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SESSÃO DE 18 DE ABRIL DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretários - os exmos. srs.:

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Não houve officios de que dar conta. - Têem segunda leitura um projecto do sr. Correia Barata e outro do sr. Lamare. - O sr. visconde do Rio Sado apresenta uma representação dos escrivães do juízo de direito da comarca de Mossamedes. - Justifica faltas o sr. Silva Cardoso. - O sr. Carrilho, por parte da commissão de fazenda, requer que seja ouvido o governo, com urgencia, pelo ministerio da fazenda, sobre o projecto de n.º 32-C. - O sr. presidente faz nova recomendação aos srs. deputados para que reunam cedo, declarando que de segunda feira, 20, em diante, não haverá numero á hora conveniente, não haverá sessão.
Na ordem do dia continua a discussão do projecto n.° 13 (reforma de alguns artigos da carta constitucional). - Usam da palavra sobre a ordem os srs. Avelino Calixto, continuando o seu discurso, Correia Barata, Marçal Pacheco e Moraes Carvalho.

Abertura- Ás três horas da tarde.

Presentes á chamada - 58 srs. deputados.

São os seguintes:- Agostinho Lucio, Albino Montenegro, António Centeno, A. J. D'Ávila, Pereira Borges, Jalles, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Augusto Barjona de Freitas, Augusto Poppe, Avelino Calixto, Carlos Roma du Bocage, Conde da Praia da Victoria, Ribeiro Cabral, Elvino de Brito, Sousa Pinto Basto, Fernando Geraldes, Correia Barata, Mouta e Vasconcellos, Francisco de Campos, Mártens Ferrão, Baima de Bastos, Franco Frazão, Augusto Teixeira, Franco Castello Branco, João Arrojo, Teixeira de Vasconcellos, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Coelho de Carvalho, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, Elias Garcia, José Frederico, Figueiredo Mascarenhas, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Luiz Ferreira, Bivar, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, Marçal Pacheco, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Gonçalves de Freitas, Sebastião Centeno, Vicente Pinheiro, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Rio Sado e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, A. da Rocha Peixoto, Torres Carneiro, Sousa e Silva, António Candido, A. J. da Fonseca, Lopes Navarro, Cunha Bellem, Carrilho, Sousa Pavão, Almeida Pinheiro, A. Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Ferreira de Mesquita, Pereira Leite, Barão de Ramalho, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Conde de Villa Real, Cypriano Jardim, E. Coelho, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Barros Gomes, Matos de Mendia, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Motta, Costa Pinto, J. C. Valente, Melicio, Scarnichia, Souto Rodrigues, J. Alves Matheus, Ponces de Carvalho, Simões Ferreira, Avellar Machado, José Borges, Dias Ferreira, Laranjo, Pereira dos Santos, Julio de Vilhena, Lourenço Malheiro, Reis Torgal, Luiz Osório, Manuel d'Assumpção, M. J. Vieira, Martinho Montenegro, Santos Diniz, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Tito de Carvalho, Visconde de Reguengos e Wenceslau de Lima.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, Garcia de Lima, Anselmo Braamcamp, Alfredo Barjona de Freitas, Silva Cardoso, Pereira Corte Real, Garcia Lobo, António Ennes, Fontes Ganhado, Pinto de Magalhães, Seguier, Fuschini, Neves Carneiro, Barão de Via-monte, Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Conde

de Thonmr, Emygdio Navarro, Góes Pinto, E. Hintze Ribeiro, Estevão de Oliveira, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Vieira das Neves, Francisco Beirão, Castro Mattoso, Wanzeller, Frederico Arouca, J. A. Pinto, Ribeiro dos Santos, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado, J. A. Neves, Correia de Barros, Lobo Lamare, José Luciano, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Lopo Vaz, Luiz Dias, Luiz Jardim, M. da Rocha Peixoto, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Mariano de Carvalho, Miguel Tudella, Pedro Correia, Pedro Franco, Dantas Baracho, Pereira Bastos, Visconde de Alentem e Visconde de Balsemão.

Acta - Approvada.

Não houve expediente.

Segundas leituras

Projecto de lei

Artigo 1.° Os officiaes de cavallaria e os officiaes montados de qualquer arma em commissões activas de serviço, e dependentes do ministerio da guerra, ficam com direito aos cavallos praças, vencidos nos prasos lixados pelos regulamentos de remonta, o nas condições ahi determinadas.
§ unico. Esta mesma disposição será applicavel aos officiaes dos corpos montados de artilheria, quando nomeados para qualquer commissão activa de serviço pelo ministerio da guerra, emquanto não completarem o praso designado nos regulamentos de remonta para o vencimento dos seus cavallos praças.
Art. 2.° Os officiaes, em tirocinio para o corpo do estado maior começam a ter direito ao vencimento de cavallos praças desde a data da sua apresentação para o serviço nos corpos montados.
Art. 3.° Cessam desde a data da publicação desta lei os abonos de forragens a dinheiro.
§ 1.° Para o direito á recepção de forragens é obrigatória a apresentação e a inscripção do cavallo adquirido, nos termos geraes da remonta, ao conselho administrativo do corpo de cavallaria ou artilheria montada que ficar mais próximo da residência do official.
§ 2.° Os abonos de forragens serão feitos directamente pela administração militar aos conselhos administrativos dos corpos.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 17 de abril de 1885. = José da Gama Lobo Lamare.
Foi admittido e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - Ha perto de dezenove annos que se pensa em introduzir nos institutos de instrucção superior do nosso paiz, a começar pela universidade de Coimbra, aquellas reformas que o progresso incessante das sciencias e o aperfeiçoamento dos methodos de ensino tornam indispensáveis.
A portaria de 6 de julho de 1866 ordenou que os conselhos de todas as escolas superiores do paiz, dependentes do ministerio do reino, isto é, das cinco faculdades da universidade, da escola polytechnica de Lisboa, da acade-

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mia polytechnica do Porto, e das duas escolas medico-ciurgicas de uma e outra cidade, fossem consultados para responderem desenvolvidamente sobre todos os pontos do reforma, quer scientifica, quer disciplinar, que entendessem necessárias para que a instrucção superior do paiz, acompanhando os progressos das sciencias, podesse converter o seus alumnos em cidadãos verdadeiramente habilitados para prestarem serviços uteis á patria.
Não deixou a universidade do corresponder, como devia, á missão de que fora incumbida pela citada portaria. Cada uma das faculdades nomeou commissões especiaes que apresentaram ao respectivo conselho o seu parecer. Sobre esse se organisou, depois de detido estudo e prolongada discussão, o voto de cada faculdade.
Uma commissão especial de nove membros foi em seguida encarregada de elaborar sobre aquelles elemento um relatorio especial e respectivo parecer, que se apresentariam ao claustro pleno da universidade. Este extenso documento, onde se attende a todas as questões scientificas e disciplinares que interessam o nosso primeiro estabelecimento scientifico, foi de facto concluído em 2 de fevereiro de 1867.
Finalmente, apresentado ao claustro, occupou-se o congresso pleno dos professores na sua discussão até ao mez de abril desse anno, assignando no dia 10 deste mez a representação final, que foi dirigida ao governo.
Foram inuteis todos estes trabalhos, cuja importante collecção forma um volume, e onde collaboraram com interesse e amor muitos homens illustres, de sciencia e respeitabilidade incontestáveis, alguns dos quaes, e não poucos, já desceram á sepultura. Dos que assignaram aquella representação metade já não existe.
Correram cinco annos. Em 1872 a universidade deliberou celebrar o centenário da sua reforma, realisada pelo marquez de Pombal. Propoz novamente por essa occasião ao governo as reformas que julgou necessárias ao seu progresso e desenvolvimento. Nada se fez.
Correram mais dez annos. Em 1882 a faculdade de philosophia, em virtude de proposta de um dos seus membros, resolveu consultar o claustro para a celebração do centenário da morte do marquez de Pombal, que fora o restaurador da universidade e o fundador daquella faculdade, solvendo assim por sua parte uma divida de gratidão, e levantando o stygma que lhe impozeram as palavras severas do bispo de Coimbra, D. Francisco de Lemos:
"Vir incomparabilis Marchio Pombalensis, qui academiam conimbricensem decem abhinc annis a stercore erexit, mortuus est: ipsa vero academia neque requiem dixit, filia iniquissima."
Resolveu-se a celebração do dito centenário, e a faculdade de philosophia entendeu que alem das manifestações exteriores usadas em taes solemnidades, a verdadeira celebração, digna de si e do grande marquez, seria o propor de novo a reorganisação do quadro de sciencias, cujo ensino lhe estava confiada.
Com effeito, em 6 de maio d'aquelle anno, fazia subir ao governo de Sua Magestade um projecto de reforma da mesma faculdade, tendo em vista attender às principaes necessidades impostas pelo progresso das sciencias, sem comtudo aggravar as despezas do thesouro. A faculdade conhecia bem que, qualquer novo sacrifício que se pedisse ao estado, seria a melhor rasão para annullar todos os trabalhos e esforços que se fizessem no sentido de melhorar a sua organisação.
Infelizmente, nem assim se levou a effeito a reforma. Deveria haver para isso ponderosas rasões.
O projecto da reforma a que alludimos vem acompanhado de uma extensa representação, onde se justifica largamente cada uma das modificações propostas.
Reunimos a este relatório um exemplar dessa representação e projecto de reforma, já porque resumir aqui as considerações que se lêem n'aquelle documento, seria tirar-lhe grande parte do seu valor, já para que possa conhecer-se que o projecto de lei, que ternos a honra de apresentar hoje á vossa subida consideração, nada mais é que a própria reforma proposta por toda a faculdade de philosophia em 1882, apenas com declarações da parte de um dos seus membros, redigida com uma forma diversa, como convém.
Sem crear novas cadeiras, nem augmentar a despeza dos seus laboratórios e gabinetes, a faculdade pretende reformar os programmas das suas actuaes cadeiras, objecto que deve fazer parte de regulamentos que ella fica obrigada a elaborar. E para completar um curso, hoje deficiente, tornando mais perfeita a educação scientifica dos seus alumnos, divido o seu curso geral em duas secções, uma de sciencias phisico-chimicas e outra de sciencias histórico naturaes. Precisa para isso completar as respectivas secções com cadeiras que são actualmente professadas nas faculdades de medicina e mathematica. N'isto não ha innovação, porque já hoje se pratica em vários dos seus cursos, como no curso chamado mathematico, que habilita para a carreira de engenheria, e no curso medico, ambos formados de cadeiras de philosophia e mathematica. O próprio curso geral da faculdade de philosophia é hoje completado com duas cadeiras de mathematica, isto é, com o estudo das mathematicas puras.
A faculdade de philosophia, bem como as outras, conservam comtudo a sua independência o unidade. O presente projecto não vae alterar nem a economia interna, nem a direcção das outras faculdades; regulando os cursos próprios da primeira, deixa-se às ultimas o direito de o fazem igualmente pela forma que melhor entenderem.
O actual projecto de lei não impede nem estorva que de futuro se façam quaesquer novas reformas; pelo contrario, é já um passo para qualquer organisação mais completa das sciencias mathematicas e naturaes, que mais tarde venha a fazer-se. Com effeito, todas as tendências manifestadas nos vários projectos que se têem feito desde 1867 até hoje, são, de um modo geral, para desenvolver o estudo de cada uma das sciencias, especialisando os cursos em harmonia com a indole das mesmas sciencias.
Attendeu-se muito especialmente ao tempo que se exige ao alumno em qualquer dos cursos, a fim de os não tornar excessivamente longos, só com a mira de os fazer completos. Por isso se formou cada um de cinco annos como está adoptado em todas as faculdades, sendo certo que para as carreiras publicas, exceptuando o magistério, bastam os quatro primeiros annos, e o grau de bacharel, que se confere no fim do quarto anno. O quinto anno confere o grau da bacharel formado.
Mas não é só o tempo que se deve poupar ao alumno, é tambem todo o dispendio, que não tenha uma utilidade immediata. Supprimiu-se por isso o acto e grau de licenciatura, que hoje é unicamente formal, e apenas representa uma transição dispendiosa, trabalhosa e completamente inútil entre o titulo de bacharel formado e o grau de doutor. A natureza mesma d'este acto é por tal forma antiquada, que tornando-se a mais difficil das provas a que se sujeita o alumno, nem por isso é própria para esclarecer os professores com relação ao seu merecimento. Como prova encyclopedica, por assim dizer e de ostentação, basta o acto de conclusões magnas, e para avaliar dos conhecimentos do impetrante é uma duplicação inútil com os actos especiaes que já tem feito.
Concede-se a todos os alumnos das escolas medico-cirurgicas de Lisboa e Porto, ou das duas polytechnicas, a garantia de poderem obter os graus de bacharel e doutor na universidade, logo que tenham ali completado os "eus cursos, com o estudo das cadeiras que não existem nos respectivos institutos, a fim de ficarem equiparados aos filhos da universidade.
É esta urna das mais importantes innovações do projecto, que não deixará de certo de merecer a vossa approva-

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ção pela sua indole liberal e justa. A universidade não já póde nem devo conservar hoje o duplo privilegio de graduar apenas os seus discipulos e de lhes abrir, só a elles, as portas do magisterio nas suas faculdades. Equiparadas as habilitações, e obtida dos outros estabelecimentos de instrucção superior uma informação especial ácerca do merecimento dos alumnos que pretendam graduar-se, não ha rasão para que se lhes negue esta distincção. Galardoa-se; o talento, e obtem-se um novo lustre para os nossos institutos de ensino superior, que devem auxiliar-se na causa; commum do progresso scientifico.
Emfim, a admissão ao magisterio na faculdade de philosophia é feita em cada uma das secções especiaes, sem accesso de uma para outra, posto que com assistencia de todo o corpo docente. E esta uma das não menores vantagens do projecto, porque habilitando com conhecimentos especiaes o professor, impede que elle gaste a sua actividade no vasto campo de todas as sciencias chamadas naturaes, sem adquirir conhecimentos profundos em nenhuma d'ellas. Um tal systema está abandonado em todos os paizes onde as sciencias se cultivam com proveito.
Por estas rasões, e muito principalmente em vista das considerações expostas na representação do conselho da faculdade de philosophia a que nos referimos, que dão á presente proposta a auctoridade que ella não poderia ter se fosse unicamente de nossa iniciativa, suppomos que á dita proposta é digna da vossa elevada attenção, e estamos convencidos que fareis um alto serviço ao ensino das sciencias em Portugal approvando o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A faculdade de philosophia da universidade de Coimbra divide-se em duas secções, uma de sciencias physico-chimicas, e outra de sciencias historico-naturaes.
§ 1.° A secção de sciencias physico-chimicas, pertencem as duas cadeiras actualmente existentes de chimica, e as duas cadeiras de physica.
§ 2.° Á secção de sciencias historico-naturaes, ficam pertencendo as quatro cadeiras restantes da faculdade, a saber: a de botanica, a de zoologia, a de paleontologia e anthropologia e a de geologia e mineralogia.
§ 3.° É extincta a actual cadeira de agricultura, que é substituída pela de paleontologia humana, anthropologia e archeologia pre-historica.
Art. 2.° O curso de cada uma das secções estabelecidas no artigo, anterior, compõe-se de cinco annos e de 12 cadeiras, sendo oito as da faculdade de philosophia, e as outras quatro pertencentes ao quadro das faculdades de medicina e mathematica.
§ 1.° As cadeiras de que se compõe a secção de sciencias physico chimicas são: l.ª chimica inorganica e analyse chimica; 2.ª álgebra superior, geometria analytica, etc., (l.ª cadeira da faculdade de mathematica) e desenho; 3.ª chimica orgânica e analyse chimica; 4.ª calculo differencial e integral (2.ª cadeira de mathematica) e desenho; 5.ª physica, l.ª parte; 6.ª botanica e paleontologia vegetal; 7.ª mechanica racional (3.ª cadeira de mathematica); 8.ª physica, 2.ª parte; 9.ª zoologia descriptiva; 10.ª paleontologia e anthropologia; ll.ª mineralogia e geologia; 12.ª astronomia (5.ª cadeira de mathematica.)
§ 2.° As cadeiras de que se compõe a secção de sciencias historico-naturaes são: l.ª chimica inorganica e analyse chimica; 2.ª algebra superior, geometria analytica, etc., (l.ª cadeira da faculdade de mathematica) e desenho; 3.ª chimica orgânica e analyse chimica; 4.ª physica, l.ª parte; 5.ª anatomia humana e comparada (l.ª cadeira da faculdade de medicina) e desenho; 6.ª physica, 2.ª parte; 7.ª botanica e paleontologia vegetal; 8.ª histologia e phy-siologia geral (2.ª cadeira da faculdade de medicina); 9.ª zoologia descriptiva; 10.ª physiologia especial (3.ª cadeira da faculdade de medicina); 11.ª paleontologia e anthropologia; 12.ª mineralogia e geologia.
§ 3.° Os alumnos do quarto anno de qualquer das secções frequentarão simultaneamente a l.8 cadeira de grego no lyceu, se no acto da matricula não tiverem apresentado certidão de approvação n'esta disciplina.
Art. 3.° Os alumnos approvados em todas as cadeiras dos quatro primeiros ânuos de cada uma das secções, e na l.ª cadeira de grego no lyceu, podem receber o grau de bacharel, tendo o titulo na primeira secção de bacharéis em sciencias physicas, e na segunda de bacharéis em sciencias naturaes.
Art. 4.° Os bacharéis que tiverem sido approvados nas cadeiras do quinto anno de cada uma das secções, tem o titulo de bacharéis formados em philosophia (sciencias physicas), ou bachareis formados em philosophia (sciencias naturaes), conforme a secção que tenham cursado.
§ unico. Fica extincto o acto de licenciado e o grau correspondente.
Art. 5.° O acto de conclusões magnas é feito em cada uma das secções, mas com a assistência e voto de todos os vogaes da faculdade.
§ 1.° Podem ser admittidos a este acto, na primeira secção, alem dos bacharela, formados em sciencias physicas :
1.° Os bacharéis formados na faculdade de mathematica que tenham obtido approvação como voluntários ou ordinários na cadeira de chimica organica e analyse chimica;
2.° Os alumnos com o curso completo da escola poytechnica de Lisboa, que tenham obtido uma informação especial, dada pelo respectivo conselho escolar, e approvação como voluntários na cadeira de physica, 2.ª parte;
3.° Os alumnos com o curso completo da academia polytechnica do Porto, que tenham obtido identica informação e approvação como voluntários nas cadeiras de chimica orgânica e physica (2.ª parte).
§ 2.º Podem ser admittidos ao acto de conclusões magnas, na segunda secção, alem dos bacharéis formados em sciencias naturaes, os bacharéis formados na faculdade de medicina, e os individuos com o curso das escolas medico-cirurgicas de Lisboa e Porto, que apresentem certidão de approvação, como voluntarios nas cadeiras de paleontologia e anthropologia, mineralogia e geologia, da faculdade de philosophia, e uma informação especial dada pelo conselho da escola que tenham cursado.
§ 3.° Os individuos approvados no acto de conclusões magnas são admittidos a receber o grau de doutor em phylosophia.
Art. 6.° Os concursos para a admissão ao magistério serão feitos nas respectivas secções, com assistencia e voto de todos os vogaes da faculdade; e só podem ser admittidos a elles os indivíduos que tenham recebido o grau de doutor em philosophia.
§ unico. Os candidatos serão despachados exclusivamente para aquella secção em que tiverem feito concurso, sem accesso de uma para outra.
Art. 7.° O museu de historia natural da universidade, annexo á faculdade de philosophia, comporse-ha de tres secções: a de zoologia, a de geologia e mineralogia, e a de authropologia e paleontologia, tendo cada uma d'ella por director o professor da cadeira respectiva.
§ único. Ao conselho da faculdade compete dividir annualmente a dotação com que o estado concorre para a manutenção dos gabinetes, e laboratórios da mesma faculdade, em harmonia com as necessidades de cada um, e com o progressivo e parallelo desenvolvimento de todos, impedindo que o progresso de uns se faça á custa do estacionamento d'outros.
Art. 8.° O conselho da faculdade de philosophia sujeitará á approvação do conselho superior de instrucção publica os programmas e regulamentos que julgar necessários para a execução da presente lei, que começará a ter vigor no principio do anno lectivo que se seguir á sua promulgação.
Art. 9.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 17 de abril de 1885. = Correia Barata.

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Projecto de reforma da faculdade de philosophia da universidade

Senhor. - O conselho da faculdade de philosophia, tendo promovido por parto da universidade a celebração do primeiro centenário da morte do marquez de Pombal, entendeu que a par com as solemnidades próprias de tal occasião devia propor, como principal objecto d'aquella celebração, a reforma da dita faculdade.
Posto que os actuaes estatutos da universidade, pelos quaes foi ereada a faculdade de philosophia, tenham justamente merecido os elogios de nacionaes e estranhos e sejam ainda hoje um monumento de sabedoria, é certo comtudo que, não obstante as modificações que lhes tem sido feitas, taes têem sido os progressos das sciencias naturaes neste século, que se torna indispensável collocar o ensino confiado á mesma faculdade em harmonia com o estado presente d'aquellas sciencias.
Estava no pensamento da faculdade apresentar uma proposta completa, inteiramente conforme com as exigências do ensino moderno, na convicção de que se torna cada vez mais urgente acompanhar pari passu a evolução intellectual do século, que não tem parallelo na histeria dos conhecimentos humanos.
Considerou, porém, o conselho que uma tal reforma exigiria não só a alteração quasi total da legislação vigente, mas um consideravel augmento de despeza, com a creação de novas cadeiras e a dotação de laboratórios e gabinetes indispensaveis para o estudo pratico das sciencias da natureza; attendendo, alem disso, aos inconvenientes que resultariam de uma alteração radical effectuada repentinamente na organisação não só da faculdade de philosophia, mas das outras faculdades académicas, que com ella têem relações intimas, assentou o conselho em adoptar, como transição entre o estado presente e o que era para desejar que se estabelecesse em breve, as bases de reforma juntas, que temos a honra de sujeitar á elevada apreciação de Vossa Magestade, pedindo instantemente a sua confirmação pelas rasões especiaes, relativas a cada artigo, que seguidamente passâmos a expor.
A divisão da faculdade de philosophia nas duas secções denominadas de sciencias physico chimicas e sciencias historico-naturaes, é suficientemente justificada não só pela diversa indole d'estes dois grupos do sciencias, mas tambem pelo desenvolvimento sempre, e cada vez maior, de todas as sciencias da natureza. Tanto não é possível transmittir uma, solida instrucçãoo aos alumnos que estudam num só curso, como actualmente succede, o conjuncto das sciencias naturaes, que uma tal divisão se acha adoptada em alguns paizes estrangeiros, e ainda entro nós nas escolas polytechnicas de Lisboa e Porto. Nas escolas medico-cirurgicas d'aquellas duas cidades está igualmente estabelecida, por motivos analogos, a divisão entre as sciencias medicas propriamente ditas e as ciências cirurgicas.
No quadro da faculdade, indicado nas bases do projecto de reforma, é conservado o mesmo numero do cadeiras pela rasão de economia já exposta. Para, obviar porém aos inconvenientes de tão resumido quadro, o conselho entendeu dever procurar nas faculdades analogas as sciencias auxiliares lá professadas, que são indispensáveis no estudo da philosophia natural. As modificações que no programma de cada uma das cadeiras será necessario fazer em consequencia da presente reforma, e a divisão em secções, completadas com as cadeiras auxiliares das faculdades de medicina e mathematica, tornam esta reforma mais importante do que poderá parecer á primeira vista. O conselho pensa que seria talvez conveniente a reunião definitiva das duas faculdades actuaes de philosophia e mathematica, mas não a propõe porque não depende sómente do seu voto, e tambem porque entende não dever prejudicar n'esta occasião a reforma própria dos seus estudos, os quaes são ainda assim consideravelmente ampliados e melhorados no presente projecto.
O estudo da analyse chimica, tão complexa nos seus differentes ramos, exigiria a creação de uma cadeira ou de um curso especial. A experiencia tem demonstrado á saciedade que o actual curso de analyse chimica não corresponde às exigencia de um ensino profícuo, tornando-se necessario crear um curso pratico obrigatório d'aquella disciplina. A exposição oral, embora acompanhada das experiencias susceptiveis do serem feitas na sala ordinária dos curso, não pode supprir o trabalho effectuado pelos próprios alumnos no laboratório, não os habilita convenientemente, não lhes transmitte um conhecimento seguro dos factos, nem lhes dá finalmente uma idéa clara dos processos seguidos. Attendendo, porém, às rasões já ponderadas, pareceu melhor distribuir pelas duas cadeiras de chimica o mesmo ensino, que deve ser feito praticamente no laboratório, o que melhora, tanto quanto é presentemente possível, o estudo perfunctorio que até aqui se fazia de tão importantes conhecimentos na segunda cadeirada faculdade.
Por outra parte a chimica biologica é hoje indispensável para o estudo da physiologia e da pathologia, e torna-se absolutamente necessária para os alumnos que se dedicam á medicina. Aquella sciencia, que tem feito rápidos progressos, professa-se em Paris desde 1849 e faz hoje o assumpto de um curso especial. O conselho limita-se a propor que ella seja ensinada na cadeira de chimica organica, como outrora te fazia em França, preenchendo assim transitoriamente uma lacuna muito sensivei no quadro da faculdade.
É de todo o ponto evidente que o estudo, n'uma só cadeira, da anatomia e physiologia humana e comparada, e dos differentes ramos da zoologia descriptiva, é mais do que impossível, por absoluta falta de tempo, e pela grande extensão e dificuldade de cada um d'aquelles ramos de sciencia. Era, pois, indispensável a divisão da cadeira de zoologia em duas, pelo menos, occupando-se uma da zootomia e physiologia comparada, e outra da zoologia descriptiva ; e ainda assim esta divisão seria deficiente, comparada com o desenvolvimento deste estudo nos institutos analogos do estrangeiro. Para remediar em parte esta deficiencia, sem creação de novas cadeiras, propõe o conselho que os alumnos da faculdade de philosophia, antes do estudo da zoologia descriptiva, frequentem na faculdade de medicina as cadeiras do anatomia e physiologia geral.
O mesmo póde dizer-se cem relação á actual cadeira de mineralogia, em cujo programma entra, alem do estudo d'esta sciencia, o da geologia e paleontologia. Torna-se preciso separar a paleontologia, collocando-a n'uma cadeira á parte, em attenção á sua particular importância; e como esta sciencia se divide em dois ramos, a paleontologia vegetal e a animal, será mais próprio estudar a primeira na cadeira de botanica, attenta a especialidade deste ramo, devendo comprehender-se na cadeira de paleontologia sómente o estudo dos fosseis animaes, onde fica incluída a paleontologia humana, á qual por outra parte anda intimamente ligado o estudo da archeologia prehistorica e da inthropologia.
A reunião do congresso de anthropologia e archeologia prehistorica na capital, em setembro de 1880, que Vossa Magestade se dignou honrar com a sua presença, veiu tornar publico, não só o desenvolvimento d'estas sciencias e a importancia que ellas merecem nos outros paizes, mas tambem a grande falta que na instrucção superior do paiz az o ensino das mesmas sciencias, hoje apenas estudadas entre nós por alguns benemeritos professores, que por circunstancias especiaes a ellas se dedicaram. Propondo, pois, creação da cadeira de paleontologia e anthropologia, o conselho tem a consciência de prestar um serviço relevante 10 ensino e ao progresso das sciencias em Portugal, porque satisfaz às indicações mais obvias da sciencia moder-

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na, e por outra parto não augmenta a despeza do thesouro, pela suppressão que igualmente propõe da cadeira de agricultura.
A agricultura pela sua indole de sciencia technologica, fica naturalmente fóra do quadro da faculdade de philosophia. Uma tal sciência não póde ser convenientemente processada senão em cursos especiaes, que abranjam mais de ima cadeira, e que possuam es estabelecimentos indispensaveis para o estudo pratico da menina disciplina. E por aos rasões a suppressão agora proposta não só tem sido várias vezes indicada pelo conselho, mas até foi sanccionada pelo decreto com força de lei de 31 de dezembro do 1868, que do mesmo modo creou em substituição d'aquella cadeira, a de paleontologia, embora este decreto não chegasse a ter execução per effeito da lei do 2 de setembro de 1869.
Emfim, conservando-se o pessoal decente firmado de oito lentes cathedraticos, propõe-se a creação de um novo logar do lente substituto, que com os tres actuaes perfaz o minero de quatro, pela impreterivel necessidade de que cada uma das secções tenha pelo menos dois lentes substitutos. Este e sem duvida o menor numero do substituições com que pude dotar-se cada secção: nem é justo que aquelle numero não seja igual em ambas por não haver motivo algum que determine, aconselhe ou justifique uma tal desigualdade. As licenças concedidas por doença aos lentes cathedraticos, o serviço em côrtes e as commissões do governo não permittem que um só substituto satisfaça regularmente, na maior parte des casos, às vacaturas que podem dar se em quatro cadeiras, tanto mais quanto elles levem auxiliar os cathedraticos nos trabalhos dos seus respectivos gabinetes. É por esta ultima razão que se insere no projecto de reforma o paragrapho do artigo X.
A reforma, dos programmas de cada uma das caleiras da faculdade e não sómente justificada pela necessidade de não deixar no estacionamento o que é de sua natureza progressivo, mas torna-se uma consequencia necessaria do projecto. Depois da sua approvação, a faculdade organizará os ditos programmas, quando Vossa Magestade lh'o ordene.
A organização das duas secções, já referidas, acha-se cita em harmonia com a indole particular dos dois grupos de sciencias naturaes. A distribuição das disciplinas pelos cinco annos do cada uma das secções, attentas as condições especiaes d'esta reforma, é um assumpto cheio de dificuldades, que a faculdade ponderou e discutiu em sucessivas conferencias. Era preciso attender á economia de tempo, não fazendo cada curso mais longo que o actual, nem sobrecarregando os alumnos com a frequência de um numero excessivo do cadeiras, o que comprometteria os exercicios e trabalhos technicos: era tambem necessario promover a especialidade das habilitações, respeitar a precedencia das disciplinas exigida pela natureza particular 1cstas e das reciprocas relações, e conservar, emfim, indivisa a faculdade nas duas secções, porque, a não ser assim um futuro muito próximo estes dois corpos se tornariam completamente estranhos. Tal resultado faria, com que os inconvenientes corressem a par com as vantagens, tornando inapplicavel a ida a legislação actual relativa ao actos grandes, concursos, n'uns e n'outros, classificações, etc. A creação de duas secções inteiramente independentes originaria uma economia e organisação inteiramente separadas, o que manifestamente e prejudicial aos interesses communs que as ligam, os quaes são inauferiveis.
É certo que os actos grandes e concursos estão reclamando ima próxima reformação. As cinco faculdades já nomearam ha annos uma commissão especial para propor um novo regulamento do concursos, o qual foi com effeito elaborado não chegou, a ser completamente discutido pelo claustro pleno. Por outra parte é certo tambem que a experiencia tom demonstrado e é obvio, que taes assumptos não podem ser regulados por uma lei uniforme para todas as faculdades, visto que a índole especial das sciencias sociaes, juridicas e thelogicas, por um lado, e a das sciencias mathematicas, naturaes e medicas, por outro, exige que uns e outros actos tenham um caracter adequados á natureza do grupo do sciencias em que são feitos. Estas alterações, comtudo, vem por sua natureza depois da reforma fundamental da organisação do ensino, que é a base segura de iodo o progresso scientifico.
Em cada uma das secções prepara-se o alumno mais ampla e completamente, já nas sciencias physico-chimicas, já nas histórico-naturaes. Para este fim, na primeira secção, reunem-se às duas cadeiras de physica, e às duas do chimica três cadeiras do mathematica, que são: a de algebra superior, geomeria analytica e trignometria; a de calculo differencial e integral; e a de mechanica racional. As mathematicas puras e a mechanicas são presentemente conhecimentos indispensáveis para bem estudar e comprehender os phenomenos, leis e principiou da chimica e da physica.
Na segunda secção reunem-se á botanica, á zoologia descriptiva, á mineralogia e geologia e á paleontologia e anthropologia tres cadeiras de medicina, a sabor: a de anatomia humana é comparada; a de histologia e physiologia geral; e a de
Physiologia especial. Estas sciencias estão para as sciencias historico-naturaes propriamente ditas na mesmna relação que as sciencias mathematicas para as physico-chimicas.
A cada sessão se addicionou, alem d'isso, uma cadeira do mathematia; sendo na ultima a do primeiro a anno e na primeira a de astronomia, physica, porque, só ella sciencia e um complemento da physica terrestre, aquella presta um auxilio incontestável ao estudo das sciencias da natureza em geral.
Assim ficam constituidas as duas secções de um modo coherente e completo, tanto quantoo possivel, sendo formado o quadro de cada secção igualmente por doze cadeiras, oito da faculdade o quatro auxiliares.
A frequencia das oito cadeiras da faculdade em cada uma das secções habilita doutores que concorram aos loares do magisterio tendo apenas o curso de uma dellas com todos os conhecimentos precisos para ajuizar plenamente os interesses communs da faculdade; sendo certo, como fica demonstrado, que elles ao mesmo tempo vão habilitados com os conhecimentos especiaes e mais desenvolvidos, proprios da natureza das sciencias que se propõem professar.
E por ultimo reste notar que se augmenta o tempo empregado actualmente nos cursos da faculdade de phylosophia, antes se abrevia pela suppressão do acto de licenciatura, que adiante se propõe, facilitando-se d'este modo e sem inconvenientes a habilitação dos alumnos.
Parece, pois, ao conselho que este plano de estados resolve, no estado presente, a questão complexa de transmittir aos seus alumnos uma instrucção mais completa e pratica, attendendo ao mesmo tempo á economia para o thesouro, á especialidade das habilitações, á economia de tempo e finalmente da faculdade.
Tres são as classes de alumnos que actualmente frequentam a faculdade de phylosophia- ordinarios, voluntariose obrigados. São ordinarios os que, frequentam pela sua ordem as cadeiras da faculdade se destinam á formatura, não podendo ser admittidos á matricula do primeiro anno sem o curso completo dos preparatorios que a lei exige, e fazendo o seu exame impreterivelmente em cada anno lectivo, no bimestre competente, salvo motivo de doença.
A classe actual de voluntarios é permittida a frequencia consecutiva das cadeiras da faculdade até ao quarto anno inclusive, sem terem feito os exames finaes respectivos; bem como é permittida a matricula no primeiro anno sem o curso completo dos preparatorios. A ultima d'estas regalias redunda sempre em desproveito dos alumnos, que, jul-

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gando assim ganhar tempo, o perdem na maior parte dos casos, por não poderem geralmente vencer o estudo do primeiro anno com o dos preparatórios que lhes faltam; e a primeira só tem dado logar a abusos e a enganos, explicáveis aliás pela complicada escripturação que tal pratica exige na secretaria.
Consiste o maior d'estes abusos em requererem os meamos alumnos voluntários que se lhes façam os exames das cadeiras em que se acham licenciados fora do bimestre dos actos, o que prejudica o serviço regular do ensino ; e por isso a lei recommenda que até noa actos grandes, únicos para que não ha epocha fixa, se attenda áquella circunstancia na escolha dos dias que forem para elles designados.
Por outro lado a experiencia tem muitas vezes demonstrado que taça pretensões toem sempre por objectivo a nomeação de um jury especial que aproveite aos alumnos licenciados, os quaes se subtrahem assim ao julgamento dos jurys que animal e regularmente são nomeados para o serviço dos actos no bimestre, de junho e julho. É por estas rasões que a faculdade de philosophia, sem contrariar as regalias que a legislação actual concede a esta classe de alumnos, resolveu ha muito não fazer acto algum fora d'aquelle bimestre, a não ser por motivo de moléstia authenticamente provada.
Os alumnos obrigados são os que frequentam as cadeiras de philosophia com curso preparatório para a formatura n'outras faculdades. Quanto á matricula e epocha dos exames estão no mesma caso dos ordinários. Distinguem-se porém d'estes e dos voluntários pela natureza do exame, porque os estatutos da universidade determinam que a aos obrigados se dará a approvação todas as vezes que tiverem aproveitamento mediocre, e se mostrarem hábeis para estudar com fructo as faculdades para que se destinam" o que não permitte aos ordinarios. (Liv. III, parte II, tit. VI, cap. I, § 7.°)
O conselho da faculdade, ponderando a conveniencia que ainda hoje existe em manter a distincção entre os estudantes que se dedicam á formatura ou ao doutoramento em philosophia e os que apenas a frequentam como preparatorio para outras faculdades, entende que se devem conservar as duas classes de ordinarios e obrigados com as condições actuaes e a differença que os estatutos determinam, porque esta pratica facilita notavelmente o accesso dos alumnos á faculdade de medicina. A formatura de medicina exige actualmente oito annos: o conselho lembra apenas que, desejando facilitar-se esta formatura, bastaria que os estudantes que se dedicam á carreira medica frequentassem os tres primeiros annos do curso de sciencias historico-naturaes, podendo em seguida matricular-se no segundo anuo da faculdade de medicina, por já terem estudado com as disciplinas de philosophia as materias que constituem o primeiro anno medico, á similhança do que se pratica nas escolas medico-cirurgicas de Lisboa e Porto. D'esta maneira a formatura em medicina ficaria reduzida a sete annos.
Quanto á designação de estudantes voluntários, que, segundo a letra dos estatutos, não constituiam uma classe nem podiam ser admittidos a exame sem transitarem para ordinários ou obrigados, o conselho, attendendo aos inconvenientes que ficam apontados, julga que deve applicar-se unicamente áquelles estudantes que frequentam as cadeiras da faculdade por ordem diversa da que fica estabelecida em cada uma das secções, quer esta ordem seja reclamada pelas exigencias de outra faculdade, quer provenha de mero arbitrio do alumno. Esta classe será, porém, equiparada para todos os effeitos á dos ordinários, não podendo ser admittidos á respectiva matricula senão os alumnos que tiverem completado o curso dos preparatórios do lyceu, sendo alem d'isso obrigados a fazer exame no logar que lhes competir dentro do bimestre de cada anno. A obrigação, imposta aos alumnos, de executarem em cada disciplina os trabalhos práticos que lhes forem ordenados pelo respectivo professor, tem por fim completar o estudo theorico de cada sciencia com os exercicios praticos que, como em relação á chimica já foi lembrado, são hoje indispensáveis em todos os ramos das sciencias naturaes. É este o melhor meio que os habilita a comprehenderem os principios de cada sciencia, e tambem o mais util e precioso instrumento de que tem de servir-se depois, ou na investigação scientifica propriamente dita, ou nas variadas applicações que tenham de fazer no exercicio das profissões liberaes.
Importa fazer uma distincção entre as demonstrações experimentaes, realisadas nos cursos á vista dos alumnos,: os trabalhos executados por elles mesmos nos laboratórios e gabinetes. O uso das demonstrações experimentaes nos cursos pratica-se já hoje em todas as cadeiras da facilidade de philosophia ; mas o estudo pessoal dos alumnos nos gabinetes e laboratórios não está ainda sanccionado legalmente no ensino universitário, posto se pratique voluntariamente, á custa das recommendações dos professores. A primeira sem a segunda parte deste methodo de ensino é porventura menos efficaz do que geralmente se suppõe, já porque nem todas as experiencias e observações que os alumnos devem conhecer são próprias para serem executadas perante um auditório numeroso, já porque a observação e a experiencia precisam de ser, e são, dois instrumentos que só podem ser conhecidos e applicados por quem os aprender a manejar, e não fornecem resultados úteis senão a quem os manejar habilmente.
Nos artigos V e VI o conselho não se afastou da lei vigente. Em harmonia com a divisão dos estudos em duas secções concede em cada uma o grau do bacharel e a distincção de bacharel formado no quarto e quinto annos respectivos.
No artigo VII, propondo a suppressão do acto e grau de licenciado, tem por fim, como já se disse, favorecer os alumnos que pretendam doutorar-se ou dedicar-se ao professorado. O grau de licenciatura não tem actualmente significação alguma, nem representa uma habilitação especial. Este acto, que consiste na defeza de uma dissertação escripta sobre um ponto approvado pelo conselho, e em mais cinco argumentos sobre as sciencias do quadro da faculdade, é por sua natureza uma repetição dos exames especiaes feitos anteriormente em cada disciplina, e por outra parte é uma duplicação inutil com o acto de conclusões magnas. Representa, alem d'isso, uma despeza não pequena para os bacharéis que se propõem ao doutoramento, na qual vão incluidas as propinas que elles pagam aos professores que assistem ao mesmo acto. Supprimir o acto e o grau de licenciado importa supprimir aquellas propinas, mas a faculdade, pelas rasões expostas, não hesita em propor tal suppressão.
O acto de conclusões magnas conserva-se como actualmente existe; mas o conselho entendeu que seria prestar um bom serviço á universidade e às letras pátrias dar accesso no seu grémio a todas as intelligencias, qualquer que fosso a escola onde se tivessem manifestado. No magisterio da universidade só têem ingresso os doutores por ella graduados, e só o podem ser pela legislação actual os seus próprios alumnos; podendo por outro lado concorrer os seus bachareis e doutores ao magistério nas outras escolas do paiz.
É passado o tempo de conservar estas regalias que não dão á universidade mais vantagens nem maior luzimento. Não ha rasão alguma para que os graus universitários sejam conferidos exclusivamente aos próprios discipulos, nem de preferencia a elles. Por este motivo o conselho da faculdade propõe que sejam admittidos a receber o grau de doutor os alumnos das outras escolas superiores do paiz, que tenham feito o acto de conclusões magnas.
É porém justo que só sejam admittidos a este acto os alumos considerados distinctos pelos respectivos conselhos

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escolares, e preparados com as habilitações exigidas aos bachareis formados pela universidade. Para esse effeito torna-se necessario que os alumnos com o curso completo da escola polytechnica de Lisboa frequentem na universidade e façam n'ella exame da segunda cadeira de physica, quando queiram doutorar-se em sciencias physico-chimicas, e os da academia polytechnica do Porto estudem e obtenham approvação n'aquella cadeira e na de chimica organica e biológica; porque a primeira d'estas cadeiras não existe em nenhuma d'aquellas escolas e a segunda falta na academia do Porto. Por outro lado não é menos justo que a mesma garantia se dê aos alumnos com o curso completo das escolas medico-cirurgicas, que queiram doutorar-se em sciencias historico-naturaes, exigindo-se-lhes na faculdade de philosophia a frequência e approvação nas cadeiras de mineralogia e paleontologia, porque esta tambem não existe nas escolas medicas nem nas escolas polytechnicas, e aquella não faz parte dos preparatórios para o curso medico nos institutos do paiz.
Com as mesmas condições devem ser admittidos os bachareis formados em medicina, do mesmo modo que a par dos alumnos com o curso completo das escolas polytechnicas se devem collocar os bacharéis formados em mathematica, que tenham obtido approvação na cadeira de chimica orgânica, que não é exigida para aquella formatura.
A faculdade de philosophia, equiparando, para o effeito do doutoramento, aos seus próprios alumnos os das faculdades análogas e das outras escolas superiores do paiz, no empenho de tornar extensivos os graus universitarios aos alumnos das mesmas escolas, e permittir-lhes o concorrerem ao magistério universitário, julga prestar um serviço importante á instrucção publica, abrindo um futuro mais amplo às iutelligeucias, e alargando o campo às legitimas aspirações dos alumnos distinctos que se dediquem ao magistério, qualquer que seja a escola superior em que tenham estudado.
A necessidade de promover o estudo das especialidades, como já foi ponderado, justifica suficientemente a doutrina dos artigos IX e X da reforma proposta.
O conselho da faculdade de philosophia julgou não dever modificar os seus cursos chamados preparatorios, como o curso medico, o curso mathematico (para as armas scientificas ou para a faculdade de mathematica), o curso naval, o curso administrativo, e o curso pharmaceutico, porque não lhe compete a elle decidir ácerca das habilitações de alumnos que devem continuar n'outra parte as suas respectivas carreiras. Se é certo que possuo idéas definidas a tal respeito, não é menos verdadeiro que não as póde impôr nem aconselhar aos outros conselhos escolares. Pela sua parte procurou principalmente fixar as classes em que deviam ser frequentadas as cadeiras das suas secções para a admissão ao bacharelato, formatura e doutoramento.
Ás outras faculdades compete escolher as cadeiras, e a classe um que devem ser frequentadas, que na faculdade de philosophia julgarem auxiliares para os seus respectivos cursos. Por estas rasões, embora entenda que alguns destes cursos podem ser modificados com vantagem para o ensino e para os alumnos, espera, comtudo, que as mesmas faculdades se pronunciem sobre este ponto, que aliás é inteiramente secundário em relação á presente proposta.
Em vista das considerações expostas, Vossa Magestade julgará o que for mais justo.
Da universidade de Coimbra: Em conselho da faculdade de philosophia de 6 de maio de 1882.= Dr. Francisco de Castro Freire, vice-reitor. = Dr. Antonio dos Santos Viegas = Dr. Albino Augusto Giraldes = Dr. Julio Augusto Henriques = Dr. Francisco Augusto Correia Barata = Dr. Bernardino Luiz Machado Guimarães, vencido = Dr. António José Gonçalves Guimarães = Dr. Antonio de Meireles Coutinho Garrido. Tem voto do dr. Manuel Paulino de Oliveira.

Projecto do reforma da faculdade de philosophia

I

A faculdade de philosophia divide-se em duas secções: uma de sciencias physico--chimicas e outra de sciencias historico-naturaes, e comprehende as seguintes cadeiras:

Sciencias physico-chimicas:

1.ª cadeira - Chimica inorganica e analyse chimica.
2.ª cadeira - Chimica organica e biologica e analyse chimica (continuação).
3.ª cadeira - Physica (l.ª parte).
4.ª cadeira - Physica (2.ª parte).
5.ª cadeira - Botanica e paleontologia vegetal.
6.ª cadeira - Zoologia descriptiva.
7.ª cadeira - Paleontologia zoológica e anthropologia.
8.ª cadeira - Mineralogia e geologia.

1.° Alem d'estas cadeiras, os alumnos da faculdade de philosophia serão obrigados a frequentar as cadeiras annexas comprehendidas no quadro das secções.
2.° A actual cadeira de agricultura é substituida pela de paleontologia zoológica e anthropologia.
3.° O curso de analyse chimica será professado nas duas cadeiras de chimica, nos limites do horario de cada uma, e dirigido praticamente no laborotorio pelos respectivos professores, auxiliados pelo pessoal do mesmo laboratório.

II

O conselho da faculdade formulará os programmas de cada uma das cadeiras, em harmonia com a presente reforma e segundo o estado actual das sciencias da natureza.

III

O curso das secções será organisado pela maneira seguinte:

1.º SECÇÃO

Sciencias physico-chimicas

1.° anno - l.ª cadeira (chimica inorganica), l.ª cadeira da faculdade de mathematica (algebra superior, etc.), e desenho.
2.° anno - 2.ª cadeira (chimica organica), 3.ª cadeira (phisica, 1.ª parte), 1.ª cadeira da faculdade de medicina (anatomia), e desenho.
3.° anno - 3.ª cadeira (physica, l.ª parte), 5.ª cadeira (botanica), e 3.ª cadeira da faculdade de mathematica (mechanica racional).
4.° anno - 4.ª carteira (physica, 2.ª parte), e 6.ª cadeira (zoologia descriptiva).
5.° anno - 7.ª cadeira (paleontologia e anthropologia), 8.ª cadeira (mineralogia e geologia), e 5.ª cadeira da faculdade de mathematica (astronomia).

2.º SECÇÃO

Sciencias historico-naturaes

1.° anno - l.ª cadeira (chimica inorgânica), l.ª cadeira da faculdade de mathematica (algebra superio, etc.), e desenho.
2.° anno - 2.ª cadeira (chimica orgânica), 3.ª cadeira (physica, l.ª parte), 1.ª cadeira da faculdade de medicina (anatomia), e desenho.
3.° anno - 4.ª cadeira (physica, 2.ª parte), 5.ª cadeira (botanica), e 2.ª cadeira da faculdade de medicina (histologia e physiologia geral).
4.° anno - 6.º cadeira (zoologia descriptiva), e 5.ª cadeira da faculdade de medicina (physiologia especial).
5.° anno - 7.ª cadeira (paleontologia e anthropologia), e 8.ª cadeira (mineralogia e geologia).
1.° Os alumnos do quarto anno de qualquer das secções frequentarão simultaneamente a l.ª cadeira de grego do

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lyceu, se no acto da matricula não tiverem apresentado certidão de approvação n'esta disciplina.
2.° Os exames finaes serão feitos: na classe de ordinario nas quatro cadeiras proprias de cada secção; em qualquer classe nas restantes cadeiras da faculdade; na classe de voluntário ou ordinário nas cadeiras estranhas á faculdade.

IV

Os alumnos voluntários não poderão ser admittidos á primeira matricula sem os preparatórios exigidos às outras classes; mas ser-lhes-ha permittida a frequencia das cadeiras pela ordem que preferirem, devendo em todo o caso fazer os seus exames no bimestre respectivo e no logar que lhes pertencer, salvo motivo de moléstia devidamente comprovada.
Em todas as cadeiras os alumnos são obrigados aos exercicios praticos que lhes forem ordenados pelos respectivos professores.

V

Os aluamos approvados em todas as cadeiras dos quatro primeiros annos de cada urna das secções pela forma prescripta no artigo III, 2.°, e na l.ª cadeira de grego no lyceu, podem receber o grau de bacharel, tendo o titulo, na primeira secção, de bacharéis em sciencias physicas, e na segunda secção, de bachareis em sciencias naturaes.

VI

Os bachareis que tiverem sido approvados nas cadeiras do 5.° anno, em conformidade com o artigo III, 2.°, lêem o titulo de bacharéis formados em philosophia (sciencias physicas), ou bachareis formados em philosophia (sciencias naturaes), conforme a secção que tiverem cursado.

VII

Fica extincto o acto de licenciado e o grau correspondente.

VIII

O acto de conclusões magnas é feito em cada uma das secções, mas com assistencia e voto de todos os vogaes da faculdade.
1.° Podem ser admittidos a este acto, na primeira secção, além dos bachareis formados em sciencias physicas:
1.° os bachareis formados na faculdade de mathematica que tenham obtido a approvação como voluntários, na
2.ª cadeira (chimica orgânica) do curso philosophico; 2.° os alumnos com o curso completo da escola polytechnica de Lisboa que tenham obtido uma informação especial dada pelo respectivo conselho escolar e approvação como voluntários na 4.ª cadeira (physica, 2.ª parte) do curso philosophico; 3.° os alumnos com o curso completo da academia polytechnica do Porto, que tenham obtido identica informação e approvação como voluntarios na 2.ª cadeira (chimica orgânica) e na 4.ª cadeira (physica, 2.ª parte) do curso philosophico.
2.° Podem ser admittidos ao acto de conclusões magnas na segunda secção, alem dos bachareis formados em sciencias naturaes, os bacharéis formados na faculdade de medicina e os individuos com o curso das escolas medico-cirurgicas de Lisboa ou Porto, que apresentem certidão de approvação como voluntários na 7.º cadeira (paleontologia e anthropologia) e na 7.ª cadeira (mineralogia e geologia) da faculdade de philosophia, e uma informação especial dada pelo conselho da escola que tiverem cursado.
3.° Os indivíduos approvados no acto de conclusões magnas são admittidos a receber o grau de doutor em philosophia.

IX

Os concursos para a admissão ao magisterio serão feitos nas respectivas secções, com assistencia e roto de todos os vogaes da faculdade ; e só podem ser admittidos a elles os indivíduos que tenham recebido o grau de doutor em philosophia.

X

A cada uma das secções da faculdade de philosophia competem quatro lentes cathedraticos e dois substitutos e os candidatos serão despachados, exclusivamente para aquella em que tiverem feito concurso, sem accesso de uma para outra.
Os substitutos da faculdade, alem da regência de cadeiras vagas que por lei lhes pertence, são obrigados a auxiliar os professores de cada uma das secções nos trabalhos dos seus respectivos gabinetes.

XI

Os alumnos que se destinarem às faculdades de medicina e de mathematica frequentarão no curso philosophico as cadeiras que as mesmas faculdades escolherem e na classe por ellas designada.

XII

A faculdade de philosophia fará os regulamentos que se julgarem necessários para pôr em execução a presente reforma.

REPRESENTAÇÃO

Dos escrivães do juízo de direito da comarca de Mossamedes, pedindo que os escrivães dos juizes de direito das comarcas do ultramar possam servir nas comarcas do reino.
Apresentada pelo sr. deputado visconde do no Sado e enviada, á commissão do ultramar, ouvidas as d, legislação civil e criminal.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro, por parte da commissão de fazenda, que seja ouvido o governo, com urgência, pelo ministerio da fazenda, sobre o adjunto projecto de lei n.° 32-C.
Sala da commissão, 18 de abril de 1885. = A. Carrilho, secretario.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTA

Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado António Augusto da Silva Cardoso não tem, por motivo justificado, comparecido às sessões desde 8 do corrente mez, e que, peio mesmo motivo, não poderá comparecer a algumas das seguintes. = O deputado, Alves Matheus.
Para a acta.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

De José Gregorio Maria Sarmento, porta-bandeira licenciado do antigo regimento de infanteria n.° 13, pedindo que se lhe conceda uma reforma, em attenção aos seus serviços.
Apresentado pelo sr. deputado visconde do no Sado e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

O sr. Presidente:- Torno a lembrar aos srs. deputados a necessidade de se reunirem mais cedo, e espero que o façam. Se de segunda feira em diante não estiverem em numero á hora conveniente, não haverá sessão.
Como a hora está adiantada, vae passar-se á ordem do dia.
Os srs. deputados que tiverem papeis para mandar para a mesa, podem fazel-o.

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Continua em discussão o projecto de lei n.° 13 e com palavra que lhe ficou reservada da sessão de hontem, sr. Calixto.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto dê lei n.° 13 na sua generalidade

O sr. Calixto (continuando o seu discurso):-Sr. presidente, a moderna geração de philantropos, sinceros uns, ingenuos outros, e o resto especuladores por conta propria, apregoam a triste situação das classes miseraveis e pobres, reclamando já direitos protectores e arvorando a bandeira do socialismo auctoritario!
Ora eu, sr. presidente, vejo, que em todas as classes ha miseria e pobresa, e a miseria dourada e entre nos a mais terrivel, quando se alia com a consciencia de uma situação, em que as necessidades essenciaes excedem muito os meios economicos.
Julga-se que o proprietário, o industrial, o commerciante, o empregado publico, são os felizes, os capitalistas que exploram o operario, o salariado.
Mas o proprietario, especialmente o pequeno e medio, e muitas vezes o paria da fortuna.
A excepção de alguns proprietarios de predios urbanos em dois ou três centros da população, os que suo lavradores, luctam permanentemente entre a certeza dos encargos e incerteza dos lucros.
Têem contra si a alta successiva do preço do custo pela falta de braços, a emigração, a careza dos salarios, a rotina do trabalho, o mau serviço dos trabalhadores desmoralisados na escola das obras publica, o custeio das necessidades da sua familia, pessoal e utensilio.
E quando chega a colher o fructo dos seus trabalhos encontra se com a baixa dos preço" do mercado pelo augmento da offerta da concorrencia estrangeira ! E ameaçam-no já com um direito protector! A excepção da producção vinicola, todas as mais pode dizer-se que são precarias e não compensam o dispendio.
Mas ha mais. Lucta ainda com o imperio da agiotagem, quando recorre ao credito.
Eu sei, sr. presidente, que hoje, legalmente fallando, não ha agiotas, em presença do artigo 1640.° do codigo civil. Mas, eu dou-lhes as honras da legalidade, e considero aquelle artigo como o pacto fundamental d'esta classe. Os effeitos permanecem, só com a differença de que e a lei quem protege e encobre o maior cancro da vida economica moderna!
A livre concorrencia n'esta hypothese e um sonho, porque a lei da offerta e procura realisa-se em condições de uma desproporção monstruosa! O capitalista que póde esperar e luctar, e o desgraçado que contando por instantes a sua ruina, se rende á discrição!
Será tudo isto muito liberal, não o nego, mas a verdade e que a agiotagem medra á sombra destas liberdades, fazendo estiolar milhares de devedores, que morrem de fome e suas familias, mas ao menos ricos da graça de Deus e saturados de liberdades, principalmente politica.
Acresce a todo isto a enorme desigualdade na distribuição e cobrança do imposto.
A pequena e media propriedade, bem visivel ao fisco, paga rigorosa submissamente. A grande propriedade escapa á distribuição justa e defende-se da cobrança, em virtude da poderosa acção da nossa machina politica.
O secretario da matriz, sr. presidente, e um homem de confiança da politica e influencia local. Os louvados são escolhidos, e portanto a avaliação faz-se como convem aos magnates das terras e da politica local. O adversario politico ou o neutral não estilo bem, porque toem de pagar por si e por outrem.
Mas não e só isto. O proprietário, o lavrador, a personificação da felicidade economica, como se tudo o mais não bastasse, tem ainda que soffrer as successivas sangrias, na phrase do sr. Dias Ferreira, que permanentemente lhe applicam a parochia, o municipio, o districto e o estado, tudo sem limite de taxa!
E, para nada faltar, sr. presidente, o proprietário está ainda ao suave abrigo de uma lei de execuções hypothecarias, que permitte a venda ou a adjudicação da hypotheca por qualquer valor! (Apoiados.)
Não conheço ente mais feliz do que o agiota! Adquire propriedades polo preço que lhe convem, e os seus valores de carteira lá ficam escapando ao fisco, á excepção do caso de execução por titulos da mesma carteira, e á qual nenhum devedor se sujeita senão em ultimo extremo e já perdido.
O commercio interno, sr. presidente, arrasta a custo a vida, fluctuando entre a fallencia do que espolia fraudulentamente o seu honrado fornecedor e a insolvencia do seus devedores, de envolta com uma concorrencia, que prejudica a todos, pela deslealdade dos que nunca deveriam ser admittidos á classe commercial!
A industria entre nos e, com raras excepções, um meio de ruina ou dificuldades sem fim, porque tem diante de si a ignorancia profissional dos operarios, a rudeza quasi primitiva dos seus processos, o elevado custo das materias primas, os pesados cecargos do credito a que tem de soccorrer-se, a concorrencia estrangeira e o diminuto consumo, o que já obriga algumas casas á necessidade da exportação.
Não será, pois, sr. presidente, gravemente precaria a situação financeira de um paiz, que tem como base do imposto um tão critico estado economico das fontes mais perennes da riqueza publica?
Por outro lado, e facto averiguado que a nossa vida economica se manifesta por unia sensivel desproporção entre a producção e o consumo, excedendo este muito as forças d'aquella?
Agora, sr. presidente, vamos encontrar o consumidor, que não e uma classe, que somos todos nos, vergando sob o peso dos impostos indirectos.
O vendedor medra sempre com o imposto indirecto, especialmente com mercadorias de primeira necessidade para o consumo. Lança o imposto no preço ao consumidor, o ainda aproveita a occasião de lançar a sua commissão no preço da venda!
Á incidencia do imposto indirecto e cousa que dá pouco ou nenhum cuidado aos financeiros deste paiz, quando e o assumpto mais grave na materia sujeita. (Apoiados.)

materia collectavel, pois, deve considerar-se quasi esgotada, o que deveras torna precário o nosso estado financeiro.
Aqui tem v. exa., sr. presidente, o que preoccupa seriamente o espirito e a opinião publica d'este paiz. E por isto que ninguem pedira reformas politicas ao nobre presidente do conselho. Se ao menos nos dessem panem et circenses!...
A opinião está ainda geralmente preoccupada com o estado da administração das localidades.
A moderna descentralisação administrativa vae sendo a ruina das localidades.
Os governos centralisaram as vantagens, descentralisando os encargos.
Mas como a circunscripção administrativa não foi equiparada, permanecendo a antiga desigualdade, acontece que uns municipios podem difficultosamente satisfazer aos prorios encargos; outros torna-se-lhes impossivel, pela desigualdade relativa dos seus recursos. Daqui o recurso ao credito e o preparatorio para uma bancarota local!
Encargos iguaes com receitas desiguaes e anomalo e subversivo.
O abuso do credito nas corporações administrativas, a acuidade em alcançar por emquanto capitães, tem arrasado as localidades ao esbanjamento, á precipitação de

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melhoramentos não urgentes, como paços luxuosos, penitenciarias grandiosas, enormes nichos...
As faculdades illimitadas, concedidas às localidades para o lançamento de impostos, uns tantos por cento sobre as contribuições geraes do estado, como diz a lei, e um escandalo e um vexame, que vae encontrando resistencias violentas, que são justas, comquanto não sejam legaes!
Os districtos apresentam o mesmo espectáculo, e os poderes públicos vivem impassiveis perante esta desordem geral, abandonando, em favor da politica, o seu direito de inspecção e protecção.
A instrucção primaria, sr. presidente, sendo um assumpto do interesse geral, e por consequencia de centralisação governamental, foi ser confiado á iniciativa das localidades. Os factos ahi estão já mostrando o erro d'esta providencia. E necessario que o governo dê urgentemente providencias violentas para salvar da fome os pobres professores de instrucção primaria! (Apoiados.)
O governo ha de ver-se obrigado, quanto antes, a assumir n'este ponto as suas antigas funcções, centralisando o que jamais devera ter descentralisado. Pertencem á centralisação governamental todos os serviços de interesse geral. Ora a instrucção primaria e indubitavelmente o assumpto de interesse mais geral num paiz, especialmente com a fórma obrigatoria.
Tudo isto, sr. presidente, preoccupa seriamente a opinião publica sensata do paiz.
Agora, porem, devo referir-me a um outro ponto, que por toda a parte exalta a consciencia publica.
Vou ser cruel, mas verdadeiro!
O pacto fundamental, que nos governa, diz no artigo 145.°, quando garante os direitos individuaes dos portuguezes, que todos terão accesso aos cargos públicos, sem outra distincção que não seja a dos seus talentos e virtudes.
Pergunto bem alto, sr. presidente, quem terá hoje neste paiz confiança nos seus esforços, talentos, virtudes e serviço, para ter a certeza de receber a recompensa justa em suas pretenções aos cargos publicos?!
Se não for um politico, e da situação, será preferido pela nullidade influente, um inepto, um corrupto às vezes ! (Apoiados.)
O que eu sei e que aquellas qualidades, em vez de me habilitarem, são um obice às minhas justas pretensões!
Mas assim e preciso para fazer vingar a politica que nos corrompe e desacredita!
Um paiz que apresenta este symptoma de corrupção não póde já regenerar-se pelos meios regulares e legaes. Precisa de operação dolorosa e caustica.
Pelo que respeita á administração da justiça, o processo conserva-se complicado ainda, excessivamente dispendioso e inaccessivel às pequenas questões e fortunas, mesmo nos juizos ordinários. D'ahi o retrahimento do foro voluntario, e o ser caso de consciencia para o advogado aconselhar a proposição de acções.

s processos administrativos conservam-se perfeitamente tumultuarios e sem garantias. Nas repartições fiscaes então a forma de processo, alem de vexatoria, e mysteriosa e despotica.
A instrucção secundaria está cahotica; os seus elementos e disciplinas acham-se violentamente justapostos, sem systema e sem filiação logica.
Na instrucção superior, especialmente nas sciencias moraes e sociaes, succede o mesmo.
Eis, sr. presidente, as indicações genuinas do espirito publico neste paiz, e que o digno presidente do conselho de ministros deveria ter percebido, quando percorreu o paiz, se as suas attenções foram dirigidas n'este sentido.
N'este estado de cousas o paiz reclama radicaes e urgentes reformas em todos os serviços de administração, que contendam com as necessidades correlativas aos factos que tive a honra de expor á camara.
Mas estas reformas demandam energia, coragem, abnegação, para vencer as resistencias dos enormes interesses e da corrupção dos costumes publicos.
E os poderem politicos terão a força precisa para levar a cabo esta difficilima empreza? Para mim e ponto assente que, com o estado actual da nossa desorganisaçao auctoritaria, nada se póde conseguir.
N'estes termos, ou a forte remodelação dos poderes politicos, em ordem ao fim imposto pelas necessidades publicas, ou a revolução no poder.
Eu não receio a dictadura plena, julgo-a já indispensável e opportuna.
A dictadura intelligente, honesta e responsavel, não e um perigo, e um meio de salvação, quando os elementos da auctoridade se esphacelam e desmoronam.
Nada receio hoje, sr. presidente, pela liberdade individual, mas sim pela auctoridade!
Não e meu intento, irrogar allusivamente censuras aos homens publicos que se sentam ou têem sentado nas cadeiras do poder.
Aquelles logares são bastante espinhosos e difficeis, para que eu não aprecie as difficuldades de taes situações. Cada vez mais me convenço que a pasta de ministro e um onus e não um beneficio invejavel!
As imperiosas exigencias dos amigos politicos, a corrupção dos costumes publicos entre os governados, as dependencias eleitoraes, os deveres da solidariedade e lealdade politica, tudo se conspira para apertar em circulos de ferro concentricos, como os do inferno do Dante, a vontade, os desejos e as intenções do homem publico, que se aniquila ou corrompe n'este meio deleterio!
E necessario desobstruir o caminho aos homens que, neste paiz, possam e queiram fazer alguma cousa útil e seria!
Prevejo que o único meio salvador só poderá ser a dictadura, o só ella.
Já de ha muito, sr. presidente, que não creio no liberalismo subjectivo, e regalias sem nome, que só tem servido para encobrir o despotismo disfarçado, altivo sempre com a certeza da impunidade!
N'uma dictadura sei a quem hei de pedir a responsabilidade dos actos abusivos, porque vejo o ponto determinado aonde ella se concentra.
Mas n'este systema, que se diz de formas liberrimas e constitucionaes, a responsabilidade está tão indefinidamente subdividida, que se perde e escapa á nossa apreciação.
A decadencia visivel do parlamento, entre nos, e tambem uma das causas do enfraquecimento dos poderes politicos.
A desorganisação, indisciplina, intransigencia e revolta dos partidos ahi está bem patente.
Ha uma lei eleitoral que garante, bem ou mal, os direitos às minorias; mas quaes são os que as minorias têem para se affirmarem no parlamento?
Como é que uma minoria forte e cheia de talentos provados chega a esta casa o nem ao menos tem meio possivel de dar seguimento aos seus projectos de lei!
Os projectos são apresentados e vão para as com missões; estas reunem-se ou não, segundo superiormente lhes e ordenado. E quando saem da commissão fazem quarentena illimitada na ordem do dia. Isto não e fazer allusões pessoaes.
O defeito e de todos os partidos, quando occupam a situação governamental.
Por isso eu, com o fim de dar garantias às minorias, apresentei na minha moção de ordem a maioria de dois terços para a votação das reformas constitucionaes, e desejava que esta garantia se concedesse às camaras ordinarias nos assumptos de mais gravidade, como leis de impostos, recrutamento, bills de indemnidade, etc.
O expediente dos projectos deveria ter prasos certos, assim como as interpellações aos ministros d'estado, etc.

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Nada d'isto se faz, porque os governos não querem perder meio algum de influencia e centralisação.
Quando eu, sr. presidente, me referia á incompatibilidade dos partidos, que tem produzido entre elles um estado de guerra insidiosa, não faço distincção de situações. As opposições X são revoltosas e apaixonadas até ao egoismo ; as maiorias Y são intransigentes e despoticas como Mafoma. Quem não é por mim, é contra mim.
N'esta situação, uma reforma séria, como a que noa occupa, torna-se constitucionalmente impossivel.
Esta incompatibilidade do partido progressista com o regenerador tem como primeiro effeito desautorar a reforma, que deveria ser o producto da cooperação digna de todos os partidos.
Uma reforma politica, que tem a auctoridade de um só partido, impõe-se, não se insinua. E, se as represalias se seguirem de futuro, toda a reforma n'este sentido se torna impossível, constitucionalmente fallando. (Apoiados.)
As opposições são a condição da vida constitucional.
É nobilissima a sua missão, quando discutem lealmente, quando são justas e se engrandecem pela abnegação, que é sempre um sacrificio.
Dão auctoridade às resoluções das maiorias, e a opinião dedica-lhes sempre a maior sympathia.
Representam a eterna verdade da antiga theogonia grega: a Discordia e a Amisade concorrendo igualmente para a obra dos deuses.
Duas palavras tambem ácerca dos partidos avançados.
Para mim, sr. presidente, estes partidos, quando alheios á especulação e com boas intenções, e os principios do seu programma os justificarem, são admissiveis, respeitáveis e até necessarios.
E digo necessários, porque concorrem para reduzir á unidade e á disciplina os elementos contrarios, dispersos e desorganisados.
Contrastam os seus principios publicos, accusam os desvarios e provocam a discussão, liquidando responsabilidades, o que tudo fortalece a acção dos poderes publicos.
Taes partidos, porém, sr. presidente, não podem ser uma imposição.
Não basta conclamar às turbas: "abaixo a realeza". Não basta destruir, é preciso edificar.
Aonde está o programma e os principios d'esse partido?
Quaes os seus processos novos de administração?
E sem estes dados é impossivel a propaganda para a orientação do espirito publico segundo as leis da evolução natural.
Pois se a reforma se ha de impor violentamente, então decida-se a contenda sem perda de tempo.
Já vêem os nobres representantes do partido republicano, nesta casa, que, se a propaganda republicana offerecesse á consideração publica um programma e principios definidos, teriam evitado a cruel represalia que ha pouco nos impressionou n'esta casa pela voz eloquente do sr. Manuel de Assumpção.
Por essa fórma obrigaria a discutir e convencer, e não só a persuadir e a arrastar pelo perigoso expediente das impressões fortes!
Um partido sem programma conhecido não passa de uma expansão de gloria, ou de um platonismo, extatico e innocente.
(Interrupção do sr. Consiglieri Pedroso.)
Então rogo a s. exa. se digne mandar-me um exemplar, porque eu não sei onde existe.
(Nova interrupção do sr. Consiglieri Pedroso).
Peço perdão; encontro, em todos os annaes da presente sessão parlamentar por parte do partido republicano, pretenções communs aos interesses de todos nós, os monarchicos, ou ameaças de cataclismos imminentes, e sempre a má vontade á monarchia.
Abaixo a monarchia. E para logo ficam sanados todos os males que nos affligem (Apoiados.)
Guerra sem treguas ao rei e ao throno e está salvo o paiz!
Ora eu creio que a consciência illustrada de suas excellencias não acceita a serio similhante phrase! (Apoiados.)
Com relação á monarchia portugueza, e aos illustres personagens, que se senão no throno, devo declarar o que sinto e penso.
Para mira a monarchia portugueza representa tradições immorredouras, que é de dignidade nossa acatar, e especialmente a familia real portugueza, que ora occupa o throno. Devemos a este systema a formação da nossa nacionalidade, a independencia da patria e as brilhantes victorias da liberdade, que gosamos sem saber apreciar. (Vozes: -Muito bem.)
A prova mais eloquente, de que a liberdade democrática é compativel com a monarchia constitucional, é a liberdade de acção e tolerância de que gosa o partido republicano, que vive e se acolhe á sua protecção. (Apoiados.- Vozes: -Muito bem.)
O sr. Consiglieri Pedroso:-E a eleição da ilha da Madeira, por exemplo.
O Orador: - Na eleição da Madeira a auctoridade manteve a ordem publica em cumprimento do seu dever, como faria a auctoridade republicana. (Apoiados.)
Se isto é perseguir o partido republicano, então elle representa a desordem e perturbação da paz publica! (Apoiados.)
A perseguição foi feita á ordem publica, e esta manteve-se no sagrado direito da defeza. (Riso.-Apoiados.)
Não serei eu que inveje as garantias de liberdade individual, de que gosa a mais illustrada republica dos tempos modernos - a franceza - em troca na nossa intolerância monarchica. (Apoiados.)
Será preciso demonstração mais cabal, de que a formula republicana não representa, ipso facto, o synonimo das liberdades individuaes? (Apoiados.)
Este - crucifige eum - constante contra a monarchia o contra o monarcha, sem respeito social pelos serviços o gloriosas tradições, não passa de um appello á popularidade dos que inconscientemente desconhecem a historia do seu paiz, e só julgam poder especular com a insubordinação e a desordem. (Apoiados.)
É tal a liberdade e tolerancia de que gosam, que chegam a perder a consciencia do dever! (Apoiados.)
Supponhamos, que ámanhã os revolucionários iam triumphantes ao paço com os nobres deputados, e ahi intimavam, talvez em bons termos, Suas Magestades, para em vinte e quatro horas prepararem suas malas e saírem d'estes reinos... (Riso.)

Aparte do sr. Consiglieri Pedroso.)
Pois bem, sejam as quarenta e oito horas, e, em nome de Suas Magestades, agradeço a generosidade. (Riso.)
No dia seguinte este paiz nadava em mar de felicidades ... A questão de fazenda apparecia resolvida satisfactoriamente, como por encanto. Os problemas de administração, a crise economica, tudo numa palavra ficava plenamente resolvido!...
Derribar um throno não equivale a reformar os costumes, as tradições, as leis, as instituições e a administração de um paiz. (Apoiados.-Vozes: - Muito bem.)
Devo, pois, concluir, sr. presidente, que os poderes políticos, como actualmente se acham organisados neste paiz, são impotentes para levar a cabo as profundas e radicaes reformas na administração dos negocios e serviços publicos.
As reformas politicas são para mim uma necessidade, como meio de remodelar os poderes políticos, em ordem a reforçal-os para satisfazerem às imperiosas necessidades publicas, que reclamam remedio prompto aos males que nos affectam a vida publica, e que ameaçam o futuro.

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Deduzo-as, pois, indirectamente das indicações da opinião.
Por isso eu, sr. presidente, digo na rainha moção de ordem, que voto a necessidade e conveniência da reforma por motivos differentes dos do projecto.
Será este o meu criterio para apreciar a segunda parte da generalidade e a especialidade do projecto.
Para mim toda a reforma que não se dirigir a organisar energicamente os poderes públicos, é desnecessaria e esteril.
(O resto ao discurso será publicado quando s. exa. restituir as respectivas notas tachygraphicas.)
Leu-se na mesa a seguinte,

Proposta

Reconhecendo, por fundamentos diversos dos do projecto, a conveniencia e opportunidade de se legislar sobre a matéria do projecto de reformas politicas; mas considerando que o complexo das suas disposições não constitue um systema mais conducente ao fim d'essas reformas; proponho :
Como emenda ao artigo 1.° do projecto, em vez das palavras e "ou da circulos que os elegem" estas "ou só dos círculos que os elegem";
Como substituição ao artigo 2.° "mantida a disposição do artigo 17.° da carta" ;
Como substituição ao artigo 6.° "o senado é composto de cem membros temporários nomeados peio Rei".
§ 1.° Só poderão ser nomeados pares os indivíduos que estejam comprehendidos nas categorias que uma lei organica fixará, tendo-se sempre muito em vista, tanto para a formação das categorias como para a respectiva nomeação, os talentos provados, a sciencia, virtudes e serviços, como titulos de preferencia, e preferindo, em igualdade de circumstancias, o mais velho ao mais novo, na mesma categoria.
§ 2.° Os pares do reino actuaes continuam a fazer parte do senado, na conformidade do disposto n'este artigo.
§ 3.° Fazem parte do senado, por direito, o patriarcha de Lisboa, os arcebispos e bispos do continente.
§ 4.° O senado será renovado por metade, no principio de todas as legislaturas e antes da abertura d'ellas.
§ 5.° Decidir-se-ha pela sorte, solemnemente e em presença de todo o senado, quaes os membros que devem sair na primeira renovação. Na segunda, sairão os que a norte não indicou e assim successivamente.
§ 6.° Ficam exceptuados da disposição deste artigo os senadores, a que se refere o § 3.°
§ 7.° Dado o conflicto e incompatibilidade permanente entre o senado e a camara dos deputados, o chefe do estado dissolverá a camara, appellando para o paiz.
§ 8.° Se, eleita a nova camará, continuar a mesma incompatibilidade, o Rei terá este facto como indicação constitucional e dissolverá o senado.
§ 9.° O Rei, segundo a mesma indicação constitucional, procederá á nomeação do novo senado, dentro do praso de quinze dias, a contar da dissolução.
Far-se-hão os necessarios regulamentos para a execução d'este artigo.
Fica por este meio substituido o artigo 39.° da carta constitucional.
Como emenda ao artigo 7.° § 3.° - às palavras: condemnadas por sentença - devem acrescer estas: em tribunaes judiciaes, civis ou militares, ou no da camara dos pares.
Como aditamento ao artigo 10.°:
§ 1.° Fica resalvada a iniciativa parlamentar da camara constituinte para propor, discutir e votar qualquer outra modificação ou reforma em materia constitucional.
§ 2.° Podem ser eleitos deputados á camara constituinte os membros do senado, em effectividade ou fora d'ella.
§ 3.° As resoluções da camara constituinte serão tomadas com vencimento dos dois terços dos votos, em relação ao numero total dos eleitos.
§ 4.° Os decretos da assembléa constituinte executar-se-hão sem intervenção do senado e sancção regia.
§ 5.° O Rei, como chefe do poder executivo, acceitará a reforma solemnemente e a mandará cumprir.
Como additamento ao artigo 8.°:
§ l.° Compete ao poder executivo expedir decretos, regulamentos e instrucções para a organisação dos serviços, expediente e formas de processo em ordem á execução das leis.
§ 2.° Os regulamentos que disserem respeito ao desenvolvimento, intelligencia e applicação da lei aos factos, serão eleitos pelo poder legislativo, e acompanharão a lei respectiva.
Fica por este modo interpretado § 12.° do artigo 75.° da carta constitucional. = Avelino Cesar A. Calixto.
Foi admittida.

O sr. Correia Barata: - Começo por ler a minha moção de ordem, que é concebida nos seguintes termos:
"A camara resolve que o § 14.° do artigo 75.° da carta constitucional deve ser mantido no projecto que se discute, e continua na ordem do dia."
Sr. presidente, quando pedi a palavra tinha simplesmente em vista fazer a declaração do meu voto; comtudo depois desta discussão ter sido tão brilhantemente encetada pelo sr. Silveira da Motta e continuada da mesma forma por varios srs. deputados, vejo me constituído na necessidade de alongar um pouco mais as minhas considerações.
Antes, porém, preciso justificar bem claramente o sentido da minha moção, para que não se possa deprehender que ella tem por fim introduzir qualquer modificação no projecto que se discute.
Quando li o parecer da commissão sobre este projecto encontrei n'elle as seguintes palavras.
(Leu.)
Devo dizer que no meu espirito nunca se levantou duvida sobre este ponto que as côrtes têem o direito de resolver de qualquer modo e soberanamente sobre os artigos da carta sujeitos á sua apreciação, alterando, substituindo ou confirmando simplesmente a matéria dos mesmos artigos. Isto sempre me pareceu claro.
Com effeito nunca admitti, e n'esta parte respondo desde já a um argumento do sr. Calixto, nunca admitti, digo, que as attribuições desta camara não fossem inteiramente livres, só pelo facto de se lhe restringir a materia ou o assumpto dento do qual ella deve deliberar. (Apoiados.)
Também não posso admittir o argumento do illustre deputado, para provar que o nosso mandato é imperativo. É restricto com relação á doutrina, mas não quanto ao modo como a camara haja de resolver nos assumptos que estão sujeitos á sua deliberação.
O sr. Calixto: - Em quanto á extensão.
O Orador: - Já vamos a esse ponto.
Eu sei que ha pessoas que não consideram a camara digna do nome de constituinte, senão quando ella tiver as atribuições do modificar, reformar ou alterar completamente o pacto fundamental, mas sei tambem que as constituições não se fazem todos os dias, e comtudo póde haver necessidade, como a experiencia está demonstrando, não de fazer uma constituição nova, mas de modificar ou alterar algumas das suas partes.
Entendeu-se sempre, e os bons principios de direito constitucional assim o estabelecem, que uma camara ordinaria não podia ser revestida de attribuições, para á sua vontade, e em qualquer sessão, modificar ou alterar, qualquer das disposições do codigo fundamental.
Não se fazendo constituições todos os dias, e não devendo expor-se a lei fundamental a todas as oscilações resultantes da versatilidade das opiniões e mesmo das pai-

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xões partidarias, é claro que se torna necessário, que, em condições especiaes, se dêem tambem poderes especiaes às camaras, para poderem fazer, não uma constituição nova, mas modificar as disposições da constituição existente.
O sr. Calixto: - Mas não póde tambem restringil-as.
O Orador: - Não póde restringil-as como?
O sr. Calixto: - Se a camara ordinaria não tem poderes para modificar, tambem não os póde ter para restringir.
O Orador: - Esta tem poderes para modificar, alterar, restringir e emendar.
O sr. Calixto: - Isso é a camara constituinte, mas a outra não, porque é ordinaria.
O sr. Presidente:-Peço ao sr. deputado que não interrompa o orador.
O Orador: - O illustre deputado o que entende é, que desde que uma camara não tem poderes para fazer tudo novo não é já camara constituinte, e isto é que verdade; no sentido ligitimo do termo quer dizer, haveria só camara constituinte, desde que houvesse necessidade de fazer uma constituição inteira, e portanto só na occasião em que um povo se organisa, ou constitue em novas bases, é que poderia haver camara constituinte, fora d'isso não.
Póde o illustre deputado dar-lhe o nome que quizer, póde dar-lhe outra designação, a verdade é que depois de um paiz estar constiuido, não tendo necessidade de reformar completamente o seu pacto, póde ter necessidade de alterar em alguma das suas partes, e a camara que para isso for feita, com os poderes competentes, senão póde chamar-se-lhe constituintes e sim revisora, ou como melhor se quizer, nem por isso perde o seu caracter especial.
Uma não differe da outra quanto á natureza das suas attribuições, embora não tenham a mesma latitude.
Isto são questões de palavras, e não me prendo com as palavras, mas sim com as idéas.
O facto de se chamar esta camara constituinte ou revisadora nada tem que ver com a sua indole; o que não póde pôr-se em duvida, são as attribuições que lhe foram conferidas.(Apoiados).
Não vejo, por consequencia, que de fórma alguma fossem cercados os direitos da actual camara pelo facto de me incubirem e a todos os seus membros de collaborarmos sómente na reforma de uma parte da constituição.
Mas vou continuar na ordem das minhas idéas, porque terei logo occasião de tocar em alguns da pontos em que fallou o sr. Calixto, não porque tenha a pretensão de querer responder a s. exa., mas porque, não estando em harmonia com muitas das idéas expostas pelo illustre deputado, desejo unicamente por dever de consciencia deixar consignado o meu modo de ver sobre a questão que se debate.
Dizia eu, que nunca puz em duvida que a esta camara competia, em virtude do direito que lhe provém do mandato conferido pelo suffragio popular, não só modificar ou alterar quaesquer das disposições ou dos artigos, que pela lei de 15 de maio do 1884 foram sujeitos á revisão, estabelecendo nova doutrina, mas tambem entendo que é das suas legitimas e logicas attribuições manter aquillo, que a camara entender, que está claramente estabelecido, e que de forma alguma precisa do ser alterado.
Porém mais adianto vi no mesmo parecer as seguintes palavras ácerca do artigo 8.° do projecto.
(Leu.)
Não entendo como a illustre commissão podesse tirar logicamente tal conclusão dos seus principios.
Entende a commissão que o § 14.° do artigo 75.° da carta é claro; e como a camara tem o direito de manter a doutrina dos artigos que julgar não precisarem de alteração, conclue que do projecto se deve eliminar o artigo 8.°, quer dizer, que cada se diga a tal respeito.
Para mira aquelle paragrapho é tambem claro.
A doutrina d'elle não póde ser sophismada senão de má, fé.
Mas eliminar o artigo do projecto, não é certamente affirmar cousa alguma ácerca do beneplacito.
Não fallar n'elle na lei que se discute, não e mantel-o, nem affirmal-o; é apenas deixar de cumprir a lei do 15 de maio.
Qualquer deliberação que haja de ser tomada por esta camara devo ser positiva e nunca negativa, expressa, e nunca implicita, porque urna deliberação tacita só consegue ser uma deliberação nulla, nada mais.
Como é que uma tal deliberação ha de ser de futuro lei do paiz, e fazer parto da carta constitucional?
Como é que ha de constituir principio, no diploma que deve resultar desta discussão, uma cousa que lá não está? E o que fica como lei effectiva, a nossa discussão? ou o se votar e vencer, como diz o artigo 143.° da carta?
Ora uma questão que se elimina não se discute nem se vota.
Eu bem sei que o § 14.° do artigo 75.° da carta não ficaria revogado com o nosso silencio. Mas este silencio offende a lei de 15 do maio do anno passado.
Repito: seria absurdo dizer-se que sobre um assumpto, não falia na lei, a camara tomou uma determinada deliberação. É um acto positivo que se exige; ou por outras palvras: as deliberações sobre todas as materias que forem sujeitas á apreciação d'esta camara devem ser explicitas, ainda mesmo quando se não queira modificar ou alterar o que está na carta, nem estabelecer nova doutrina.
O sr. Calixto : -Apoiado.
O Orador:- Se formos ver o artigo da proposta do governo todos se convencerão de que não ha n'elle nova doutrina, diz o artigo 8.º.
(Leu-se.)
Vê-se que o paragrapho de que se trata foi transcripto ipis verbis.
Apenas o governo entendeu que.devia acrescentar como explicação ou esclarecimento as seguintes palavras; devendo entender se que o beneplacito se não reputa concedido sem affirmação expressa do dito poder.
Segundo as declarações feitas, aqui pelo illustre deputado o sr. Arroyo, vê se que a maioria da commissão entendeu que a doutrina da carta ácerca do beneplacito não precisava de ser alterada. N'isto estava a commissão de accordo com o governo. Mas julgou mais que não precisava tambem de ser esclarecida e explicada. E o governo concordou ainda.
Em resumo, pois, esta questão parece-me de extrema simplicidade, relativamente ao ponto essencial de manter-se na constituição ou supprimir-se n'ella o placet.

ue deve manter-se na constituição afirma-o o governo, affirma-o a propria commissão e tem-no affirmado todos os srs. Deputados que me precederam, excepto o sr. Santos Viegas.
Pode, pois dizer-se que estamos todos de accordo.
Onde está então a difficuldade? Porque resolve a commissão eliminar uma tal affirmação do projecto?
Se todos estão de accordo em relação á manutenção do beneplacito sem alteração nem esclarecimento na letra da carta, o que deve fazer-se, logica e natural mento, é inserir o mesmo artigo que se acha na carta, addicionando-se como é costume o seguinte paragrapho. "Fica assim confirmada e mantida a doutrina do § 14.° do artigo 75.° da carta constitucional."
Aqui está o motivo que justifica a apresentação da minha moção de ordem.
Sr. presidente, eu nunca tive duvidas sobre a definição e natureza do beneplácito. Tão pouco me pó deram convencer as rasões apresentadas para provar que haveria necessidade de modificar a letra, para que a doutrina não fosse sophismada. As sophismações, se as tem havido, não pro-

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vem realmente da letra, são factos que têem outra origem.
Não provém da letra por duas ordens de rasões. As primeiras foram aqui apresentadas pelo sr. Arrojo. O illustre deputado disse, citando vários diplomas desde o reinado de D. Pedro I até hoje, que sempre se entendeu que o beneplacito só se julgava concedido, quando o fosse expressamente.
Alem d'essas rasões outras ha muito mais simples; são as rasões de bom senso.
Se porventura se entendesse que o beneplácito se julgava sempre concedido ou expressa ou tacitamente, então não havia disposição legal que fosse susceptivel de cumprimento. Bastava a omissão de acção para se entender que estava cumprida a lei; e tanto fazia praticar o que a lei determina como não o praticar. Isto é absurdo.
Infelizmente eu sei bem que o facto é hoje muito frequente. Grande numero de infracções que se praticam actualmente já por parte das auctoridades, já dos cidadãos, não provém de se fazer o contrario do que está determinado, mas a maior parte das vezes de se omittirem as prescripções preceituadas na lei. A nossa legislação quasi nunca acautella convenientemente os resultados que podem provir d'essas omissões.
Farei agora algumas considerações relativamente às palavras que ouvi proferir ao sr. Avelino Calixto.
Não é meu intuito, nem nunca o foi, considerar esta questão como politica e muito menos como religiosa; e como questão religiosa nunca a levantaria nesta casa do parlamento. (Apoiados.)
Como se vê da breve exposição que fiz, para mim esta questão era simplesmente uma questão logica.
Se porventura a camara entende que a disposição ácerca do placet deve ser mantida tal como está na carta, diga-o francamente.
Não deixe de o declarar. Não dizer cousa alguma é comprometter no futuro as prerogativas da coroa. O nosso silencio actual ha de produzir mais tarde este resultado.
Não quero, portanto, encarar a questão nem política nem religiosamente.
Muito menos quero trazer para este debate assumptos estranhos.
Também não quero fallar na attitude que os differentes grupos politicos desta casa entenderam que deviam tomar na questão das reformas politicas.
O sr. Avelino Calixto referiu-se a isso. Approvo em parte as considerações de s. exa. Entre as varias reflexões que fez para demonstrar a necessidade das outras reformas politicas asseverou não acreditar que ellas sejam exigidas pela opinião publica, posto o sejam pelai necessidades do paiz, na sua opinião.
Mas que tendo muitas vezes declarado o sr. presidente do conselho que nunca lhe haviam pedido reformas políticas, e sim melhoramentos materiaes, perguntava a razão por que o governo trouxera á discussão este projecto.
Devo dizer a s. exa. que, se porventura a alguém compete a responsabilidade de ter trazido á téla da discussão n'esta conjunctura, e em nome da opinião publica e das reclamações instantes do paiz, as reformas políticas, não é de certo ao partido regenerador. (Apoiados)
Mas desde que chegámos a esta situação, é um dever indeclinavel que nos impõe o nosso mandato acabar, e acabar quanto antes, com uma discussão desta ordem. (Apoiados.)
Poucas palavras serão precisas para lembrar á camara como é que. este projecto foi trazido á discussão, para lembrar á camara o que é que deu origem a convocarem-se umas cortes constituintes ou revisoras, como quizerem chamar-lhes, a fim de tratarem da reforma constitucional.
Houve um partido que durante muitos annos, por todos os meios de propaganda ao sou alcance, quer na imprensa, quer no parlamento, quer nas associações, em toda a parte emfim, exigiu em nome da opinião publica a reforma de certos princípios da carta, declarando que na conjunctura em que se estava era impossivel levar a cabo as profundas modificações que são exigidas pelas necessidades instantes da administração e da fazenda publica, sem que fosse remodelado primeiramente o pacto fundamental, sobretudo nas attribuições dos poderes politicos do estado.
Foi o partido progressista.
Tomou um tal volume esta propaganda, tomaram tanta importancia estas declarações, que se houvesse um governo que fosse completamente surdo a todas as reclamações que se faziam em nome da opinião publica, e não lhes desse alguma satisfação, esse governo teria procedido certamente da maneira mais censuravel.
O que succedeu então?
Succedeu, que se praticou nessa occasião o acto mais patriótico que, a meu ver, um governo póde praticar. (Apoiados.)
O governo não estava convencido de que fosse opportuno o movimento para realisar as reformas políticas; elle não estava convencido tambem que de taes reformas podessem resultar desde logo e por virtude sómente d'ellas as grandes vantagens que se annunciavam. Todavia, desde o momento em que essas reformas eram imperiosamente reclamadas, em nome da opinião e dos interesses do paiz, entendeu que devia dar satisfação às reclamações que se faziam, (apoiados) passando mesmo por cima das próprias opiniões. (Apoiados.)
Assim, entendeu que devia fazer o que era necessario para se levarem a effeito as ditas reformas, isto é o accordo dos partidos. (Apoiados.)
Eu tenho ouvido a quasi toda a gente louvar o modo por que o governo entendeu dever chegar ao fim que se propunha, ou antes que se lhe impunha, isto é, tenho ouvido a quasi toda a gente louvai-o por ter feito para esse fim o accordo dos partidos.
Tenho ouvido o sr. Dias Ferreira por mais de uma vez dizer que não quer as reformas constitucionaes feitas por um só partido, porque as quer feitas para o paiz.
Ainda ha pouco o sr. Avelino Calixto apresentou a mesma opinião.
E de todos os lados da camara se assevera que a remodelação do nosso codigo fundamental não se deve fazer só pelo prurido de o por em harmonia com o desenvolvimento da philosophia politica, mas de satisfazer às necessidades sociaes e às aspirações legitimas da nação.
Se isto assim é, parece me que o facto de chamar os partidos a um accordo, para se levarem a effeito as medidas que se antolhavam absolutamente indispensaveis, é realmente um dos actos mais patrióticos que um governo póde praticar. (Apoiados.)
Desde o momento em que este facto se deu havíamos necessariamente de chegar aos termos a que chegámos, e não podemos agora deixar de satisfazer á obrigação que nos foi especialmente imposta pelo nosso mandato, dirimindo esta questão, resolvendo-a seja como for. (Apoiados.)
Não queria eu entrar na apreciação absoluta das vantagens que immediatamente devem provir das reformas políticas; comtudo vejo-me na necessidade de o fazer, em consequencia do que se affirma a esto respeito.
Tenho ouvido os homens mais importantes, os estadistas mais considerados do paiz, dizerem que na conjunctura actual nada se póde reformar sem se reformar a carta.
Declaro francamente que desconheço a relação necessária, o laço logico, que existe entre a reforma constitucional e a solução de tantos problemas de governação publica, que estão exigindo urgente resolução.
Affirma-se que sem se reformar a carta não se póde fazer, cousa alguma.
É possível.
Todavia ainda não ouvi demonstrar que, feita uma boa

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reforma da constituição, ha de brotar d'ella a reorganisação da fazenda publica, da administração, da instrucção superior e de tantos outros importantes ramos do serviço publico, que por igual interessam ao paiz.
Mas, como toda a gente declara que as reformas politicas são precisas, façamol-
-as.
Não tenho o direito de impôr a ninguem a minha opinião individual; cedo portanto á opinião geral.
Por isso não tenho repugnancia em votar todas as medidas que se acham no actual projecto, como votaria qualquer outro projecto mais avançado. Se porventura pedissem a minha opinião, relativa á conveniencia de reformar outros artigos da carta, alem dos declarados na lei de 15 de maio do anno passado, não duvidaria de a dar affirmativa.
Mas o conjuncto das disposições da actual proposta não compete só ao governo, nem a um partido.
A lei de 15 de maio do anno passado foi o resultado de uma collaboração de todos os partidos, que por esse facto ficaram obrigados a cumpril-a e executal-a. (Apoiados.)
Não o querem fazer. Não direi que estão no seu direito. Porém esse modo de proceder, nem me preoccupa a mim, nem a ninguem.
Produz-me o mesmo effeito que uma declaração, feita n'esta casa, de guerra intransigente, de espantosas ameaças, que a final de contas não deu ainda resultado que se visse.
E continuar-se-ha assim.
É verdade; diz o sr. Avelino Calixto, que a desmoralisação dos partidos é a causa principal d'esta situação violenta do paiz, e que esta não póde nem deve manter-se.

e assim é, claras ficam as rasões da ruptura do accordo por parte da opposição, que nas suas exigencias só tinha em vista a ambição do poder.
Faz muito bem o governo em aniquilar uma a uma, todas essas ambições desordenadas, porque d'ellas não podem resultar senão inconvenientes para o paiz, e porventura para a ordem publica.
É por isso que o governo procedeu correctamente, trazendo á camara as reformas politicas, porque era necessario quebrar nas mãos de adversarios, sem escrupulos, uma arma perigosa.
Fica dada a resposta aos que accusam o gabinete de inconsequente, e as reformas de burla. Trazendo-as á camara, o governo cumpriu o seu dever.
Se fizesse o contrario, então é que devia chamar-se-lhe um governo pessoal, um governo de dictadura, porque fazia prevalecer a sua vontade ou o seu capricho ás mais elementares considerações de interesse publico.
Para proceder assim seria preciso que os estadistas e os homens publicos fossem infalliveis, e nunca podessem enganar-se nas suas previsões. Succede quasi sempre que, quando um partido entende opportuno levar a effeito qualquer melhoramento, o contrario, por systematica opposição, propaga o contrario.
O partido regenerador, em assumpto tão grave e ha tanto tempo debatido, não procedeu assim, e merece louvores por isso.
É preciso acabar com as questões que se agitam em volta d'este projecto.
Passo a responder a algumas observações que foram feitas pelo sr. Santos Viegas.
A minha moção é inteiramente contraria á do illustre deputado. S. exa. pugnou pela abolição do beneplacito; a minha moção significa que elle deve ser mantido na constituição do estado.
As rasões que s. exa. apresentou foram variadas, e algumas causaram-se estranheza. Foi a primeira, a origem que attribuiu ao beneplacito.
Disse s. exa. que essa origem não era secular; que o placet foi estabelecido pela primeira vez pela papa Urbano VI. Posto que restabelecida a sede pontifical em Roma era necessario que os bispos analysassem a origem dos documentos que se faziam correr como emanados da Santa Sé, porque já se tinha visto a cadeira de S. Pedro partilhada entre mais de um papa, pretendendo cada qual ser o legitimo.
A historia diz-nos qual o caracter de Urbano VI, que contribuiu para complicar ainda mais a triste situação da igreja, chegando os cardeaes a nomear um novo papa, com o nome de Clemente VII, que proseguiu nas violencias que desde o principio do seculo haviam manchado o christianismo.
Não discuto tal origem do placet; o que sei é que isso nada significa.
Não é Urbano VI que pode ser apresentado como modelo e exemplo de papas, para ensinar á humanidade a boa doutrina. Verdade seja que o beneplacito, como cautelosamente se diz, não consistia no exame da doutrina, e sim no da origem dos documentos que se faziam passar como emanados da Santa Sé.
Tudo isto é subtil e triste.
Depois, a historia da igreja durante os seculos XIV e XV é tal, que ninguem de boa fé pode attribuir ao espirito revoltoso e heretico d'aquelles seculos as accusações que se dizem feitas á igreja...
N'esse tempo a igreja é que accusava e perseguia.
A manutenção do placet nas constituições politicas das nações serve como exemplo para provar, diz-se, a guerra que á igreja fazem os estados. Não é assim. A verdade é que, se a igreja catholica tem inimigos, foi ella que os creou. Isto não é assumpto religioso, é assumpto historico; porque quando fallo em igreja não me occupo da doutrina de que ella é depositaria, e que todos nós abraçâmos.
Nem direi agora se ella tem sido ou não fiel depositaria d'essa doutrina; mas a doutrina christã, propriamente dita, é uma cousa inteiramente differente da historia do catholicismo, do modo como a igreja se governou, e se governa hoje, da influencia e significação dos concilios, dos poderes e attribuições dos prelados, e muito mais differente ainda da politica da igreja catholica.
É uma verdade incontestavel que ha muitos seculos o governo chamado da igreja catholica não se limita a dirigir as consciencias para o bem e para a fé; faz politica tambem. Este seculo deu-nos d'isso um dos melhores exemplos no concilio do Vaticano. Pois foi este um dos factos que contribuiu mais poderosamente para collocar o pontificado em condições mais evidentes de decadencia perante a consciencia publica.
Já até ahi o papa era soberano absoluto mesmo no espiritual. Os pontifices arrogaram-se desde o concilio de Trento o direito de dizer - a igreja sou eu,-mas deram o exemplo tambem aos reis, para affirmarem, pela bôca de Luiz XIV - o estado sou eu.
O absolutismo dos papas e o absolutismo dos reis passou á historia. Os tempos hoje são outros. A igreja foi até ao seculo passado a mestra a que sempre obedeceu a sociedade civil e politica.
Nas sociedades semi-barbaras e pagãs, que se formaram depois da queda do imperio romano, a igreja conquistou um dominio, uma supremacia indisputavel; prestou então grandes serviços á humanidade.
Depois que a Europa abandonou o paganismo e se converteu á religião christã, a igreja continuou a ser o modelo das instituições civis e politicas; a organisação politica dos estados era uma copia da organisação da igreja catholica.
Desde o seculo XVI até ao seculo XVIII, a verdade é que os principios de direito publico da Europa parecem fluir dos canones do concilio tridentino.
Por conseguinte, se esta é a verdade dos factos, a igreja catholica não tem rasão de queixar-se que lhe façam guerra acintosa.

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Isto vem para o fim de responder aos que dizem que é moda hoje fazer a guerra á igreja.
Não é moda hoje, e não foi nunca, depois dos seculos em que ella foi perseguida; se porventura tem havido discordias e conflictos no seu gremio não é a sociedade civil que tem a culpa d'isso, porque ella tem sido a sua imitadora mais fiel, e sempre a tem acompanhado.
Ao contrario a igreja é que quer arrogar-se hoje attribuições que não póde ter, porque lhe não são proprias.
O beneplacito pois não é uma arma contra a igreja, e muito menos contra a religião.
Não é a censura prévia, porque elle não se applica a doutrinas de fé, e sómente examina se as letras apostolicas ou pastoraes dos bispos contêem alguma cousa contra as leis e os louvaveis costumes do paiz.
Se ella representa um principio de desconfiança, peior para a igreja que lhe deu origem.
Eu podia apresentar factos da historia da pontifices romanos durante o seculo XV, que provam á evidencia que a igreja é que levantou todos os conflictos que se deram desde o primeiro até ao ultimo papa d'esse seculo; historia desgraçada que começou pela morte suspeita de Alexandre V, e acaba pelo pontificado de Alexandre VI cuja historia extraordinaria é bem conhecida de todos.
Por outro lado affirma-se que a igreja catholica não é inimiga das sciencias nem das liberdades modernas. E citou-se o syllabus.
Declaro que sinto difficuldade, e quasi repugnancia, em fallar n'esta casa de taes assumptos.
O sr. Santos Viegas: - Isso não é proprio para aqui; é mais proprio para um concilio.
O Orador: - Não fui eu que colloquei a questão n'este campo, foi s. exa.
(Interrupção do sr. Santos Viegas.)
Eu já disse que nunca seria o primeiro a pronunciar n'esta casa a palavra syllabus. Quem fallou n'elle e quem citou as suas oitenta proposições, não fui eu, foi s. exa.
Já que se diz que é a sociedade civil quem declara a igreja catholica inimiga do progresso e da civilisação, responderei que basta ler-se apenas uma das proposições do syllabus para se saber que foi a igreja quem se collocou em guerra com a sociedade civil.
(Leu.)
Diz assim a proposição, que é condemnada como um erro:
«O Pontifice romano póde e deve reconciliar-se e harmonisar-se com o progresso, com o liberalismo e com a civilisação moderna.»
Declara a igreja que isto é um erro, e condemna-o como tal.
Este celebre documento foi elaborado justamente com o fim politico de centralisar e reunir as forças da igreja para reagir ás suppostas perseguições que se lhe faziam.
Se eu quizesse citar muitas outras proposições d'este mesmo documento, ahi se veria claramente que a igreja se arroga direitos de tal ordem sobre a sociedade, que esta, querendo obedecer-lhe, não teria a minima liberdade para dirigir os negocios mais simples da vida particular ou da vida publica.
seria preciso que fossem ouvidas e escutadas as determinações ecclesiasticas em tudo, para se poderem regular os negocios puramente humanos.
Mas, emfim, não levarei mais longe estas considerações, porque me parece que o sr. Santos Viegas quer dar-me a honra de me replicar, visto que pediu a palavra.
Se assim for, reservo-me para responder a s. exa., o que desde já prometto. Peço licença para então fazer uma exposição mais larga e ordenada dos factos, a fim de demonstrar a verdade das proposições que apresentei.
Mas se o illustre deputado quer que eu lhe dê margem a mais um brilhante discurso, como s. exa. os sabe fazer, se é assim, estarei a fallar tres horas só para satisfazer o seu desejo.
Não sendo assim, basta simplesmente por agora responder ás reclamações que constantemente se estão a fazer - de que a igreja é offendida na sua liberdade legitima.
É uma verdadeira mania introduzir a igreja em todas as questões politicas. É melhor pôr de parte a igreja, que deve ser de certo independente. (Apoiados} Quero independencia tambem para ella, mas independencia bem entendida.
Que não intervenha de modo nenhum na gerencia dos negocios publicos e na politica do estado, porque não tem competencia para isso nem direito de o fazer. (Apoiados.)
Sr. presidente, vou terminar aqui as minhas considerações, porque só desejo referir-me, por hoje, á generalidade do projecto.
Não tenho duvida em votar a generalidade do projecto, salva a modificação que a minha moção de ordem exprime. Digo claramente os motivos: é porque na conjunctura actual esta reforma é tão boa como qualquer outra.

Não posso deixar de collaborar n'ella, e acho mais conveniencia em approval-a do que em rejeital-a. Será ella só por si efficaz para debellar o mal que afflige o paiz?
Não me parece. Mas confio que será seguida das outras reformas de que carecemos.
Por isso termino, explicando de novo o sentido da minha moção, que é opposta á do sr. Santos Viegas; cifra-se, simplesmente, em que a proposição relativa ao placet que está inscripta na carta constitucional se inscreva no actual projecto com as mesmas palavras, porque isso é que dá a entender que se mantém e confirma a doutrina que lá se acha.
Com o processo contrario, seguido pela illustre commissão, é que não posso concordar. (Apoiados.)
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A camara resolve que a redacção ao § 14.° do artigo 75.° da carta constitucional deve ser mantida no projecto de lei, que se discute, e continóa na ordem do dia. = Correia Barata.
Foi admittida.

O sr. Marçal Pacheco (sobre a ordem):- Não me levanto para responder ao discurso do distincto orador que acaba de descer da tribuna, nem tão pouco aos discursos dos illustres deputados que me têem precedido n'este debate, senão na parte em que as doutrinas emittidas n'estes discursos possam contrariar o objecto das declarações com que assignei o projecto que se discute.
O meu tim, usando da palavra, é dizer a v. exa., á camara e ao paiz os motivos que tive para fazer essas declarações, e vou dizel-as brevemente, desafogadamente.
Brevemente, porque o estado da minha saude não comporta largas considerações; desafogadamente, porque não me domina nem a pretensão, nem a esperança, sequer, de ver adoptadas as minhas idéas por esta assembléa.
Ha alguns annos, n'um dos parlamentos mais illustrados do mundo, na assembléa franceza, um deputado republicano, n'um movimento de sinceridade, porventura demasiado expansiva, exclamava mordentemente;
«Les orateurs ont pu quelquefois changer mon opinion: jamais, mon vote.»
Esta phrase, que os hypocritas e os insignificantes averbarão de cynica, traduz, syntheticamente, a realidade objectiva e pratica do systema parlamentar, nos tempos que vão correndo.
A discussão é a base primordial do systema parlamentar. A discussão é a luz que esclarece e illumina os assum-

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ptos. Da luz resalta a verdade. A verdade é a justiça que dirige e ampara as sociedades. Diz-se tudo isto, e mais e melhor do que isto, e mais e melhor do que eu o sei dizer.
Simplesmente succede que, na pratica, antes da discussão illuminar os assumptos, já todos sabem em que direcção e sentido os votos hão de ser colhidos pela mesa. (Apoiados.) Porque?
Porque é que a base mais preconisada do systema parlamentar soffre esta correcção na realidade de todos os dias?
É porque uma engrenagem complexa de cousas e pessoas, de considerações e respeitos, de gratidões e compromissos partidarios, e para muitos, de cubicas e ambições vaidosas, colloca-nos a todos fora de uma situação regular, serena e livre, onde poderiam dominar triumphantemente, exclusivamente, a verdade das idéas e a justiça dos interesses.
De quem é a culpa? De ninguem. De ninguem é, sr. presidente, e todavia, todos a têem. De ninguem é, porque eu não conheço, no actual momento historico da sociedade portugueza, ninguem sufficientemente poderoso para deslocar o centro de gravidade d'este triste estado de coisas. Todos a têem, porque todos nós, sem energia, sem coragem e sem abnegação, nos deixâmos arrastar e impellir n'esta onda dominante e predominante de idéas falsas e sentimentos estreitos.
Por isso, sr. presidente, não me illudo, nem me preoccupo com a sorte que espera as idéas contidas nas propostas que vou enviar para a mesa.
Expondo-as á camara, faço-o simplesmente com o fim de cumprir o meu dever e por descargo de consciencia. Nada mais.
Sr. presidente, eu approvo a generalidade do projecto que está em discussão. E approvo a não só pelas rasões que já expendi n'esta casa e constam dos registos parlamentares, mas, sobretudo, porque não posso deixar de a approvar, como egualmente a não podem deixar de approvar todos os que têem assento n'esta assembléa.
Desde que uma lei anterior, a lei de 15 de maio de 1884, reconheceu a necessidade de reformar certos e determinados artigos da carta; desde que os collegios eleitoraes, convocados por virtude d'essa lei, escreveram no meu diploma e nos dos meus collegas procuração especial para reformar esses artigos, é deslumbrante do evidencia que só uma de duas deliberações legaes podemos seguir: ou fazer essa reforma, ou renunciar ao mandato. (Apoiados.)
Ao meu collega, o sr. Calixto direi, n'esta occasião, não se trata agora de saber se a lei de 15 de maio interpretou bem ou mal os artigos da carta; que interpretasse bem, que interpretasse mal, pouco importa. E uma lei do paiz a que devemos acatamento e obediencia.
(Interrupção do sr. Calixto que não se percebeu.)
S. exa., em referencia ao que eu disse o anno passado, ácerca do assumpto d'esta lei, deixou perceber que eu tinha então uma idéa e hoje tenho outra. Ora, quando vier occasião opportuna e ensejo proprio para responder a s. exa., então mostrarei que tenho hoje a mesma opinião que tinha então. N'este momento, entendo que não devo prejudicar o methodo regular da discussão com outras questões.
Mas dizia eu que, desde que a lei de 15 do maio de 1884 reconheceu a necessidade de reformar certos artigos da carta, desde que os collegios eleitoraes inseriram nos nossos mandatos procaracão especial para essa reforma, não podemos senão seguir uma d'estas duas deliberações legaes: ou collaborar na reforma, ou renunciar ao mandato.
Ora o facto de estarmos n'esta casa prova que não renunciámos ao mandato. Logo, a conclusão logica fatal, obrigatoria, é que temos todos, todos, de collaborar na reforma dos artigos inscriptos na lei de maio, não nos termos d'este projecto ou de outro qualquer, mas pelo modo que for mais consentaneo aos interesses do paiz, de conformidade com as prescripções do nosso entendimento. (Apoiados.)
Em similhante assumpto não póde haver logar para duas opiniões diversas. (Apoiados.)
Essa collaboração, a todos imposta, é a approvação do projecto na sua generalidade, porque approvar um projecto na sua generalidade outra coisa não é senão approvar-lhe o seu objecto, o seu pensamento capital. Assim, da propria natureza das cousas resulta que a discussão e approvação da generalidade das reformas politicas é tarefa inutil e escusada, porque tudo isso está feito já, por força da letra da lei e da letra dos nossos diplomas. (Apoiados.) Eu bem sei, sr. presidente, que sendo esta a doutrina verdadeira, evidentissima, nem por isso os partidos politicos estão obrigados a seguil-a.
Desde que ando na politica, que já não é ha pouco tempo, tenho sempre ouvido dizer aos entendidos na sciencia politica dos partidos, que estes regulam o seu procedimento pelas condições e conveniencias da sua existencia e pelas indicações dos seus chefes. Só elles, os chefes, sabem quaes manobras e expedientes conduzem melhor ao fim. Só elles o sabem... se é que elles mesmos, por vezes, o não ignoram... (Riso.)
Mas este privilegio de contrariar os mais claros preceitos da logica e da rasão, só o têem os partidos... e não eu que não sou chefe do nenhum e em nome de nenhum d'elles fallo.
Não tendo, pois, de discutir, nem podendo deixar de approvar, a generalidade do projecto, e manifesto que as minhas declarações todas se referem á doutrina de alguns dos artigos que a commissão apresenta no projecto em substituição dos artigos correspondentes da carta. Essas declarações constituem as minhas divergencias da commissão e estão exharadas nas duas seguintes propostas que vou ler á camara:
«1.ª Proponho que o numero de pares electivos seja, pelo menos, igual á somma dos pares de nomeação regia e de direito proprio.
«2.º Proponho a extincção do beneplacito religioso.»
Vou dizer á camara, brevemente, como prometti, os motivos em que assenta cada uma d'estas propostas.
Sr. presidente, eu não sinto nenhuma especie de euthusiasmo pelas reformas politicas que se estão discutindo. Não o sinto eu, não o sente esta camara, não o sente o paiz, não o sente ninguem. (Apoiados da esquerda da camara.) Mas, nem por estas nem por outras, mais largas ou mais estreitas, mais conservadoras ou mais radicaes. (Apoiados.)
No anno passado, quando se descutiu a lei de 15 de maio, eu tive occasião de dizer n'esta camara que as reformas politicas passariam atravez do indifferentismo geral do paiz. E não me enganei, nem era facil enganar-me, porque não era difficil a prophecia para quem quizesse ser sincero.
E disse o, sr. presidente, porque então, como agora, estava e estou convencido que, quando um paiz se encontra nas circunstancias em que se encontra a sociedade portuza, não se cura com reformas politicas.
Quando uma nação, como a nossa, tem crescido extraordinariamente em necessidades de consumo sem as correspondentes faculdades de producção; quando uma nação se dilacera e debate nas angustias do um deficit economico assustador; quando a sua agricultura se arrasta engoiada por processos velhos e rotineiros, quando a sua industria mal começa a soletrar o abeedario dos modernos processos das nações cultas, quando o trabalho nacional, pouco activo e pouco intelligente, é esmagado pela concorrencia terrivel do trabalho estrangeiro, n'estas condições, as reformas politicas não curam cousa alguma, não remedeiam nada, antes podem concorrer para o aggravamento do mal.
Podem aggravar o mal porque desviam a atteução dos poderes publicos do ponto verdadeiro onde poderá e de-

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verá encontrar-se, senão remedio que dê prompta e immediata cura, pelo menos, allivio que nos permitia respirar. (Apoiados).
Era bom, sr. presidente, era bom que assim não fosse! Era bom que reformas politicas, mais ou menos radicaes, mais ou menos conservadoras, contivessem a virtude de livrar as nações de perturbadoras crises economicas e financeiras.
Que bom seria isso! Uma nação via-se assoberbada pela fome, como a Inglaterra, em 1846? Não teria ido procurar remedio ás providencias contidas nas leis dos cereaes que tão profunda reflexão tiveram nos mercados do mundo. Decretaria a existencia inoffensiva de cincoenta lords electivos e ficavam as populações saciadas... (Apoiados - Riso.)
Em 1835, os centros operarios da França, principalmente Marselha e Leão, sentiam-se perseguidos por uma terrivel crise de trabalho? Não teriam hasteado a bandeira da revolta com esta sinistra divisa - du pain ou du plomb. - Teriam simplesmente pedido pão ou votos... (Apoiados. - Riso.) A Italia, que foi aqui citada como modelo do paizes bem governados, viu-se nos ultimos annos seriamente ameaçada por uma bancarota eminente. Pois bem. Sabe v. exa. o que fez a Italia? Bem se importou Sella, o seu ministro da fazenda, com o Statuto de 1848, outhorgado por Carlos Alberto... (Apoiados.) Foi ao parlamento pedir o imposto das moagens. (Apoiados.) O Statuto de Carlos Alberto continuou como estava. (Apoiados.) Ultimamente, a Inglaterra, de concerto com outras nações, tem estado a tratar da crise financeira e economica do Egypto. Sabe v. exa. porque fórma? Redigindo para o Egypto uma constituição pelo modelo da constituição belga ou da neerlandeza... (Riso. - Apoiados.)
Nós temos um deficit de 5.000:000$000 a 8.000:000$000 réis? É facilimo sair d'esta situação. E adoptar a constituição de 1838. Fazemos o senado electivo e vamos ao templo render graças aos Deuzes... Está a patria salva!... (Apoiados.- Vozes: - Muito bem.)
Infelizmente, tudo isto é falso e perigoso; falso, como nol-o indica a simples noção do bom senso e a licção da historia, perigoso porque desorienta o espirito publico. (Muitos apoiados.)
As reformas politicas são, muitas vezes, a salvação das nações, são, muitas vezes, por assim dizer, a valvula de segurança que impede as grandes perturbações e os grandes cataclismos sociaes; mas são-no quando as reclamações urgentes dos povos, vexados nas suas liberdades e opprimidos nos seus direitos, as pedem e solicitam. (Apoiados.)
Mas as que se discutem têem acaso este caracter? O paiz, alguma vez, pediu aos poderes publicos a reforma da constituição? Não! Ninguem ousará dizel-o.
A verdade é que, ha dez ou doze annos, os partidos politicos fallam nas reformas politicas, umas vezes pela falta de programma, outras vezes pela necessidade de explicar uns certos revezes, uns certos desastres soffridos. (Apoiados.)
Entretanto, não vinha mal ao mundo em emprehender essa reforma, tanto mais, quando da execução desse emprehendimento podia resultar uma dupla vantagem: a de harmonisar algumas disposições da carta, já envelhecidas, com os modernos principios de direito publico, e a de arredar da discussão, por uma vez, este projecto, que está representando um tropeço, um obstaculo a que se resolvam questões de mais alto interesse para o paiz.
Foi, certamente, firmado n'esta ordem de idéas, que o nobre e honrado chefe do partido regenerador entendeu de ver apresentar a reforma que estamos discutindo. (Apoiados.)
Foi, também, por esta mesma ordem de idéas e por estas considerações que votei a lei de 15 de maio de 1884, e voto agora o projecto.
Mas, sr. presidente, votando a reforma, como acabo de dizer, quero e preciso votal-a por modo e maneira, que a constituição do estado não fique uma monstruosidade politica na parte referente á organisação da camara dos pares. E monstruosidade se me affigura a obra da commissão; monstruosidade de tal ordem, que nem se justifica com exemplo similhante, de nenhuma constituição do mundo, comprehendendo o velho e novo, nem resiste á mais ligeira analyse diante das indicações da sciencia de direito publico constitucional.
Justifica-se a doutrina da carta. Não se justifica a doutrina da commissão.
Justifica-se a doutrina da carta, porque, aberto um conflicto entre a camara dos pares, por um lado e, pelo outro, o governo, a confiança da corôa, a confiança da camara electiva e a confiança do paiz, havia, segundo a carta, meio constitucional de resolver o conflicto. O governo, forte d'estes elementos constitucionaes, appellava para a corôa, a corôa nomeava novos pares, e as instituições entravam no seu regular exercicio.
O que havia do absurdo na carta? A hereditariedade? Entendia-se que deviamos lançar uma esponja por cima d'esta idéa velha e absurda da hereditariedade?
Queriamos condemnar o principio absurdo de attribuir a funcção de legislar ao acaso do nascimento?
Que se acabasse com os pares hereditarios, ficando a camara composta, sómente, de pares vitalicios, de nomeação regia, como succede na Italia. Era uma melhoria no systema da carta, e, dentro d'essa melhoria, tinha logar a solução dos conflictos constitucionaes.
Queria-se ir mais longe, fazer um senado todo electivo, sujeito a dissolução?
Era usar de um systema que está adoptado em muitas constituições e, nomeadamente, na constituição Belga de 1831, na constituição da Hollanda de 1848, na Norueguesa de 1814, na da Suecia de 1866, na da Roumania de igual data, na constituição da Servia de 1869, etc., etc. Este systema tem dado excellentes resultados na pratica, e perfeitamente se justifica diante das prescripções da sciencia da politica.
Preferia-se um systema mixto de pares electivos e vitalicios?
Não seria systema novo, pois que o teve a França na lei organica do senado de 1875, tem-n'o a Hespanha na sua constituição de 1876, está escripto na constituição Dinamarqueza de 1866, regulam-se por elle a Baviera, o Gran-Ducado de Baden e outras nações civilisadas.
Mas o que fez a commissão? Usou, effectivamente, do ultimo systema, mas por forma que o modo de ser dos elementos componentes e a sua proporção, não deixam margem á solução das crises politicas, que por mil incidentes diversos podem apparecer. Dado um conflicto, organisada uma maioria facciosa na camara dos pares, não ha meio possivel de resolver esse conflicto ou de quebrar essa maioria.
Limitado o numero de pares vitalicios, de prerogativa regia, e sendo, por outro lado, inferior áquelle o numero de pares electivos, não é uma camara que se organisa, é uma oligarchia.
Eu supponho, por um momento, em vigor o projecto da commissão; e supponho diante da camara dos pares, tal como o projecto a estabelece, um ministerio organisado com todos os elementos constitucionaes. Não lhe falta a confiança da corôa, tem a unanimidade de votos n'esta camara, tem o apoio do paiz, tem a maioria dos pares electivos, tem os applausos da imprensa. Nada lhe falta. Simplesmente, os cem pares de prerogativa regia e mais doze ou quinze, os que forem, de direito proprio, organisam-se em maioria facciosa, que não deixa governar esse ministerio. Que se faz? Como se resolve este conflicto? Passa-se por cima da camara dos pares? Por que fórma?
Qual é a maneira de resolver esta crise politica? No regimen da carta havia o expediente de nomear novos pares. Mas n'este o que ha? Meio nenhum. Allega-se

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contra estas conclusões a inverosimilhança da hypothese que formulei. Não é natural que logo se reunam num mesmo pensamento todos os pares de nomeação vitalicia. Mas não é necessario que sejam todos! Bastam noventa e cinco, noventa, oitenta, setenta, sessenta, até!... Mas nós temos fé em que a camara dos pares será suficientemente prudente para não affrontar as indicações constitucionaes em que se firme um governo, n'essas condições, dizia o sr. ministro do reino. Oh sr. presidente! O sr. ministro do reino (sinto não o ver presente), que é um argumentador habilissimo, carece de levantar a fé á altura de um principio de direito publico para justificar a doutrina do projecto! Pobre doutrina se não tem outra defeza!
Prudencia da camara dos pares?!
Mas não é exactamente na falta de prudencia da camara dos pares que todos, mais ou menos, se têem baseado para pedir a sua reforma? Mas não é porque a camara dos pares perdeu o caracter ponderador, que lhe attribuem, que mais altos clamores se levantaram pedindo a sua reforma? Mas não é porque a camara dos pares se fez politica, que se julgou necessaria a sua reorganização? Como é, pois, que se quer justificar o modo da reforma com o presupposto de uma qualidade ou de um facto, cuja negação justifica o principio da reforma?
Mas, sr. presidente, é o proprio governo, o proprio sr. ministro do reino, que destroem o valor de similhantes allegações! Com effeito, eu abro o relatorio do governo sobre a sua proposta da reforma e encontro a pagina 7 o seguinte periodo:
«O direito de dissolução, consignado na carta como uma das attribuições do poder moderador, é necessario que possa ser applicado á parte electiva da primeira camara, quando assim o exigir o bom do estado. Sem esta faculdade a machina constitucional não poderia trabalhar regularmente, e numa crise politica originada pelos mil incidentes diversos que a podem produzir, faltando o meio de quebrar uma maioria facciosa na camara dos pares, ficaria esta sendo o arbitro da situação com predominio absoluto sobre todos os poderes e sobre a vontade nacional.»
A camara ouviu? É o governo, e, portanto, o sr. ministro do reino, que tem o seu nome assignado no relatorio, quem diz que «faltando o meio de quebrar uma maioria facciosa na camara dos pares, esta se tornaria arbitro supremo do paiz». Eu chamo á obra da commissão «oligarchia». O governo chama á camara dos pares, organisada nas bases do projecto, «arbitro supremo do paiz». Mas vamos a saber: como é que se quebra a maioria facciosa que póde organisar-se na camara dos pares' o governo prevê a hypothese. Como é acautelada essa hypothese? Comno responde o projecto a essa previsão, aliás naturalissima? De nenhum modo. A commissão fez, permitta me a camara a expressão, um beco sem saida. (Riso.) pois eu não o voto. Já não tenho grande enthusiasmo pelas reformas politicas nas condições em que está o paiz; mas votal-as por fórma que as instituições fiquem peiores, reputo ser uma falta imperdoavel.
O projecto organisa uma oligarchia inadmissivel. Nenhuma constituição de nação culta estabelece cousa similhante, mesmo n'aquellas em que a organisação da segunda camara se compõe de elementos de diversas procedencias. Na constituição hespanhola do 1876, d'onde evidentemente foi copiada a doutrina do projecto, mas mal copiada, não se dão os perigos que notei á camara, porque o numero de senadores electivos e sujeitos á dissolução nunca póde ser inferior á somma dos senadores de todas as outras origens. Na constituição da Dinamarca, muito menos. Ahi, o numero do senadores electivos e sujeitos á dissolução é approximadamente igual a quatro quintos do numero total. Na Baviera e no Grão-Ducado de Bade ha o recurso á prerogativa regia. Só a França e o Brazil apresentam exemplos de senados sem sujeição á dissolução. Como, porém, no Brazil; o numero de deputados é o dobro do numero dos senadores, e deputados e senadores funccionam juntos n'uma mesma assembléa, sempre que se levantam conflictos legislativos, é claro que são por esta fórma attenuados os grandes inconvenientes da falta de dissolução.
E a França?
A França não póde servir de exemplo. A França remodelou no anno passado a organisação do senado, que já não existe, como vem indicado no relatorio do governo. É todo electivo. Acabaram os pares vitalicios. Todos estão sujeitos á renovação de tres em tres annos. Esta é a parte mais importante da ultima remodelação da constituição franceza. A organização do senado perdeu o caracter de constitucional, e passou a ser regulado por uma lei ordinaria. De sorte que, á primeira dificuldade que surja, ao primeiro conflicto que se levante póde transformar-se o senado.
Nós, que não damos á organização do senado este caracter mais ou menos transitorio, susceptivel de modificações immediatas e, que na sua organização, lhe damos um caracter permanente, incluindo-a na constituição do estado, francamente commettemos um erro de que é possivel que mais tarde venhamos a arrepender-nos.
Não nos illudâmos. Desde que ha duas camaras e que essas duas camaras constituem dois altos corpos politicos do estado, é preciso dar-lhes plenissima liberdade de acção, mas é preciso tratal-os politicamente como elles são.
Que importa que todos digamos e digam os publicistas que a camara alta deve exercer uma funcção ponderadora e deve ter um caracter conservador?
São palavras vazias de sentido.
O importante é saber quaes são as obrigações inscriptas na lei. Esta e que é a questão.
Caracter de moderador, caracter do ponderador tinha-o o senado francez, e toda a camara sabe de certo o que ainda ha pouco succedeu com o celebre artigo 7.º da lei referente ás ordens religiosas.
O senado francez votou contra o artigo 7.° d'essa lei e não houve meio de o fazer passar.
Felizmente o genio do sr. Ferry, d'esse estadista notabilissimo que uma onda de cegueira fez sossobrar n'uma tempestade de falso patriotismo, foi exhumar do pó da archivos uma velha providencia que lhe permittia expulsar as ordens religiosas. Pol-a em vigor, e pôde salvar, com este expediente, a honra do parlamento e do paiz.
Mas ha sempre providencias velhas que se possam ir desenterrar do pó dos archivos?
Não ha.
E, quando não as houver, o que havemos de fazer?
Enterrâmo-nos a nós mesmos? (Riso.)
Sr. presidente, tenho dito, brevemente, os motivos que me levam a não approvar o projecto da commissão na parte referente á constituição do senado.
Vou expor tambem, brevemente, as rasões que tenho para fazer a minha proposta sobre a extincção do beneplacito religioso.
A necessidade da reforma do § 14.° do artigo 75.° da carta constitucional foi reconhecida pela lei do 15 de maio de 1884. O governo, em obediencia a esse reconhecimento legal, apresentou a reforma do § 14.° do artigo 75,° da carta constitucional.
A commissão, porém, entendeu que devia, n'esta parte, pôr de lado a proposta do governo e deixar as cousas como estavam.
Postos estes factos, a primeira pergunta que naturalmente occorre é esta: podia a commissão deixar do propor a reforma do § 14.º do artigo 75.º da carta constitucional?
Eu digo que effectivamente podia, e a prova de que podia é que o fez. (Riso. -Apoiados.)
Mas, podia-o fazer legalmente e no cumprimento dos seus deveres?
Respondo, sem hesitações, que não.

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Todos quantos aqui estamos sentados, temos mandato imperativo, mandato imperativo que não deriva dos eleitores, mas nasce da lei do 15 de maio do 1884.
Esse mandato não implica o modo do reformar. Podemos reformar como quizermos.
Esse mandato, porém, envolvo a obrigação de reformar os artigos indicados n'aquella lei.
Podemos nós, porventura, fazer alguma proposta do reforma a respeito de qualquer artigo que não venha mencionado na lei de 15 do maio de 1884?
Não podemos. E não podemos era obediencia ás disposições d'essa lei.
Quaes são essas disposições? Sómente duas: primeira, especialização dos artigos sobre os quaes se devem fazer propostas de reforma; segunda, reconhecimento da necessidade de reforma d'esses artigos.
Pois nós respeitâmos e acatamos uma d'essas disposições, e entendemos que estamos no direito do violar a segunda?
Desde que qualquer membro d'esta casa se abstem de collaborar na reforma de tal ou tal artigo, indicado na lei do maio, o mesmo é que dizer que elle entende que esse artigo não carece do ser reformado.
Mas, a lei diz o contrario; logo, quem assim procede, procede, pelo menos, illegalmente, porque procede contra o que a lei diz. (Apoiados.)
E aqui vem do moldo responder ao argumento do sr. Arrojo, tirado do artigo 143.º° da carta constitucional.
É claro que a reforma póde deixar de fazer-se, e é por isso que a carta diz: e o que se vencer prevalecerá...
Mas, este facto que póde dar-se independentemente da nossa vontade, e pela natureza, das cousas, esse facto, de nenhum modo auctorisa a falfa do cumprimento do nosso mandato.
Assim, e por exemplo: ninguem dirá que o militar não tem obrigação do combater, para vencer, o inimigo da patria; mas dirá alguem que o facto possivel de não vencer o auctorisa a elle a não combater, a fugir, a desertar?
Certamente que não.
O advogado acceita uma procuração do seu constituinte, e, pelo facto d'essa acceitação, está obrigado a empregar todos os meios convenientes para fazer vingar a justiça do seu constituinte. Mas o facto possivel d'essa justiça não vingar nos tribunaes exonera o advogado d'aquella obrigação? Não.
Reunidos os deputados em assembléa, é muito possivel que o modo do reformar qualquer artigo não obtenha maioria, do votos.
Dada esta hypothese é claro que se não póde effectuar a reforma; mas esta consequencia, que não deriva de nós, mas, por assim dizer, de um caso de força maior, não nos dispensa a nós de cumprir o dever que temosde empenhar todos os esforços para reformar os artigos que a lei reconheceu carecerem de reforma.
Mas só esta camara não tem o direito de reformar, ou deixar de reformar, se ella não póde julgar da opportunidade da reforma, então, argumentam os illustres e talentosos deputados, os srs. Arroyo e Calixto, então, estas côrtes, não são côrtes revisionaes, não são constituintes, são inferiores ás que votaram a lei de 15 de maio.
Oh, sr. presidente! Lamentavel confusão de idéas! extranhavel introversão de raciocinio! Os illustres deputados, n'este assumpto, filiam as suas idéas nas palavras em vez de ir procurar nas idéas a filiação das palavras.
Côrtes revisionaes... côrtes revisionistas... côrtes revisoras... côrtes constituintes... Cõrtes constituintes soberanas!... Sem duvida, revisionaes é termo bem descoberto... revisionistas é de estylo primoroso... revisoras é euphonico... constituintes é patriotico... constituintes soberanas é pomposo...tudo isto, porém, tem só um inconveniente: é o de não ser verdade. Esta camara não é revisional, nem revisionista, nem revisora, nem constituinte, nem constituinte soberana. É uma camara como outra qualquer.
O sr. Calixto: - Então não ha differença nenhuma?
O Orador: - Eu vou já socegar o illustre deputado. Esta camara tem com a que passou uma funcção commum: é a do votar todas as medidas tendentes ao bem geral da nação. Tem, porém, no processo da reforma da constituição do estado, um ponto do differenciação. A que passou, julga da necessidade da reforma: a actual, julga do modo do operar essa reforma.
E eis aqui tudo. Nem só podo dizer que a camara anterior é inferior em poderes a esta, nem esta inferior áquella. Trata-se de indicar quaes artigos carecem de reforma? Attribuição é essa, que a actual camara não tem, e teve-a a camara passada. Trata-se do fazer, operar, realizar a reforma? A competencia é da camara actual, e não a podia ter a camara, transacta. Como se vê, n'este ponto do processo da reforma, as funcções das duas camaras completam-se, mas são diversas, e por serem diversas o heterogeneas, não podem comparar se n'uma relação generica de superioridade ou inferioridade. E não se diga que isto é dar por provado o que se quer provar. Nós, no presente momento, não podemos ou não devemos estar a discutir o que preceitua a carta, no tocante ao processo a seguir para a sua reforma. Bem ou mal, esse processo está traçado na lei de 15 de maio, e a sua discussão teve logar antes de votada, na sessão do anno passado. Agora é lei do paiz e temos obrigação de lhe prestar obediencia.
É esta a verdadeira doutrina, sr. presidente.
E tão verdadeira é e tão poderoso é o influxo da verdade que, até aquelles, que com o seu procedimento a desacatam, a defendem com a sua palavra ou com a sua pena.
V. exa. e a camara conhecem a attitude do partido progressistas n'esta casa diante da discussão das reformas politicas. O partido progressista, pelo seu procedimento, mostra claramente que elle entende que os membros d'esta assembléa estão no seu direito de se absterem de collaborar nas reformas politicas. Sabe v. exa. tambem, sr. presidente, que a commissão e o governo, pelo seu procedimento, mostram igualmente que se julgam no direito de se absterem de reformar qualquer artigo.
Pois bem. vamos dar a palavra ao partido progressista regenerador... perdão! Ao partido progressista vamos dar a pena, porque elle perdeu a palavra... (Riso. - Apoiados.)
Vou appellar para a pena do partido progressista que, serenamente, tranquillamente, escreveu, em dois dos mais importantes orgãos da sua imprensa, o que pensava ácerca d'este assumpto. A camara vae ouvir. O partido progressista escrevia:
«A commissão das reformas politicas resolveu que a actual camara era competente para reformar ou não qualquer dos artigos indicados para poderem ser reformados. De modo, que uma lei constitucional declara que o artigo da carta a respeito do beneplacito precisa de ser reformado, e a camara, eleita em virtude d'essa lei, vae dizer que o referido artigo não precisa de reforma! Francamente: não morremos de amores pelo beneplacito. Mas se assim pensâmos a respeito da questão doutrinal, não podemos deixar de estranhar o procedimento do governo tanto pelo que é violação de uma lei constitucional, como pelo que representa uma sujeição e humilhação e indecorosa.»
assim se expressava uma das penas mais brilhantes do jornalismo progressista. Temos mais ainda. N'outro orgão do partido progressista lia-se:
«O governo que propoz ás côrtes a reforma de determinados artigos da carta e que fez approvar e promulgar a lei declarando a necessidade de reforma d'esses artigos quer agora deixar de reformar um dos que foram incluidos n'essa lei! Promulgou-se uma lei, declarando a necessida-

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de de se reformar o artigo da carta que trata do benepla cito; convocaram-se côrtes com poderes constituintes para fazerem essa reforma; o paiz elegeu a respectiva camara dando-lhe poderes especiaes para a reforma d'aquelle e dos outros artigos; depois d'isso, o governo apresentou a proposta de lei para a reforma definitiva e agora vae pedir á commissão que rasgue essa proposta, que se dê por insubsistente o compromisso constituinte, que se despreze a lei, que declarou a necessidade da reforma de determinados artigos da carta!
«A commissão das reformas politicas ouviu com assombro esta exigencia do governo! e n'esta exigencia que traduz a violação de uma lei constitucional e uma subserviencia etc.»
Não é preciso ler mais.
O partido progressista, como se vê da leitura que acabo de fazer, atacava rudemente o governo, porque o governo entendia, junto com a commissão, deixar de lazer a reforma respeitante ao beneplacito.
Desde que a lei de 15 de maio do anno passado reconheceu a necessidade de reformar certos artigos, era dever de todos nós propormos ou acceitarmos a sua reforma. Tudo o mais era a violação de uma lei constitucional. Era dar o mandato constituinte por insubsistente. Tal era o modo de ver e pensar do partido progressista ácerca d'esta questão. Compare a camara a theoria com a pratica... (Apoiados).
Vejamos agora o que diz o partido regenerador. Vamos dar-lhe a palavra:
No relatorio que precede a proposta do governo lê-se:
«Senhores.- A lei de 15 de maio do corrente anno reconheceu no seu artigo 1.° a necessidade da reforma de varios artigos e paragraphos da carta constitucional, e preceituou no artigo 2.° que os membros da camara, que fosse eleita em seguida á legislatura, que acaba de findar, viessem munidos das auctorisações necessarias paia a levar a effeito. A camara dos senhores deputados, eleita com poderes especiaes na conformidade das disposições do citado artigo, tem o governo, usando da sua iniciativa, a honra de apresentar uma proposta de lei tendente a modificar os artigos e paragraphos da carta constitucional, de cuja reforma fui já reconhecida legalmente a necessidade.»
Aqui está o que entendia o governo que representa o partido regenerador nos conselhos da corôa. Mas ha mais.
Na sessão de 10 do corrente mez, os progressistas, contradizendo inteiramente o que tinham escripto, apresentaram-se a declarar que se abstinham de discutir as reformas politicas. Era uma violação flagrante de uma lei constitucional, era a declaração da insubsistencia do mandato recebido dos eleitores. Então o honrado chefe do partido regenerador respondia triumphantemente aos progressistas:
«Então o mandato não quer dizer nada, é uma cousa fallaz?
«Pois isto não passa de uma ficção constitucional? Os constituintes não serão nada, não mandam nada, não encarregam de cousa alguma os representantes do povo?! Encarregam-nos do silencio unicamente?!
«Não póde ser. (Muitos apoiados.)
«E vem dizer-nos o illustre orador, que me precedeu, que interpreta melhor assim os sentimentos dos seus constituintes!
«É curioso!
«A camara está toda no seu estado completo; a camara toda, maioria e opposição, todos os deputados emfim toem aqui o seu mandato; todos, sem excepção de um só, todos os constituintes outorgaram aos membros d'esta casa os poderes necessarios para reformar a constituição; pois todos os constituintes erraram, todos os collegios eleitoraes erraram, todos elles interpretaram mal o seu proprio sentimento; e não obstante, creio eu, elles devem saber, melhor do que nós, o que queriam, só quem acertou foi o nobre deputado, o sr. Braamcamp, que diz interpretar melhor os sentimentos que tinham os constituintes e que elles manifestaram por escripto nas suas procurações!!»
Como se vê, tanto o partido progressista, como o regenerador, sustentam com a penna, ou com a palavra, as boas doutrinas. Simplesmente, nesta questão, de um e outro póde dizer-se, como de frei Thomás... (Riso.)
Dizendo isto, sr. presidente, eu não pretendo censurar ninguem.
Eu já disse que sendo esta a verdadeira doutrina, sendo estes os verdadeiros principies, não julgo, por isso, os partidos obrigados a seguil-os...
Torno a repetir que tenho sempre ouvido dizer ás pessoas entendidas na sciencia politica, que os partidos não só regulam pelas indicações da logica, nem pelos dictames da justiça. Na sua marcha e direcção determinam-se pelas conveniencias e necessidade da sua existencia. Só os chefes e que saberá que manobras e expedientes são mais convenientes.
Não ha, pois, da minha parte intenção de censura a ninguem, a nenhum partido.
Mas eu, que não sou chefe de partido, que não fallo em nome de nenhum d'elles, tenho de seguir por uma estrada diversa, e por isso entendo que no desempenho do meu mandato devo collaborar indicados na lei de maio.
Cumprindo esse dever faço a minha segunda proposta para ser reformado o § 14.º do artigo 75.°, no sentido de ser abolido o beneplacito.
Sr. presidente, para mim, o beneplacito não tem rasão de ser, é uma prepotencia, e, alem de ser uma prepotencia, é uma inutilidade.
Não venho causar a camara fazendo uma larga dissertação sobre as origens historicas do beneplacito.
A camara sabe de certo, e isto é quanto basta para a discussão, que o beneplácito é um jux cavendi, uma arma de precaução do poder secular contra a invasão possivel de doutrinas attentatorias e destruidoras das suas regalias. E n'este sentido e com esta intenção que o defendem os seus mais fervorosos partidarios.
Com esta mesma intenção e com este mesmo sentido digo eu que o beneplacito não tom rasão de ser.
N'outro tempo quando a igreja avassalava as consciencias do velho inundo com a sua influencia poderosissima, quando a um aceno de Roma os povos obedeciam e os thronos vaciliavam, n'outro tempo, quando o gigantesco poder do Vaticano obrigava os imperadores da Allemanha a atravessarem as neves dos Alpes, e rendidos de obediencia e humildade, prestarem preito e vassalagem aos pés do chefe da igreja, então o beneplácito tinha rasão de ser.
Era uma arma poderosissima, representava mais do que um exercito.
Era a victoria de ceai batalhas.
Mas hoje! no estado da sociedade portugueza, com a feição proeminentemente critica do espirito portuguez, o beneplacito servindo de arma contra a igreja, é mais do que uma ironia, é um sarcasmo!
Pobre igreja!... Tomára ella que não a persigam!...
O sr. Santos Viegas: - Apoiado.
O Orador: - É certo que o clero tem entre nós bastante influencia. Mas essa influencia não deriva nem da cegueira nem do fanatismo religioso. Deriva do prestigio pessoal, maior ou menor, dos seus membros, os quaes, digam o que disserem, constituem ainda um dos maiores e mais poderosos elementos de ordem na sociedade portugueza. (Apoiados.)
Uma voz: - Quer ser padre!
O Orador: - Quero ser logico.
O sr. Costa Pinto: - Ainda póde ser bispo.
O Orador: - E o illustre deputado ainda póde ser sachristão; é tambem uma funcção ecclesiastica. (Riso geral.)
Mas é uma prepotencia sem nome!

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Pois que, sr. presidente! Dá-se liberdade ampla de discussão e propaganda aos srs. republicanos, que seguramente não morrem de amores pelas instituições vigentes; dá-se liberdade de propaganda aos srs. socialistas, que pretendem revolver a sociedade inteira e apregoam os principios mais subversivos; dá-se liberdade aos communistas para atacarem e alluirem pela base as noções fundamentaes da familia e da propriedade; e até póde fallar e escrever, sem prévia licença, o dinamytista que quer purificar a sociedade no cadinho de um vulcão! A todos aproveita a liberdade! Só aos padres, aos bispos, ao clero, é que se não póde dar essa liberdade! (Apoiados.) Ora francamente, isto é serio? (Apoiados.) Isto não é um contrasenso? Não é uma prepotencia?
Mas vem a allegação - de que a igreja portugueza é uma associação constituida e os seus membros são retribuidos pelo estado. Sim! Mas, sem fazer a minima allusão a nenhum membro d'esta casa, pergunto: o directorio republicano e os clubs republicanos não são associações constituidas, e não fazem parte d'ellas alguns individuos subsidiados pelo estado? Não ha por ahi um tenente coronel do exercito no directorio republicano? Não ha alguns professores do curso superior de letras, e alguns lentes da universidade, membros do directorio republicano?
O sr. Calixto: -Eu não sou.
O Orador: - Não digo que seja s. exa. e já disse que não fazia allusão a ninguem. Formulo só a pergunta.
Pois são verdadeiras associações. Promulgam os seus decretos e as suas bulias; (Riso.) se muitos não acreditam n'ellas, a culpa não é dos principios, nem da logica. Porque se não estabelece para essas associações o beneplacito, a censura previa?
Porque ha de haver esta prepotencia, sómente para os padres e para os curas de almas?
Francamente, eu não tenho medo nem dos republicanos, nem dos curas de almas. Folgo até que se dêem todas as liberdades aos republicanos. Mas se na sociedade portugueza me perguntarem qual póde influir mais no espirito das massas populares: se a propaganda republicana, se a propaganda religiosa, eu não hesito um momento em responder, que é a republicana. A prova está na grande tiragem que têem os jornaes republicanos.
Mas allegou o illustre e conspicuo deputado que encetou este debate - que os bispos podiam, como cidadãos, apreciar em livros, em memorias, em artigos de jornaes, as instituições e as leis do reino; como pares de direito proprio, podiam liberrimamente expor e sustentar as suas opiniões no parlamento. Não era, porém, nem sensato, nem lógico, nem justo, que o culto, mantido pelo estado, podesse servir de instrumento para a ruina do mesmo estado.
Permitta-me s. exa. que lhe diga que das premissas estabelecidas não póde concluir-se pela existencia do beneplacito.
Se se demonstrasse que da liberdade da igreja provinha este perigo para o estado, era essa a conclusão logica; mas não é um perigo, é a possibilidade de um perigo, que a conclusão póde affirmar.
Ora uma possibilidade não dá direito a uma repressão preventiva. Deus nos livrasse de applicar-se á nossa liberdade similhante logica!
Mas emfim, sr. presidente, se os bispos podem, como cidadãos ou como membros da camara, expor e sustentar as suas idéas independentemente de approvação previa do poder executivo, se, igualmente, o podem fazer pelas conferencias e praticas religiosas, pelos sermões e por tantos outros meios que não estão abrangidos, que não podem ser abrangidos, pela prohibição do governo ou do poder secular, pergunto: de que serve na pratica of beneplacito? É uma inutilidade vexatória e nada mais. E um aviltamento sem proveito nenhum.
Ah! mas este é o procedimento das nações cultas. É esta a excellente doutrina adoptada em todos os paizes onde ha uma religião privilegiada. Eu peço licença para dizer que isto é inteiramente inexacto.
Em primeiro logar, raras, rarissimas nações têem o beneplacito escripto nas suas constituições.
A Hespanha tem a religião catholica apostólica romana como religião do estado. Está escripta no artigo 11.° da sua constituição. Póde percorrer-se toda a constituição hespanhola de 1870 que não se encontra lá o beneplacito.
(Interrupção.)
Eu estou a referir-me unicamente aos paizes que têem uma religião do estado.
A Dinamarca, que tem uma religião do estado, que é a evangelica lutherana, não tem nenhum beneplacito.
A Noruega, cuja religião do estado é, da mesma sorte, evangelica lutherana, tambem não tem beneplacito.
Os unicos paizes que têem beneplacito, inscriptos na sua constituição, são Portugal e Brazil.
Nós, no estabelecimento destas grandes affirmações de liberdade, andamos proximamente pelo Brazil, cuja constituição tem a data de 1824!
Mas vejamos, sr. presidente, o levantado exemplo da Italia.
E fallo da Italia, porque nenhum paiz nos póde dar ensinamento mais proficuo para esta ordem de problemas do que a Italia.
A Italia, que tem sido atravessada por mais convulsões politicas do que geologicas, é o paiz que tem no seu seio a sede da religião catholica apostolica romana, que é a sua religião privilegiada.
Nenhuma nação culta se podia temer mais da invasão da propaganda religiosa contra as temporalidades e regalias do seculo.
É edificante a lição da Italia.
Chamo a attenção do illustre deputado, que tão vivamente atacou a extincção do beneplacito, para o estado da legislação italiana. Em primeiro logar, a Italia não tem no estatuto organico de 1848, que é a sua constituição, nenhuma especie de beneplacito.
O beneplacito que ha no estatuto de 1848 é o seguinte. Peço a attenção da camara para esta leitura:
«Statuto organico de 4 de março de 1848:
«Artigo 28.° E livre a imprensa e uma lei reprimirá todos os abusos d'ella. Todavia as biblias, cathecismos, livros de lithurgia e orações não poderão ser publicados sem auctorisação previa dos bispos.»
Aqui está um beneplacito... ás avessas. (Riso.)
É certo que a Italia tem estatuido o beneplacito em leis regulamentares, mas quer v. exa. e a camara saber como procedeu a Italia mais tarde? Fez taboa rasa de todas as disposições regulamentares do beneplacito e promulgou a celebre lei, que tem fóros de constitucional, de 13 de maio de 1871. Vou ler alguns dos artigos d'essa lei, porque a sua leitura deve tranquilisar um pouco os espiritos apavorados pelas cem cabeças da hydra:
«Artigo 1.° A pessoa do Soberano Pontifice é sagrada e inviolavel.»
«Artigo 12.° O Soberano Pontifice corresponde se livremente com o episcopado e com todo o mundo catholico, sem nenhuma ingerencia do governo italiano. Com este fim, é-lhe concedida a faculdade de estabelecer no Vaticano, e em todas as suas habitações, estações telegrapho-postaes servidas por empregados da sua inteira confiança. O transporte dos despachos ou correspondencias pontificaes, tanto no interior do reino, como para o estrangeiro, é pago pelo estado, etc.»
«Artigo 14.º E abolida toda a restricção. especial no exercicio do direito de reunião dos membros do clero catholico.»
«Art. 16.° São abolidos o exequatur e o placet reaes, e bem assim qualquer outra forma de auctorisação governamental para a publicação e execução dos actos das auctoridades ecclesiasticas.»

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SESSÃO DE 20 DE ABRIL DE 1885 1243

Ora veja a camara! A Italia, não só deixa a hydra em liberdade, mas até lhe paga as correspondencias, os telegrammas, sem lhe importar para nada com as suas machinações tenebrosas! (Riso.) Já é loucura!
Sr. presidente, eu bem sei que sustentando estas doutrinas ganho para mim o epitheto desairoso de retrogrado ou reaccionario.
Não me assusta nem me incommoda isso. Para mim os nomes das doutrinas são como os nomes de baptismo dos individuos. Não affirmam qualidades. Exprimem, quando muito, meros signaes distinctivos. Eu quero a liberdade, mas não a quero só para mim. A liberdade para mim não é uma noção subjectiva do meu cerebro, posta unicamente, exclusivamente, ao serviço dos meus desejos, dos meus sentimentos, das minhas idéas, das minhas paixões. E mais do que isso. É a irradiação sublime do direito humano, sob cuja protecção todos podem e devera desenvolver as faculdades legitimas da sua natureza. A liberdade deve ser tal que d'ella se não diga, nem possa vir a dizer-se, o que disse Madame Roland, em caminho do cadafalso:
«Oh liberte! Combien de crimes on commet eu ton nom!»
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi muito comprimentado.)
Leram-se na mesa as seguintes

Propostas

1.ª Proponho que o numero de pares electivos seja, pelo menos, igual á somma dos pares vitalicios de nomeação regia, e pares por direito proprio.
2.ª Proponho a extincção do beneplacito religioso. = Marçal Pacheco.
Foi admittida.

O sr. Moraes Carvalho (sobre a ordem): - Leu a sua moção e começou a fazer algumas considerações em resposta ao sr. Consiglieri Pedroso, que havia declarado que a reforma que se propunha era insignificante e acanhada, e ao ouvir este sr. deputado pareceu-lhe que s. exa. estava fazendo as accusações que se fizeram ao sr. Julio Ferry, quando elle propoz ao parlamento a reforma constitucional.
Estranhou que o partido progressista, depois de haver collaborado na lei de 15 de maio, hoje se abstivesse da discussão; e se esse partido julgava que a reforma que se propunha era má, maior obrigação tinha para com a sua palavra no parlamento a combater.
Não comprehendia que um partido político se abstivesse da discussão, senão quando a tribuna lhe não está franca, ou então quando quer combater nas ruas. Fóra d'isto, um partido que procede por tal fórma suicidava-se.
Como désse a hora pediu para continuar ámanhã o seu discurso.
(O discurso será publicado na integra, quando o sr. deputado restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - A ordem do dia para segunda feira é a continuação da que estava dada.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.

Publica-se, por não ter entrado no logar competente (paginas 1:190, columna 2.º) d'este Diario, o seguinte parecer que foi approvado na sessão de 14 do corrente abril:

Parecer n.° 30

Senhores.- Tendo fallecido o sr. deputado João Ferreira Braga, eleito pelo circulo n.° 91 (Mertola); e havendo tomado assento na camara, em conformidade com o artigo 2.° n.° 2.° da lei eleitoral de 21 de maio ultimo, na qualidade de deputado pelo circulo plurinominal (Bragança), o cidadão eleito pelo circulo n.° 16 (Chaves) Eduardo José Coelho: é por isso de parecer a vossa commissão de verificação de poderes que se julguem vagos os dois indicados circulos, Mertola e Chaves, e se proceda a novas eleições, segundo o disposto na citada lei, artigo 5.°
Sala da commissão, 27 de março de 1885.= Luiz de Lencastre = Moraes Carvalho = J. A. Neves. = Pereira Leite, relator.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

Página 1244

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