1122
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
como possa manter-se ainda Hoje a hereditariedade no pariato, o que eu reputo um verdadeiro attentado contra a civilisaçâo do paiz. (Apoiados.)
Em toda a parte a escolha dos membros da camara alta, ou dependa da vontade popular, ou do simples arbitrio da corôa ou antes do governo, visto que todos os actos do poder moderador são da exclusiva responsabilidade dos ministros, assenta em rasões de interesse publico, mais ou menos plausiveis.
Podem ser chamados ao pariato os homens que brilham pelos seus talentos, pela sua fortuna, ou por qualquer outra superioridade social. Mas o acaso do nascimento, como origem de funcções legislativas, não se comprehende, nem se explica.
Se é muito duvidoso e questionado o direito, que os costumes e as conveniencias da humanidade dão ao individuo de dispor dos seus bens alem da vida, como podemos nós conferir a quem quer que seja a faculdade de, pelo simples facto do nascimento, intervir na administração do paiz e dispor do futuro da patria?
Contra o principio que dá aos membros da familia real o pariato por direito, a minha opinião é igualmente decisiva e convicta. Os membros da familia real deveriam ser os ultimos chamados a exercer taes funcções.
Sustento esta opinião, não só por amor aos principios, mas no interesse do prestigio que deve sempre acompanhar o augusto representante do poder moderador.
Desde que a corôa não póde estar sujeita a responsabilidade alguma, deve viver n'uma região serena e inaccessivel ás contestações partidarias. Não póde haver por ella nem louvor nem vituperio no exercicio das suas funcções; mas para isso é preciso que esteja afastada de todas as circumstancias que proxima ou remotamente possam comprometter a sua irresponsabilidade.
Se formos buscar os membros da familia real para tomarem assento, n'uma assembléa politica, onde, para cumprirem o seu dever, hão de necessariamente envolver-se nas lutas dos partidos, será difficil em regra convencer o paiz de que a opinião do Rei não é sempre a opinião da sua familia no seio da representação nacional; e d'ahi derivam-se graves inconvenientes para o principio da irresponsabilidade do poder moderador.
Até os costumes e o bom senso individual protestam contra este preceito da lei. Apenas um membro da familia real tomou assento na outra casa do parlamento; mas praticado este acto de formalidade nunca mais voltou á camara, de certo para não intervir nas lutas partidarias.
Portanto, os contemplados com esta graça sem justificação são os primeiros a comprehender que devem viver afastados das discussões parlamentares.
Se serviços extraordinarios e o merito relevante de algum membro da familia real reclamarem que se lhe de assento nos conselhos da nação, deva esse individuo a sua entrada ao suffragio popular, ou á prerogativa da corôa, conforme os preceitos da constituição. Mas não lhe dê a lei assento, por direito na assembléa dos representantes do paiz, porque alem da offensa dos principios, podemos desprestigiar a corôa, que por todas as rasões deve estar fóra da discussão parlamentar e de qualquer responsabilidade politica.
Se a familia real for chamada a tomar parte nas deliberações de uma assembléa politica, póde acarretar sobre si as paixões dos partidos, e trazer responsabilidades ao poder moderador, para quem no exercicio das suas funcções não quero louvor,nem vituperio. (Apoiados.) Esta entidade politica não está sujeita a responsabilidade alguma. Todas as responsabilidades constitucionaes pesam sobre o governo e sobre o poder legislativo; e por isso organisemos a nossa legislação nas condições de tornar uma realidade aquella ficção politica.
Mas não param ainda aqui as disposições anti-liberaes do projecto. É tambem n'elle mais uma vez affirmada a doutrina do celebre decreto de 1826 que declarou o patriarcha, arcebispos e bispos, pares de direito. Os ministros distado, os directores geraes das secretarias e outros funccionarios lêem annexa a carta do conselho; e um dos prelados do reino, respeitabilissimo pelo seu caracter, pelas suas virtudes o pela sua illustracão, tem annexo o titulo de conde.
Mas dar a um prelado as funcções de legislador, em virtude da investidura concedida pela corte de Roma, é uma iniquidade severamente condemnada pelos principios constitucionaes.
Caiu o poder temporal do papa. Correm as opiniões favoraveis ao principio da separação entre a igreja e o estado em honra do sacerdocio e do poder civil. E é n'esta occasião que vamos affirmar mais uma vez o principio de que a corte de Roma dá jurisdicção para o exercicio das funcções legislativas!
Eu não quero legisladores por disposição da lei. Ainda mesmo que não sustentasse a doutrina de que o direito de legislar deve emanar da soberania da nação, e não do arbitrio da corôa, não poderia associar-me á creação do legisladores por mero facto da lei.
Como póde sustentar-se que os bispos sejam pares por direito, quando os conselheiros d'estado, em posição mais elevada, que exercem cargos, a que são chamados os homens mais conspicuos da nação, e que, pelos seus talentos e experiencia politica, estão encarregados de aconselhar a corôa nos negocios mais graves do estado, não são pares de direito? Os juizes do supremo tribunal de justiça, encanecidos no serviço publico, com uma larga experiencia dos negocios, e com um saber de experiencias feito, unico saber em que eu confio para a governação do estado, não são pares por direito. Só os prelados diocesanos são pares por effeito da lei!
Concordo em que os prelados diocesanos são todos muito dignos, pela sua illustracão e virtudes, de tomar assento na camara alta, devendo ser comprehendidos n'uma categoria especial, de modo que, ou a vontade da corôa ou a eleição popular lhes possa abrir as portas da outra casa do parlamento. Mas que os prelados do reino sejam pares, unicamente pelo direito que lhes confere a apresentação do governo e a jurisdicçâo dada pela corte do Roma, é doutrina que eu não acceito, e protesto contra ella, porque não ha rasão diante da qual possa sustentar-se similhante anomalia n'um paiz constitucional. (Apoiados.) Porque se manteria, pois, esta excepção odiosa no projecto? Será porque, salvas rarissimas excepções, quando periclitam, senão os interesses da patria, pelo menos os interesses do governo, os prelados diocesanos tomam immediatamente o seu logar de honra na camara alta, collocando-se do lado da ordem, isto é do lado do governo? (Riso.) Não sei.
Sr. presidente, não alongo as minhas considerações. Sinto-me realmente com pouca disposição para tratar de categorias n'uma occasião em que nos assoberbam assumptos gravissimos, e nas vesperas do encerramento das côrtes e da terminação do nosso mandato.
Por isso não discuto a questão, se convem ter uma ou duas camaras, se a camara conservadora deve ser electiva no todo ou em parte, ou se deve depender unicamente da nomeação da corôa, porque não discuto por amor da arte, e agora toda essa discussão seria inutil. Nós estamos desempenhando uma missão muito simples no examo d'este projecto.
Votando a reforma vinda da outra casa do parlamento, damos uma prova de consideração aquella assembléa, sem prejuizo dos interesses publicos, porque não peiora com o nosso voto a legislação existente.
Por esse motivo desisto de combater o projecto, que aliás julgo inteiramente refractario ao estado da civilisação actual, e aos bons principios do direito constitucional, lamentando apenas, que contribuamos para uma reforma, que nem era reclamada pela opinião do paiz, nem exigida pelas necessi-