque a terra cultivada de tabaco ha de produzir muito mais; ha de a materia collectavel augmentar, e augmentar muito; por conseguinte hão de augmentar muito as contribuições geraes. Mas da maneira por que propõe a illustre commissão, o imposto é odiosissimo, porque vae ser lançado não só sobre o tabaco, mas em quem o não cultiva nem consome (apoiados).

Por consequencia, vendo que a camara não quer admittir a minha proposta, tambem não quero cansar mais a sua attenção; mas estimaria muito que, pelo menos, da parte da illustre commissão se fizesse a declaração a que ha pouco alludi.

O sr. C. J. Nunes: — O illustre deputado, o sr. Poças Falcão, já hontem julgou que eu estava em contradicção com o sr. ministro da fazenda em relação á permissão da venda do tabaco em folha nas ilhas, e fundamentou esta sua opinião n'um pequeno áparte que tive a honra de lhe dirigir.

Já ha pouco fiz saber a s. ex.ª que estava equivocado;, que eu não tinha comprehendido a pergunta. S. ex.ª perguntou se se podia vender nas ilhas o tabaco em rolo ou era folha, e eu, julgando que essa pergunta era com relação ao continente, disse que não; mas emquanto ás ilhas está claro que sim; e lá está expressamente consignado no projecto.

Emquanto ao additamento que mandou para a mesa tenho a observar que a sua hypothese está perfeitamente salva pela disposição do artigo 2.° Diz o artigo 2.° o seguinte (leu).

S. ex.ª ficou aqui; mas se continuasse a ler veria que esta hypothese estava completamente salva, porque o resto do artigo diz o seguinte (leu).

De certo que esta disposição tem unicamente vigor para o continente do reino; nas ilhas adjacentes, uma vez que não estão comprehendidas n'esta disposição, é permittida a venda do tabaco em rolo ou folha.

O sr. Poças Falcão: — Esclarecida assim a intelligencia da lei, estou satisfeito.

O Orador: — Com relação ás observações que s. ex.ª fez, emquanto á cultura do tabaco nas ilhas, já o sr. Sant'Anna, por parte da commissão, deu as explicações convenientes; e nada mais tenho a acrescentar ao que s. ex.ª disse.

O sr. Paula Medeiros: — Sinto, sr. presidente, não me achar de accordo com os meus illustres collegas e amigos, os mais srs. deputados pelas ilhas, em uma questão economica tão grave como esta que se discute aqui; reconheço com ss. ex.ªs que se podesse dar-se a livre cultura do tabaco nas ilhas, sem que o estado percebesse a somma que exige, era realmente o que nos convinha.

Porém tanto ss. ex.ªs como eu assistimos hontem á discussão que a este respeito teve o nobre ministro da fazenda com as illustres commissões de fazenda e legislação, e ali se reconheceu que o estado não podia por fórma alguma prescindir da cobrança dos 70:000$000 réis.

Nas duas propostas que se. ex.ªs offerecem, ha uma em que o imposto é lançado sobre o terreno cultivado com tabaco, e a outra é sobre o seu producto. Declaro que não posso conformar-me com nenhuma d'ellas, porque a querer dar-se uma protecção verdadeira á cultura d'aquella planta, é mister exclui-la de tributos. Por outro lado eu vejo com receio a depreciação da laranja nas ilhas, tanto pelo seu excesso de producção como por já não serem sufficientes os mercados para a consumirem, e mesmo os cereaes têem uma grande tendencia para baratearem. Se pois não recorrermos a alguma outra cultura, a prosperidade das ilhas corre eminente perigo de passar por uma crise, cujas consequencias não se podem calcular.

É n'esta conjunctura que o governo nos apresenta uma proposta de lei para que se faculte nas ilhas a livre cultura do tabaco, mediante o pagamento annual de 70:000$ réis, em que é computado o rendimento liquido nas ilhas adjacentes o monopolio do tabaco; quantia esta que tem de ser grandemente attenuada pelos direitos de importação das differentes qualidades de tabaco (de que não se poderá pres-

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cindir), e pelo imposto sobre os estabelecimentos de venda d'aquelle genero a retalho, e o deficit que porventura houver distribuido em addicionaes pelas contribuições directas.

Deveremos em taes circumstancias rejeitar o parecer? Poderei estar illudido, porém entendo que não. Muito estimaria que as outras disposições consignadas na minha substituição tivessem sido adoptadas pelas illustres commissões e pelo governo, mas nem por isso deixarei de votar por elle.

Estou convencido, sr. presidente, que a livre cultura do tabaco nas ilhas vae crear uma nova riqueza agricola, e quando isto se não realise, vale muito a pena fazer uma tentativa, e se a experiencia mostrar que esta lei é inefficaz, os mesmos poderes do estado que a confeccionaram podem reforma-la como for mister.

Estacionários é que não devemos ficar.

O sr. Gonçalves de Freitas: — O illustre deputado e meu amigo o sr. Sant'Anna e Vasconcellos, no modo por que defendeu o parecer da commissão e nas considerações que fez para impugnar as differentes propostas que o parecer rejeita, lançou, segundo me parece, sobre os deputados auctores d'estas propostas um desfavor immerecido, contra o qual eu não posso deixar de reclamar (apoiados).

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Não apoiado. Peço a palavra.

O Orador (continuando): — Acredito sinceramente que a intenção do illustre deputado foi diversa: o illustre deputa do não podia ter a mente de nos offender ou desconsiderar; mas é certo que as suas palavras, podendo ser interpretadas em sentido menos agradavel, justificam o meu reparo.

Pela minha parte declaro que assignei a proposta do meu amigo o sr. Sieuve de Menezes, proposta combinada e estudada commigo e com todos os outros illustres deputados que a assignaram, convencido, como ainda estou, de que n'ella se contém o melhor systema de tributar a cultura do tabaco (apoiados).

Não foi com o fim vão de ganhar popularidade que fiz esta proposta (apoiados). Creio ter já provado n'esta casa que não sacrifico a um tal fim as minhas convicções, e que não sujeito nunca a minha conducta a principios que me não dieta a consciencia. Respeito a opinião publica, mas não a sigo quando a não reputo verdadeira. Quando se apresentou no parlamento a proposta de lei para a extincção dos dizimos nas ilhas adjacentes, sabem alguns dos meus collegas, que a opinião da maior parte dos habitantes da Madeira se pronunciou abertamente contra esta medida; e no entretanto eu não hesitei em collocar-me n'essa occasião ao lado do governo e em sustentar a proposta com o meu voto e, com a minha fraca palavra. Não lisonjeei então, como não lisonjeio hoje, o animo dos meus constituintes: contrariei-lhes os preconceitos e o erro com que pugnavam por um systema condemnado de ha muito por todas as considerações de economia e de interesse publico, expuz com franqueza todas as minhas idéas, com consciencia do prejuizo pessoal que d'aqui me havia de resultar. Isto foi tambem em vesporas de eleições. Seguiu-se a eleição e não digo o governo, mas os seus agentes não se esqueceram das opiniões manifestadas por mim na camara ácerca da reforma tributaria, para d'ellas deduzirem o principal argumento contra a minha candidatura (apoiados). Fizeram-me guerra em nome do governo, por ter apoiado uma medida do governo que julguei justa!

Sr. presidente, eu não posso deixar de reconhecer que o imposto que estabelecemos pela nova proposta sobre a cultura do tabaco, ha de nos primeiros tempos, e emquanto a producção se medir pela necessidade do consumo interno, ser pouco importante. Mas se esta industria encontrar nas ilhas adjacentes as circumstancias proprias e as condições necessarias para o seu desenvolvimento; se se desenvolver em grande escala, como devemos esperar, de sorte que os seus productos venham abastecer os mercados de Portugal e alguns estrangeiros (e se não for propria para produzir estes resultados, pouca fé devem ter n'ella os habitantes das ilhas), neste caso, e n'uma epocha mais ou menos proxima, o imposto ha de exceder muito a receita do actual contrato.

Eu creio, sr. presidente, que a intenção do governo é sincera, creio que o governo quer sinceramente a cultura do tabaco nas ilhas adjacentes, mas sendo assim não posso admittir que o governo se deixe dominar por um pensamento exclusivamente fiscal. Pois quando se trata de abrir um novo campo á industria agricola, quando se devem animar e proteger os primeiros ensaios e experiencias, não convirá adiar por algum tempo o interesse do fisco? Deverá o governo trepidar diante de um desfalque tão insignificante como o que porventura póde haver na receita do thesouro adoptado o systema que propomos? Parece-me que não. O sacrificio, se o houver, alem de pequeno será de curta duração, e o fisco não deixará mais cedo ou mais tarde de ser largamente compensado. Espere-se pelo desenvolvimento da industria, elle augmentará a riqueza publica, e com esta augmentará por força a receita das diversas contribuições do estado.

Mas o governo propõe-se principalmente acautelar o fisco e quer que desde já lhe garantam até o ultimo real! Não comprehendo a rasão por que o governo insiste em querer auferir integralmente das ilhas adjacentes a somma fixa de 70:000$000 réis em que é computada a receita do contrato do tabaco n'aquellas ilhas. Ha boas rasões que foram apresentadas na discussão do projecto, que convencem da impassibilidade em que o governo fica de tirar dos novos impostos a receita que o contrato produz no continente: diante deste desfalque que pôde ser importante e fatal, o governo não hesitou; todo o susto e cuidado é relativo á receita das ilhas.

As ilhas hão de forçosamente pagar 70:000$000 réis, e creio que pelo parecer da commissão, que só li na mesa muito á pressa, ficam todas solidariamente responsaveis. Ora isto é injustissimo. Eu não sei que resultados produzirá o novo systema de fiscalisação que vae adoptar-se. Pôde ser que sendo mais frouxo, o contrabando se desenvolva em maior extensão nas ilhas onde elle nunca deixou de existir. Sendo assim não só o contribuinte vae ficar responsavel pelo contrabando, mas aquellas ilhas onde o contrabando é raro ou não existe, hão de vir a pagar ou concorrer para o pagamento das differenças produzidas na receita dos impostos pelo contrabando a que são estranhas. Por uma nota estatistica que me foi presente vi, por exemplo, que o consumo do tabaco na ilha de S. Miguel tem sido pouco superior a metade do consumo na ilha da Madeira. Ora esta differença não pôde explicar-se senão pelo contrabando (apoiados).

Pois como se poderá acreditar que a ilha de S. Miguel, que tem a mesma população que a ilha da Madeira, e que é incomparavelmente mais rica, consuma só metade do tabaco que consome a Madeira?

O sr. Sieuve de Menezes: — Apoiado.

O Orador: — Esta differença não pôde attribuir-se se não ao contrabando.

O sr. Sieuve de Menezes: — Apoiado.

O Orador: — O mesmo acontece na ilha do Faial (apoiados), aonde me consta que o contrabando se opera tambem em grande escala (apoiados).

Ora será justo que as ilhas onde o contrabando senão opera ou onde é limitado, paguem as differenças causadas na receita publica pelo contrabando praticado em outras ilhas? Ninguem dirá que sim, e no entretanto pelo systema que o governo propoz é o que ha de acontecer (apoiados).

Não é só este o inconveniente que se nota no systema do governo, outros hão de resultar na pratica ainda mais graves. Que base tem o governo para a repartição dos réis 70:000$000 pelas ilhas? Quererá porventura aceitar a do consumo do tabaco sem attenção ás modificações incalculaveis do contrabando? E no caso das ilhas adjacentes não quererem gosar da liberdade que o projecto lhes concede, no caso em que não queiram, para me servir da expressão do illustre deputado que encetou o debate do projecto, aceitar a administração d'esta capella, por ser demasiado onerosa, hão de pagar os 70:000$000 réis, ou o que falta para os réis 70:000$000, se o producto dos novos impostos não chegar a esta somma?

(Houve um áparte que não se ouviu.)

O Orador: — Supponhamos que as ilhas não cultivam o tabaco, ou que umas cultivam e outras não, que se ha de fazer? E necessario que se previnam todas estas hypotheses.

O sr. Sieuve de Menezes: — Apoiado.

O Orador: — De outra fórma em logar da liberdade da cultura do tabaco teremos vexames e injustiças (apoiados).

Eu não posso deixar de confessar que o parecer em discussão é muito mais aceitavel que o originario artigo do projecto (apoiados), porque este era insustentavel (apoiados). Mas alem das considerações que tenho exposto, que me levara a rejeitar o parecer da commissão, ha uma ultima muito attendivel, e vem a ser que começando só agora a vigorar nas ilhas o systema das contribuições directas, não é opportuno (apoiados) ir já aggrava-las com addicionaes. Os habitantes das ilhas olham ainda com desconfiança para o novo systema de tributos (apoiados), julgam que d'elle não lhes virá vantagem, mas vexame, e estando ainda em luta com estas repugnancias, como é natural sempre que se reformam os impostos, não podem aceitar bem uma medida que vae já aggrava-los.

Não canso mais a attenção da camara; se não tenho defendido a proposta sustentada já pelo sr. Sieuve de Menezes, tenho explicado sufficientemente o meu voto. Voto contra o parecer da commissão (apoiados).

O sr. Ministro da Fazenda: — Quando apresentei este projecto disse logo que, em referencia ás ilhas, não fazia questão do systema ou modo de auferir o tributo. Disse só que reputava de interesse para o estado e de necessidade para o thesouro publico assegurar a renda dos 70:000$000 réis, isto é, tirar das ilhas esta verba de receita que ali produz o monopolio do tabaco, conciliando a garantia para o estado com a vantagem de desenvolver nas ilhas a cultura do tabaco. Eis os dois termos do problema, e eu desejava que esta questão se resolvesse do modo mais vantajoso sem prejuizo nem da renda do estado nem das ilhas (apoiados).

São estes os termos em que colloquei a questão, mas infelizmente vejo que o modo por que a querem resolver, pelo menos por parte de alguns srs. deputados que combatem o parecer da commissão, é que ás ilhas não se tire cousa alguma, é que as ilhas não tenham onus nenhum. Ora isto é que não pôde ser (apoiados), não é possivel nem justo (apoiados).

O illustre deputado, o sr. Freitas, propoz um imposto por are. Ora, feito o calculo pelo imposto que elle propõe, pôde abastecer-se todo o archipelago dos Açores, e o producto do imposto é tal que apenas chega a 1:000$000 réis, quer dizer, não chega para pagar ás pessoas encarregadas de medir os terrenos (apoiados); quer dizer, é uma illusão completa (apoiados). Era melhor não propor nada, porque por este systema em vez das ilhas pagarem para o estado era o estado que ainda tinha que pagar alguma cousa para o pessoal da fiscalisação (apoiados). Era melhor dizer francamente — as ilhas não pagarão nada (apoiados).

Ora vamos a ver como se podem conciliar estas duas vantagens que vem a ser —garantir a renda ao thesouro e permittir a cultura nas ilhas; esta é que é a questão (apoiados).

Estabelecido o systema proposto pela commissão, a cultura é completamente alliviada de toda a especie de tributo especial, esta cultura entra na massa geral das culturas, e entrando na massa geral das culturas, entra no direito commum da agricultura (apoiados), para ser tributada como são todos os rendimentos da propriedade (apoiados), e portanto fica com um tributo insignificante que não deixa de lhe permittir o desenvolvimento (apoiados); quer dizer, o tabaco nas ilhas não fica com imposto algum excepcional ou oneroso (apoiados); logo fica permittida a cultura e facilita-se lhe o seu desenvolvimento.

Mas como ha de o estado auferir o rendimento equivalente do tabaco que estava auferindo? Ha de auferi-lo da venda das alfandegas, e do imposto das licenças...

O sr. Medeiros: — Que ha de ser avultado.

O Orador: — E o que faltar, se porventura faltar para preencher os 70:000$000 réis, será attendido ou satisfeito por um addicional ás contribuições directas (apoiados). Por este modo os proprietarios que cultivaram tabaco não têem nenhum imposto especial ou excepcional que os inhiba de desenvolver a cultura do tabaco, e o estado terá garantida a venda dos 70:000$000 réis (apoiados).

Mas diz-se — ha uma desigualdade. Porém o mesmo sr. Freitas, que é um cavalheiro, disse hontem na commissão que o unico systema positivo de garantir o rendimento do estado é permittir a agricultura do tabaco, roas que achava um unico inconveniente, e é que não estando ainda bem em vigor, não estando ainda positivamente executada nas ilhas a reforma tributaria, receia que esta cultura augmente o contingente nas diversas localidades, e portanto não julga opportuno ir aggravar com addicionaes as contribuições directas actualmente existentes.

Ora direi a s. ex.ª, e já hontem o disse e repito agora, que esse receio não é fundado, por isso que não é de acreditar que no primeiro anno nas ilhas se cultive logo tabaco em tal escala que vá diminuir o direito de entrada nas alfandegas (apoiados).

No primeiro anno hão de fazer-se alguns ensaios que não podem produzir tabaco em larga escala para o consumo, e portanto a fonte de pagamento ha de ser a alfandega. Por consequencia, repito, nem no primeiro nem no segundo anno o desenvolvimento da cultura ha de ser em tão larga escala que venha fazer diminuir o rendimento do tabaco na alfandega (apoiados).

Já se vê que não ha a receiar que a prosperidade no primeiro ou segundo anno seja tal que vá affectar os addicionaes, e durante esse tempo vae-se implantando o novo systema de tributo, e esse inconveniente desapparece.

Notou-se tambem que ha uma falta de equidade em ir fazer pagar um tributo especial a individuos que não fumam nem cultivam tabaco, porquanto este addicional vae-se pedir a individuos que não estão no caso de o dever pagar, isto não é assim, porque o individuo que cultivar tabaco é proprietario, e não pôde cultivar tabaco senão quem tenha terras, nem ha de ter só as terras em que cultiva o tabaco. É natural que tenha outras culturas. Por conseguinte, o individuo que vae pagar esse addicional tambem tira vantagem em ter a cultura do tabaco, e então tem a compensação. Parece-me, pois, que considerando mesmo a questão pessoal do proprietario, é evidente que quem cultiva é o proprietario, e se esse proprietario pôde pagar algum addicional, tambem tira novas vantagens, e portanto ha uma grande compensação.

Disse-se ainda agora que quando se desenvolver a cultura do tabaco nas ilhas ha de augmentar-se a contribuição. Estimo que os illustres deputados sustentassem essa doutrina, porque quando se tratar de augmentar a contribuição directa de repartição, que é um contingente fixo, talvez ninguem queira que se augmente 5 réis. Se fosse uma contribuição de quota, essa contribuição poderia ir augmentando á proporção que augmentasse o rendimento collectavel; mas no systema de repartição o contingente não acompanha o desenvolvimento da materia collectavel.

Por consequencia o que resulta d'aqui é uma vantagem para os proprietarios, em votar a percentagem da quota parte a cada um; resulta uma diminuição de percentagem para os proprietarios o que redunda em vantagem d'elles.

Não se pôde dizer que o augmento de riqueza ha de dar augmento de tributo; para isso seria necessario augmentar os contingentes, no que ha difficuldade, e tanto maior difficuldade que os illustres deputados já dizem que se cria uma contribuição que é exagerada; ainda nem viram as matrizes, e já clamam e gritam contra a exageração.

O sr. Medeiros: — Foi o sr. Peixoto.

O Orador: — Já disseram que se lança mais de 100:000$000 réis do que o que se paga. Quando vejo esta disposição, não posso acreditar que os mesmos que dizem isto se prestem a votar um augmento de contingente na contribuição de repartição, porque sem verem as matrizes, nem procederem ao exame dos factos já estão dizendo que é exagerada a contribuição que existe.

Por conseguinte eu julgo que o systema que se propõe é o unico attendivel, que assegura a renda ao estado e que permitte o desenvolvimento da cultura nas ilhas.

Dizem os illustres deputados =para que quer o governo estes 70:000$000 réis? = Quando se faz esta pergunta, parece que a fazenda regorgita em meios, que o thesouro não pôde já conter os fundos existentes. Para que quer o estado estes 70:000$000 réis (?) Para setenta mil cousas (apoiados). Para estradas, para obras publicas, para a instrucção publica, para milhares de despezas todas auctorisadas por lei (apoiados). Por outro lado diz-se que ha um deficit muitissimo grande, e que a situação financeira é assustadora, e depois vem perguntar-se para que quer o estado os 70:000$000 réis. Quer esta somma para a applicar ás despezas legaes, auctorisadas pelo parlamento, e as quaes excedem as receitas votadas.

Eu desejava que quando alguem se apresenta nesta casa a mostrar que ha um grande deficit, e fazer ver que é de

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necessidade extingui-lo (e tem rasão, porque eu tambem tomára vê lo acabado); desejava, digo, que tomasse isto em consideração quando se votam despezas (apoiados), porque todo o augmento de despeza tende a aggravar o deficit, e porque é um bom principio nunca votar despeza sem votar a receita com que lhe fazer face (apoiados).

Não ha governo nenhum que possa fazer milagres (apoiados). Os nobres deputados devem ver que se augmentarem as despezas sem se elevarem as receitas, se se não recorrer a meio nenhum para pagar essa despeza, vem depois a necessidade de levantar fundos, de contrahir emprestimos, e depois grita se contra os emprestimos (apoiados). Pois se não querem augmento de contribuição nem emprestimos, não votem o aggravamento das despezas (apoiados).

Mas quando se trata de votar despezas, ha sempre extrema facilidade, e quando se trata de votar receita apparecem então as difficuldades (apoiados).

Parece-me pois que, longe de terem desvantagem as ilhas, têem vantagem comparadas com o continente, porque estes 70:000$000 réis tomam um caracter fixo. Emquanto que no continente se ha de ir alem do que dá actualmente, as ilhas não ficam oneradas senão em 70:000$000 réis. N'esta comparação das ilhas com o continente se alguma cousa ha é em vantagem para as mesmas ilhas.

Eu respeito muito a todos os srs. deputados das ilhas; desejo tanto a prosperidade dos archipelagos como a do continente; aquelles fazem tanto parte da monarchia portugueza como este, e tanto interesse tenho pela prosperidade das ilhas, como pela prosperidade da metropole (apoiados). Mas o que desejo é que todos paguem proporcionalmente para as despezas communs, e que uns não sejam mais favorecidos do que outros (apoiados).

Ora, eu entendo que os illustres deputados das ilhas não têem rasão de queixa. Por exemplo, na contribuição directa geral é o limite do imposto nas ilhas? São 8 por cento, como é que se vem dizer que ha uma exageração espontanea de contribuição para o archipelago, quando a lei limita o maximo do imposto em 8 por cento? Porventura não ha no continente muitas povoações que pagam muito mais? Lisboa, por exemplo, não está pagando muito mais de 8 por cento? E principalmente a propriedade urbana não está pagando muito mais do que esse imposto? Como se pôde pois dizer com rasão que sobre as ilhas está imminente um systema de impostos exageradíssimo, quando o limite da percentagem é inferior ao dos outros dezesete districtos? (Apoiados.)

Diz se: «E se a cultura se não desenvolver e não houver tabaco nas ilhas?» Se a cultura se não desenvolver, segue-se que o tabaco ha de entrar pelas alfandegas, e ali pagar os direitos, tomando-se por isso sem execução esta disposição da lei que manda lançar o imposto sobre a propriedade. Tambem se fallou no contrabando. O contrabando existe actualmente, e se não fosse o contrabando haviam só pagar os 70:000$000 réis? De certo que não. Esses 70:000$000 réis é o que o governo deve auferir, attendendo já ao contrabando que ali se faz. Hoje mesmo os actuaes contratadores do monopolio, não podendo tirar partido do contrabando que se faz nas ilhas, e reconhecendo a excessiva difficuldade de estabelecer ali fiscalisação, affrouxou n'este proposito. A fiscalisação nas ilhas hoje não tem comparação alguma com a fiscalisação no continente. Portanto não se pôde dizer que = passando a fiscalisação a ser feita por conta do estado, deve affrouxar ainda mais =; pelo contrario, pôde melhorar muito, porque a fiscalisação nas ilhas está um pouco abandonada pelo contrato em consequencia das difficuldades com que tem a lutar para ali a estabelecer com mais rigor. O contrato antes quer perder mais alguns rendimentos, do que estar a fazer despeza com uma fiscalisação mais rigorosa de que pouco ou nenhum resultado pôde tirar em consequencia da distancia em que se acham as ilhas do continente.

Por consequencia, de duas uma, ou a cultura é possivel e util nas ilhas ou não; se é possivel, pôde ser um elemento de prosperidade pelas vantagens que ellas hão-de tirar, vantagens que compensarão abundantemente esses addicionaes á propriedade; se é impossivel, então não tem que pagar addicional nenhum, porque o rendimento das alfandegas ha de dar os 70:000$000 réis. Alem d'isto este systema é o que limita mais as despezas do estado, e não se deve perder de vista que todas as despezas que o estado tem a fazer para a cobrança dos impostos sáem tambem dos contribuintes, porque o estado não tem verba alguma especial destinada para pagar as despezas da cobrança, e por este systema os mesmos empregados que recebem a contribuição directa recebem estes addicionaes sem ser necessario augmentar a despeza com a creação de novos empregados para receberem este imposto.

Portanto, entendo que o parecer da commissão não pôde deixar de ser approvado como está, por ser o mais conforme com todas as regras de justiça e de conveniencia publica (apoiados).

O sr. Camara Leme: — Não desejo reproduzir os argumentos que muitos dos meus collegas têem apresentado para rejeitar a proposta da commissão; não desejo protrahir a discussão, e por isso direi muito pouco.

O fim para que principalmente pedi a palavra foi para protestar contra uma especie de apreciação que um illustre deputado pelas ilhas fez das intenções com que eu assignei uma proposta. S. ex.ª quiz ver n'isto uma especie de especulação eleitoral, e eu protesto contra isso. O sr. Gonçalves de Freitas já disse, e eu repito, que — nós votámos aqui contra os dizimos, cuja abolição era impopular nas ilhas; e o governo especulou extraordinariamente com isso para nos guerrear a eleição.

Já se vê que não procedemos assim para especularmos na proxima situação eleitoral, para a qual se estão já fazendo algumas tropelias, permitta se-me a phrase, por parte do governo.

Mas eu queria protestar contra esta apreciação do sr. Sant'Anna, e declarar á camara que assignámos esta proposta na convicção em que estavamos de que era util e conveniente para as ilhas da Madeira e Açores, assim como fazer bem sentir á camara o argumento apresentado pelo sr. Gonçalves de Freitas, de que no momento em que se vae ensaiar um novo systema de direitos nas ilhas, se vão logo aggravar esses direitos com outros addicionaes. Parece-me que não seria esta a occasião mais propria para o fazer.

Eu, com relação á cultura do tabaco nas ilhas, que muitos dos meus collegas suppõem ser de grande vantagem para ellas, tenho minhas duvidas de que assim aconteça. Pelo que respeita á Madeira, porque não conheço as outras e nada posso dizer a respeito d'ellas, tenho consultado pessoa competentissima, e me tem dito que a Madeira não tira vantagem alguma d'essa cultura, porque o tabaco é uma planta que carece de que as terras onde se cultiva sejam muito estrumadas, o sejam de anno para anno, d'onde resulta que a cultura é extremamente cara e não pôde tomar o desenvolvimento que se julga. E a opinião de um individuo muito respeitavel, muito competente, que estudou muito o terreno da Madeira, e que tem fallado commigo muitas vezes sobre este assumpto.

Eu estou persuadido de que por esse lado a ilha da Madeira não tirará vantagem nenhuma.

Desejava fazer estas pequenas reflexões.

Não pretendendo reproduzir os argumentos que os meus collegas têem apresentado, concluo dizendo que voto contra a proposta da commissão de fazenda.

O sr. A. V. Peixoto: — Eu encetei a discussão d'este parecer dizendo resumidamente quaes os fundamentos que tive para o assignar vencido, e contava ficar por ali; vi-me porém na necessidade de pedir novamente a palavra.

O meu amigo, o Sr. Sant'Anna e Vasconcellos, referiu-se ás minhas expressões, julgo do meu dever dizer que as rasões por s. ex.ª apresentadas não me convenceram, e que não as acho com bastante fundamento para que houvesse de alterar a minha opinião em virtude d'ellas.

Pelo que respeita a opiniões emittidas com fins eleitoraes, s. ex.ª sabe que tenho sido eleito sete vezes deputado por differentes circulos das ilhas e do reino, que ha vinte e quatro annos tenho assento no parlamento. As eleições constam das actas e dos diarios da camara, e d'elle verá s. ex.ª se eu preciso usar de taes meios.

Aproveito esta occasião para responder a um áparte do meu illustre amigo o sr. Paula Medeiros. Quando o sr. ministro da fazenda fallou, disse que um deputado argumentara com o augmento que ultimamente têem tido as contribuições nas ilhas; o meu illustre amigo respondeu, foi o sr. Peixoto: «Permitta-me que lhe diga que está enganado, não sou eu quem o diz, é o orçamento de 1864 comparado com os orçamentos anteriores a 1862».

Nada mais digo, porque entendo que a materia está esgotada, e só quiz dar estas poucas explicações.

O sr. Carlos Bento: — Apesar de não ser insular sou portuguez, e por consequencia não posso deixar de dizer algumas palavras sobre este assumpto.

O argumento apresentado a respeito da vantagem real que as ilhas devêra auferir da permissão da cultura do tabaco, attenua consideravelmente a consideração de que a outra propriedade contribuinte ha de concorrer para a differença que existe entre as contribuições que se hão de receber, em virtude da nova cultura, e os direitos provenientes da prohibição da importação do tabaco.

A verdade é que ha ilhas que têem uma pauta especial para diminuição de direitos; o que eu não digo que seja um favor, porque entendo que uma pauta em relação á posição geographica especial em que ellas se acham é uma garantia para que o thesouro receba mais, e que se os direitos fossem maiores havia de receber menos.

Por consequencia applicar este principio á Madeira é applicar um principio economico, recommendado pela posição geographica d'aquella ilha.

De outro modo, se o contrabando, pela elevação extraordinaria do direito que se estabelece, veiu attenuar a receita da alfandega, ha de ser sobrecarregada a outra propriedade, emquanto a cultura não se desenvolver.

E ha outras considerações. Se se entende que a prohibição da cultura no continente é recommendada pela necessidade do rendimento dos direitos que se cobram em virtude d'essa prohibição, em que é que a condição geographica das ilhas contradiz esta idéa? E se este principio não podia ser applicado ao continente pelo perigo que havia de que o contrabando se aproveitasse do estabelecimento da cultura, não terá os mesmos inconvenientes com relação ás ilhas; e não será uma industria seria introduzir n'ellas o contrabando?

Logo pôde muito bem acontecer que, permittida a cultura nas ilhas, em algumas que se não possam immediatamente aproveitar da permissão, a propriedade tinha de sobrecarregar com o imposto, e não só isso como tambem impedir o augmento progressivo do imposto estabelecido.

Digo isto a respeito das ilhas, e parece-me que não forço muito a significação das cousas uma vez que se estabelece que o imposto directo é que nas ilhas ha de pagar a differença entre o rendimento do tabaco para o futuro e o rendimento actual.

E declaro que tenho minhas apprehensões, n'esta grande tentativa economica e financeira, de que para o continente possa vir a resultar outro tanto.

Mas esta questão está discutida, e eu não dou por isso maior desenvolvimento a estas considerações.

De passagem, pelo que respeita a uma disposição sobre

o pagamento de direitos relativos, os generos existentes no poder do actual contrato do tabaco, declaro que não sei se é possivel desde já adoptar uma redacção que evite todos os inconvenientes ponderados. Mas parece-me que a redacção que actualmente se adopta significa um melhoramento no projecto, porque até agora não se havia expressamente declarado que havia de haver o pagamento de direitos dos generos que existissem em um estado qualquer, e se não se estabelecesse uma similhante disposição podia haver a recusa de se pagarem esses direitos.

O sr. Ministro da Fazenda: — Não podia. Estava nos termos da lei.

O Orador: — Estava nas intenções...

O sr. Ministro da Fazenda: — Estava na lei, não se torcendo a interpretação d'ella.

O Orador: — Não se podia torcer...

O sr. Ministro da Fazenda: — Podia-a torcer quem quizesse especular.

O Orador: — Se podia haver quem especulasse com isso, não era de certo eu. Desde que a lei estivesse bem clara, parece-me que o estado se não podia expor aos perigos a que tem estado sujeito. Mas eu insisto em que a lei não é clara, e depois que ouvi o sr. ministro da fazenda parece-me que as suas explicações são menos vagas que a disposição da lei.

Mas dizer-se que se não pôde marcar até que ponto podem ter logar as deducções nas quebras é uma cousa com que de alguma maneira não posso concordar. Não quero insistir n'este ponto, mas o que é verdade é que já está marcado no projecto qual ha de ser a importancia das quebras na restituição dos direitos do rapé; e se se pôde estabelecer esta base para a restituição dos direito no draw-back, não sei como se não possa estabelecer o mesmo para outros pagamentos de direitos.

Não quero confundir as questões. Mas digo só que, se se não determinar alguma cousa, o estado fica em muito más circumstancias (apoiados). No rapé sabemos que o que se restitue é a importancia dos direitos em relação á materia prima na quarta parte. E o pagamento, em relação ao deposito existente, é o mesmo? E na mesma proporção? Se é a mesma, porque se não ha de dizer isso na lei, e se é differente qual é a regra que nos ha de guiar?

Na altura da discussão não dou o desenvolvimento a estas idéas que podia dar. O que entendo é que o negocio não está claro, não está resolvido pelo parlamento, e parece-me que a disposição deve ser modificada em certo sentido, de maneira que não dê arbitrio. Como principio acho bom que se declare na lei qual a maneira por que este negocio ha de ser regulado (apoiados).

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Sr. presidente, as poucas palavras que disse ha pouco, originaram um protesto da parte dos meus collegas, deputados pelas ilhas. (O sr. Medeiros: — Menos da minha parte.), ao qual não posso responder senão com um contraprotesto.

Permittam-me V. ex.ª e a camara que eu diga aos illustres deputados que, se eu entendesse que na maneira por que estão apreciando este projecto de lei, estão fazendo, não quero dizer uma especulação, mas um jogo politico, eu lh'o diria muito franca e categoricamente, porque declaro que detesto todos os jesuitismos, todos os lazarismos, absolutamente todos. Quando eu tenha que dizer alguma cousa a qualquer dos meus collegas, fiquem certos que lh'o hei de dizer face a face...

O sr. Camara Leme: — Eu sou tambem da mesma opinião.

O Orador: — Muito bem. Quando eu fallei em questões eleitoraes, não tive intenção de fallar senão na minha propria pessoa; não tive idéa de lançar o menor desfavor sobre os illustres deputados, antes os favorecia, porque podia trazer-lhes isso alguma popularidade, emquanto que, no modo franco por que me apresento n'esta questão, posso talvez chamar sobre mim impopularidade e desfavor. Mas o meu caracter pôde com isso.

Não tenho tido oito, dez nem vinte eleições, em primeiro logar porque a minha idade não é avançada, e em segundo logar porque nunca me apresentei senão como candidato do meu partido. Tenho sido collega de muitos srs. deputados, em quem n'outro tempo conheci as opiniões que professo e que sempre possui, e depois tenho os visto variar e saltar de um campo para outro, ficando eu sempre collocado no meu posto, permanecendo nas mesmas fileiras, e olhando para estas evoluções como costumo encarar muitas outras fraquezas humanas.

Repito, não tive intenção de insinuar que os illustres deputados se apresentavam n'esta questão com intuitos eleitoraes; se a minha intenção fosse essa, havia de manifesta-la com a maior clareza.

Agora, posto de parte este incidente, direi pouca palavras em relação á questão propriamente das ilhas. Em primeiro logar, se o sr. ministro da fazenda e a commissão tivessem um pensamento exclusivamente fiscal, bastava-lhes não deixar livre a cultura do tabaco, e lá ficava o direito de importação, que de certo garantiria a renda que se auferia do monopolio. O governo e a commissão não tiveram um pensamento exclusivamente fiscal, em relação ás ilhas, e n'isto devo fazer justiça ao sr. Gonçalves de Freitas, que assim o entendeu e o declarou.

Quanto ao modo por que se encaram os interesses das ilhas, isso depende da intelligencia de cada um, e n'este caso estou eu de certo em peiores circumstancias do que qualquer outro illustre deputado; mas, sr. presidente, eu entendo que se concorre mais para a prosperidade das ilhas dizendo cada um, na posição em que está, a sua opinião franca e clara; dizendo que é necessario que todos concorram para as despezas publicas na proporção dos beneficios que auferem á sombra da protecção que os poderes publi-

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cos garantem á sociedade, é pedindo ao mesmo tempo ao governo para as ilhas e para o meu districto (hão que eu o represente actualmente em côrtes, ainda que me considero sempre representando o meu districto, ou me ache no parlamento ou fóra d'elle); mas digo, pedindo que se torne effectivo o credito para as obras publicas, e que não seja uma ficção o dizer-se que se lhes votam 30:000$000 réis, quando muitas vezes não ha no cofre do districto nem um real para fazer face a essas despezas; pedindo ao governo um lazareto na Madeira; pedindo, como tenho feito constantemente, que se construam dois pharoes n'aquella ilha, porque é ponto de passagem para muitas embarcações que d'ali se afastam em consequencia dos perigos que correm por falta deste melhoramento; pedindo emfim aos poderes publicos que olhem para aquelle paiz, que, quando estava em circumstancias mais prosperas, deu tudo o que podia para a metropole, como se olha para irmãos.

Esta é a maneira por que eu encaro as cousas publicas, com relação á terra onde nasci. Os outros podem ter uma opinião differente, e eu estou persuadido de que a sua opinião é sincera. Não me parece que venham fazer politica sobre pontos tão serios como este de que se trata.

O sr. Camara Leme (para um requerimento): — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer votação nominal sómente sobre a parte que diz respeito ás ilhas (apoiados).

O sr. Presidente: — Como o parecer termina por diversas conclusões recairá a votação sobre cada uma d'ellas; mas antes d'isso vou consultar a camara sobre o requerimento do sr. Camara Leme.

Consultada a camara e contados os votos

Uma voz. — -Então não ha votação, porque é preciso haver 46 votos conformes.

Outra voz: — Já entraram mais alguns.

(Pausa).

O sr. Fontes Pereira de Mello (sobre a ordem): — Não me importa que haja ou não votação nominal; mas o que não posso nem devo é deixar passar uma declaração que ouvi ha pouco, e por isso a este respeito quero registar o meu voto, porque isto pôde ser importante em outra occasião. Para mim é fóra de duvida que, segundo o regimento, não é preciso, para haver votação nominal, 46 votos conformes, mas sim a terça parte do numero dos deputados presentes no acto da votação (apoiados).

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Sou da opinião do illustre deputado (apoiados).

E posto logo á votação o

Parecer em cada uma das suas disposições — foi em todas approvado.

O sr. Presidente: — Agora vou dar parte á camara de um requerimento que houve quando se acabou de votar o projecto para a liberdade do tabaco. O sr. Fontes tinha feito na sessão de 28 de março uma proposta que por esquecimento deixou de ter votada, agora vou submette-la á decisão da camara.

É a seguinte:

PROPOSTA

Proponho que esta camara eleja uma commissão de inquerito, a qual, sem prejuizo do seguimento d'esta discussão, collija esclarecimentos, e proceda a averiguações que a habilitem a emittir o seu voto ácerca do systema de tributar o tabaco que deva merecer a preferencia entre nós. = Fontes.

Posta á votação foi rejeitada por 60 votos contra 32.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO ORÇAMENTO NA SUA GENERALIDADE

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Blanc para continuar o seu discurso.

O sr. Faria Blanc: — Sr. presidente, a commissão de fazenda examinou attentamente o orçamento geral de receita e despeza do estado para o exercicio de 1864-1865, e convencida da exactidão dos calculos quanto á receita da verdade dos factos, e da necessidade de satisfazer ás despezas ordinarias e extraordinarias que o orçamento apresenta, elaborou o parecer que se discute com simplicidade e clareza, porque entendeu que era do seu dever expor era limitado quadro o estado das nossas finanças (apoiados).

O governo e a commissão tiveram um unico pensamento, e este foi o de não separar do orçamento verba alguma de despeza, apresentando assim á camara e ao paiz, e por modo que não podesse offerecer duvidas, o estado da fazenda publica e os recursos com que a nação pôde contar para occorrer aos seus encargos ordinarios e aquelles a que nos obriga o progresso da civilisação (apoiados).

Nada se occultou; todas as despezas provaveis que terão de effectuar-se no futuro exercicio apparecem recopiladas n'este importante documento.

Sr. presidente, V. ex.ª e a camara sabem que muitas das despezas que as necessidades do nosso desenvolvimento material nos tem imposto andavam disseminadas em auctorisações especiaes, não apparecendo no orçamento da receita e despeza do estado, que por isso não podia considerar-se geral (apoiados. — Vozes: — E verdade.)

Este systema e methodo de processar um documento tão importante era pouco regular; e se um tal procedimento só tinha por causa, como se pondera no parecer em discussão, o apego a antigas praticas, elle podia comtudo ser interpretado por modo differente, porque parecia tambem indicar o receio de manifestar o verdadeiro estado das nossas finanças, ou fosse para o fim de se não suscitarem embaraços na concessão de novas auctorisações, e na votação de novos encargos, ou com o intuito de fazer figurar no orçamento um deficit menor.

Quaesquer porém que fossem as causas que motivavam este procedimento, é certo que o não justificam, porque não ha razões de conveniencia que possam justificar a occultação da verdade, nem praticas que devam sustentar se quando se mostram irregulares (apoiados).

Sr. presidente, é necessario que o paiz saiba o destino que o governo dá aos rendimentos do estado, e o uso que faz dos dinheiros publicos (apoiados), para que possa assim conhecer a justiça e utilidade dos sacrificios que se lhe exigirem, e apreciar as vantagens que podem resultar dos novos encargos que tenham de votar-se. E isto uma necessidade que o serviço reclama, é um dever que a lei impõe aos que dirigem a governação publica, é uma satisfação devida á classe contribuinte, á qual não pôde negar se o direito de conhecer se os tributos que se lhe exigem têem uma justa e legal applicação (apoiados).

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Apoiado, é verdade. O Orador: — O governo reconhecendo a verdade d'esta doutrina, respeitando os principios constitucionaes, acatando a lei e desejando o progresso, acabou com essas antigas praticas, que uma administração essencialmente progressista não podia por mais tempo tolerar (apoiados).

Os governos vivem e sustentam se dando publicidade a todos os seus actos, e submettendo-os ao exame e apreciação do publico; não vivem sophismando a verdade, nem occultando-a arteiramente, porque só devem viver com o apoio da grande maioria da nação.

Quando o interesse do paiz, o progresso da civilisação e o desenvolvimento da riqueza nacional, são os fins a que se dirigem os actos do governo, não pôde haver receio na sua publicidade, ao contrario é este o meio de se poderem avaliar esses actos e conhecer da sua conveniencia.

Assim procedeu o governo submettendo ao exame e approvação do parlamento o orçamento geral da receita e despeza do estado para o exercicio de 1864-1865, que comprehende não só as despezas necessarias para o custeio da vida ordinaria da administração publica, como todas as outras a que a civilisação nos obriga, e que o progresso nos tem imposto.

O orçamento passa a ser de hoje em diante o que sempre devêra ter sido, a expressão da verdade. Não quero com isto irrogar censura ás administrações transactas, quero sómente mostrar e tornar bem patente o progresso que temos feito na organisação d'este importante documento (apoiados), e congratular-me com a camara por este facto (apoiados).

E verdade que os aperfeiçoamentos só se alcançam com a experiencia, e esta só se obtém com tempo. Ha porém n'este correr dos tempos uma circumstancia singular, e que merece séria attenção, e consiste em caber, na maxima parte, ás administrações progressistas a gloria dos grandes melhoramentos de que o paiz já gosa e dos aperfeiçoamentos que se observam nos variados ramos da administração publica.

A extincção dos vinculos e morgados, a organisação e reforma da contabilidade publica, a extincção do odio ao monopolio do tabaco e outras medidas importantes que a maioria d'esta camara tem votado, são prova irrefragavel da verdade do que acabo de ponderar (apoiados); ao que acresce o novo systema adoptado na organisação do orçamento da receita e despeza do estado; providencia importantissima e de um grande alcance (apoiados).

Apresentar com clareza e exactidão o estado da receita publica, e fazer sentir o seu progressivo augmento, proveniente não só do desenvolvimento da riqueza nacional, como de acertadas medidas de administração; relacionar toda a despeza ordinaria e extraordinaria, sem occultação de uma verba, mostrar a differença que se observa entre a despeza e a receita ordinaria, e a applicação que deve dar-se a toda a receita extraordinaria; finalmente mostrar ao paiz o estado das nossas finanças, fazendo apparecer a verdade em toda a sua luz; é, sr. presidente, o resultado do novo systema adoptado na organisação do orçamento do estado (muitos apoiados).

Sr. presidente, o governo e a commissão não sustentam em these o principio de que o povo pôde e deve pagar mais, o que sustentam é que o povo só deve pagar o que restrictamente se deva para occorrer ás despezas publicas, observada a mais severa economia (apoiados).

E para que a classe contribuinte podesse conhecer que os tributos que paga são indispensaveis para satisfazer aquellas despezas, tornava se necessario apresentar com verdade o estado das nossas finanças, organisando o orçamento do estado por modo, que d'elle se manifestasse, sem sombra de duvida, o que a nação pôde receber, e o que tem a pagar, sem occultar verba alguma de despeza ordinaria ou extraordinaria, e muito menos a sua justa e legal applicação. Foi isto o que se fez ou foi para este fim que se deu ao orçamento uma nova fórma, tão util e vantajosa que de certo não será de futuro alterada (apoiados).

Não se propõem despezas inuteis e desnecessarias, indicam-se as despezas que as necessidades do serviço reclamam, e as que são indispensaveis para o desenvolvimento da riqueza nacional, porque se ficassemos estacionarios era melhoramentos de toda a especie correríamos o risco de perder muito do que até hoje temos feito.

Sendo esta, como effectivamente é, a verdade, ninguem ousará contestar a conveniencia do novo systema adoptado na organisação do orçamento geral da receita e despeza do estado.

O illustre deputado que me precedeu o sr. Antonio de Serpa, reconhecendo as vantagens d'este systema, e approvando a divisão do orçamento em ordinario e extraordinario, entende comtudo que a classificação da despeza extraordinaria não foi regularmente feita, porque os creditos supplementares comprehendidos no mappa da despeza extraordinaria deviam figurar no orçamento como despeza ordinaria.

Não sustento que os creditos supplementares representem uma verdadeira despeza extraordinaria, mas é certo que sendo necessario auctorisar o governo a levantar as sommas que forem necessarias para satisfazer a sua importancia, e figurando estas sommas no mappa da receita extraordinaria, porque para satisfazer a despeza ordinaria o governo propõe sómente a receita ordinaria apesar do deficit que resulta da comparação da receita com a despeza ordinaria, pareceu conveniente classificar os creditos supplementares como despeza extraordinaria, attenta a qualidade e natureza da receita destinada para o seu pagamento (apoiados).

No entretanto cumpre observar que sendo este o primeiro orçamento que se apresenta organisado por um novo systema não era possivel que chegasse logo ao ultimo grau de perfeição, que só poderá obter-se com a experiencia e com o tempo (apoiados).

Dividindo se o orçamento em ordinario e extraordinario, cumpre assim tratar distincta e separadamente da receita e despeza ordinaria, e da receita e despeza extraordinaria.

A despeza ordinaria foi calculada pela commissão em 17.244:066$685 réis, superior em 38:920$510 réis que o governo propoz pelo motivo de se ter elevado a 60:000$000 réis a verba para sustento de presos e policia das cadeias, de se ter incluido a dotação do Principe Real o Senhor D. Carlos Fernando, na importancia de 20:000$000 réis, e de se terem amortisado 480:000$000 réis em inscripções, que serviam de penhor ao emprestimo de 600:000$000 réis contratado em 30 de maio de 1859.

E se esta despeza excede em 383:226$994 réis á votada para o exercicio de 1863-1864, provem a differença dos juros da sessão de 2.500:000 libras nominaes, feita na praça de Londres, e que se elevam a 327:272$272 réis, e da maior despeza com o material e pessoal dos navios de guerra armados.

A receita ordinaria que o governo calculou em réis 16.817:792$828 foi reduzida pela commissão á quantia de 16.805:040$828 réis por se terem amortisado, como ponderei, 480:000$000 réis em inscripções na posse da fazenda, que produziam de juros 14:400$000 réis.

Mostra-se portanto uma differença entre a receita e a despesa ordinaria de 439:025$857 réis, mas este insignificante deficit tem o governo e a commissão a bem fundada esperança de que será coberto pelo augmento da receita das alfandegas, do imposto do registo e pelas sommas cobraveis de rendimentos de exercicios findos (apoiados).

A despeza extraordinaria foi fixada pela commissão, de accordo com o governo, em réis 2.766:160$000, comprehendendo-se n'esta a quantia de 300:000$000 réis, em que foi calculada a importancia dos creditos supplementares e extraordinarios.

A receita extraordinaria compõe-se do rendimento do caminho de ferro do sul calculado em 120:000$000 réis, e da importancia das sommas que terão de levantar-se em conformidade da lei, e que sobem a 2.646:160$000 réis.

Reunindo a receita e despeza ordinaria com a extraordinaria resulta ser aquella de réis 19.571:200$828, e esta de 20.010:226$685 réis.

A receita ordinaria não foi exageradamente calculada, como disse o ar. Antonio de Serpa, e não será difficil levar á evidencia esta demonstração; mas primeiro cumpre me chamar a attenção da camara para uma circumstancia que considero mui ponderosa, e consiste em ter o governo eliminado ria proposta de lei de receita a auctorisação para poder applicar ás despezas correntes os meios decretados com outro fim, o que mostra evidentemente que a receita foi bem calculada, porque não é de suppor que o governo voluntariamente se quizesse envolver em serios embaraços, que de certo apareceriam se porventura o calculo da receita fosse exagerado (apoiados).

Não fallarei sobre todas as fontes da receita publica, tratarei apenas d'aquellas que têem sido o objecto da discussão; taes como as alfandegas, o imposto de registo e o de transito nos caminhos de ferro.

O governo calculou o rendimento das alfandegas para 1864-1865 pela media dos augmentos nos ultimos tres annos, e não pôde duvidar-se da progressão d'esse augmento, porque o nosso desenvolvimento economico e commercial o assegura (apoiados).

E necessario que a camara attenda e considere que a percentagem em relação ao rendimento das alfandegas calculada no orçamento para 1864-1865, refere-se a todas as alfandegas, e não só as tres maiores do continente. No entanto o augmento que tem havido nas tres ditas alfandegas no periodo de oito mezes de 1863-1864, em relação a igual periodo de 1862-1863, comparado com o augmento que houve nos oito mezes de 1862-1863, com os oito mezes de 1861-1862, é maior e não menor, como se tem pretendido inculcar, e se evidenceia da seguinte demonstração:

1863-1864............... 4.299:253$103

1862-1863............... 4.077:758$287 221.494$816

1862-1863 (oito mezes).... 4.077:758$287

1861-1862 (oito mezes) 3.886:621$048 191.137$239

Fica pois evidente que o augmento na actual gerencia é maior.

E note se que a carta de lei de 22 de junho de 1863, que auctorisou o despacho nas alfandegas de Lisboa e Porto em transito para as da Figueira, Setubal, Faro, Vianna e Açores, tende a fazer diminuir o rendimento das tres alfandegas maiores do continente para o augmentar nas referidas alfandegas menores (apoiados).

A Contribuição de registo tem augmentado constantemente, e este augmento ha de indispensavelmente continuar, por

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que é este o resultado das acertadas providencias que se têem adoptado para facilitar as transacções sobre a propriedade, não podendo assim duvidar-se da exactidão com que foi calculada a importancia d'esta receita.

No calculo sobre o imposto de transito nos caminhos de ferro tambem não houve exageração, porque a base para este calculo foi a da cobrança no ultimo anno economico, quando ninguem duvida que esta receita ha de augmentar consideravelmente com a abertura das linhas do Porto e de Beja (apoiados).

Para que a camara conheça bem o exemplo que houve no modo de calcular a receita do estado, basta que attenda á cifra em que foi calculado o rendimento do caminho de ferro do sul, que figura na receita extraordinaria em réis 120:000$000, quando o seu rendimento foi no ultimo anno de 133:454$172 réis; a saber:

Receita geral... 133:204$500

eventual........ 249$672

133:454$172

Sr. presidente, não adiantarei mais as minhas reflexões sobre a generalidade do parecer que se discute, porque me parece ter respondido a todas as observações que fez o illustre deputado que me precedeu, mostrando que no calculo da receita não houve a exageração que se pretendeu inculcar (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O sr. Mártens Ferrão: — (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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