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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
dades publicas, e que não adianta um passo no caminho liberal.
O sr. Pinheiro Chagas: —... (O sr. deputado nao restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado neste logar.)
O sr. Presidente: — Vae-se ler um decreto que acaba de ser recebido do ministerio do reino.
Leu-se na mesa o seguinte:
Decreto
Usando da faculdade que me confere a carta constitucional da monarchia no artigo 74.° § 4.°, depois de ter ouvido o conselho d'estado, nos termos do artigo 110.° da mesma carta: hei por bem prorogar as côrtes geraes ordinarias da nação portugueza até ao dia 24 do corrento mez de abril inclusivamente.
O presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza assim o tenha entendido para os effeitos convenientes.
Paço da Ajuda, em 15 de abril de 1878. = REI. = Antonio Rodrigues Sampaio.
O sr. Ministro da Justiça (Barjona de Freitas): — (S. ex.ª não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)
O sr. A. J. Teixeira: — Mando para a mesa o parecer das commissões reunidas de fazenda e instrucção publica, relevando o governo da responsabilidade em que incorreu pela promulgação do decreto de 15 de setembro de 1877.
(Leu.)
O sr. Arrobas: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)
O sr. Osorio de Vasconcellos: — A hora creio que está muito adiantada, e não sei se será conveniente começar agora o meu discurso, porque não desejo levar a palavra para casa.
O sr. Presidente: — Falta ainda uma grande parte da hora.
O sr. Osorio de Vasconcellos: — Muito bem. Vou começar e com tanto mais desafogo, quanto é certo que hei de ser muito restricto e parcimonioso nas minhas reflexões, que serão apenas o resumo da minha profissão de fé politica. Começo, pois, por declarar que voto este projecto, e voto-o com a convicção profunda, de que esta reforma não satisfaz nem póde satisfazer, as aspirações legitimas da escola liberal, porque não compendia nenhum dos grandes principios que são o fundamento do nosso credo.
Sei que qualquer reforma radical da camara dos pares precisaria appellar para os meios constituintes. Sei isso perfeitamente. E como não é esta a occasião, como não existem côrtes constituintes, como os nossos poderes são limitados, é evidente que qualquer reforma que emprehenda-mos, ha do ser comprehendida dentro dos limites constitucionaes. E eu, sr. presidente, que sou tão revolucionario nas idéas, como sou pacifico e moderado nos meios; eu que sou essencialmente legalista, para traduzir em factos as grandes e fecundas theorias da revolução, não posso censurar, sem contradicção commigo mesmo, a camara dos dignos pares que tomou a iniciativa da sua propria reforma. É uma iniciativa debil, fraca, sem alcance, porque é restringida pela carta.
Todavia, repito, não a censuro, assim como não protesto contra esta camara, se der a sancção do seu voto ao projecto nascido no outro corpo colegislativo. (Apoiados.)
Mas isso não tolhe nem péde tolher a minha liberdade e a de todos os illustres deputados que queiram, como eu, a proposito d'este problema social, apresentar as suas idéas com aquella franqueza que dá uma convicção profunda, meditada e racionavel. (Apoiados.)
Eu sou, em these, radicalmente opposto á hereditariedade nas funcções politicas, em hypothese posso acceitar a hereditariedade n'uma ou noutra funcção, quando assim o determine o estado social e a vontade da nação, mas nunca no poder legislativo, porque tal privilegio é um attentado aos principios essenciaes da sociedade moderna. (Apoiados.) As funcções legislativas n'um e noutro ramo do parlamento não podem ser exercidas senão por aquelles que receberam a sua alta investidura do suffragio popular. (Apoiados.)
Póde haver divergencias de opinião a respeito da eleição da segunda camara, podem uns entender que a segunda camara deva derivar mais directamente do suffragio popular, e outros entender que deva derivar menos directamente. Mas, sem que a investidura venha da vontade da nação liberrimamento manifestada, declaro que qualquer outra reforma não póde traduzir as minhas idéas, não póde ser abraçada e perfilhada pelos homens devotadamente liberaes.
Não quero, sr. presidente, discutir tambem a necessidade de duas camaras. Não é este o momento opportuno, porque infelizmente não se trata da reforma do codigo civil.
Ha opiniões muito remotas e muito auctorisadas que são favoraveis a uma só camara, e ha outras para quem é dogma que o parlamento deve ser dividido em duas camaras, em que uma sirva de ponderador á outra.
Tambem é este um problema que não póde resolver-se independentemente das circumstancias peculiares de cada povo, da sua organisação social, das suas tradições, da sua educação democratica, etc..
É preciso estudar qual é o modo de ser social de uma nação, é preciso estudar qual é a organisação do estado para que na mente do legislador se possa formar a convicção sobre se convem bipartir ou unificar o parlamento. (Apoiados.)
Em todo o caso é para mim ponto assentado que na grande maioria das hypotheses o parlamento reduzido a uma só camara póde trazer grandissimos inconvenientes, como são os que resultam de uma dictadura legislativa, que é talvez peior do que uma dictadura executiva. Não sei o que seja mais perigoso, se a tyrannia de uma convenção se a do um despota. (Apoiados.)
Acceitcmos, e já se vê que esta discussão é simplesmente theorica, acceitemos como bem assente, como bem estabelecida a necessidade de duas camaras.
Voltando ao assumpto, e quero insistir n'este ponto, entendo que qualquer reforma é perfeitamente inutil e inoffensiva desde o momento em que quizermos restringil-a aos limites da carta, cuja reforma aliás já propuz, e pela qual insisto ainda, cada vez com mais energia e vigor. (Apoiados.)
Deus me livre de acreditar que esta proposta tinha um alcance tal que vinha ipso facto prejudicar a reforma da carta.
Se eu podesse presentir que a approvação d'esta lei, que tende a reformar a camara dos pares, prejudicava, ou pelo menos adiava indefinidamente a reforma da carta constitucional, declaro a v. ex.ª que não lhe dava o meu voto, antes me oppunha com todas as forças. Creio, porém, que é exactamente o contrario. D'este projecto infere-se logicamente que a reforma da carta é cada vez mais urgente, porque querendo respeitar a carta, chegámos a estes resultados! (Apoiados.) Chegamos a uma reforma anodyna, que não ha de trazer nem as grandes vantagens que os seus auctores suppozeram, nem tão pouco os inconvenientes que muitas pessoas imaginaram. Repito, esta reforma é perfeitamente secundaria. Esta reforma não dá nem tira vida á camara dos pares. Se porventura chegar o momento da transformação radical da camara dos pares, creia v. ex.ª que esta reforma não póde ser a sua ancora de salvação. (Apoiados) E senão vêl-o-hemos, quando soar esse momento, que não vem longe.
O que representa a camara dos pares em Portugal?
Representa por um lado a prerogativa regia; por outro
Sessão de 15 de abril de 1878