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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

pidez chegou a constituir-se, fazendo-se a convocação, segundo parece, unicamente para nos ser apresentada, com violenta urgencia, pelo presidente do conselho logo no primeiro dia de sessão uma proposta de lei de meios, absoluta e illimitada, que habilitasse o governo a continuar, longe do parlamento e do paiz e livre da responsabilidade pelos abusos commettidos, a vida de fatal inercia administrativa e economica, com que tem compromettido todos os interesses, que lhe estavam confiadas. Enganei-me; e illudia-me quando pensava que depois d'isto nada teria a estranhar, porque nada podia apparecer mais estranhavel, nem mais digno de censura. Agora, porém, depois da apresentação do parecer da illustre commissão de fazenda, infelizmente para todos nós, e mais infelizmente ainda para o paiz, vejo-me forçado, com grande pezar meu, a declarar que me parece ainda mais estranhavel, que o insolito procedimento do governo, e talvez mais digno de censura, o parecer apresentado pela illustre commissão de fazenda.

Eu digo o que sinto, com a clareza que posso, e com a verdade que devo ao meu paiz. Se involuntariamente commetter erro ou injustiça, com a mesma franqueza repararei qualquer excesso das minhas apreciações, logo que me convença de que é esse o meu dever.

Assim apreciarei liberrimamente a proposta do governo, o parecer da illustre commissão e o projecto que tive a honra de apresentar, comparando-os todos no que são e nas consequencias que de cada um d'elles podem resultar em vantagem ou em prejuizo do paiz.

Quando na sessão de 1 de junho o sr. presidente do conselho de ministros se comprometteu, por uma declaração solemne lançada na acta, a que as camaras haviam de ser convocadas no mez em que estamos, quasi exclusivamente para discutir o orçamento, eu tinha quasi a certeza plena, plenissima, de que o orçamento não seria discutido e de que o governo viria apresentar á camara a proposta de lei de meios que apresentou, e que o habilitava a fugir de toda a discussão parlamentar, tanto do orçamento, como da questão de fazenda e de todas as questões importantes.

Segundo a minha memoria, e segundo o que me consta pelas tradições de todos que têem acompanhado o sr. presidente do conselho na sua longa carreira politica, creio que não ha um só exemplo de que s. ex.ª fazendo uma promessa, não viesse depois apresentar exactamente o contrario do que promettêra.

O estado do paiz porém não é para que continue este systema (apoiados), porque assim dissolvem-se todos os laços entre governantes e governados, desauctorisam se e compromettem-se os mais altos poderes do estado (apoiados).

Quando se diz, quando se affirma, quando se repete todos os dias ao paiz que são indispensaveis e urgentes grandes sacrificios, é preciso que os poderes publicos dêem exemplos de moralidade e seriedade, e que o governo, pela frequencia de taes actos, não esteja constantemente adquirindo força para sophismar a constituição do estado, corroborando cada vez mais o systema de illudir o paiz e de faltar a todas as promessas.

Eu chego a duvidar do testemunho de todos os meus sentidos, chego a não comprehender, chego a não poder acreditar que um governo nas circumstancias do actual, apresentando-se ao parlamento depois de ter despedido do seu seio aquelle ministro, que incontestavelmente merecia ao paiz melhor conceito (apoiados); chego a não comprehender como este governo, impossivel pela inercia, mais impossivel ainda pela inepcia, ouse pedir aos representantes do paiz uma lei de meios absoluta e illimitada! Para que? Pergunto eu ao governo, se acaso elle póde responder com seriedade aos representantes do paiz. Para que quer a lei de meios? Para continuar este viver inerte, para protelar esta somnolencia, para conservar, aggravando-as, todas as difficuldades da patria pelos successivos adiamentos da resolução de todas ellas? É para isto? Ou é para fugir á accusação e á responsabilidade dos seus abusos e prepotencias eleitoraes?

Esta camara está no seu principio; é este o momento de mostrar o que póde e quer ser; póde agora mostrar que vem seguir o caminho de algumas camaras anteriores ou que pelo contrario está disposta a todos os esforços para inaugurar n'este paiz uma nova era de moralidade e de seriedade, de fórma que a vontade do paiz appareça representada n'esta casa como cumpre que appareça pela lei fundamental do estado, e pelas consequencias necessarias do systema representativo, que nos rege, pelo menos em theoria.

Se esta camara approvar o parecer da commissão de fazenda, eu digo franca e sinceramente que, na minha opinião, a camara principia de uma maneira menos esperançosa e mais prejudicial ao paiz do que nenhuma outra camara d'aquellas de que eu tenho noticia.

É necessario vermos as circumstancias em que está este governo, e as contas que elle tem de prestar aos representantes do povo (e eu repito a declaração que hontem fiz, de que quando me refiro ao governo n'este sentido ou em sentido analogo, faço-o sempre referindo-me ao sr. presidente do conselho). Devemos saber quaes são as consequencias inevitaveis da approvação do parecer da illustre commissão de fazenda, sendo como é presidente do conselho o sr. marquez de Bolama.

(Á parte que se não percebeu.)

Sim, é só com elle; e isto que eu faço por muitas rasões, tem uma explicação muito simples. É porque na minha opinião, auctorisada pela constante repetição de muitos factos, o sr. marquez d'Avila e de Bolama é só por si muito sufficiente não só para não fazer cousa nenhuma boa, mas para impedir de a fazer todos aquelles dos seus collegas, que saibam, possam e queiram tentar uma medida util. Habeis os tem elle tido, e quanto mais habeis, mais depressa lhe fogem, ou mais cedo elle os inutilisa. A saída honrosa do sr. visconde de Chancelleiros d'este ministerio é a prova provada do que acabo de dizer (apoiados).

Este governo apresenta-se a esta camara, tendo dissolvido a anterior, e tendo consultado (diz elle) a vontade do paiz.

O sr. presidente do conselho praticou durante a luta eleitoral as maiores irregularidades, as maiores violencias, os maiores escandalos, os maiores crimes, de que ha memoria n'este paiz, ainda que se recorra ás epochas de mais ominosa recordação.

Eu posso affirmar que o sr. presidente do conselho commetteu os maiores crimes, porque eu tenciono apresentar, aqui a accusação criminal de s. ex.ª, e affirmo desde já que só da camara depende ver provados os pontos d'esta accusação com as provas mais claras, mais evidentes e plenas, com que até hoje tem apparecido nos registos criminaes provado um crime de qualquer ordem e de qualquer natureza.

Este governo apresenta-se ao paiz, e á camara dos deputados, n'estas circumstancias. N'estas circumstancias vem elle, como o réu que tem pressa de fugir ao juiz, cuja sentença receia, pedir que se lhe conceda a lei de meios, para que se lhe consinta, para que se lhe tolere por mais tempo a vida de fatal inercia que até hoje tem vivido.

Para este fim, o sr. presidente do conselho não duvida nem um instante faltar ás promessas solemnemente feitas na sessão, cuja acta se leu ha pouco na mesa. Não sei se s. ex.ª hesitaria na primeira vez que adoptou este systema; mas depois da sua longa vida, e dos seus habitos constantes de faltar ás promessas mais solemnes, podemos, sem injuria, presumir que uma falta mais, achando-se pela força do habito na sua nobre natureza, não ha de incommoda-lo muito, e talvez lhe lisonjeie o justo credito da sua coherencia politica.

Este é o procedimento do governo, procedimento para mim censuravel, não só debaixo do aspecto politico, mas debaixo do aspecto de simples coherencia; e ainda mais, perante os principios do decoro e da mera dignidade.