1186 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
cia a consciencia recta de tão habil polemista, que aliás
não póde ignorar que entre nós é costume velho o provisorio ser eterno. (Apoiados.)
Para que serve o addicional? Será para nos salvar da ruína em que nós, dia a dia, mais precipitadamente vamos caindo? Evidentemente não é. Tudo isto serve apenas para ajudar a creação d´esse falso, d´esse artificioso, d´esse ridiculo e immoral saldo apresentado no orçamento.
Este saldo, que era inicialmente modesto, que era apenas de 150 contos na proposta, após uma rapida volta de mão dada ao orçamento na commissão respectiva, apparece elevado no projecto á verba sensacional e respeitabilissima de 1:900 contos. Se fosse verdade, que bom que era! (Apoiados.)
Como se fez isto? Já esta dito, mas permitta-se-me que o relembre. Fez-se isto supprimindo no orçamento despesas, que aliás são de todos nós conhecidas como certas e inevitaveis. (Apoiados.) Fez-se isto computando o agio no valor de 60 por cento quando, infelizmente, para todos nós esse agio hoje é consideravelmente maior; quando, infelizmente, para nós, e doloroso me é reconhecel-o, esse agio, que é hoje do 80 por cento, tende accentuadamente, e desgraçadamente, antes para augmentar do que para decrescer! Fez-se isto inscrevendo no orçamento, como receitas reaes, receitas que, na realidade, já estavam supprimidas - refiro-me ás receitas provenientes da importação dos cereaes - e com as quaes o governo não devia contar, porque elle bem sabia que tinha acabado de decretar a livre importação de trigos, e que encarregara uma feliz casa commercial d´esta cidade de effectuar uma larga encommenda de farinhas, que não pagam o direito que sobre o trigo recáe. (Apoiados.)
Mas contra a lei, contra a previsão, contra os factos, o governo fez o que, para não fatigar, summarissimamente indiquei, e a isto acrescenta um odioso addicional de mais 5 por cento, cujo producto nada vale para o thesouro, mas é um grave vexame para o contribuinte, tudo no intuito comico, para não dizer peor, de apresentar um saldo que representa apenas um circulo vicioso (vicioso é o termo, e usado n´este caso com singular propriedade), porque ao passo que, para crear o saldo, supprime despesas inevitaveis, por disposição especial se auctorisa a despender depois o mesmo saldo n´estas despezas. É bonito e é novo, mas não é edificante, sr. presidente. (Apoiados.)
Ainda o que nos vale é a nossa propria incredulidade e a dos estranhos. Se alguem podesse acreditar em tal saldo, e, portanto, no equilibrio da nossa economia publica, que de perigos de ahi nos não resultariam! Salva-nos o conhecimento geral da falsidade dos nossos orçamentos que já é proverbial.
Sr. presidente, vou abreviar as minhas considerações quanto possivel, porque o tempo que tenho á minha disposição não me parece que seja muito.
Sr. presidente, este imposto addicional não podo ser votado, e a rasão é singela; não póde ser votado porque o illustre ministro da fazenda já o condemnou quando, no seu relatorio de fazenda, reconheceu que o lançamento do imposto entre nós representava uma verdadeira iniquidade, e que urgia remodelar por completo a forma como elle se distribue e a taxa respectiva incide sobre cada um dos tributados. (Apoiados.) Desde que o sr. ministro da fazenda reconhece que o imposto está iniquamente lançado e distribuído, ha de s. exa. reconhecer que aggraval-o é aggravar a iniquidade, e isto não póde estar nem no seu animo, nem no intento d´esta camara. (Apoiados.)
Creio, sr. presidente, que o desejo do sr. ministro será remodelar o imposto, que reconhece iniquo, e nunca o de aggravar a iniquidade existente; e creio-o, porque no sen relatorio claramente o affirma o nobre ministro da fazenda, quando diz que o imposto representa uma verdadeira
iniquidade emquanto não for remodelada a forma do seu lançamento e distribuição.
Estas são as palavras do sr. ministro da fazenda no seu relatorio. Que disse eu?... Isto representa da minha parte uma vaidade que não tenho. Esta é a idéa; a fórma não, que essa, por ser de s. exa., de certo é bem mais persuasiva e brilhante.
E para se ver quanto o imposto é iniquo, olhemos para a contribuição predial. Sabe a camara toda que a contribuição predial, depois de fixada, se distribuo pelos differentes districtos do paiz; pois ha districtos onde ella é apenas de 10 por cento, como, por exemplo, em Lisboa, emquanto que n´outros districtos a contribuição predial é muito superior, porque chega a attingir a taxa consideravel de 15 e 16 por cento !...
Uma voz: - E 19!...
O Orador: - Diz o illustre deputado, que me acaba de interromper, e é proprietario no Alemtejo, que ali chega a contribuição predial á taxa de 19 por cento. A sua condição especial de proprietario imprime á sua declaração, me parece, uma excepcional força; acceitando-lhe, pois, a declaração, direi a s. exa. que bastará considerarmos a maneira como esta contribuição incide desigualmente nos differentes districtos do paiz, para desde logo se conhecer que o addicional de 5 por cento é um aggravamento da iniquidade já reconhecida e confessada pelo sr. ministro como verdadeiramente inacceitavel. (Apoiados.)
E isto não é tudo, sr. presidente. Sabe v. exa., sabe-o a camara toda, que depois, nos districtos, a distribuição é feita com uma iniquidade que irrita e indigna, porque ao passo que, em geral, o grande proprietario paga pouquissimo, por ter a sua propriedade inscripta na matriz com rendimento collectavel falso, o pequeno proprietario supporta o gravame de um imposto com o qual não póde.
O pequeno proprietario vive escravisado pela tyrannia do fisco, e não é raro ser-lhe posta em praça a sua pequena fortuna por effeito da divida do seu imposto. E este estado de cousas, tão flagrantemente iniquo, quer o sr. ministro, que aliás assim o reconhece, aggravar com num addicional, que para tantos será um vexame, sem chegar a ser vantagem apreciavel para o thesouro, para o qual produzirá apenas e a mais alguns centos, poucos, de contos de réis!
Remodele o imposto, sr. ministro, e v. exa. ver á os pobres aliviados, os ricos devidamente tributados e as receitas publicas augmentadas, se á remodelação da contribuição predial e das matrizes fizer presidir a rectidão, a imparcialidade e a justiça. (Apoiados.)
Tem-se pensado demasiadamente nos outros impostos do estado, e a contribuição predial, de que tanto ha a esperar, essa fica eternamente descurada, estando aliás tão iniquamente distribuida.
A verba total, resultante da cobrança d´este imposto é, relativamente aos restantes impostos, insignificante; e, todavia, ha proprietarios desprotegidos, os pobres, os que não têem influencias eleitoraes para offerecer aos governos em troca dos benefícios que destes auferem, que pagam o que jamais se lhes devera exigir. Isto é monstruoso, e se não fosse a bondade e a indole essencialmente pacifica e ordeira do nosso bom povo, talvez muitos dos nossos estadistas tivessem que pagar caro a sua culposa connivencia com aquelles que o têem sacrificado.
Comparemos agora a contribuição predial que, segundo disse, e pesadissima para uns e levissima para outros pela sua má distribuição, mas, relativamente ao total que devia produzir, insignificante, com a contribuição industrial, e veremos, sr. presidente, como a iniquidade avulta, cresce e ainda mais se aggrava, recommendando-nos mais uma vez a rejeição d´este addicional que, talvez por um sentimento de candura que me é inherente, eu julgo ainda que o parlamento não votará.