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SESSÃO DE 28 DE JULHO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Ayres de Gouveia

Secretarios — os srs.

D. Miguel Pereira Coutinho

Ricardo de Mello Gouveia

Summario

Apresentação de requerimentos e notas de interpellação — Apresentação, discussão e approvação do parecer da commissão de fazenda sobre a lei de meios.

Chamada — 41 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano Machado, Agostino da Rocha, Osorio de Vasconcellos, Albino Geraldes, Braamcamp, Cerqueira Velloso, Ayres de Gouveia, Soares e Lencastre, Correia Caldeira, A. J. Teixeira, Antonio Julio, Arrobas, Rodrigues Sampaio, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Carlos Bento, Claudio Nunes, Conde de Villa Real, Pinheiro Borges, Francisco de Albuquerque, Francisco Mendes, Caldas Aulete, Silveira Vianna, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Gomes da Palma, Santos e Silva, Mártens Ferrão, Assis Pereira de Mello, J. J. de Alcantara, Vasco Leão, Pinto de Magalhães, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Dias Ferreira, Dias de Oliveira, Figueiredo de Faria, Rodrigues de Freitas, José Luciano, Costa e Silva, Nogueira, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Lourenço de Carvalho, Luiz de Campos, Affonseca, Thomás Lisboa, Cunha Monteiro, D. Miguel Coutinho, Placido de Abreu, Ricardo Gouveia, Visconde de Montariol, Visconde dos Olivaes.

Entraram durante a sessão — os srs. Alfredo da Rocha Peixoto, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Barros e Sá, Boavida, Saraiva de Carvalho, Barão do Rio Zezere, Carlos Ribeiro, Eduardo Tavares, Francisco Correia de Mendonça, F. M. da Cunha, Silveira da Mota, Perdigão, Jayme Moniz, Melicio, Barros e Cunha, Klerck, Moraes Rego, Sá Vargas, Mello Gouveia, Pires de Lima, Pinheiro Chagas, Paes Villas Boas, Mariano de Carvalho, Thomás de Carvalho, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs.: Telles de Vasconcellos, Francisco Costa, Camello Lampreia, J. A. Maia, J. M. dos Santos, Camara Leme, Thomás Bastos.

Abertura — Á uma hora da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.° Da mesa da camara dos dignos pares, remettendo doze projectos de lei, que ficaram pendentes, n'aquella camara, e que caducaram com a dissolução da camara dos deputados.

Para a secretaria.

2.° Do ministerio do reino, participando que no dia 31 do corrente haverá recepção em grande gala no paço da Ajuda, pela uma hora da tarde.

Inteirada.

3.° Do mesmo ministerio, remettendo o caderno em que se acha lançada a acta original da eleição de um deputado na assembléa de Sernancelhe, pertencente ao circulo n.°46.

Para a secretaria.

Requerimento

Requeiro que com urgencia sejam remettidos a esta camara, pelo ministerio das obras publicas e do reino, os telegrammas e officios dirigidos por aquelles dois ministerios ácerça da construcção da estrada da Covilhã, e da directriz d'ella por dentro da cidade, bem como os telegrammas e officios recebidos n'aquelles dois ministerios sobre aquelle mesmo assumpto. = José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior.

Foi remettido ao governo.

O sr. Presidente: — Antes de dar a palavra aos srs. deputados que a pediram, vae ler-se um parecer da commissão de verificação de poderes.

Leu-se na mesa e é o seguinte _

Parecer

Senhores. — Á vossa primeira commissão de verificação de poderes foram presentes os diplomas dos cidadãos eleitos deputados pelos circulos abaixo designados, e tendo-os encontrado em fórma legal, e estando já approvadas estas eleições, é de parecer que sejam proclamados deputados da nação portugueza.

Circulo 67 Lisboa — Augusto Saraiva de Carvalho.

Circulo 92 Lagos — Francisco Correia de Mendonça.

Sala da primeira commissão de verificação de poderes, em 28 de julho de 1871. = D. Miguel Pereira Coutinho = Antonio Correia Caldeira = João Antonio dos Santos e Silva = Antonio Rodrigues Sampaio.

Foi logo approvado, sendo proclamados deputados os srs. Saraiva de Carvalho e Francisco Correia de Mendonça.

Em seguida foram introduzidos na sala e prestaram juramento os srs. Saraiva de Carvalho, Eduardo Tavares e Klerck.

O sr. Presidente: — Tenho a lembrar á camara que hontem houve um pequeno engano na eleição da commissão de fazenda.

Foi votado um membro d'esta casa que ainda não tinha prestado juramento, e é contra a expressa doutrina do regimento, que qualquer sr. deputado seja eleito para uma commissão antes de ter prestado juramento.

Portanto é preciso que o sr. Eduardo Tavares seja reeleito ou substituido. Agora que prestou juramento póde ser eleito, mas em todo o caso é necessario fazer nova eleição para preencher esta falta.

O sr. Claudio Nunes: — Participo a v. ex.ª que a commissão de fazenda installou-se hontem, nomeando para seu presidente o sr. Braamcamp, a mim para secretario, reservando-se nomear relatores especiaes para os diversos negocios que lhe forem submettidos.

O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento): — Mando para a mesa as seguintes propostas (leu).

Foram lidas na mesa, e logo approvadas as seguintes

Propostas

Senhores. — Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede á camara dos senhores deputados permissão para que os membros d'ella abaixo mencionados possam accumular, querendo, o exercicio dos seus empregos com o das funcções legislativas:

José Luciano de Castro, director geral dos proprios nacionaes.

Antonio Correia Caldeira, membro do tribunal de contas.

Antonio Rodrigues Sampaio, idem.

Augusto Cesar Cau da Costa, secretario do dito tribunal.

José Dias de Oliveira, chefe da repartição da direcção geral das alfandegas e contribuições indirectas.

Eduardo Tavares, primeiro official graduado da direcção geral de contabilidade.

Ricardo de Mello Gouveia, segundo official graduado da direcção geral dos proprios nacionaes.

João Antonio dos Santos e Silva, chefe do serviço da alfandega de Lisboa.

Ministerio dos negocios da fazenda, gabinete do ministro, em 27 de julho de 1871. = Carlos Bento da Silva.

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Senhores. — Na conformidade do artigo 3.° do acto addicional, tenho a honra de pedir á camara dos senhores deputados que permitta possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as do serviço publico que exercem no ministerio das obras publicas, commercio e industria, os seguintes srs. deputados:

Joaquim Thomás Lobo d'Avila, Placido Antonio da Cunha e Abreu, em serviço na junta consultiva de obras publicas e minas.

Carlos Ribeiro, vogal secretario da referida junta consultiva.

Hermenegildo Gomes da Palma, chefe de secção da repartição de obras publicas d'este ministerio.

Lourenço de Carvalho, em serviço na direcção do caminho de ferro de sueste.

Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 27 de julho de 1871. = Carlos Bento da Silva.

O sr. Ministro do Reino (Marquez d'Avila e de Bolama): — Mando tambem para a mesa a seguinte proposta (leu).

Foi lida na mesa e logo approvada a seguinte

Proposta

Senhores. — Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo de Sua Magestade pede á camara dos senhores deputados da nação portugueza a necessaria permissão para que possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos empregos dependentes do ministerio do reino que exercem em Lisboa os srs. deputados:

Anselmo José Braamcamp, vogal do supremo tribunal administrativo.

Francisco Van-Zeller, ouvidor junto do supremo tribunal administrativo.

Jayme Constantino de Freitas Moniz, vogal da junta consultiva de instrucção publica.

Mariano Cyrillo de Carvalho, lente da escola polytechnica de Lisboa.

Barão do Rio Zezere, commandante geral das guardas municipaes.

Dr. Thomás de Carvalho, lente da escola medico-cirurgica de Lisboa.

Julio Caldas Aulete, professor da escola normal de Lisboa.

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 27 de julho de 1871. = Marquez d'Avila e de Bolama.

O sr. Braamcamp: — Mando para a mesa alguns documentos relativos ás eleições dos circulos de Macedo de Cavalleiros e de Mirandella.

Rogo a v. ex.ª os mande remetter ás commissões competentes para os tomarem na consideração que merecerem.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Mando para a mesa o seguinte requerimento (leu).

Mando tambem a seguinte nota de interpellação (leu).

O sr. Eduardo Tavares: — Declaro a v. ex.ª e á camara que não pude comparecer á sessão de hontem por motivo justificado, e por isso não prestei juramento; entretanto, como tive a honra de ser eleito membro da commissão de fazenda, ainda que por um equivoco, como v. ex.ª acabou de dizer, cabe-me agradecer tão subida honra, mas peço licença para a declinar; visto ter de se proceder á eleição de outro membro, peço encarecidamente á camara que me dispense, porque eu, por motivos muito justificados, não posso pertencer a essa commissão. Tenho de saír da capital por motivo de saude, e por isso espero que a camara me dispense da subida honra que me fez.

O sr. Luiz de Campos: — Mando para a mesa os seguintes requerimentos (leu).

Como tenho a palavra declaro a v. ex.ª e á camara que se estivesse presente na sessão de hontem teria assignado o requerimento do sr. Rodrigues de Freitas, bem como o projecto do sr. visconde de Moreira de Rey.

É inutil que eu declare a v. ex.ª e á camara, que a minha posição franca e leal é em opposição ao actual gabinete, porque entendo que o maior serviço que posso fazer ao meu paiz, é empregar toda a minha energia e faculdades no serviço de uma grande necessidade publica, que é a saída de s. ex.ªs do gabinete.

O sr. Conde de Villa Real: — Mando para mesa o seguinte requerimento (leu).

Este requerimento vae tambem assignado pelo sr. deputado Luiz de Campos.

Requeiro a urgencia, da remessa d'estes documentos, a fim de realisar uma nota de interpellação que preciso dirigir ao governo.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Mando para a mesa o seguinte requerimento (leu).

Sr. presidente, um dos meios de que o governo ou os seus representantes e agentes se serviram para guerrear a minha candidatura, foi a ameaça torpe feita a cidadãos independentes, a cavalheiros respeitaveis e caracteres honestissimos, de que se não auxiliassem o governo na eleição seria a freguezia do Pindo desmembrada do concelho do Penalva do Castello, ao qual hoje pertence.

Tal insulto foi repellido com a energia do homem que se preza, do homem que não põe em almoeda a sua consciencia e a sua dignidade.

Como a freguezia do Pindo é muito importante e os cavalheiros, a quem se fizeram aquellas insultuosas propostas, desejam a conservação da autonomia do concelho de Penalva do Castello, a qual perigaria sem a conservação d'aquella freguezia, eis o motivo por que se explorou tão vil meio de corrupção. Como não lograram seu intento, espalharam que o concelho de Penalva do Castello, ou a belga, como elles lhe chamavam, havia de ser retalhada! Eu ri-me dos Tritões. Confiava ainda um pouco na moralidade e na justiça, e confiava na força de vontade de que estou possuido de advogar os interesses dos meus constituintes, e de corresponder á honra que pela terceira vez me fizeram de me elegerem seu representante. Houve no principio do corrente anno uma representação dos eleitores da freguezia de Pindo, que pediam, nos termos do decreto de 15 de abril de 1869, a sua annexação (parece-me que o requerimento dizia mudança!) ao concelho de Mangualde.

Pouco depois porém houve uma contra representação feita por muitos dos eleitores que tinham assignado a primeira e por outros, os quaes constituem a maioria dos eleitores da freguezia, e por isso impossivel de applicar-se-lhes a disposição do decreto que já citei.

Previno por isso desde já o governo d'estas circumstancias, para que não possa em tempo algum allegar a ignorancia.

Preciso pois dos documentos que peço no meu requerimento para estar precavido contra qualquer abuso, que porventura parta do governo, o que não espero.

O sr. Presidente: — Lembro aos srs. deputados que não é permittido fundamentar os seus requerimentos, a mesa lhes dará o destino competente.

O Orador: — Peço perdão a v. ex.ª, mas o que disse foi a proposito do requerimento, e não para o fundamentar. Sempre foi licito a qualquer deputado usar livremente da palavra antes da ordem do dia sobre qualquer assumpto, que elle bem quizer, e que for do interesse geral do paiz ou do seu circulo.

Ainda tenho de mandar para a mesa outro requerimento que passo a 1er (leu).

Aproveito a occasião de estar no uso da palavra para fazer algumas breves considerações ácerca do assumpto sobre que versa o requerimento, que acabei de ler, mas não como fundamento d'elle.

Sr. presidente, no dia 1 do corrente mez de julho recebi uma carta de um amigo meu de Vizeu, na qual me prevenia de que o governador civil ía mandar engenheiros estudar a estrada districtal que de Mangualde conduz a Penalva do Castello, começando os estudos n'este concelho para por

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este meio se demoverem os eleitores a votar em tão sabio e previdente governo! (Apoiados).

O sr. Luiz de Campos: — É verdade, é verdade, fez-se isso e muito mais, isso não foi nada.

O Orador: — Eu não sabia se deveria acreditar, mas n'essa mesma occasião me foi asseverado, de que havia uma influencia do circulo que se tinha movido a trabalhar a favor do governo, por se lhe ter feito aquella promessa. Espalhou-se logo o boato de que vinham as bandeirolas para o governo vencer a eleição, e o que é certo é que não ha via forças humanas que convencessem a quasi totalidade dos eleitores de que a vinda dos engenheiros era politica.

No dia 2 com effeito, estando eu em Mangualde, vi chegar dois engenheiros districtaes, meus antigos conhecidos o amigos, que seguiram para Penalva do Castello, e ahi começaram os estudos da estrada a que alludi. Vi logo que o negocio era serio; e como se tinha espalhado que iam começar tambem os trabalhos de construcção da mesma estrada districtal na parte comprehendida entre Mangualde e Gouveia, fiz logo constar que, visto o governo estar disposto a fazer tão importantes melhoramentos no meu circulo, mandasse elle depositar a importancia da feitura das estradas, que eu desistia da candidatura, e pediria aos meus amigos que acompanhassem o governo.

Fallei no deserto. Apesar d'isso, eu discordo da opinião de muitos que julgam «politicos» os estudos mandados fazer por o governador civil ou por o governo.

Um governo tão cheio de zêlo por o bem do paiz quer recompensar o patriotismo dos homens que se não vendem, proporcionando-lhes commodidades de que precisam. A estrada vae fazer-se.

N'esta parte tenho fé de que o governo não usou de uma trica politica, que só attentaria contra o bom senso e dignidade dos povos onde ella se praticasse, alem de lhes servir de irrisão e ser inteiramente improficua.

Os estudos estão feitos, e eu peço ao governo os esclarecimentos de que falla o requerimento, para mostrar as boas e leaes intenções que assistiram ao governo ou ao governador civil mandando estudar a estrada.

Hei de mostrar, eu o espero, com os documentos que peço, que os povos se illudiram e de que um governo tão serio não desmente a sua seriedade com a pratica de actos aviltantes, se não fossem ridiculos.

Venham pois com urgencia os esclarecimentos que peço para fazer mudar os povos do meu circulo do mau conceito que estão fazendo do governo, que, dizem elles, os quiz illudir.

Venham os documentos para se mostrar a moralidade que presidiu aquelle acto da auctoridade.

Sr. presidente, aproveito esta occasião para fazer a declaração de que, posto que eu respeite muito os cavalheiros que se sentam n'aquellas cadeiras (apontando para as dos ministros), eu sou opposição franca e leal ao actual ministerio. Esta opposição porém não me leva a guerrear o governo em toda e qualquer medida que elle apresente, e que eu julgue em minha consciencia que tende a beneficiar o paiz. (Vozes: — Muito bem.)

Não serei pois opposição acintosa, mas será energica, porque estou convencido de que a conservação do actual gabinete é prejudicialissima aos mais caros interesses da patria.

Conclui.

Foi introduzido na sala e prestou juramento o sr. Antonio Augusto Pereira de Miranda.

O sr. Van-Zeller: — Mando para a mesa duas notas de interpellação ao governo, sendo uma d'ellas assignada tam bem pelo sr. Dias Ferreira (leu).

Tendo eu apresentado ha dias, quando a camara ainda não estava constituida, uma serie de requerimentos pedindo esclarecimentos ao governo, por diversos ministerios, não se entenda que pedi esses esclarecimentos unicamente para habilitar a commissão de poderes a dar o seu parecer sobre a minha eleição.

Não prescindo d'esses esclarecimentos, e se tanto for preciso, peço que pela mesa se faça qualquer communicação n'este sentido, pedindo igualmente a urgencia na remessa dos documentos que hoje requeiro.

O sr. Presidente: — O sr. deputado fará o obsequio de mandar para a mesa o seu requerimento por escripto, se acaso ainda não recebeu os esclarecimentos que pediu.

O Orador: — Sei que pela secretaria d'esta camara foram expedidos os meus requerimentos, mas como o meu pedido foi feito, quando a camara ainda não estava constituida, declaro que não prescindo d'elles.

O sr. Bandeira Coelho: — Mando para a mesa um requerimento (leu).

Aproveito a occasião para, d'aqui, agradecer aos meus constituintes as provas de confiança que pela quinta vez me deram, elegendo-me para seu representante em côrtes, e ao mesmo tempo a sua muita dedicação e sufficiente coragem na independencia do seu voto.

Agradeço tambem a todos os membros d'esta casa, sem distincção de partidos, que sanccionaram com o seu voto a validade da minha eleição e a legalidade do meu diploma.

Declaro franca o solemnemente que não teria aceitado o diploma de deputado, se não tivesse a certeza de que tinha sido eleito legalmente; o contrario seria praticar uma acção que repugna a todo o homem de bem (apoiados).

O sr. Lourenço de Carvalho: — Aproveito o ensejo de estar presente o sr. ministro do reino para chamar a attenção de s. ex.ª para um facto, cuja importancia é gravissima, porque n'elle se vê um symptoma e tendencia social d'este paiz.

Refiro me a um boato annunciado ha dias por um jornal noticioso da capital, e ao qual não dei maior importancia, pelos termos vagos em que era concebido; mas hontem tive conhecimento de que esse boato tinha todos os fundamentos.

Consta-me, e a todos os que tiveram conhecimento da folha a que me referi, que em alguns concelhos da provincia do Alemtejo se andam promovendo engajamentos de colonos com destino para o Brazil.

Ainda hontem me constou, pela posição official que tenho na companhia do caminho de ferro, que requisitaram transpostes para duzentos passageiros, para virem para Lisboa, com destino aos portos do Brazil.

Não sei se o sr. ministro do reino tem conhecimento do facto, mas desejaria que s. ex.ª o tivesse antes de eu o annunciar.

Entendo que não é um facto indifferente, e por isso peço a s. ex.ª, com toda a insistencia, que lhe dê a maxima attenção.

Entendo que o governo não póde oppor-se com medidas restrictivas á liberdade individual, mas parece-me que lhe incumbe a missão de illustrar os povos por todas as formas possiveis, e impedir que estas creaturas, levadas por uma esperança illusoria, vão ser victimas, em vez de melhorarem as suas circumstancias, como é natural aspiração.

Como reputo em geral uma grande calamidade publica a emigração d'este paiz, entendo que o governo prestaria um relevantissimo serviço se, por quaesquer meios legaes e rasoaveis, podesse dirigir o excesso da população das provincias do norte sobre a provincia do Alemtejo, que tanto carece d'ella (apoiados).

Espero que s. ex.ª e o governo em geral se compenetrem d'esta urgente necessidade.

Não quero tomar mais tempo à camara, porque esta questão é importantissima, e não é para ser tratada por incidente antes da ordem do dia.

Tambem quero declarar á camara e aos dignissimos representantes do districto do Alemtejo, que não quero avantajar me em zêlo e diligencia a s. ex.ªs: os illustres deputados têem todos os dotes de vontade e intelligencia para representarem os circulos que os elegeram com toda a ca-

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pacidade (apoiados). Por consequencia, se tomei a iniciativa de chamar a attenção do sr. ministro do reino sobre este assumpto, é pela circumstancia de ter conhecimento d'este facto, pela posição official que occupo.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): — Respondendo ao illustre deputado que acaba de fallar, tenho unicamente a dizer que hei de empregar todos os meios legaes e rasoaveis para satisfazer os desejos que s. ex.ª acaba de expor á camara.

S. ex.ª comprehende bem e até declarou, que effectivamente a acção do governo sobre este assumpto não póde senão reduzir-se aos meios de conselho e de persuasão; é isso o que se tem feito e continuará a fazer o mesmo (apoiados).

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Mando para a mesa a seguinte nota de interpellação (leu).

O sr. Barros e Cunha: — Como está presente o nobre ministro da fazenda, eu, não tendo a pretensão de me ingerir demasiadamente nas questões que estão a cargo d'aquella repartição, mas unicamente pelo dever que tenho de examinar com consciencia tudo quanto diz respeito, não á questão de fazenda amavel e risonha, mas á questão de fazenda seria e grave, vou fazer a s. ex.ª a seguinte pergunta.

Não vendo publicado o mappa que diz respeito ao movimento da divida fluctuante desde o mez de abril, desejava que o illustre ministro me dissesse se por acaso ha algum inconveniente em se fazer essa publicação conforme é o estylo, e como s. ex.ª sempre tem feito; e no caso de haver inconveniente em esse mappa se dar ao publico, pedia então que me mandasse uma nota particular, porque me estou occupando, não como pessoa competente, mas como amador, de ver se o nosso estado financeiro está em harmonia com aquillo que as estatisticas estrangeiras dizem que elle na realidade é.

O sr. Ministro da Fazenda: — Não tenho duvida em apresentar á camara os esclarecimentos pedidos pelo illustre deputado.

É certo que tem havido alguma demora na publicação d'esses documentos, que eu tenho sempre mandado publicar sem haver disposição que a isso me obrigue; mas hei de empregar todos os esforços para que essa publicação se faça o mais depressa possivel com alguns esclarecimentos que são indispensaveis, não só para se saber o movimento da divida fluctuante, mas para se conhecer a vantajosa condição de se terem diminuido os encargos com que ella era feita.

O sr. Luciano de Castro: — Por parte da commissão de fazenda mando para a mesa um parecer da mesma commissão sobre a proposta de lei de meios, apresentada pelo governo; e visto as circumstancias urgentes d'este negocio, requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer dispensar o regimento para entrarmos immediatamente na discussão d'este parecer.

Consultada a camara resolveu affirmativamente.

Leu-se na mesa e entrou em discussão o seguinte

Projecto de lei

Senhores. — Foram presentes á commissão de fazenda a proposta de lei apresentada pelo sr. ministro da fazenda para serem prorogadas até á promulgação das leis geraes da receita e da despeza do estado no actual exercicio de 1871-1872 as disposições da carta de lei de 7 de junho ultimo, que auctorisou o governo a proceder á cobrança dos rendimentos publicos e a applica-los ás despezas legaes até 31 de julho, e a proposta apresentada pelo sr. visconde de Moreira de Rey para limitar a auctorisação pedida ao tempo de duração da actual sessão.

A vossa commissão examinou ambas as propostas com a urgencia que as circumstancias reclamam; e

Considerando, que a auctorisação pedida pelo governo, tendo por só limitação a approvação das leis de receita e despeza do estado respectivas ao actual exercicio, desde que por motivos mais ou menos plausiveis, deixaram de ser approvadas aquellas leis, habilitaria qualquer governo a cobrar os rendimentos do estado e a applica-los ás despezas legaes até ao fim do anno economico, o que importaria um largo adiamento da resolução da questão financeira com manifesto damno dos interesses publicos;

Considerando, que o exame e approvação do orçamento é o primeiro e principal dever, que a constituição politica do estado, de accordo com os principios fundamentaes do systema representativo, impõe aos corpos co-legisladores;

Considerando, que na actual situação da fazenda publica, que posto não seja assustadora, não deixa todavia de ser grave, é indispensavel obrigação dos representantes do paiz examinar escrupulosamente as despezas do estado para lhes fazer as reducções compativeis com a regularidade dos serviços;

Considerando, que tendo o governo apresentado na ultima sessão o orçamento rectificado da receita e despeza publica no actual exercicio, manifestou o desejo de que sejam discutidas e approvadas as leis de receita e despeza do estado;

Considerando, que o praso, a que fica reduzida a auctorisação dada ao governo, pareceu sufficiente para se discutir e approvar assim o orçamento do estado para o actual exercicio, como outras quaesquer propostas tendentes a melhorar a situação do thesouro;

Considerando, que em vista do exposto deve considerar-se prejudicada a proposta do sr. visconde de Moreira de Rey:

E de parecer, de accordo com o governo, que a proposta de lei apresentada pelo sr. ministro da fazenda seja convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São prorogadas até 30 de setembro de 1871 as disposições da carta de lei de 7 de junho ultimo, devendo effectuar se nas respectivas tabellas da distribuição da despeza, e nos mappas das receitas as alterações conformes com a legislação em vigor.

Art. 2.° Esta lei começará a vigorar desde o dia da sua publicação no Diario do governo.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão, 28 de julho de 1871. = Anselmo José Braamcamp = Antonio Maria Barreiros Arrobas = Claudio José Nunes = Antonio Rodrigues Sampaio = Antonio Correia Caldeira = Augusto Cesar Cau da Costa = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = João Antonio dos Santos e Silva = Augusto Cesar Barjona de Freitas = José Luciano de Castro, relator.

O sr. Pereira de Miranda: — Requeiro que se leia na mesa, antes de entrar em discussão o parecer que acaba de ser lido, a acta da sessão de 1 de julho d'este anno, onde vem uma declaração do sr. presidente do conselho em nome do governo.

(Pausa.)

O sr. Presidente: — O requerimento do sr. deputado por Lisboa, o sr. Pereira de Miranda, não foi inscripto e por isso não sei exactamente a fórma d'elle.

O sr. Pereira de Miranda: — Requeri que se lesse a parte da acta da sessão de 1 de julho d'este anno que se refere a uma declaração feita pelo sr. presidente do conselho, por parte do governo, a respeito da lei de meios.

Leu-se na mesa o seguinte periodo da acta da sessão de 1 de junho d'este anno:

«O sr. Rodrigues de Freitas fez o seguinte requerimento: — Requeiro que se lance na acta que o sr. presidente do conselho declarou que as côrtes seriam convocadas para julho, a fim de se occuparem incessantemente do orçamento e da questão financeira.»

O sr. Pereira de Miranda: — É exactamente isso.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Depois da declaração que acaba de ler-se, feita solemnemente pelo sr. presidente do conselho n'uma das ultimas sessões, a que muitos de nós assistimos, pensava eu que nada poderia haver mais estranhavel e digno de censura do que ser convocada a camara n'uma epocha, em que só por um phenomeno de ra-

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pidez chegou a constituir-se, fazendo-se a convocação, segundo parece, unicamente para nos ser apresentada, com violenta urgencia, pelo presidente do conselho logo no primeiro dia de sessão uma proposta de lei de meios, absoluta e illimitada, que habilitasse o governo a continuar, longe do parlamento e do paiz e livre da responsabilidade pelos abusos commettidos, a vida de fatal inercia administrativa e economica, com que tem compromettido todos os interesses, que lhe estavam confiadas. Enganei-me; e illudia-me quando pensava que depois d'isto nada teria a estranhar, porque nada podia apparecer mais estranhavel, nem mais digno de censura. Agora, porém, depois da apresentação do parecer da illustre commissão de fazenda, infelizmente para todos nós, e mais infelizmente ainda para o paiz, vejo-me forçado, com grande pezar meu, a declarar que me parece ainda mais estranhavel, que o insolito procedimento do governo, e talvez mais digno de censura, o parecer apresentado pela illustre commissão de fazenda.

Eu digo o que sinto, com a clareza que posso, e com a verdade que devo ao meu paiz. Se involuntariamente commetter erro ou injustiça, com a mesma franqueza repararei qualquer excesso das minhas apreciações, logo que me convença de que é esse o meu dever.

Assim apreciarei liberrimamente a proposta do governo, o parecer da illustre commissão e o projecto que tive a honra de apresentar, comparando-os todos no que são e nas consequencias que de cada um d'elles podem resultar em vantagem ou em prejuizo do paiz.

Quando na sessão de 1 de junho o sr. presidente do conselho de ministros se comprometteu, por uma declaração solemne lançada na acta, a que as camaras haviam de ser convocadas no mez em que estamos, quasi exclusivamente para discutir o orçamento, eu tinha quasi a certeza plena, plenissima, de que o orçamento não seria discutido e de que o governo viria apresentar á camara a proposta de lei de meios que apresentou, e que o habilitava a fugir de toda a discussão parlamentar, tanto do orçamento, como da questão de fazenda e de todas as questões importantes.

Segundo a minha memoria, e segundo o que me consta pelas tradições de todos que têem acompanhado o sr. presidente do conselho na sua longa carreira politica, creio que não ha um só exemplo de que s. ex.ª fazendo uma promessa, não viesse depois apresentar exactamente o contrario do que promettêra.

O estado do paiz porém não é para que continue este systema (apoiados), porque assim dissolvem-se todos os laços entre governantes e governados, desauctorisam se e compromettem-se os mais altos poderes do estado (apoiados).

Quando se diz, quando se affirma, quando se repete todos os dias ao paiz que são indispensaveis e urgentes grandes sacrificios, é preciso que os poderes publicos dêem exemplos de moralidade e seriedade, e que o governo, pela frequencia de taes actos, não esteja constantemente adquirindo força para sophismar a constituição do estado, corroborando cada vez mais o systema de illudir o paiz e de faltar a todas as promessas.

Eu chego a duvidar do testemunho de todos os meus sentidos, chego a não comprehender, chego a não poder acreditar que um governo nas circumstancias do actual, apresentando-se ao parlamento depois de ter despedido do seu seio aquelle ministro, que incontestavelmente merecia ao paiz melhor conceito (apoiados); chego a não comprehender como este governo, impossivel pela inercia, mais impossivel ainda pela inepcia, ouse pedir aos representantes do paiz uma lei de meios absoluta e illimitada! Para que? Pergunto eu ao governo, se acaso elle póde responder com seriedade aos representantes do paiz. Para que quer a lei de meios? Para continuar este viver inerte, para protelar esta somnolencia, para conservar, aggravando-as, todas as difficuldades da patria pelos successivos adiamentos da resolução de todas ellas? É para isto? Ou é para fugir á accusação e á responsabilidade dos seus abusos e prepotencias eleitoraes?

Esta camara está no seu principio; é este o momento de mostrar o que póde e quer ser; póde agora mostrar que vem seguir o caminho de algumas camaras anteriores ou que pelo contrario está disposta a todos os esforços para inaugurar n'este paiz uma nova era de moralidade e de seriedade, de fórma que a vontade do paiz appareça representada n'esta casa como cumpre que appareça pela lei fundamental do estado, e pelas consequencias necessarias do systema representativo, que nos rege, pelo menos em theoria.

Se esta camara approvar o parecer da commissão de fazenda, eu digo franca e sinceramente que, na minha opinião, a camara principia de uma maneira menos esperançosa e mais prejudicial ao paiz do que nenhuma outra camara d'aquellas de que eu tenho noticia.

É necessario vermos as circumstancias em que está este governo, e as contas que elle tem de prestar aos representantes do povo (e eu repito a declaração que hontem fiz, de que quando me refiro ao governo n'este sentido ou em sentido analogo, faço-o sempre referindo-me ao sr. presidente do conselho). Devemos saber quaes são as consequencias inevitaveis da approvação do parecer da illustre commissão de fazenda, sendo como é presidente do conselho o sr. marquez de Bolama.

(Á parte que se não percebeu.)

Sim, é só com elle; e isto que eu faço por muitas rasões, tem uma explicação muito simples. É porque na minha opinião, auctorisada pela constante repetição de muitos factos, o sr. marquez d'Avila e de Bolama é só por si muito sufficiente não só para não fazer cousa nenhuma boa, mas para impedir de a fazer todos aquelles dos seus collegas, que saibam, possam e queiram tentar uma medida util. Habeis os tem elle tido, e quanto mais habeis, mais depressa lhe fogem, ou mais cedo elle os inutilisa. A saída honrosa do sr. visconde de Chancelleiros d'este ministerio é a prova provada do que acabo de dizer (apoiados).

Este governo apresenta-se a esta camara, tendo dissolvido a anterior, e tendo consultado (diz elle) a vontade do paiz.

O sr. presidente do conselho praticou durante a luta eleitoral as maiores irregularidades, as maiores violencias, os maiores escandalos, os maiores crimes, de que ha memoria n'este paiz, ainda que se recorra ás epochas de mais ominosa recordação.

Eu posso affirmar que o sr. presidente do conselho commetteu os maiores crimes, porque eu tenciono apresentar, aqui a accusação criminal de s. ex.ª, e affirmo desde já que só da camara depende ver provados os pontos d'esta accusação com as provas mais claras, mais evidentes e plenas, com que até hoje tem apparecido nos registos criminaes provado um crime de qualquer ordem e de qualquer natureza.

Este governo apresenta-se ao paiz, e á camara dos deputados, n'estas circumstancias. N'estas circumstancias vem elle, como o réu que tem pressa de fugir ao juiz, cuja sentença receia, pedir que se lhe conceda a lei de meios, para que se lhe consinta, para que se lhe tolere por mais tempo a vida de fatal inercia que até hoje tem vivido.

Para este fim, o sr. presidente do conselho não duvida nem um instante faltar ás promessas solemnemente feitas na sessão, cuja acta se leu ha pouco na mesa. Não sei se s. ex.ª hesitaria na primeira vez que adoptou este systema; mas depois da sua longa vida, e dos seus habitos constantes de faltar ás promessas mais solemnes, podemos, sem injuria, presumir que uma falta mais, achando-se pela força do habito na sua nobre natureza, não ha de incommoda-lo muito, e talvez lhe lisonjeie o justo credito da sua coherencia politica.

Este é o procedimento do governo, procedimento para mim censuravel, não só debaixo do aspecto politico, mas debaixo do aspecto de simples coherencia; e ainda mais, perante os principios do decoro e da mera dignidade.

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A illustre commissão de fazenda, a qual se compõe (e eu toco n'este ponto, porque as minhas palavras n'esta parte são mais para o paiz do que para a camara) a illustre commissão que se compõe dos mais conspicuos membros do honrado partido historico, do muito digno partido regenerador e de um partido que não tem nome, mas que se designa vulgarmente por amigos do nobre marquez d'Avila, a illustre commissão de fazenda composta d'estas tres entidades politicas todas para mim muito respeitaveis, alterou a proposta do governo, declarando que cencede a lei de meios igualmente ampla e absoluta nos effeitos, com a unica differença de que a concede por menos tempo do que o governo a pedia. O ponto que eu desejo fazer notar á camara é que a lei de meios concedida pela illustre commissão de fazenda, é tão ampla e tão absoluta, como foi pedida pelo governo, durante o tempo em que ella é concedida (apoiados).

Eu chamo a attenção da camara para o que nos diz a illustre commissão no seu parecer.

Diz a illustre commissão que examinou a proposta de lei do governo e tambem o projecto por mim apresentado, para limitar a auctorisação pedida ao tempo da duração da actual sessão, e acrescenta, que examinou ambas as propostas com a urgencia que as circumstancias reclamam.

A illustre commissão de fazenda não comprehendeu, ou pelo menos não mostrou no parecer que tinha comprehendido plenamente o alcance do meu projecto.

O meu projecto de lei de meios não é limitado simplesmente, como a commissão diz, ao tempo da duração da actual sessão; tem outro limite mais serio e mais positivo, que é a approvação do orçamento geral do estado (apoiados).

O fim do meu projecto é que a camara por uma votação sua não se torne complice, ou antes, não se torne verdadeira auctora da providencia, que o governo, á sombra da irresponsabilidade de outro poder, ha de tomar ou ha de aconselhar em poucos dias, de adiar a camara exactamente até as vesperas do dia em que tenha de terminar a nova auctorisação da lei de meios (apoiados.)

Eu vejo que o nobre presidente do conselho de ministros toma apontamento do que acabo de dizer, e provavelmente vae clamar e jurar que a intenção do governo é que se discuta o orçamento desde já, que n'essa discussão é o governo mais que todos interessado, e que acreditem na sua solemne promessa. Responde a s. ex.ª a acta do 1.º de junho! Então tambem prometteu s. ex.ª a discussão do orçamento, e hoje apparece a cumprir esta promessa, apresentando a lei de meios absoluta e illimitada! (Apoiados).

Eu não sei bem quaes as rasões com que a illustre commissão de fazenda defenderá a conveniencia ou a justiça de ter preferido ao meu projecto a alteração que fez, mas espero mostrar a v. ex.ª e á camara, da maneira mais evidente, que todos os considerandos com que a illustre commissão fundamenta o seu parecer, eram applicaveis com inteira exactidão e justiça á approvação do meu projecto, ao mesmo tempo que applicados, como estão, á defeza do parecer apresentado, são principios que contradizem as conclusões e que brigam em luta desesperada contra a consequencia que d'elles tirou a final a illustre commissão de fazenda.

Qual é a consequencia da approvação do parecer da commissão? É o adiamento ámanhã, isto é, na segunda ou terça feira da proxima semana. Todos nós sabemos que o sr. presidente do conselho de ministros tem pouca predilecção por estes debates parlamentares, em que nem tudo são para s. ex.ª amabilidades e flores. S. ex.ª tem pressa de se ver livre dos representantes da nação que são para s. ex.ª importunos. S. ex.ª ama este paiz para o governar; ama-o para o felicitar, substituindo-lhe a sua pessoa; ama-o para o representar no estrangeiro, comtanto que ali só se forme idéa d'este paiz pela que se fórma da pessoa de s. ex.ª; é para isto e nada mais que s. ex.ª ama o seu paiz; não o ama para o deixar governar-se á vontade da maioria dos cidadãos; não o ama para o deixar engrandecer se; não o ama para o deixar representar-se; não o ama para seguir o unico caminho e as unicas indicações que no systema representativo são aceitas e admissiveis, que é a vontade da maioria; para isso não o ama o sr. presidente do conselho, e por isso não quer s. ex.ª o parlamento reunido.

Tanto o projecto da commissão, como a proposta do governo, têem por consequencia immediata o adiamento da camara no primeiro dia que ficar livre, conforme a camara dos dignos pares gastar mais ou menos tempo na approvação d'este projecto.

Demais a mais, se nós preterirmos todas as questões para ceder á violenta urgencia da necessidade da lei de meios, abdicâmos das nossas attribuições mais essenciaes, e vamos estabelecer um precedente terrivel. O adiamento da camara, decretado immediatamente, habilita o governo para só fazer nova convocação no fim de setembro, dando-nos apenas, como fez agora, as sessões estrictamente necessarias para lhe votarmos terceira prorogação da lei de meios em nome das urgencias do estado e de um constitucionalismo que ninguem comprehende, mas em que se inspiram em geral os nossos partidos politicos, e que consiste em votar sem discussão tudo que aos governos convem, despensando-se a segunda leitura e a impressão dos pareceres, reduzindo o parlamento ás apparencias de uma chancellaria passiva, e transferindo para o poder executivo as attribuições dos outros poderes independentes, e tanto as do poder moderador como as do legislativo.

Não serei eu que hei de associar-me a taes emprezas, as quaes protesto combater sempre com todas as minhas forças.

Quando uma camara assim procede, aceitando submissa o jugo illegal que o governo lhe impõe, não póde queixar-se de que o paiz não está aqui representado, ou de que o está falsa ou inutilmente, nem de que o poder moderador, ou o governo em nome d'elle, estejam de adiamento em adiamento, esquecendo-se da necessidade de obter, para as respeitar, as indicações parlamentares (apoiados).

Quando um paiz chega a esse estado, a origem dos adiamentos, a iniciativa das dissoluções continuas, a desordem legal, partem d'esta camara, que não respeita as suas attribuições, que não mantem os seus direitos, que não traduz a vontade do paiz, e que, sendo a primeira a abrir o funesto exemplo, não póde exigir respeito pelas attribuições que ella não respeita.

Quando uma camara concorda em conceder leis de meios amplas e absolutas por tempo limitado, é a camara que pede o adiamento, porque está dando ao poder moderador uma indicação parlamentar de que as conveniencias publicas aconselham que a camara seja adiada por tanto tempo quanto é aquelle por que concede essas leis de meios; e assim significa que é esse o desejo dos representantes do paiz.

A commissão diz: concedemos, mas restrictamente, até fins de setembro. O governo convoca a camara outra vez exactamente nos fins de setembro e diz como agora: faltam apenas dois dias, e eu não desejo por fórma alguma constituir-me em dictadura: Se não votam com urgencia, sem discutir, sem dispensar a impressão do parecer, ficâmos em dictadura.

Parece incrivel a audacia com que o governo em Portugal diz frequentemente aos representantes da nação que se constituirá em dictadura! Não se vê isto em parte alguma; não se acredita; não se imagina! Este argumento parlamentar é exclusivamente portuguez e faz honra ao inventor!

Este governo, com os escrupulos que lhe inspira á dictadura, a que tem horror, mas com a qual nos ameaça, pediu a lei de meios por todo o tempo até se discutir o orçamento, que nunca se discutirá, porque teriamos adiamento, mas nunca teriamos convocação para o discutir.

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Vem, porém, uma commissão, que na amplitude d'essa lei de meios estaria sem grande difficuldade de pleno accordo com o governo, mas que, na incerteza de o substituir depressa, precisa de provar que empregou todo o empenho em salvar as apparencias, e diz: dou a lei de meios ampla e absoluta nos effeitos, comtanto que seja limitada em relação ao tempo; concedo-a sómente por dois mezes; quando acabar esse tempo, se for preciso, tornaremos a conceder outros dois mezes.

São dois mezes durante os quaes os srs. ministros podem ter a certeza de que não serão importunados pela voz dos representantes do paiz. Por este preço não tem o governo duvida em reconhecer e confessar a necessidade de se discutir o orçamento, comtanto que se não discuta; passados esses dois mezes o governo renova a declaração, comtanto que lhe concedam outra vez uma auctorisação igual, que o liberte das camaras e que o livre de discutir o orçamento.

Estas operações não são novas para mim, e foi por isso que eu quiz declarar quaes eram os partidos de que se compunha a commissão de fazenda; é por isso que eu, cansado em tres annos de parlamento com cinco eleições, pertencendo a cinco camaras diversas, quando pela lei fundamental do paiz devia durar ainda a primeira camara para que fui eleito, é por isso que eu, cansado, fatigado, aborrecidissimo de ficções e de imposturas, declaro solemnemente ao paiz que a votação da lei de meios, tal qual a propõe a commissão de fazenda, é mais uma ficção, mais uma impostura, mais uma auctorisação inconstitucional para o governo viver esta vida de inercia e de repugnante somnolencia, livre dos representantes do povo, continuando a aggravar todas as difficuldades, a causar todos os embaraços, a pôr todos os estorvos, a impossibilitar todas as reformas e economias, proclamando sempre ao paiz, cansado já de ser illudido, que a intenção do governo é discutir o orçamento, comtanto que se não discuta, é fazer todas as economias, comtanto que se não façam, é reduzir, comtanto que se augmente, é simplificar, comtanto que se complique.

É por isso, repito, que eu quero que fique bem consignado nas nossas sessões quaes são os partidos que concorrem para que continue este deploravel systema, de que todos nós nos queixâmos em palavras, mas que parece que quasi todos estamos conspirados para perpetuar em obras e na realidade.

Diz a illustre commissão no seu primeiro considerando, e chamo para esta singular theoria toda a attenção do meu illustre collega e amigo o sr. Barros e Cunha, partidario leal, mas que consideração alguma partidaria é capaz de fazer esquecer as indicações da sua consciencia e da sua intelligencia; diz a commissão no seu primeiro considerando:

«Considerando que a auctorisação pedida pelo governo, tendo por só limitação a approvação das leis de receita e despeza do estado, respectivas ao actual exercicio, desde que por motivos mais ou menos plausiveis deixaram de ser approvadas aquellas leis, habilitaria qualquer governo a cobrar os rendimentos do estado e a applica-los ás despezas legaes até ao fim do anno economico, o que importaria um largo adiamento da resolução da questão financeira, com manifesto damno dos interesses publicos.»

Temos, em primeiro logar, confessada pela illustre commissão, uma verdade de que já muita gente n'este paiz não duvida. Ha n'um grande numero de cidadãos, que pagam n'este paiz contribuições para o estado, a idéa de que o governo, se não precisasse de contrahir emprestimos nas praças estrangeiras, talvez se tivesse dispensado ha muito de convocar o parlamento; pela theoria da illustre commissão vê-se que estas apprehensões podem ter fundamento, visto que o voto das camaras póde dispensar-se para auctorisar o imposto, o qual o governo cobraria, segundo parece, sem auctorisação e talvez mais facilmente do que sendo auctorisado! O sr. Barros e Cunha tratará este ponto, se quizer.

Como nas praças estrangeiras não emprestam aos governos, nem lhes deixam emittir emprestimos que não sejam votados pelas côrtes, os governos têem-se resignado a prestar homenagem e a guardar fidelidade ao systema representativo, em virtude da necessidade de pedir dinheiro emprestado. N'este caso eu diria que a ruina da nossa fazenda tem sido a salvação da nossa liberdade.

Mas embora a illustre commissão pareça confirmar estas apprehensões, eu combato a doutrina, e sustento que todo o cidadão tem direito e tem obrigação de recusar o imposto, que não esteja auctorisado pelas côrtes, e sustento tambem que as côrtes podem recusar o imposto e não votar a lei de meios.

Se o governo, recusando-lhe o parlamento a lei de meios, ficasse tão habilitado para cobrar os rendimentos do estado e applica-los ás despezas legaes, como quando o parlamento lhe vota o imposto; se eu podesse admittir tão illegal doutrina e não tivesse de me revoltar contra ella, diria á illustre commissão que votar a lei de meios é a maior das inutilidades. Mas como eu não sigo essa doutrina, não havendo votação da lei de meios, qual é para mim a consequencia? À consequencia é, segundo a minha doutrina e a do sr. Barros e Cunha, que todos os cidadãos d'este paiz têem a rigorosa obrigação de se recusar ao pagamento dos impostos.

Por isso eu, sem confiança alguma no governo, propuz e voto a lei de meios restricta nos effeitos.

Mas a illustre commissão, se entende que o governo, sem lei de meios ou approvação do orçamento, fica habilitado para cobrar os impostos e applica-los ás despezas do estado, para que perde o seu tempo e gasta papel em dar parecer sobre uma lei de meios, cujo effeito, depois de approvada, fica sendo exactamente o mesmo que seria se a lei não existisse?

Isto não póde ser. Heresias constitucionaes não se podem apresentar no parlamento; e não se desculpam mesmo as que são proferidas no calor da discussão, quanto mais as que apparecem escriptas.

Peço pois, em nome da carta constitucional, que este considerando da illustre commissão seja eliminado, e substituido exactamente pelo contrario do que elle contém.

Continua a commissão:

«Considerando que o exame e approvação do orçamento é o primeiro e principal dever que a constituição politica do estado, de accordo com os principios fundamentaes do systema representativo, impõe aos corpos co legislativos.» A illustre commissão considera que a discussão do orçamento é o primeiro dever do parlamento; e ao mesmo tempo vota a lei de meios, para que o orçamento se não discuta até ao fim de setembro, reservando para o fim de setembro votar outra lei de meios, que signifique não discutir o orçamento até quando a commissão entender. Se a discussão do orçamento é, como diz a commissão, o primeiro e principal dever que a constituição nos impõe, eu creio que este considerando é applicavel unica e exclusivamente ao projecto que hontem tive a honra de mandar para a mesa, e que diz no artigo 1.°:

«A lei de meios, concedida ao governo até ao fim do presente mez, é prorogada nas mesmas condições durante todo o tempo que estiverem abertas as camaras, mas caducará esta prorogação logo que a presente sessão se adie ou interrompa, se a esse tempo não estiver votado o orçamento geral do estado.»

O principal fim do meu projecto é obrigar o governo e a camara a discutir desde já o orçamento geral do estado. É preciso que se saiba qual é o alcance do meu projecto, que não é o que a illustre commissão imaginou (apoiados).

Para a vida constitucional o meu projecto apresenta todas as condições que são necessarias para que, dia a dia, emquanto o parlamento se conserva aberto a discutir o orçamento, o governo encontre uma lei de meios, uma auctorisação amplissima para cobrar os rendimentos do estado e applica-los ás despezas legaes (apoiados).

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Mas o governo sáe da constituição, falta áquella obrigação, ao exame e approvação do orçamento, que segundo diz a commissão, é o primeiro e principal dever que a constituição politica impõe. Que succede?

Se o governo falta a este primeiro dever, pelo meu projecto, apenas falte, o governo não tem lei de meios; pelo projecto da commissão tem lei de meios amplissima durante dois mezes.

Pergunto á commissão, se o exame e approvação do orçamento é o primeiro dever do governo, por qual projecto deve ella pugnar: pelo meu que obriga a examinar e discutir o orçamento desde já, ou pelo d'ella, que durante dois mezes dispensa o governo d'essa discussão, permittindo que no fim de dois mezes appareçam outro pedido e outro adiamento, de fórma que até ao fim do anno economico póde o governo esquivar-se ao cumprimento do seu dever?

Mas eu escuso de dirigir-me á commissão, porque não posso suppo-la illudida na sua boa fé; e não faço senão justiça aos membros da commissão, suppondo que elles não foram ingenuamente enganados pelo governo, porque nenhum d'elles ignora a verdade nem o alcance d'estas minhas reflexões.

Eu fallo para a camara e principalmente para os homens novos que têem empenho de dar desde já prova provada de que são superiores a considerações, não direi de partidos, mas de grupos politicos, e de que têem empenho em mostrar ao paiz que sabem zelar, manter e defender as prerogativas mais essenciaes d'esta camara a que pertencem. A estes é que eu fallo. Tudo que são grupos politicos suspiram por uma approvação de lei de meios illimitada, e eu vou já dizer a rasão por que.

Todos sabem, por maior que seja a generosidade que haja para com este governo, por maiores que sejam as apparencias de apoio, todos sabem que não é preciso mata-lo, porque elle morre por si mesmo (apoiados); esta somnolencia em que elle tem dormitado, inutil para tudo menos para a violencia e para o escandalo eleitoral, vae ter um termo; o que ali está ainda é o ultimo crepitar de uma lampada proxima a extinguir-se.

Todos os grupos politicos sabem, e a esse respeito nenhum se illude, que um governo presidido pelo actual sr. presidente do conselho, faltando-lhe esta diversão de uma luta eleitoral, em que se offendam todas as leis do paiz, e em que se excedam as ominosas recordações de 1845, cáe de per si e costuma desapparecer como tem vivido.

A lei de meios illimitada é util para todos os que contam ir ao poder, porque ficam alliviados da incommoda e ás vezes arriscada obrigação de convocarem de novo os representantes do paiz. A lei de meios é muitissimo util para quem, prevendo a morte proxima e immediata do governo actual, conta succeder-lhe e gosar a auctorisação. Alguns grupos politicos votam, porque pensam que votam em proveito proprio a lei que nós recusâmos ao governo. É mais uma rasão para eu votar contra. Se a alguem convem a formação do novo governo longe do parlamento, e antes de indicação alguma parlamentar, eu opponho-me e cumpro o meu dever. Adiamentos e dissoluções não podem ser systema de governo e compromettem o paiz. Outro considerando:

«Considerando que na actual situação da fazenda publica que, posto não seja assustadora, não deixa todavia de ser grave, é indispensavel obrigação dos representantes do paiz examinar escrupulosamente as despezas do estado para lhes fazer as reducções compativeis com a regularidade dos serviços».

A primeira parte é a questão de fazenda, devidamente disfarçada em linguagem de conveniencia politica. Pela minha parte é esta a decima nona vez que eu vejo isto escripto ou que o ouço repetido. Mas vamos á conclusão. Diz o considerando: é indispensavel obrigação dos representantes do paiz examinar escrupulosamente as despezas e fazer as reducções.

O que cumpre fazer aos representantes do paiz? É examinar as despezas e fazer desde já todas as reducções possiveis, compativeis com a regularidade dos serviços. Mas por isso que esta é a obrigação indispensavel dos representantes do paiz, diz a commissão: «Não tratemos d'isto até ao fim de setembro, e então veremos se convem tratar do assumpto, ou se convirá adia-lo ainda por mais tempo». Pelo meu projecto impõem-se a todos a obrigação de tratar já, e por isso com mais exactidão lhe pertencia este fundamento de approvação.

Outro considerando:

«Considerando que, tendo o governo apresentado na ultima sessão o orçamento rectificado da receita e despeza publica ao actual exercicio, manifestou o desejo de que sejam discutidas e approvadas as leis da receita e despeza do estado;»

A commissão, mais docil do que era de esperar dos membros que a compõe, contentou-se com que o governo manifestasse o desejo de discutir, e não exige que se discuta!... (Apoiados.) O meu projecto obriga á discussão.

Ultimo considerando:

«Considerando que o praso, a que fica reduzida a auctorisação dada ao governo, pareceu sufficiente para se discutir e approvar assim o orçamento do estado para o actual exercicio, como outras quaesquer propostas tendentes a melhorar a situação do thesouro;»

Aqui a commissão, affectando a maior das innocencias, e esquecendo voluntariamente toda a historia politica do sr. marquez d'Avila e de Bolama, e todos os exemplos mais recentes incluindo ainda os da ultima sessão legislativa, fingiu acreditar que n'estes dois mezes o governo não adiaria a camara, e que ella se occupará até ao fim de setembro da discussão do orçamento!

Eu respeito tanta innocencia, admiro tanta credulidade, mas a commissão illude-se e a realidade é outra.

Espero ainda ver o sr. presidente do conselho prometter mais uma vez que a camara não é adiada. Mas a essa promessa, em que não creio, respondo: se o governo não tenciona propor ao poder moderador o adiamento, e se compromette solemnemente a isso, venha essa declaração para que mais uma vez o paiz tenha provas do que valem as promessas do sr. presidente do conselho.

Á commissão, que é composta de differentes partidos, e que em occasião opportuna quererá desculpar-se com a sua credulidade ou confiança no governo, convém affirmar nos considerandos que está intimamente convencida que o governo quer a discussão do orçamento geral do estado. Porém, se esta esperança da commissão é verdadeira, convido-a a approvar o meu projecto (apoiados), porque se a camara o discutir em menos de dois mezes, elle concede ao governo a lei de meios por menos tempo do que lhe concede a commissão. Se ao contrario as reducções que a commissão diz que se precisam fazer, levarem mais tempo a discutir, é escusado occuparmo-nos de uma segunda lei de meios, porque no meu projecto está ella concedida por todo o tempo que preciso for para que esta camara discuta o orçamento, e faça todas as reducções que julgar convenientes.

Portanto, por mais que pense, por mais que cogite, por mais que medite e torture o meu espirito, eu não posso descobrir no parecer da illustre commissão de fazenda, e muito menos nos considerandos com que o precede, vantagem alguma sobre o projecto que tive a honra de apresentar. Ao contrario descubro todos os inconvenientes, que da approvação do parecer da commissão podem e hão de provir, todos os quaes estão prevenidos e facilmente se evitam no meu projecto, que concede o mesmo e póde conceder ainda mais ao governo sem perigo algum para o parlamento.

O meu intuito foi expor á camara e ao paiz, com toda a clareza de que posso dispor, quaes são as vantagens e quaes são os inconvenientes de um e outro projecto. Quiz

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distinguir bem quaes são os homens e quaes são os partidos que, illudidos ou illudindo, concorrem para perpetuar o systema que nos tem levado a este estado deploravel, e quaes são aquelles que resistem a todos e quaesquer governos, que os forçam á discussão do orçamento o ao cumprimento dos deveres mais graves e mais serios do systema representativo (apoiados). Quiz ainda mostrar bem claramente ao paiz e á camara qual é a significação parlamentar da votação da lei de meios proposta pela illustre commissão de fazenda, e que não é outra senão indicar á corôa a conveniencia do adiamento.

Abaixo, pois, todas as mascaras. Quem quer n'este paiz adiar a questão de fazenda; quem quer adiar a discussão do orçamento; quem quer a continuação d'este governo irresponsavel (porque eu quero accusa-lo e adiando-se a camara não posso realisar a minha accusação); quem quer a continuação de todas as calamidades, que esta administração nefasta tem trazido ao paiz, vota a lei de meios do governo ou da commissão (apoiados); e quem quer economias; quem quer reducções immediatas e não prescinde da discussão do orçamento, não vota, não póde votar, outra cousa que não seja o projecto que tive a honra de apresentar (apoiados).

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

Foi introduzido na sala e prestou juramento o sr. Mariano de Carvalho.

O sr. Luciano de Castro (para um requerimento): — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer que se prorogue a sessão até se votar este importante projecto.

Foi approvado este requerimento.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Poucas palavras direi, porque nem o meu estado de saude permitte que faça um grande discurso, nem a occasião é propria para isso.

A lei que auctorisa a cobrança dos impostos acaba em 31 d'este mez, e a auctorisação que se discute depois de ter sido approvada por esta camara, tem de ser remettida para a outra casa do parlamento, ahi discutida, e depois tem que ir ainda a uma outra estação para ser sanccionada e ser publicada para poder obrigar. Por consequencia, o tempo urge e a camara acaba de tomar uma resolução justa, qual é a prorogação da sessão até que esta questão se resolva. Isto prova que esta camara está compenetrada dos deveres da sua posição (apoiados).

Alem d'isto, muitos srs. deputados pediram a palavra, e eu não quero inhibi-los de exporem a sua opinião ácerca do projecto. Acresce ainda, que no discurso que acaba de ser feito, e em que o governo foi violentamente aggredido, a commissão de fazenda não foi tambem poupada, e parece me que o seu illustre relator não deixará de tomar a palavra para responder. Por todos estes motivos eu tenho necessidade de ser muito breve.

Toda a argumentação do illustre deputado reduz se a que o governo veiu pedir uma auctorisação illimitada para a cobrança dos impostos, e que a sua intenção era adiar immediatamente o parlamento.

Ainda não ouvi a ninguem argumentar por tal fórma! Não sei como se possa attribuir ao governo intenções que nada justificam, e basear sobre uma supposição as violentas asserções que o illustre deputado nos dirigiu, e sobretudo ao presidente do conselho. Naturalmente o illustre deputado empregou esta argumentação, porque não tinha outra melhor.

O illustre deputado disse que o presidente do conselho havia de vir dizer, que não tinha intenção de aconselhar o adiamento da camara, mas que não acreditava em tal declaração, e que a prova que tinha para assim o pensar, era a declaração feita por elle em 1 de junho, a qual tinha sido lançada nas actas da camara. Parecia-me que o comportamento do governo agora, era a prova mais cabal da sua lealdade, porque o que elle prometteu então, cumpriu-o religiosamente, como lhe é muito facil demonstrar.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Peço a palavra para apresentar as provas.

O Orador: — Eu não quero acompanhar o illustre deputado nas violentas observações que fez. S. ex.ª até já me ameaçou com uma accusação criminal pelo meu comportamento nas eleições. A camara está constituida, e no primeiro dia da sua reunião elegeram tres commissões de poderes, que apresentaram logo cincoenta e sete pareceres, que foram immediatamente approvados em meia hora. No segundo dia de sessão foram approvados trinta e tantos, e ninguem poz a menor duvida a essas eleições (apoiados). Aqui estão os crimes que eu commetti! Ter a fortuna de conseguir que de noventa e duas eleições no continente estejam já approvadas oitenta e tantas, sem que o illustre deputado, nem ninguem, podesse descobrir n'essas eleições por parte do governo a menor irregularidade!

Creio até que não ha exemplo nenhum nos fastos parlamentares, que se possa comparar com este. Creio tambem que não ha exemplo de se ter approvado uma eleição geral, sem opposição, e vir dizer-se depois que se vae apresentar uma accusação criminal ao ministro que dirigiu essas eleições, approvadas, torno a dizer, sem impugnação (apoiados). Aguardo pois essa accusação, e espero em Deus e na minha consciencia que lhe hei de responder cabalmente.

O illustre deputado disse: não podemos acreditar na palavra do presidente do conselho e fez uma ladainha não só dos crimes que eu tinha commettido em Portugal, mas até disse não sei que, que eu fizera nos paizes estrangeiros, quando ali tinha estado encarregado de diversas commissões. Não sei que crimes lá commetti, e desejava que o illustre deputado os declarasse para eu poder responder-lhe.

Um illustre deputado por quem tenho muita estima, veiu pedir, com surpreza minha, a leitura da acta onde vem uma declaração que eu fiz aqui em 1 de junho. Essa declaração é o corpo de delicto invocado contra mim! Que diz ella? Diz que era intenção do governo, que as côrtes fossem convocadas para o proximo mez de julho (este mez em que estamos), para se occuparem da discussão do orçamento, e da questão de fazenda.

Aqui está essa famosa declaração, que tanto me compromette! Mas em que foi ella desmentida pelo procedimento posterior do governo? Digam-me os illustres deputados com a mão na consciencia, se podem em boa fé invocar essa declaração contra o governo? Diga-me o illustre deputado, que pediu a leitura da acta, se essa declaração não foi cumprida.

No mesmo dia, em que a camara foi constituida, e logo que ella pôde funccionar como camara, o meu illustre collega o sr. ministro da fazenda apresentou a proposta que se discute agora, de auctorisação para a cobrança dos impostos, auctorisação que longe de ser illimitada, como os illustres deputados pretendem, continha uma limitação de praso, como a illustre commissão bem comprehendeu. Qual era essa limitação?

Essa auctorisação durava emquanto não estivesse votada a lei definitiva de receita e despeza. Mas n'esse mesmo dia o meu illustre collega mandava distribuir na camara o orçamento rectificado, no qual vem duas propostas, a lei definitiva da receita, e a da lei definitiva da despeza. Essas duas propostas podem ser votadas n'um mez, n'uma semana, e votadas ellas deixa immediatamente de estar em vigor a lei, cuja proposta agora se discute. Que maior lemitação querem? Onde se dá pois aqui a contradicção da parte do governo? Repito, com que fundamento vem o illustre deputado dizer que ha contradicção entre os nossos actos, e a declaração que eu fiz em 1 de junho?

N'esse dia, disse eu, que o governo tinha a intenção de

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propor ao poder competente a convocação das côrtes para o mez de julho proximo, a fim de nos occuparmos da discussão do orçamento e da questão de fazenda. Em que não foi cumprida essa promessa? Não estamos ainda no mez de julho? Não foram convocadas as camaras para o dia 22? O que estamos fazendo? Estamos tratando da discussão de uma medida eminentemente constitucional, para evitar que o governo seja obrigado a decretar dictatorialmente a cobrança dos impostos. Quereriam os illustres deputados que o governo procedesse a essa cobrança por um acto de dictadura?

O governo, fiel ao seu programma de governar com a lei, veiu pedir á camara que satisfizesse uma necessidade constitucional, auctorisando a continuação da cobrança dos impostos. Quando declarou o governo que, votada essa auctorisação, se fechava immediatamente a camara?

Appello para os onze cavalheiros que constituem a commissão de fazenda, para que digam se a linguagem do governo no seio da commissão, não foi, que o governo aceita a auctorisação para a cobrança dos impostos com limite ou sem elle, e que o proprio governo tinha proposto um limite a essa auctorisação, que era a lei definitiva da receita e despeza. O governo o que quer é evitar um decreto dictatorial auctorisando a cobrança dos impostos. Se querem dar-nos essa auctorisação por uma semana, por um dia, tambem a aceitâmos; mas dêem-nos o tempo preciso para que o governo saiba o que lhe cumpre fazer. Foi esta a linguagem que empregámos no seio da commissão.

A commissão entendeu que dois mezes era o suffiçiente. Para que? Para se discutir o orçamento e votar a lei de meios; e foi n'essa conformidade que esse praso foi marcado.

Vou terminar, porque me parece que tenho respondido ao illustre deputado.

Repito, nós cumprimos, religiosamente a promessa que fizemos, de que em julho a camara estaria reunida para se occupar do orçamento e da questão de fazenda. Estamos em julho e a camara está-se occupando da auctorisação para a cobrança dos impostos, que é absolutamente indispensavel, para que o governo continue no caminho da legalidade.

Sou adversario das dictaduras; digo-o bem alto; não sei se o illustre deputado tambem é adversario das dictaduras, mas eu sou-o, e n'isto dou a prova mais completa do meu respeito pelos preceitos constitucionaes; oxalá que todos podessem dizer outro tanto.

A illustre commissão de fazenda vae occupar-se incessantemente da discussão da lei de meios, que é o corollario do exame do orçamento; isto é, vae occupar-se incessantemente do exame do orçamento do estado.

O governo faz votos para que n'esta sessão se possam ainda votar algumas medidas que melhorem a receita publica, e augmentem a cifra das economias que têem sido feitas até aqui por umas poucas de administrações. O governo ha de tomar a iniciativa de todas aquellas medidas que julgar convenientes, e ha de acompanhar a camara em todas aquellas que forem apresentadas e que entender que não compromettem as necessidades do serviço.

Acredite-o o nobre deputado; e eu estou convencido de que a camara, na sua grande maioria, me fará a justiça de o acreditar (apoiados).

Emquanto ás calamidades que esta administração nefasta tem lançado sobre o paiz, como disse o illustre deputado, espero que não tardará a occasião em que essa questão volte aqui, senão trazida pelo illustre deputado, trazida por mim, e n'essa occasião eu hei de responder ao illustre deputado, hei de demonstrar-lhe quaes as calamidades que haviam sido lançadas sobre este paiz, e de que esta administração nefasta pôde minorar os effeitos. Póde o illustre deputado ter a certeza de que não ha de ficar sem resposta.

Entretanto o que peço á camara é que se compenetre da gravidade da situação, e não consinta que acabe este mez sem que esta auctorisação esteja convertida em lei, para que nós continuemos na legalidade, como o governo muito deseja.

Foi introduzido na sala e prestou juramento o sr. Francisco Correia de Mendonça.

O sr. Barros e Sá: — Mando para a mesa o parecer da primeira commissão de verificação de poderes ácerca da eleição do circulo n.º 3 (Ponte de Lima).

Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de mandar que seja impresso, e que conjunctamente com o parecer sejam impressos os documentos principaes que a commissão entendeu que deviam acompanha-lo para conhecimento da camara.

O sr. Presidente: — Serão impressos e distribuidos competentemente.

O sr. Dias Ferreira: — Serei breve nas minhas considerações.

Comprehendo a urgencia das circumstancias e a necessidade que temos de que passe hoje mesmo n'esta camara o parecer da illustre commissão de fazenda. A assembléa, votando a prorogação da sessão até se concluir a discussão e exame d'este assumpto, reconheceu tambem essa necessidade.

Eu não usaria da palavra n'este momento, e votaria em silencio, se não fôra a necessidade de dar uma explicação á illustre commissão de fazenda.

O parecer, que a illustre commissão elaborou, approxima-se dos desejos da opposição parlamentar. E eu creio que o pensamento da commissão, formulando aquelle documento, era realmente satisfazer ás necessidades que a opposição tem indicado.

N'estas circumstancias começo por declarar muito solemnemente a v. ex.ª, que sem attenção ás palavras do sr. presidente do conselho, reconheço a urgencia da votação d'este projecto, para que o governo não fique constituido em dictadura, pela posição que elle, e só elle, creou (apoiados), e que limito as minhas observações e considerações diante d'esta questão politica.

Mas quem teve a culpa de serem convocadas as côrtes para o dia 22 d'este mez, e de ter sido feita a eleição só no dia 9? Foi o governo (apoiados), ou a opposição parlamentar?

Quantos dias eram precisos para se proceder aos actos eleitoraes?

No dia 3 de junho declarava o governo n'esta casa que o poder moderador, na região inaccessivel da sua irresponsabilidade, tinha resolvido lavrar a sentença de morte contra a camara popular para sustentar um ministerio sem partido e sem programma (apoiados).

No dia 3 fez o sr. presidente do conselho essa declaração n'esta casa. Ouvimo-lo todos nós. Nem s. ex.ª é capaz de negar isso hoje.

Porque se não fez a eleição no ultimo domingo de junho? (Apoiados.) Porque se não fez o apuramento no dia 2 de julho? (Apoiados.) Porque não se reuniram as côrtes no dia 7 ou 8 d'este mez, e se reuniram só no dia 22? Sabe a camara a rasão? As camaras foram convocadas para 22 de julho, o governo tinha a lei de meios até 31 de julho, assim como seria convocada para 22 de agosto, se a auctorisação durasse até 31 d'esse mez! (apoiados.) Era preciso que se fizesse esta declaração terminante para que depois se não lançasse, aquem a não merecia, a responsabilidade que pesa unicamente sobre o governo de ser restricto e limitado o tempo para o exame do parecer em discussão. Estes são os factos.

Que necessidade tinha o governo de esperar perto de quarenta dias para proceder ao acto eleitoral? Seria porque o paiz com quatro eleições em menos de dois annos, não estivesse bastante industriado para proceder aos trabalhos preparatorios eleitoraes e escolher os seus candidatos (apoiados)!?

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O paiz ultimamente nos ultimos dois annos tem presenciado bastantes dissoluçõss; e n'isto não culpo ninguem, mesmo porque eu tambem tenho um quinhão de responsabilidade n'essas dissoluções de camaras. Por isso estará o paiz com tão pequena pratica dos trabalhos preparatorios eleitoraes que precise de quarenta dias para se orientar a respeito d'elles e para escolher os seus candidatos? Creio que não (apoiados).

Quando se clamava que era necessario tratar promptamente da resolução da questão de fazenda; quando o governo era o primeiro a sustentar essas idéas no seio da representação nacional; quando aqui todos estavamos de accordo a esse respeito, e desejavamos que se entrasse francamente n'esse caminho, o governo, sendo dissolvida a camara pelo poder moderador, sob sua responsabilidade, demora quarenta dias a reunião dos collegios eleitoraes, convoca as côrtes para 22 de julho, e vem logo declarar ao parlamento pela bôca do sr. presidente do conselho: «que o tempo urge, que se torna necessario que nos apressemos a votar a lei de meios, que as circumstancias são graves e que é preciso que o paiz se compenetre d'esta necessidade!!»

Quando alguem tem creado uma certa situação, e tem disposto n'um certo sentido os factos e as circumstancias politicas, a sua obrigação é ficar com a responsabilidade dos seus actos (apoiados).

Por consequencia eu, que estaria no meu plenissimo direito de alongar-me como entendesse nas minhas observações, e transportar me a considerações politicas, que hei de fazer n'outra occasião, declaro que respeito as circumstancias em que nos achâmos, e espero que com a maior brevidade possivel discutamos este assumpto.

Faço inteira justiça á illustre commissão de fazenda quanto ao pensamento que determinou o seu parecer, e separo-me com desgosto do meu illustre amigo, o sr. visconde de Moreira de Rey, quanto ás suas apprehensões a respeito da boa fé com que a illustre commissão de fazenda elaborou este parecer (apoiados).

Logo que eu soube que a illustre commissão de fazenda limitava a auctorisação para a cobrança dos impostos até 30 de setembro, entendi que aquelles cavalheiros suppunham que o governo não fecharia as côrtes emquanto se não discutisse o orçamento; pareceu me que era este o seu pensamento e, digo francamente á assembléa, que se estivesse no poder da illustre commissão de fazenda o conservar as côrtes abertas até 30 de setembro, eu era o primeiro a aceitar immediatamente e sem repugnancia nenhuma o seu parecer (apoiados); mas isso pertence ao governo, de quem me separa a mais profunda desconfiança politica. Como quero limitar as minhas observações deixarei a discussão e exame dos assumptos politicos para a resposta á falla do throno, se a discutirmos.

Eu vi que o governo deixou encerrar a sessão ordinaria sem se ler nas côrtes o decreto de dissolução; o decreto foi publicado no Diario do governo depois de fechadas as côrtes. E estas côrtes foram convocadas extraordinariamente, e esse extraordinariamente póde terminar àmanhã (apoiados).

Eu peço aos srs. ministros que me não perguntem desde já as rasões circumstanciadamente, porque eu lhes direi com inteira franqueza em occasião opportuna quaes são os motivos por que não tenho em s. ex.ªs confiança de ordem nenhuma, em tudo quanto é relativo os assumptos politicos.

Respeito os cavalheiros que fazem parte do ministerio; como homens tenho por elles toda a consideração. Mas como ministros contem com a minha guerra declarada. Depois dos attentados commettidos na ultima luta eleitoral, eu praticaria um crime contra os principios constitucionaes, que regem o meu paiz, se desse um só dia de treguas ao governo para a sua conservação no poder (apoiados).

Se o governo estivesse auctorisado para cobrar os impostos até 30 de setembro, por exemplo, e viesse pedir nova auctorisação, eu faria uma excepção aos principios, que tenho constantemente sustentado, e negar-lhe-ía redondamente essa auctorisação para a cobrança de impostos (apoiados).

Em todos os paizes livres a questão de meios póde ser considerada como essencialmente politica, e eu não podia, depois dos actos praticados nos circulos eleitoraes, nas ultimas eleições, com sciencia o consciencia do sr. presidente do conselho, como hei de mostrar em occasião opportuna, eu não podia; digo, sem faltar a todos os principios, a todas as indicações da minha consciencia e á lealdade politica pelos principios constitucionaes,

continuar-lhe a minha confiança (apoiados).

Começo por deplorar que fosse o sr. presidente do conselho que por muitas vezes tem dado provas de lealdade á constituição do estado, e de respeito e consideração pelos principios que nos regem; deploro, repito, que esse cavalheiro por um desvio do intelligencia, a que um homem novo póde não ser superior, mas que não póde desculpar-se ao sr. marquez d'Avila, que não é velho mas que é experimentado, chegasse a usar-se a ponto de ver os seus odios e rancores primeiro que a magestade e o brilho dos principios constitucionaes (apoiados).

A politica é ordinariamente apaixonada, mas as paixões têem limites; e as violencias á mão armada já se não usavam em assumptos eleitoraes desde 1851. Desde 1851 que nós não tornámos a assistir ás prisões arbitrarias para desviar os cidadãos da urna; desde 1851 que nós não tivemos mais eleições feitas á ponta de bayoneta, como agora aconteceu (apoiados).

Estas são as rasões geraes que tenho do meu procedimento, não me associando ao parecer da illustre commissão de fazenda, e votando o do meu illustre amigo, o sr. visconde de Moreira de Rey. Faço inteira justiça aos membros da commissão que assignaram aquelle parecer, e estou persuadido de que o pensamento do governo é o que elles expõem; confiam em que o governo cumprirá as suas promessas. Eu acredito exactamente o contrario, e a confiança é toda individual, porque não se decreta, nem se impõe.

O sr. presidente do conselho estranhou que um membro d'esta assembléa promettesse propor-lhe mais tarde accusação criminal por abusos eleitoraes, tendo-se em um só dia approvado nada menos de cincoenta e sete pareceres sobre eleições, e talvez com o voto do mesmo illustre deputado.

Se nós não tivessemos chegado a uma certa indifferença politica que deploro, em que eu não culpo ninguem, e em que todos somos culpados; se é que esse facto não resulta das circumstancias a que ninguem póde ser superior; se no paiz inteiro te manifestasse a independencia que appareceu em alguns circulos eleitoraes, e o governo empregasse em todos os circulos, onde os eleitores reagissem ás imposições officiaes, os mesmos meios que empregou agora em alguns circulos, onde o sr. presidente tinha a vingar odios pessoaes e rancores politicos, eu não sei se a camara estaria a esta hora já constituida.

Pela minha parte applaudo me de que n'uma grande parte dos circulos do paiz se não manifestasse mais vida eleitoral, para que não presenciassemos em todos o que presenciámos em alguns.

Eu prefiro a indifferença e a inercia n'um paiz constitucional aos actos violentos que decidem de muitas vidas n'um momento, e que criam uma resistencia tenaz para o futuro (apoiados).

Sinto ter de dar n'este momento explicações á assembléa sobre assumptos tão graves; mas eram ellas indispensaveis para que os meus collegas não se persuadissem de que eu vinha hoje vingar odios e aggravos politicos, votando contra a lei de meios. O seio da representação nacional é, no meu entender, não um logar de desabafo para as paixões pessoaes, mas um recinto onde se tratam unicamente os negocios graves e os interesses mais serios da nação. Eu esqueço-me, quando estou no exercicio das minhas funcções

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publicas, dos aggravos que tenho recebido dos meus inimigos politicos ou pessoaes.

Mas sinto ainda mais ter de fazer estas declarações com relação aos actos politicos do governo, sem que este tenha apresentado os documentos que o hão de condemnar.

Eu espero que os srs. ministros se hão de dar pressa em reduzir a pó todas as accusações formadas contra s. ex.ªs, não demorando a exhibição das provas que a opposição parlamentar lhe pede com tanta instancia (apoiados).

Lastimo pois ter de dar estas explicações vagas e geraes, por isso mesmo que ainda não appareceram todos os documentos com que eu desejava justificar as minhas asserções; mas era necessario fazer estas considerações no momento em que julgava indispensavel dar á assembléa as explicações e os motivos por que não posso subscrever ao parecer da illustre commissão de fazenda.

Cumprindo a minha promessa vou concluir, e declaro de novo a v. ex.ª que, se estivessem no poder os membros da illustre commissão de fazenda, não haveria perigo de ser encerrada a camara antes de se discutir o orçamento geral do estado e algumas medidas indispensaveis para a organisação da fazenda publica, e eu votaria em silencio e sem observações o parecer da illustre commissão. Desde o momento porém que este negocio depende do governo, e que eu não posso dar o meu apoio politico ao gabinete maculado de muitos attentados contra a constituição e contra as liberdades individuaes, vejo me na necessidade de me separar do parecer da illustre commissão de fazenda, e de votar contra o governo. Tenho concluido.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Barros e Cunha: — A camara de certo estranhará que eu tomasse a palavra n'esta altura do debate, não tendo a honra de fazer parte da commissão de fazenda. Tendo, porém, sido como que chamado á autoria pelo illustre deputado por Fafe, v. ex.ª comprehende que não podia deixar de dar explicações; e não podia porque, á minha curta e obscura carreira politica se ligam factos filhos de idéas de tal maneira radicadas, que mesmo quando fosse minha intenção renega-las, ser-me-ía impossivel faze-lo sem me deshonrar.

Por esta rasão mesma, principio por declarar a v. ex.ª que é com grande sentimento que nego que, devendo a proposta, mandada para a mesa pelo illustre deputado por Fafe, representar unicamente aquillo que s. ex.ª diz que quer que ella represente, essa proposta traz comsigo tanto fel partidario, tantos resentimentos politicos, nos commentarios que a precedem, que me seria absolutamente impossivel ter de me associar a ella.

Sabem os illustres ministros quanta é a estima, consideração e respeito que tenho pelas suas pessoas; e o illustre ministro a quem mais particularmente se refere a questão que se debate, é um d'aquelles amigos, da affeição de quem nunca me poderei esquecer, porque n'um momento muito grave da minha vida, sendo s. ex.ª tambem ministro d'estado, depois de um ferimento, que recebi, foi elle dos primeiros que vi á cabeceira do meu leito, emquanto os medicos discutiam se me devia ser amputado o braço. Não me esqueceu nunca esta prova de amisade e delicadeza do meu illustre amigo, e é sempre com grande sentimento que tenho de oppor-me, na parte que diz respeito ás questões que estão incumbidas ao seu ministerio, a qualquer acto de s. ex.ª com que não possa concordar, no que me parece interesse geral do paiz.

Portanto, tratando da questão unicamente em si, declaro a v. ex.ª que não teria approvado, antes me teria revoltado abertamente contra a auctorisação que o governo apresentou hontem n'esta camara. Porém, desde que os membros da commissão de fazenda que pertencem ao meu gremio politico e em quem eu confio plenamente, trazem á camara este projecto de lei com uma clausula em que se limita essa auctorisação que o governo pedia, voto o parecer.

Nem é para estranhar que o faça, porquanto, tenho muitos exemplos, e exemplos que, apesar da auctoridade dos illustres deputados por Fafe e por Aveiro, não são para mim de menos consideração o menos respeito. E ainda quando no meu espirito podesse haver algum sobresalto, a auctoridade d'esses nomes absolvia-me completamente do passo que vou dar.

Na sessão de 23 de junho de 1852 apresentou-se aqui um projecto auctorisando o governo a cobrar os impostos, e mantendo essa auctorisação até que fossem approvadas as leis geraes de receita e despeza.

Os cavalheiros que assignaram este attentado contra a liberdade, foram os srs. Vaz Pedro Geraldes, José da Silva Passos, A. Cesar de Vasconcellos, Antonio de Oliveira Marreca, Thomás de Aquino de Carvalho, José Maria Grande, José Joaquim da Silva Pereira, Francisco Joaquim Mariz, José Ferreira Pinto Bastos, e Custodio Manuel Gomes.

Em tão boa companhia, quando n'estas circumstancias se pratica um erro unicamente com o fim de occorrer ás gravissimas circumstancias em que o thesouro póde achar-se, e muito mais desculpavel, pelo aggravamento d'essas circumstancias, do que o seria na epocha em que aquelles cavalheiros tinham assento n'esta casa, eu estou plenamente satisfeito com a minha consciencia.

Mas não foi só n'aquella epocha. Em 1853, um novo projecto de lei de meios foi apresentado ao parlamento na sessão de 22 de junho, e seis cavalheiros, igualmente distinctos oradores, glorias do partido liberal o defendiam. Esse projecto foi porém combatido pelo sr. marquez d'Avila e de Bolama, porque elle nunca admittiu restricções n'estas questões de fazenda, mas foi apoiado pelo illustre ministro da fazenda o sr. Carlos Bento (riso). Não ha contradicção nenhuma. O illustre presidente do conselho é um homem que prova perfeitamente que n'este paiz, com intelligencia, com trabalho e com probidade, se póde chegar ás mais elevadas posições (apoiados), e que honra o cargo a que se elevou com os dotes e qualidades que eu desejaria possuir igualmente para ser tão util ao paiz como s. ex.ª tem sido (apoiados).

E n'este ponto permitta-me o illustre deputado por Fafe que lhe diga, que se effectivamente lá fóra se julgar do paiz pelo individuo que o tem representado, eu, pelo contacto que tenho tido com as pessoas que, em congressos importantes, lêem estado em communicação com s. ex.ª, não tenho senão motivo para me honrar muito de ser patricio do sr. marquez d'Avila (apoiados).

Não partilho porém uma idéa de s. ex.ª, antes com ella estou em diametral opposição. Se o sr. presidente do conselho, o governo, trouxesse á camara uma auctorisação fatal, dizendo — ou ámanhã me colloco em dictadura, ou vós me haveis de conceder esta auctorisação — eu negava-lh'a.

O sr. presidente do conselho, acabada a auctorisação que tem, não póde cobrar os impostos em dictadura (apoiados). Póde suspender a cobrança, não póde decreta-la em dictadura, não tem poder nem auctoridade nenhuma para isso. O que se segue é que s. ex.ª suspendia a cobrança, ou só recebia os impostos que os contribuintes voluntariamente quizessem pagar; mas não tinha direito de mandar coagir ninguem a paga-los. E eu hei de renovar a iniciativa de um projecto n'este sentido, que foi approvado na camara passada e que espero que ha de tambem merecer a approvação d'esta. Mas isto mesmo é motivo para eu não contestar muito esta auctorisação.

De uma cousa me felicito eu, é o odio que o illustre chefe do partido constituinte professa ter contra as dictaduras e contra os actos inconstitucionaes (apoiados). Felizmente que o vemos renegar um dos attentados mais violentos que se têem feito á constituição do estado, o qual foi crear, mandar distribuir e cobrar as contribuições, lendo o parlamento adiado e na presença d'esse mesmo parlamento antes da sua dissolução.

S. ex.ª foi infelizmenle dictador confesso e convicto. (apoiados. — Vozes: — É verdade.)

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E digo infelizmente, porque o illustre deputado é um dos homens em quem reconheço uma intelligencia distincta, dotes e qualidades que estão acima de qualquer ciume ou inveja que tentasse querer rebaixa-las, quando um homem tão distincto presta assim homenagem aos principios da constituição, só circumstancias muito imperiosas podiam leva-lo a infringir a mesma constituição, que tanto pretende respeitar.

Eu vou concluir as minhas observações justificando ainda mais na presença dos meus collegas, que não é exacta a opinião d'aquelles que julgam que os deputados entram n'esta casa unicamente com indicações partidarias, porque eu não venho aqui senão com um fim e para tratar de um determinado assumpto, e desde que elle desapparece da tela da discussão, dou a minha palavra de honra á camara que immediatamente resignarei o logar que occupo e devolverei aos meus constituintes o diploma que me deram.

Não estou aqui senão para occorrer ás gravissimas circumstancias em que se acha o nosso thesouro. Quando fallo no thesouro, refiro-me á fortuna da nação portugueza. Não é possivel que este estado continue, não póde continuar, e eu decididamente não quero que continue. Não póde ser (apoiados). É absolutamente impossivel que todos os annos se esteja aqui a apresentar os orçamentos com um deficit ficticio e que todos os annos se vote ao governo auctorisação para occorrer a esse deficit pelos meios que julgar mais convenientes, e o que acontece é que vem, por exemplo, no orçamento um deficit de 2.000:000$000 reis e o governo levanta 6.000:000$000 réis, se o deficit é de 6.000:000$000 réis o governo levanta 9.000:000$000 réis, e assim successivamente, e nós votâmos com isto um encargo impossivel de calcular; felizmente o sr. ministro da fazenda actual tem reduzido muito os encargos da divida fluctuante, entretanto eu sinto que se não tenha publicado os mappas que demonstrem o estado d'esta divida, e peço que se publiquem, sinto muito não ter elementos pelos quaes podesse fazer justiça completa e plena a s. ex.ª, mas o estado d'esta divida é mais grave do que aquelle em que o deixou o meu illustre amigo o sr. Braamcamp; entretanto vejo que se tem diminuido a divida externa 950:000$000 réis, mas a divida interna tem-se augmentado 540:000$000 réis; uma das mãos diminue a divida externa e outra augmenta a divida interna. A divida publica fundada desde que s. ex.ª está na administração dos negocios do estado tem augmentado mais quatro mil quinhentos e tantos contos a cinco mil contos.

Eu bem sei que isto não póde fazer se de outra maneira, com o systema impossivel que se tem seguido, mas o que é necessario é que a illustre commissão de fazenda, que os cavalheiros que representam o partido historico, ao qual tenho a honra de pertencer, aproveitem este intervallo para discutirem as propostas que necessariamente o governo apresentará para que esta triste situação em que nos encontrâmos não se prolongue por muito tempo.

Nós somos muito mal classificados lá fóra. Eu sei por uma simples curiosidade minha qual é o estado das dividas das differentes nações, provindo essas dividas umas das guerras extraordinarias, outras de annexaçÕes e desannexações, etc.: mas a de Portugal, segundo um livro de mr. Dudley Baxter, que tenho presente, a de Portugal provém de uma serie de deficits injustificaveis; e mesmo assim, em relação á nossa divida publica comparada com a de outras nações, nós somos citados muito favoravelmente.

As estatisticas estrangeiras fixam 59 000:000 a divida publica; mas a divida publica é muito maior que isso.

V. ex.ª e a camara comprehendem que mais largo desenvolvimento deveria dar a estas rapidas observações se me fosse licito esquecer que o dia 31 está a chegar por minutos, por isso termino e reassumo o meu logar, pedindo desculpa á camara por lhe haver tomado mais tempo talvez do que ella desejava (apoiados. — Vozes: — Muito bem).

O sr. Luciano de Castro: — Pedi a palavra como relator da commissão de fazenda para responder summariamente ás observações que têem sido feitas por differentes srs. deputados, e especialmente pelo sr. visconde de Moreira de Rey, que particularmente se dirigiu á commissão de fazenda e ao parecer que a mesma commissão elaborou.

Sr. presidente, sinceramente o digo a v. ex.ª eu estava persuadido de que o parecer de que nos occupâmos, seria approvado pela camara sem larga discussão. Tenho esta convicção, porque em vista da urgencia das circumstancias, não havendo mais do que um dia util, que é o de ámanhã, para na camara dos pares ser discutido e approvado este projecto, parecia-me que a camara dos deputados, tendo começado por dar grandes exemplos de amor ao trabalho e de desvelada solicitude pelos interesses publicos, devia continuar n'este caminho, votando o mesmo projecto quasi por acclamação, e reservando as questões politicas para quando se discutisse o projecto de resposta ao discurso da corôa ou para outra qualquer occasião em que a taes assumptos houvesse melhor cabida (apoiados).

E eu esperava que a camara não abandonasse o caminho encetado logo no principio da sessão, adiando para occasião mais opportuna as discussões meramente politicas, taes como as que se referem ao procedimento do governo na luta eleitoral, e votando sem reclamações nem disputas esteries, e como que por acclamaçâo, um projecto que me parece de maior interesse publico do que todas as conveniencias politicas dos partidos representados n'este casa (apoiados).

Infelizmente não foi assim.

O projecto apresentado pelo meu illustre amigo o sr. visconde de Moreira de Rey, precedido como foi de algumas breves palavras que lhe foram commentario, significa bem que o pensamento de s. ex.ª e dos illustres deputados que têem combatido o parecer da commissão, é negar ao governo um voto de confiança politica.

E de feito, a questão de confiança que s. ex.ªs vieram levantar, pondo de lado a questão da conveniencia de se votar um projecto de lei de interesse publico, de expediente constitucional, porque assim o digamos, pois tem por fim habilitar o governo a occorrer ás despezas publicas, e a evitar as responsabilidades da dictadura.

Digo sinceramente que lastimo ver que os illustres deputados, que têem combatido o projecto com tanta lucidez, e tão extremada illustração, se deixem arrastar para o precipio em que os vejo declinar.

As questões politicas estão postas de lado. Nós podemos entrar franca e desassombradamente n'esse campo quando soar a hora propria; n'este momento parece-me que ainda não é tempo.

Creio que todos os partidos hão de entrar n'essa discussão quando houver opportunidade, com inteira isenção de espirito e absolutamente desprendidos de quaesquer contemplações; mas n'esta occasião afigura-se-me que faria-mos melhor serviço ao paiz, se pozessemos de parte similhantes questões para tratarmos unicamente dos assumptos de immediato interesse publico (apoiados).

Devo declarar a v. ex.ª e á camara que o governo fez no seio da commissão as declarações mais liberaes e mais categoricas que lhe era dado fazer (apoiados).

O sr. presidente do Conselho declarou explicitamente á commissão que aceitava a auctorisação que pedíra á camara sem restricções ou com restricções, e até disse que a aceitava com a restricção de uma semana ou de um dia, porque o que s. ex.ª queria era evitar ser obrigado a assumir a dictadura.

N'estas circumstancias a commissão, julgando-se desassombrada de qualquer consideração que houvesse de ter com o governo para approvar o alvitre que mais acertado lhe parecesse, propoz que o praso da auctorisação se limitasse até 30 de setembro. O governo, depois de breves reflexões, concordou com este praso, e todos viemos ao accordo e deliberação de que á camara tem noticia.

Pareceu-nos que este praso era sufficiente para se discu-

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tir o orçamento, se se entrasse desde já n'essa discussão; porque é necessario que a camara e o paiz saibam que todos os membros de que se compõe a commissão de fazenda têem muito a peito fazer quanto em si caiba para que se discuta e approve o orçamento (apoiados).

A commissão de fazenda associa-se unanimente a esta aspiração de todos nós (apoiados). Nós queremos todos que se discuta o orçamento (apoiados); nós queremos todos acabar com esta situação provisoria e por assim dizer inconstitucional, pois que não se póde contestar que vivemos ainda á sombra de uma lei votada em 1867 (apoiados).

Persuadidos d'estas idéas, e assentando n'este principio, acreditámos que o governo não podia de iórma alguma adiar a camara, quando comnosco e com o paiz se compromettia a entrar na discussão do orçamento. Por isso a commissão concordou no parecer que se discute.

Os principaes argumentos que eu tenho ouvido adduzir e expor hoje na camara contra o projecto da commissão, parece-me serem os que estavam dispostos e preparados contra a proposta, sem restricções, como fôra apresentada pelo governo.

Taes argumentos, formulados agora contra o projecto da commissão, creio terem ficado sem cabimento e facilmente podem ser respondidos.

O principal é o receio de que o governo apenas approvada a auctorisação, como a commissão a propõe, encerre ou adie as côrtes, evitando assim a discussão do orçamento.

Pois em verdade os illustres deputados receiam que o governo possa ámanhã adiar a camara? Que lucraia com isso?

Qual seria o proveito que auferiria d'esse expediente? Não o vejo.

Ámanhã o governo encerra a camara, mas a 15 ou a 20 de setembro deve estar de novo reunida para se occupar d'este assumpto, porque a auctorisação que se discute cessa no dia 30 de setembro. Portanto que lucrava o governo? Mais trinta dias de vida, pouco mais ou menos. A sua morte era inevitavel, porque não creio que houvesse camara que, se o governo tivesse faltado, sem justificado motivo, ás suas solemnes promessas, lhe votasse uma nova auctorisação para cobrar os impostos e applica-los ás despezas legaes (apoiados).

Desde que commettesse similhante fraude, deixem-me dize-lo assim, desde que faltasse aos seus expressos compromissos, não nos restava outro expediente que o de o fazer caír immediatamente (apoiados), recusando-lhe nova auctorisação, limitada ou illimitada (apoiados). Para que pois procederia o ministerio assim? Para viver mais trinta dias? Triste vida! Não acredito que o governo por seu proprio interesse possa pensar em fechar as portas da camara quando esta se mostra decidida a entrar detidamente no exame do orçamento.

O governo cumpriu o seu dever apresentando o orçamento rectificado. A camara cumpre a sua indeclinavel obrigação discutindo o e approvando-o (apoiados). É para isso que o governo já convidou a commissão de fazenda, e esta vae sem demora dar se a esse trabalho.

Se o governo não interessa em encerrar a sessão antes da discussão do orçamento, a camara deve ter o maior empenho em mostrar ao paiz que não é verdade o que se disse aqui nos ultimos dias de sessão da camara dissolvida, arguindo-nos de não querermos discutir o orçamento para evitar os golpes profundos que se preparavam nas despezas do estado.

É nossa obrigação impreterivel agora discutir o orçamento e fazer n'elle as possiveis reducções (apoiados). Será essa a melhor resposta a taes insinuações.

A proposta do illustre deputado é francamente uma proposta de desconfiança politica. Nós agora não cuidâmos d'essas questões. Entendemos que não deviamos interromper as treguas politicas celebradas em beneficio do paiz, nem levantar debates partidarios quando se trata de habilitar o governo a prover ás despezas publicas por uma lei de simples expediente. Não queremos dar um voto de desconfiança politica ao governo como o propõe o illustre deputado. Continuâmos no mesmo terreno, e mantemo-nos no campo em que temos estado. Quando o governo cuidar seriamente das questões de fazenda, ha de ter nos a seu lado, como de certo terá toda a camara (apoiados; porque creio que nenhuma camara, no estado em que se acha a fazenda publica, quererá preterir esses assumptos, para se occupar de questões partidarias (apoiados). Na situação a que chegámos, creio que nós não podemos fazer melhor serviço ao paiz do que discutir o orçamento, dando n'isso louvavel exemplo de amor aos principios e ás boas regras de administração. Penso que nos applaudirá o paiz.

Declaro a v. ex.ª que ponho de lado todas as observações, e tudo quanto se tem dito a respeito da questão eleitoral. Não discuto, não quero discutir essa questão. Mas se nós houvessemos, como o sr. Dias Ferreira acabou de fazer, de nos reportarmos á questão do praso da convocação das côrtes, para explicar se a opposição feita a este projecto, longe, muito longe teriamos de ir. Poderiamos discutir a propria dissolução da camara, as causas que a determinaram, a responsabilidade que d'esse facto cabe ao governo e á camara dissolvida, e outros muitos assumptos. Não parece propria a occasião para taes debates.

Com a lei que nós propomos, a camara tem as possiveis garantias de que não se encerrará a sessão sem que se haja discutido e votado o orçamento.

A proposta do sr. visconde de Moreira de Rey, alem do inconveniente que apontei de importar um voto de desconfiança politica, que convem arredar d'este debate, soffreria ainda outra gravissima objecção, pois que poderia ser arguida de inconstitucional. N'essa proposta, se bem me recordo, ha algumas palavras em que se declara que a sessão actual da camara dos deputados não poderá ser interrompida ou adiada sem votar o orçamento.

V. ex.ª sabe que a outro poder do estado pertence adiar ou interromper as sessões parlamentares. Se nós votassemos essa proposta, votavamos implicitamente a permanencia da sessão legislativa até discutir o orçamento, e iriamos coarctar o livre exercicio da prerogativa real.

Parece-me que, sem sermos humildes e subservientes com a corôa, podemos cumprir os nossos deveres, respeitando as nossas attribuições e acatando ao mesmo tempo as alheias prerogativas.

Respeitemos pois a corôa, e sejamos inexoraveis com o governo, exigindo lhe opportunamente as devidas responsabilidades.

De resto, entre a nossa proposta e a do sr. visconde de Moreira de Rey não ha differença notavel excepto no modo de se realisar o pensamento que todos temos. Ambos concordâmos na necessidade da discussão do orçamento; ambos desejâmos que a sessão se não encerre antes d'esta discussão. São apenas de fórma as nossas divergencias, salvos os apontados inconvenientes.

Ainda mais; adoptada a proposta do sr. visconde de Moreira de Rey, se, por exemplo, d'aqui a alguns dias escasseasse o numero de deputados de tal maneira que fosse impossivel abrir as sessões, o que se havia de fazer? Como saíriamos de tal embaraço? Ficaria o governo desarmado de faculdades legaes para cobrar os impostos e prover ás despezas publicas. Seria forçada e inevitavel a dictadura. Esse inconveniente não tem a proposta da commissão.

E o governo não fica alliviado de responsabilidades. Antes do dia 30 de setembro ha de ter do parlamento nova auctorisação para cobrar os impostos, ou terá caído.

O espaço não é largo; ainda assim desejava-o por minha parte mais limitado.

Expostas estas idéas, cumpre-me agora assegurar ao illustre deputado, o sr. visconde de Moreira de Rey, que houve inteira sinceridade e boa fé da parte de todos os

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membros da commissão, e que não foi por impostura que tomámos a deliberação que s. ex.ª tão severamente reprehende.

Não quero, nem devo alongar a discussão.

O melhor serviço que a camara póde prestar ao paiz é pôr de lado qualquer questão alheia a este assumpto e votar unicamente o projecto em discussão. Para as questões politicas ha sempre logar (apoiados). Se formos examinar o orçamento como devemos, acharemos no grande livro da receita e despeza publica onde fazer córtes profundos (apoiados), e as reducções necessarias para dar uma satisfação ás justas exigencias da opinião publica (apoiados); entretanto é necessario considerar que não temos só a fazer reducções nas despezas; temos ainda de acrescentar o imposto discreta e racionalmente, sem ferir as forças dos contribuintes (apoiados).

É necessario dar ao governo espaço necessario para que possa ser discutido o orçamento, e votadas quaesquer propostas tendentes a melhorar o estado da fazenda publica; se assim procedermos, faremos um grande serviço ao paiz (apoiados).

Dadas estas explicações, por parte da commissão de fazenda, reservo-me para tomar a palavra, se me for preciso para responder a quaesquer observações que se fizerem (apoiados).

Voies: — Muito bem.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Pois que esta camara resolveu que a sessão fosse prorogada até concluir a discussão do projecto da lei de meios, eu comprehendo a necessidade de proferir sómente poucas palavras como rasão do meu voto.

Sobre este assumpto ha uma proposta do governo e dois projectos, um da illustre commissão de fazenda e outro do sr. visconde de Moreira de Rey; os auctores de todos estes documentos parlamentares tão concordes no empenho de ser discutido o orçamento (apoiados). Todos dizem que têem a maior vontade e o mais sincero desejo que se effectuem grandes economias e se resolva a antiga questão de fazenda (apoiados).

Dada esta harmonia n'um ponto fundamental, resta ver qual dos projectos melhor exprime o pensamento do governo e da camara. Eu, que apoio o que a commissão rejeitou, necessito examinar os argumentos d'ella.

O illustre relator e meu nobre amigo, o sr. José Luciano de Castro, ainda ha pouco, pretendendo refutar as considerações apresentadas pelo sr. visconde de Moreira de Rey, asseverou que o pensamento fundamental de ambos os projectos é identico.

Mas o projecto do illustre deputado por Fafe é accusado de equivaler a voto de desconfiança politica ao governo; disse-se isto, não se provou, e eu pergunto se o projecto da illustre commissão de fazenda importa um voto de confiança ao governo? Ha quem a tenha? Ha quem o proponha com esperança de o ouvir approvar?

Não permitte a estreiteza do tempo analysar o assumpto nas suas relações com a politica; e eu lastimo que tão tarde fossemos chamados a occupar-nos d'elle; como na ultima legislatura, já o sr. marquez d'Avila nos disse que nos apressassemos, porque é preciso que á camara dos dignos pares e a um alto poder seja apresentado o projecto antes de 31 de julho, aliás o gabinete ver-se-ha compellido a cobrar os impostos em dictadura!

O sr. Dias Ferreira já notou que a responsabilidade d'este facto não era nossa, mas sim do governo, o qual não desconhecia que era necessario convocar mais cedo as côrtes. Ainda na ultima legislatura o sr. marquez d'Avila não conseguiu a votação da lei de meios senão depois de discutida por tres dias, e quando eram decorridos sete ou oito dias a contar da data da proposta.

Apesar d'aquella responsabilidade, s. ex.ª continua a dizer-nos que é o maior inimigo das dictaduras; ao mesmo tempo nos assevera, ameaçador, que, se não votarmos o projecto com presteza, terá de decretar dictactorialmente a cobrança dos impostos. Estas palavras não as deve proferir s. ex.ª Tanto o poder moderador como o executivo têem de funccionar dentro da esphera da lei, e desde que exorbitarem, rasgarão a carta e quebrarão a harmonia dos poderes. D'essa injuria ao direito póde vir a anarchia; taes podem ser as consequencias das doutrinas professadas pelos srs. ministros, se ousarem realisa-las.

Nem se affirma, como fez o sr. Luciano, de que o projecto do sr. visconde de Moreira de Rey invade o poder moderador, porque lhe não permitte adiar a camara, se assim parecer conveniente ao augusto chefe do estado; o projecto evita que seja aconselhado o adiamento, isto é, que se não dê um caso que o poder moderador teria do resolver. E n'isto vae merecimento, e não defeito, do projecto. É uma das rasões por que o voto, e o prefiro ao da commissão. E se houvesse invasão de poder, lá estaria tambem no projecto que o sr. Luciano de Castro defende, porque não concede a cobrança por todo o anno economico.

Até se disse que podia succeder retirarem-se os deputados e ficar o gabinete sem lei de meios! como se não fosse igual a consequencia de tal facto quando seja votado o projecto da commissão!

Sinto que a camara votasse que a materia fosse discutida sómente n'esta sessão. Podiamos celebrar sessão nocturna, a fim de que, com maior largueza, examinarmos este projecto de lei; respeitando, porém, a deliberação da camara, vou terminar declarando que voto por duas rasões a proposta do sr. visconde de Moreira de Rey. A primeira é que desejo deixar mais uma vez consignada a minha opinião ácerca de uma das mais importantes prerogativas d'esta casa; e a outra é, que não ouvi um unico argumento valioso quer no relatorio, quer no discurso do sr. José Luciano de Castro, contra a proposta do sr. visconde de Moreira de Rey.

Diz-se que ambas pretendem o mesmo fim. Eu o (...); mas a do sr. visconde de Moreira de Rey obriga o governo, este ou outro, a apresentar-se ás côrtes, a discutir incessantemente o orçamento, e garante-nos a faculdade de tomarmos contas aos srs. ministros pelos actos que s. ex.ªs praticarem.

De certo me alongaria em considerações ácerca do procedimento do governo, se a camara não houvesse deliberado votar agora mesmo sobre o projecto (apoiados).

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Sr. presidente, já hontem fui assas feliz por ter um ensejo de definir muito rapidamente, em palavras muito breves, qual a minha posição politica, e de obviar com aquella franqueza que sempre me acompanha, que não depositava a menor confiança nos cavalheiros que compõem o ministerio, comquanto a cada um d'elles individualmente eu respeito e considero como merecem.

A declaração que hontem fiz repito-a agora com a mesma franqueza e com a mesma solemnidade. Não tenho confiança politica no governo, e seria necessrrio alongar-me demasiadamente, seria necessario entrar n'uma certa ordem de considerações que o tempo não permitte, se quizesse fundamentar esta minha opinião perante a camara, pois perante a minha consciencia nenhuma duvida existe.

Dizia eu que não tinha confiança politica no governo, e por mais que eu affirme a minha vista custa-me a descortinar e a lobrigar o governo. Não o vejo porque elle desapparece completamente n'este mare magnum de hesitações, contradicções succesivas, solemnes, constantes, que se atropellam e se substituem de modo tal, que nós ficâmos igualmente hesitantes sobre o que é que o governo quer, sobre o que é que o governo pretende, sobre o que é que representa.

Sr. presidente, não percebo, não comprehendo, não entendo isto. Digo-o francamente. O que é o governo? Penso que deve ser um complexo de doutrinas e um complexo de idéas, precedidas e enfeixadas harmonicamente por um principio unico.

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Não vemos porém isso. Eu vejo que o governo apresentou aqui hontem a lei de meios sem a menor restricção, uma lei lata, uma lei, póde-se dizer, absoluta e incondicional, e depois vae ao seio da commissão de fazenda e aceita uma restricção completa e cabal, e deixa, de braços cruzados, á boa mente, que se altere completamente o seu pensamento, se por acaso ali havia pensamento (apoiados).

Havia um pensamento que já foi perfeitamente avaliado por alguns dos illustres deputados que me precederam.

O governo, é um navio que anda á matroca, sem leme, e cujo palinuro... (e eu volto a empregar esta figura, comquanto me pareça que quando uma outra vez tive o prazer de a empregar, o sr. presidente do conselho não a aceitou com aquella bonhomia que sempre o caracterisa.) O governo, repito, é um navio á matroca, sem leme, desnorteado, impellido pelas vagas revoltas e pelos ventos ponteiros. E o palinuro d'esse navio, o sr. presidente do conselho, anda ainda mais desnorteado, perdeu a bussola, não sabe marcar a derrota.

De um lado levanta-se uma vaga alterosa, representada pelo partido regenerador, do outro lado uma vaga mais ameaçadora ainda, representada pelo partido historico; e o governo, navegando entre esses dois perigos, já presente, o misero, que mais hoje, mais ámanhã, o navio se ha de afundir.

O governo não sabe navegar, é um ignorante das boas praticas, e por isso como aquelles marinheiros antigos, que curvavam a cabeça perante a omnipotencia do destino e não conheciam as leis que presidem ás tempestades, aos ventos, aos movimentos maritimos, assim tambem deixa caír os braços e aceita incondicionalmente tudo o que quizerem impor-lhe. A unica cousa que pede é que o navio não vá sossobrar tão depressa nos cachopos da praia (apoiados).

E eu, no meio d'estas contradicções permanentes, no meio d'estas contradicções que se succedem tão rapidamente quantos são os dias de existencia do governo, posso, ainda que mui humildemente, e só por figura de rhetorica, comparar me a Ovidio no meio dos Getas, no Ponto Euxino:

Barbarus hic ego sum, quia non inlelliger illis.

Eu sou aqui o barbaro, porque não os entendo, porque não os comprehendo, nem sei qual é o pensamento que presidiu a tudo isto.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — O pensamento é dar cabo de tudo isto.

O Orador: — Será dar cabo de tudo isto. Tem rasão o illustre deputado. Eu aceito a phrase, que plebeia e chã mente exprime com toda a perfeição a minha idéa. O pensamento do governo é dar cabo de tudo isto (apoiados).

Vem o governo, em nome das instituições, em nome dos principios constitucionaes, em nome da carta, dizer-nos: «É preciso, para que nós não sejamos forçados a collocar-nos em dictadura, que a camara nos vote immediatamente a lei de meios». Sim, sr. presidente, a lei de meios que é uma esmola, um presente dado pelos partidos colligados, e não uma necessidade constitucional, porque se o governo entendia que era uma necessidade constitucional, não a viesse apresentar incondicionalmente antes preparasse o caminho para que todos nós, sem difficuldade a approvassemos (apoiados).

É necessario fazer justiça a todos. Nenhum de nós quer a dictadura (apoiados), mas tambem nenhum de nós quer a gargalheira a troco de não se aceitar a dictadura.

O illustre relator da commissão disse-nos que o governo foi ao seio da commissão fazer declarações solemnes e categoricas ácerca do seu pensamento governativo; que não queria de modo algum a dictadura, que pretendia que todos se unissem e caminhassem pausadamente; que não se levantassem obstaculos e que reinasse aquella paz octaviana que portanto tempo reinou n'este recinto, sem produzir resultado algum util (apoiados).

Mas, porque não fez o governo essas declarações na camara quando apresentou a lei de meios?

Não as fez, porque sabia que da parte de alguns grupos que estão representados n'esta casa, se havia de levantar, como um phantasma tremendo, uma accusação fremente pelos actos por este governo praticados, quando invocava essa paz na sessão passada tantas vezes promettida quantas vezes falseada; essa paz, que na ingenuidade da minha alma julguei sincera, mas que depois conclui que era uma zombaria, uma ironia e a mais refalsada hypocrisia.

É agora, depois dos exemplos frisantes e dolorosos, depois d'esses actos que devem estar gravados na memoria de todos que os presenciaram, e do paiz que os leu nas actas das sessões d'esta camara, é depois d'isto que o illustre relator da commissão ousa vir pedir uma tregua para este governo, que não foi senão o pomo de uma discordia bem fatal e bem ominosa, qual S. Paulo, a representar um papel apostolico n'esta comedia (apoiados).

Nós queremos a discussão do orçamento; e eu digo nós, porque fallo de mim e dos membros que pertencem ao meu partido (apoiados). Repito, nós queremos a discussão do orçamento, queremos todas as reducções e economias, queremos emfim que se traduza em factos evidentes e eloquentes o programma que tantas vezes temos defendido n'esta casa á custa dos nossos esforços mais tenazes e indefectiveis (apoiados).

Não queremos vãs e irrisorias promessas; queremos a realidade eloquente dos factos; não queremos que se repita o que tantas vezes se tem passado; não queremos que o sr. ministro da fazenda venha outra vez dizer que ha de fazer 500:000$000 réis de economias, para depois apresentar o orçamento rectificado com uma economia ficticia de 214:000$000 réis, como mais tarde hei de demonstrar.

E estas promessas, sr. presidente, não eram só do illustre ministro da fazenda, eram a synthese do credito financeiro de todo o governo. Contra esta hypocrisia é que eu me rebello franca e tenazmente (apoiados).

Fallemos a verdade; não venha o governo dizer que fez certo numero de economias para que depois não seja desmentido pelos seus proprios actos!

O governo que convocou para tão tarde os collegios eleitoraes; o governo, que só abriu as côrtes no dia 22 d'este mez, quando perfeitamente, na opinião do sr. José Dias Ferreira, o podia ter feito antes; o governo, que restringiu e apertou o praso para as discussões d'esta casa, vem aqui dizer: «É preciso que vos apresseis, e não deis largas ás paixões politicas!» (Apoiados.)

Mas, sr. presidente, os que por tantas vezes têem dado largas ás paixões politicas, são aquelles que vem apostolica e evangelicamente dizer: «É preciso que no fundo do coração se recalquem estas paixões!»

E depois ainda clamam com igual hypocrisia, elles, os politicos revessos, que a unica questão a que devemos attender, é a questão de fazenda, como se a questão de fazenda isolada não fosse um absurdo economico e governativo (apoiados).

Mas o governo restringiu o praso das discussões; o governo impõe o silencio; diz constantemente que a questão unica, a questão transcendente e primordial, a questão magna, é a de fazenda; mas ao mesmo tempo, e por flagrante contradicção, o governo n'esta questão da lei de meios, que é conjunctamente de fazenda e politica, dá-nos apenas algumas horas para a discutirmos, e nós levâmos tão longe a nossa longanimidade e estamos tão conscios da nossa rasão e da nossa força, que não somos rigorosos agora!! (Apoiados.)

Vou terminar estas brevissimas reflexões, mas prometto solemne, categoricamente e jurando no altar da minha consciencia, que muito brevemente hei de arrancar as mascaras de hypocrisia com que se rebuçam estes pseudos liberaes, mascaras que não servem senão para inculcar grandes principios que existem na boca e não no coração.

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Vozes: — Muito bem.

O sr. Placido de Abreu: — Requeiro a v. ex.ª consulte a camara sobre se julga a materia discutida.

O sr. Rodrigues de Freitas: — E eu requeiro a v. ex.ª consulte a camara sobre se quer que se vote nominalmente o requerimento do sr. Placido de Abreu.

Consultada a camara decidiu que não houvesse votação nominal.

Em seguida foi julgada a materia discutida por 50 votos contra 19.

O sr. Pereira de Miranda: — Requeiro que sejam lidos na mesa os nomes dos cavalheiros que estavam inscriptos para fallar.

O sr. Presidente: — Já vou satisfazer o requerimento do sr. deputado.

Fallaram os srs. visconde de Moreira de Rey, José Dias Ferreira, Barros e Cunha, Rodrigues de Freitas, Osorio de Vasconcellos, o sr. presidente do conselho de ministros, e o sr. relator da commissão.

Estavam ainda inscriptos os srs. Saraiva de Carvalho, Luiz de Campos, Francisco Mendes, Francisco de Albuquerque, Pinheiro Borges, Pereira de Miranda, e Mariano de Carvalho.

E reinscreveu-se o sr. visconde de Moreira de Rey.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Requeiro que haja votação nominal sobre o artigo 1.° do projecto.

Consultada a camara approvou que houvesse votação nominal.

Feita a chamada

Disseram approvo os srs. Agostinho da Rocha, Albino Geraldes, Alfredo da Rocha Peixoto, Braamcamp, Cerqueira Velloso, Ayres de Gouveia, Soares e Lencastre, Correia Caldeira, Barros e Sá, Boavida, Antonio Julio, Arrobas, Rodrigues Sampaio, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Barão do Rio Zezere, Carlos Bento, Carlos Ribeiro, Claudio Nunes, Francisco Correia de Mendonça, F. M. da Cunha, Silveira Vianna, Guilherme de Abreu, Gomes da Palma, Silveira da Mota, Perdigão, Jayme Moniz, Santos e Silva, Mártens Ferrão, Assis Pereira de Mello, Melicio, Barros e Cunha, J. J. de Alcantara, Pinto de Magalhães, Baptista do Andrade, Klerk, Dias de Oliveira, Figueiredo de Faria, José Luciano, Costa e Silva, Moraes Rego, Sá Vargas, Mello Gouveia, Nogueira, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Lourenço de Carvalho, Affonseca, Pires de Lima, Pinheiro Chagas, Paes Villas Boas, Miguel da Cunha Monteiro, D. Miguel Coutinho, Placido de Abreu, Ricardo Gouveia, Visconde de Montariol, Visconde dos Olivaes, e Visconde de Villa Nova da Rainha.

Disseram rejeito os srs. Adriano Machado, Osorio de Vasconcellos, Pereira de Miranda, A. J. Teixeira, Saraiva de Carvalho, Pinheiro Borges, Francisco de Albuquerque, Francisco Mendes, Van-Zeller, Vasco Leão, Bandeira Coelho, Dias Ferreira, Rodrigues de Freitas, Luiz de Campos, Thomás Lisboa, e Mariano de Carvalho.

Foi portanto approvado o artigo 1.º do projecto por 59 votos contra 16.

Foram seguidamente approvados, por levantados e sentados, os artigos 2.° e 3.º do projecto.

O sr. Santos e Silva: — A camara ainda não pôde occupar-se da nomeação de certas commissões, por consequencia ainda não elegeu a de redacção.

O projecto que acaba de ser approvado pela camara precisa ser revisto ainda hoje, e approvada pela mesma camara a sua ultima redacção. Como talvez não tenhamos tempo de proceder agora á eleição d'esta commissão, propunha que v. ex.ª fosse encarregado de nomear uma commissão de redacção para rever o projecto de lei que acaba de ser approvado (apoiados).

O sr. Presidente: — Nomeio para a commissão de redacção, para tomar immediatamente conta d'este projecto, os srs. Mártens Ferrão, Santos e Silva, e Silveira da Mota.

Agora tenho a declarar que inscrevi, para antes de se fechar a sessão, alguns srs. deputados a quem vou dar a palavra, emquanto a commissão de redacção revê o projecto que acaba de votar-se. São os srs. Pereira de Miranda, Luiz de Campos, Moreira de Rey, Francisco de Albuquerque, Francisco Mendes, e Pinheiro Borges.

O sr. Luiz de Campos: — Eu fui o primeiro que pedi a palavra.

O sr. Presidente: — Aceito a correcção do sr. deputado, e dou-lhe a palavra.

O sr. Luiz de Campos: — Cumpre-me dar uma explicação ao que v. ex.ª acaba de dizer.

Eu não desejo que v. ex.ª nem a camara tomem nunca na conta de correcção aquillo que eu digo. Não dou correcções a ninguem; sou mesmo o menos proprio, pela minha idade, para as poder dar, e jamais a um cavalheiro tão conspicuo como o que está á testa dos trabalhos d'esta camara.

Só quero usar da palavra para pedir que se registe que o governo, e a camara que o apoia, começaram a sua vida parlamentar, como se fizeram as eleições lá fóra.

Pediu-se a prorogação da sessão, e dez minutos depois encerra-se o debate, não se permittindo aos deputados inscriptos que usem da palavra que tinham pedido.

Fique pois bem consignada a maneira por que o governo e o parlamento começam os seus trabalhos.

O sr. Presidente: — Não se discutem as resoluções da camara.

Dou parte á camara que a commissão de redacção não fez alteração alguma ao projecto que acaba de ser approvado. Vae ser expedido para a camara dos dignos pares.

A deputação que no dia 31, anniversario do juramento da carta, ha de ir ao paço comprimentar El-Rei, é composta, alem da mesa, dos srs.:

Visconde de Valmór.

Visconde dos Olivaes.

Augusto Cesar Barjona de Freitas.

Augusto Saraiva de Carvalho.

Augusto Cesar Cau da Costa.

Albino Augusto Geraldes Abranches.

Ignacio Francisco Silveira da Mota.

João José de Alcantara.

José Baptista de Andrade.

Domingos Pinheiro Borges.

O sr. Pereira de Miranda: — Respeitando a resolução da camara em terminar um debate, aliás importante, quando os membros da opposição que haviam fallado tinham restringido quanto era possivel as suas observações; aceitando o facto e, repito, aceitando a decisão da camara, não quero tomar por mais tempo a sua attenção, limitando-me a mandar para a mesa uma proposta (leu).

O sr. Presidente: — A camara votou que se prorogasse a sessão para se votar simplesmente a lei de meios. Esta proposta está, portanto, fóra da ordem, e fica sobre a mesa para seguir os tramites regulares.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Eu tinha pedido a palavra para responder a alguns argumentos apresentados pelo illustre relator da commissão de fazenda; mas votado como foi o projecto, e nas circumstancias em que se acha a camara, limitarei muito as minhas observações, deixando para occasião mais opportuna considerar com o necessario desenvolvimento um ponto importante em que s. ex.ª tocou.

Desejo porém aproveitar esta occasião para fazer uma declaração, que eu reputo desnecessaria para todos os meus collegas, que me conhecem pessoalmente, mas que depois das minhas palavras se toma necessaria em relação ao paiz.

Se a illustre commissão de fazenda tivesse apresentado no seu parecer um considerando que, na minha opinião, viria mais a proposito do que alguns que lá se encontram, no qual se dissesse que a intenção da commissão fundada nas declarações do governo era discutir até setembro o orçamento; que o parlamento se não encerraria; e que se se

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encerrasse, a commissão seria immediatamente opposição ao governo; se se dissesse isto, como acabou de o dizer o digno relator, eu não teria feito as observações, que fiz em relação aos membros da commissão e aos partidos a que elles pertencem.

Com a mesma franqueza com que eu fiz essa declaração, ou censura, ou manifestação de apprehensões, com a mesma franqueza a retiro, na parte que se refere ao partido representado pelo illustre relater da commissão, assim como a retirarei em relação aos outros partidos, logo que elles façam identicas declarações. E n'estas circumstancias, eu sou o primeiro a comprehender e a respeitar o procedimento politico e digno do illustre relator da commissão e dos seus correligionarios politicos.

Effectivamente eu reconheço que no estado de abatimento parlamentar a que chegámos, o meu projecto de lei, concedendo ao governo só tanta lei de meios quanta era precisa, significava clarissimamente desconfiança politica. Mas não é o projecto em si que tem esta significação; é o projecto interpretado pelas nossas praxes parlamentares, praxes que eu reputo viciosas o mais possivel, porque é uma regra de direito antiquissima e sempre verdadeira: Quem usa do seu direito a ninguem faz injuria.

Quando a camara mantem illesa a sua prerogativa mais essencial, não se póde dizer que mantendo-a invade outros poderes ou manifesta desconfiança pelo poder executivo.

A camara polia votar o meu projecto sem decretar a permanencia do parlamento, e não incorria nem na censura de subserviencia á corôa, nem na censura de ir invadir as attribuições da corôa, porque eu hei de demonstrar aqui que o poder moderador não se inventou no systema representativo senão para manter o equilibrio entre os outros poderes. Se esse desequilibrio não existisse, se a sua existencia não fosse indispensavel para a marcha regular, o poder executivo seria eterno e despotico, e o poder moderador era dispensavel, porque não era preciso.

Para mim só os ministros são responsaveis pelos actos do poder executivo, que são os unicos que pela carta elles referendam, e que são os unicos que só pelos ministros podem ser exercidos e que sem a sua assignatura não podem ter execução. Para mim o poder moderador é sempre irresponsavel; é alem d'isso tão independente como qualquer dos outros poderes independentes; e mais que todos os outros é a chave de toda a organisação politica, é o encarregado de velar pela manutenção da independencia, equilibrio e harmonia dos mais poderes politicos. Para mim pelas attribuições do poder moderador ninguem tem responsabilidade alguma legal, porque elle pertence exclusivamente ao rei, sempre irresponsavel. Para mim as attribuições do poder moderador não passam para os ministros na responsabilidade, porque não podem passar no exercicio, e porque são os ministros os que mais precisam de ser contidos por esse poder livre, independente e superior.

Eu mostrarei em occasião opportuna as consequencias de uns e de outros principios, fazendo ver que o liberalismo não consiste em usurpar ao poder moderador, para as transferir para o executivo, attribuições que são essenciaes do primeiro, e espero mostrar que é fatal á liberdade, contraria á carta, e opposta a todos os principios esta devoção de fingir que se aceita a responsabilidade de actos que a não têem, só para usurpar o exercicio d'esses actos e a faculdade de os aconselhar e fazer decretar.

Pela nossa lei fundamental o poder moderador tem largas attribuições, que são difficeis de desempenhar, mas que são importantissimas para a marcha regular dos poderes politicos.

Para mim todos os poderes são independentes; e o meu projecto não invade a independencia de nenhum dos outros, posto que affirme a nossa como parte essencial do poder legislativo.

Se ha conflicto entre nós e o governo, o poder moderador que o resolva; para isso existe. Evitar conflictos á custa da independencia da camara, e com o sacrificio das nossas attribuições póde ser commodo para muitos, para mim é illegal e não é digno.

Ha um meio muito simples e sempre seguro de evitar conflictos; esse meio consiste em dizer á camara que ceda ella de todas as prerogativas, que obedeça, que seja sempre escrava submissa, para os ministros poderem ser tyrannos e despotas. Isso é abater a camara electiva, é desce-la até ao ultimo degrau de abatimento e desprezo. A camara, para mim, usa dos seus direitos com absoluta independencia, porque faz parte de um poder tão independente como os outros.

São estes os principios que eu hei de sustentar mais desenvolvidamente em occasião opportuna.

Agora é impossivel: nem o momento é proprio, nem a hora por adiantada o permitte.

O sr. Francisco de Albuquerque: — A camara está deserta, e eu reservo as considerações que desejo fazer para outra occasião.

Limitar-me-hei a dizer por agora que sinto a deliberação que a camara tomou de encerrar o debate, estando inscriptos sómente membros da opposição parlamentar, e tendo os que fallaram dado provas de que desejavam abreviar a discussão. Parece-me que não devia ter sido cortada assim a liberdade da palavra.

O sr. Francisco Mendes: — Eu tambem, attendendo a que a sala está quasi deserta, reservo para ámanhã antes da ordem do dia as explicações que pretendo dar.

O sr. Pinheiro Borges: — Faço igual declaração, acrescentando sómente que sinto muito que a lei de meios, que envolve uma questão tão importante, tenha sido já por duas vezes consecutivas apresentada ao parlamento apenas como uma questão de expediente.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para a sessão de ámanhã é a eleição da lista quintupla para a escolha dos supplentcs á presidencia e vice-presidencia, a eleição de um membro para completar a commissão de fazenda, e a eleição de commissões.

Está levantada a sessão.

Eram quasi cinco horas da tarde.

Rectificações

No discurso do sr. deputado Pereira de Carvalho e Abreu, publicado na 4.ª sessão da junta preparatoria em 27 do julbo, pag. 24, col. 1.ª, lin. 60.ª, onde se lê =deve respeitar n'ella = leia-se = deve reputar nulla =.

Na mesma pagina, col. 2.ª, lin. 24.ª e 25.ª, onde se lê = e contrario á eleição em duas assembléas = leia-se = e contrario á lei de fazer se a eleição em duas assembléas =.

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