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N.° 65

SESSÃO NOCTURNA DE 12 DE MAIO DE 1898

Presidencia do exmo. sr. Manuel Affonso de Espregueira

Secretarios — os exmos srs.

Frederico Alexandrino Garcia Ramires
Carlos Augusto Ferreira

SUMMARIO

Lida e approvada a acta, dá-se conta do expediente. — Tem segunda leitura o projecto do sr. Poças Falcão, sobre a cedencia do forte de Tagarete, em S. Miguel — O sr. Antonio Cabral chama a attenção do sr. ministro do reino sobre factos occorridos com a illuminação em Braga. — O sr. Avellar Machado reproduz informações que recebeu do Humbe, respondendo o sr. ministro da marinha. — O sr. Oliveira Matos apresenta um parecer da commissão de instrucção primaria e secundaria, e dá explicações de caracter individual. - O sr. visconde da Ribeira Brava apresenta uma proposta de modificação ao seu projecto sobre as levadas da Madeiro. — Apresenta um requerimento o sr. Guilherme de Abreu. — O sr. Mello e Sousa faz varias perguntas ao sr. ministro da fazenda, que responde.

Na ordem da noite. (continuação da discussão do artigo 9.º do capitulo 1.º do orçamento da receita, addicional de 5 por cento) fallam successivamente os srs. Cabral Moncada, Barbosa Vieira e conde de Paçô Vieira. Continua pendente o debate.

Abertura da sessão — Ás nove horas da noite.

Presente á chamada, 45 srs. deputado. São o seguintes: - Abel da Silva, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Carlos Le-Cocq, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Tavares Festas, Arnaldo Novaes Guedes Rebello, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Burnay, Conde da Serra de Tourega, Conde de Silves, Eusebio David Nanes da Silva, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Maior, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Furtado de Mello, Francisco José Machado, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Manuel de Almeida, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Frederico Alexandrino Garcia Ramires, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, João Abel da Silva Fonseca, João Antonio de Sepulveda, Jota Joaquim Ladro dos Reis, João Lobo de Santiago Gouveia, João Monteiro Vieira de Castro, Joaquim Heliodoro Veiga, Joaquim Ornellas de Matos, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José da Cruz Caldeira, José da Fonseca Abreu Castello Branca, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Matos, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Fisher Berquó Poças. Falcão, Luiz José Dias, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Pinto de Almeida, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro e Visconde da Ribeira Brava.

Entram durante a sessão os srs.: - Adolpho Alves de Oliveiras Guimarães, Alvaro de Castellões, Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco, Antonio Maximo Lopes de Carvalho, Antonio Teixeira de Sousa, Conde de Paçô Vieira, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Frederico Ressano Garcia, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Henrique da Cunha Matos de Mendia, João Pereira Teixeira de Vasconclehos, Joaquim Simões Ferreira, José Adolpho de Mello e Sousa, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Dias Ferreira, José Eduardo Baião, José Estevão de Moraes Sarmento, José do Borja Macedo e Menezes (D.), José Gonçalves Pereira da Santos, José Malheiro Reymão, Leopoldo José de Oliveira Mourão e Sebastião de Sousa Dantas Baracho.

Não compareceram á sessão os srs.: — Adriano Anthero de Sousa Pinto, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alfredo Cesar de Oliveira, Anselmo de Andrade, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Antonio Simões dos Reis, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto José da Cunha, Bernardo Homem Machado, Carlos José de Oliveira, Conde de Idanha a Nova, Francisco Silveira Vianna, Henrique Caros de Carvalho Kendall, Jacinto Candido da Silva, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, Jeronymo Barbosa Pereira Cabral Abreu e Lima, João Baptista Ribeiro Coelho, João Catanho de Menezes, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João de Mello Pereira Sampaio, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Paes de Abranches, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Benedicto de Almeida Pessanha, José Bento Ferreira de Almeida, José Capello Franco Frazão, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Joaquim da Silva Amado, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Barbosa de Magalhães, José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nunes, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Telles de Vasconcellos, Marianno Cyrillo de Carvalho, Sertorio de Monte Pereira e Visconde de Melicio.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Da camara dos dignos pares do reino, remettendo a mensagem que acompanha a proposição de lei doesta camara, concedendo a ordenação aos alumnos portuguezes doutorados em theologia ou direito canonico pelas universidades pontificias de Roma.

Foi enviado á commissão de negocios ecclesiasticos.

Do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo 150 exemplares do n.° 1.° do Boletim commercial, referido ao mez de abril proximo findo.

Para a secretaria.

Da academia real das sciencias de Lisboa, acompanhando 3 exemplares da obra intitulada Cartas de Affonso de Albuquerque, tomo II, publicação ultimamente feita por esta academia.

Mandou-se officiar, participando e agradecendo a recepção.

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1192 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Projecto de lei

Senhores. — A camara municipal de Villa Franca do Campo, districto de Ponta Delgada, está empenhada em fazer o necessario alargamento do ancoradouro do porto do Tagarete, no qual porto se vão fazer tambem obras importantes ordenadas pela junta geral do districto. Não póde, porém, fazer-se tal alargamento, porque a isso obsta o insignificante e hoje abandonado forte de Tagarete, que está em ruinas e que nenhuns serviços presta, nem póde vir a prestar á defeza da ilha. Por isso o estado cedendo a propriedade d´esse forte á camara municipal referida contribue, sem nenhum prejuizo proprio, para um melhoramento de reconhecida vantagem para aquelle municipio e para os que tenham de utilisar-se do alludido ancoradouro. Por isso tenho a honrando propor á vossa consideração o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a ceder á camara municipal de Villa Franca do Campo, districto de Ponta Delgada, o forte do Tagarete, sito junto do porto do mesmo nome na ilha de S. Miguel.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 11 de maio de 1898. = L. Poças Falção.

Fm admittido e enviado á commissão de guerra.

O Sr. Antonio Cabral: — Sr. presidente, pedi a palavra para chamar a attenção do governo para os factos ultimamente occorridos na cidade de Braga, que tenho a honra de representar n´esta casa do parlamento.

No dia 4 do mez corrente, em virtude do desarranjo que se deu n´um dos cabos destinados á illuminação electrica d´aquella cidade, houve varios incendios e morreu um homem desastrosamente. Resultou d´ahi, o povo amotinar-se, tendo de intervir a força publica, e com bastante energia, para manter a ordem. Em consequencia d´isso, e em virtude da falte de providencias, chegou a estabelecer-se panico n´aquella cidade. V. exa. comprehende, sr. presidente, as sequencias desastrosas que isto póde ter.

Peço, portanto, ao governo que dá as devidas providenciar, de modo que a fiscalisação, por parte das auctoridades, seja mais energica, para que se não repitam novos acontecimentos que possam originar desastres de maior importancia.

Como v. exa. vê, sr. presidente, este assumpto corre pela pasta do sr. ministro do reino; mas, como s. exa. não está presente, peço aos srs. ministros presentes a fineza de lhe transmittirem este meu pedido, que eu faço com o maior empenho, pelo me prende o mais subido interesse a tudo o que dê em resultado o progresso e o bem estar do circulo que me deu a honra suprema de me eleger seu representante em côrtes.

O sr. Ministro da Marinha (Dias Costa): — Sr. presidente, pedi a palavra para assegurar ao sr. deputado Antonio Cabral, que transmittirei as suas considerações ao sr. ministro do reino.

O sr. Avellar Machado: — Recorda que, quando chegou a noticia do desastre das armas portuguezas no Humbe, pediu explicações a este respeito ao sr. ministro da marinha, e ponderou que para aquelle desastre contribuira muito a falta de disciplina das tropas no marcha de retirada.

Por dever de lealdade deve dizer agora que recebeu uma extensa carta do commandante do esquadrão de dragões que soffreu o desastre, affirmando que, quando o mandaram marchar, apenas dispunha de quatro cavallos e de seis tiros por praça, o que quasi equivalia, no meio de numeroso gentio, a marchar desarmado.

Sem modificar, por emquanto, a sua primeira opinião, põe esta carta á disposição do sr. ministro da marinha, porque ella é um elemento importante para o auxiliar nas providencias que tenha a tomar.

Pergunta, em seguida, mais uma vez ao sr. presidente se já vieram uns documentos que requereu ha mezes pelo ministerio do reino.

O sr. Presidente: — Vae mandar que a secretaria informe.

O Orador: — Desde já declara que, se não tiverem ainda vindo, não insistirá mais por elles, e mesmo sem os ter recebido realisará as perguntas sobre o assumpto do seu aviso previo.

(O discurso será publicado na integra, quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro da Marinha (Dias Costa): — Quando tiveram logar os successos do Humbe recebi communicação da auctoridade competente, de onde resultava que o procedimento do commandante do esquadrão do planalto não fôra dos mais correctos, e essa informação era de tal ordem que, immediatamente, exonerei esse official. Como prezo, porém, acima de tudo a justiça, mandei immediatamente fazer uma syndicancia. D´essa syndicancia ainda não me foi entregue o relatorio, e eu faço os mais sinceros votos para que esse official consiga provar que o seu procedimento foi correcto e que o desastre do Humbe não foi consequencia de qualquer acto de imprevidencia ou de indisciplina sua.

N´esta conformidade tomarei conhecimento da carta que s. exa. me offerece para que, sem prejuizo das informações officiaes, e como esclarecimento, eu possa apreciar a questão por fórma a manter-se o prestigio das nossas armas, como se torna necessario.

O sr. Oliveira Matos: — Mando para a mesa o projecto de lei n.° 5-C, que tem parecer favoravel das commissões respectivas a que foi enviado, e peço a v. exa. se digne mandal-o imprimir para que possa entrar em ordem do dia.

Estando com a palavra, peço licença a v. exa. e á camara, para me referir a um incidente para mim, como para todos os membros d´esta casa, bastante desagradavel, que se dou em uma das sessões passadas, na penultima. Refiro-me ao lamentavel incidente levantado entre a maioria e o sr. conde de Burnay, que a provocou.

Por uma occasião, com aquella hombridade e indepencia com que costumo tratar, como posso e sei, as questões parlamentares, e sentindo-me indignado, e ferido, na parte que me dizia respeito, como deputado da nação e membro cresta assembléa, por algumas palavras inconvenientes e injustas do sr. conde de Burnay, disse o que dignamente, em minha consciencia, entendi dever dizer, ao arrogante e ameaçador banqueiro; mas não me accusa a consciencia, nem a memoria, de haver dito uma palavra qualquer menos exacta ou calumniosa, que injuriasse ou insultasse o sr. conde de Burnay, e pela qual tivesse ou devesse pedir-lhe desculpa, ou dar-lhe explicações..

Disse simplesmente, com violencia, é certo, o que entendia, na resposta digna que dei, nas referencias que fiz, com o intuito de me desaggravar na parte que me podesse competir no aggravo que entendia, S. exa. havia feito á maioria d´esta camara, de que tenho a honra do fazer parte. Não me arrependo do que disse, que sustento e mantenho integralmente, como se agora o repetisse, por que isso e mais merecia se dissesse, o illustre banqueiro, que sem rasão nem motivo, nos pretendeu offender, dizendo o que não devia nem podia.

Depois d´essa triste e vergonhosa scena, não tornei a encontrar o sr. conde de Burnay, nem a faltar-lhe, senão quando, na sessão de hontem, como a camara veria, s. exa. veiu aqui ao meu logar cumprimentar-me e conversar commigo sobre um qualquer assumpto, d´esses que não têem importancia de qualidade alguma, com que por vezes nós entretemos alguns minutos.

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Está claro que a minha educação não me permittia, nem tinha motivos para isso, desde, que não cortara as relações pessoaes com o sr. conde, deixar do lhe fallar ou voltar as costas menos correcto e attenciosamente.

Procurou-me, cumprimentou-me, fallou-me, correspondi delicadamente ao cumprimento e ouvi-o como era natural...

D´este facto, porém, creio que se inferiu nas galerias e corredores da camara, e se transportou para fora de aqui, até chegar á imprensa e portanto ao domínio publico e do conhecimento do paiz, o que se não deu e nem por sombra existiu, como hoje falsamente affirma um jornal regenerador, escrevendo sem rebuço, que eu dera satisfação e pedira desculpas ao sr. conde de Burnay, do que havia dito na referida e tumultosa sessão!

Ora isto é inexacto; é falso! Não devia dizer-se nem publicar-se como uma affirmativa de verdade. E mal procede desacreditando-se por completo a imprensa e os jornalistas, que tal uso fazem do seu mester, em questões de dignidade alheia, que deviam respeitar, se não respeitam a propria.

Eu não dei satisfações, nem pedi desculpas ao sr. conde do Burnay,. porque, em minha consciencia e dignidade, entendo e entendo ainda, que não tinha que lh´as dar nem pedir!

As palavras que disse foram a justa expressão do meu sentimento da minha indignação, da minha desafronta á ousadia do illustre banqueiro, que merecia ser castigado, pela maneira como se dirigiu á maioria, pretendendo humilhal-a, querendo offendel-a. (Apoiados.)

Como deputado e em ligitimo desaggravo, no uso do meu direito, disse o que entendia e me foi suggerido de momento pelas vergonhosas occorrencias que se deram. Não retiro, nem tenho que retirar, nada do que disse, e nem que acrescentar ou diminuir. Menos ainda que pedir desculpa, que dar explicações! Podia, no impulso violento e precepitado da improvisação repentina com que fallei, apaixonadamente, ter dito algumas palavras menos correctas na fórma, ou menos parlamentares, que devesse retirar, e não teria duvida em fazel-o por consideração á camara, mas não como alteração da idéa, da essencia, da intenção que as dictára, do sentido com que as pronunciara, para com o banqueiro a quem me dirigia!

O que disse, está dito! E bem ou mal, foi a sincera expressão do meu sentir e pensar, impressionado pelo que se passou de censuravel e revoltante, unicamente por culpa do sr. conde de Burnay. (Apoiados.}

N´estas condições e sendo verdade tudo o que venho dizendo, eu que não tenho jornaes por minha conta, que não posso estar a sustentar na imprensa polemicas sobro o que aqui digo e se passa, nem a rectificar a verdade de factos propositadamente falseados e mal interpretados, a sabor e conveniencia politica de cada escrevinhador e que lá fora os deturpa e aprecia como quer, para fins que não discuto, protesto energicamente d´este logar contra affirmações de todo o ponto inexactas, declarando, honrada e lealmente, á camara e em especial aos meus prezados collegas da maioria, que me ouviram, que nada retirei, do que disse, nem directa ou indirectamente expliquei, ou pedi desculpas ao sr. conde de Burnay, porque estou na mesma firme intenção da desaffronta com que usei da palavra, na memoravel sessão que está na lembrança de todos. E...nada mais.

O parecer foi a imprimir.

O sr. Visconde da Ribeira Brava: - Mando para mesa uma emenda ao projecto de lei que ha. dias apresentei, relativo às levadas da ilha da Madeira.

Por informações que mais tarde recebi, entendi que devia fazer algumas alterações a esse projecto, e peço que sejam remettidas á commissão respectiva, para o projecto ser remodelado conforme essas alterações.

Leu-se a seguir

Proposta

Ao artigo 2.°:

A venda de que trata o artigo antecedente poderá ser feita, independentemente de hasta publica, aos proprietarios das terras comprehendidas na area de irrigação das mesmas levadas, ou aos colonos d´essas terras e a beneficio d´ellas, quando os proprietarios não appareçam a acceitar a venda assim proposta.

§ 1.° Em relação ás aguas das levadas que andam distribuidas por arrendamento, guardar-se-ha para a venda a distribuição d´esses arrendamentos em ordem a que cada arrendatario possa comprar a porção de agua que traz de ronda.

§ 2.° No caso de ser arrendatario o colono das terras, este sómente será admittido á compra, se o senhorio respectivo lhe não quizer preferir.

§ 3.° O colono, que comprar a agua que assim andava arrendada para as terras colonisadas, não poderá desvial-a d´essas terras, mas tem o direito de continuar a colonisar até ser indemnisado do valor das mesmas aguas pelo dono da propriedade.

§ 4.° O governo poderá mandar rever a relação da arrendamentos pelo que respeita á qualidade da arrendatarios serem ou não senhores ou colonos do terras beneficiadas pelas aguas que arrendam, como pelo que toca á equitativa distribuição das mesmas aguas em ordem a que se façam as correcções convenientes, e que na realisação das vendas se observe a mesma equidade.

§ 5.° (Como o § 2.° do artigo 9.°)

Art. 3.° O governo fixará opportunamente o preço das vendas de agua que tenha de fazer-se fora da hasta publica, depois de recolher as informações convenientes sob a hestimativa d´essas aguas nos diversos logares, sem offensa do limite marcado no artigo 1.°

Art. 4.° (Como o 6.° do projecto).

Art. 5.° As pessoas a quem ficam pertencendo as levadas e aguas referidas poderão constituir-se em associação e organisarem a sua administração como entenderem mais convenientes, e a cargo d´ellas ficarão todas as despezas da mesma administração e conservação das levadas, distribuição e vigia de aguas.

§ unico. A estas levadas é applicavel a lei de 26 de julho de 1888.

Art. 6.º(Como o 8.º do projecto.)
Art. 7.°(Como o artigo 10.º do projecto.)
Art. 8.°(Como o 11.º, 1.º)
Art. 9.°(Como o 12.º)

Sala das sessões, 12 de maio de 1898. = Visconde da Ribeira Brava.

Admittida, foi enviada tis commissões de obras publicas e de fazenda para ser junto ao projecto de lei n.° 49-F.

O sr. Guilherme de Abreu: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, com urgencia, sejam remettidos a esta camara, pelo ministerio do reino, em originaes, ou por copia, completos, os documentos seguintes:

1.° Officio do director do real observatorio astronomico de Lisboa para a direcção geral de instrucção publica, datado de 4 de agosto de 1897, e em que me consta se fazem do talentoso e honrado lente de mechanica celeste, em Portugal, apreciações evidentemente injustas.

2.° Officios entre a direcção geral do instrucção publica e o director do real observatorio astronomico de Lisboa, ácerca do expediente da requisição feita por esta camara de muitos e importantes documentos relativamente ao mesmo observatorio.

3.° Portarias que tenham sido expedidas para que este observatorio seja, como deve ser, um estabelecimento acientiffico

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1194 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

4.° Um exemplar da publicação "Observations méridiennes de la planete Mars pendant l´opposition de 1892", feita em 1895; tres annos depois das observações pelo referido observatorio.

5.° Parecer da academia real das sciencias, ou da sua l.ª classe, ácerca d´esta publicação, no caso de ter havido algum.

6.° Relação nominal dos astronomos o lentes de mathematica a quem tenham sido offerecidos exemplares d´esta publicação, o motivo por que não foi enviado um para o serviço da cadeira do mechanica celeste. = Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu.

Mandou-se expedir.

O sr. Mello e Sousa: - Ha dias formulei duas perguntas, a que não me foi dada resposta por parte de nenhum dos membros do governo, e isso naturalmente porque não estava presente o ministro da pasta por onde correm estes negocios.

Perguntava eu se me podiam dizer o que havia passado a respeito do tribunal arbitrai quanto á questão dos tabacos, para determinar se havia ou não participação por parte do estado em determinados receitas da companhia dos tabacos.

Disse então que eu havia lido em varios jornaes noticias muito desencontradas sobre o assumpto, e podia ao governo, se não tivesse n´isso duvida ou inconveniente, que esclarecesse a camara e o paiz sobre este importantíssimo assumpto, que me pareço deveria ter uma solução mais prompta.

Pedi tambem que me dissessem se o governo havia adoptado qualquer providencia, ou dado quaesquer esclarecimentos, ácerca de uma disposição do decreto de dezembro de 1897, que manda tributar os armazens de retem.

A disposição do regulamento a que eu aqui me referi, e contra a qual soube que tambem tinha representado a benemerita associação dos lojistas, pedindo que fosse esclarecida, é urgente que seja aclarada, e qualquer deliberação a este respeito, só por acaso não foi já tomada, o que eu ignoro, deve-o sor quanto antes, porque os escrivães de fazenda, em virtude dos disposições d´este decreto farão incluir na matriz todos os armazens de retem, excepto os que pertençam a negociantes.

Assim, pergunto se o nobre ministro da fazenda já tomou qualquer resolução tendente a impedir que os pequenos armazens sejam tributados. Parece-me ser este um assumpto importante, e que trará um aggravamento para as taxas que já pesam sobre os pequenos commerciantes. Por este motivo, desejava saber se s. exa. tenciona tomar qualquer deliberação sobre o assumpto.

Referindo-me ainda ás palavras que o nobre ministro da fazenda me fez a honra de dirigir na sessão passada, a respeito do contrato das 72:000 obrigações, felicito-me e felicito os illustres deputados d´este lado da camara por, em fim, ser esse contrato publicado.

E esse facto é incontestavelmente devido ás reclamações da opposição, porque na vespera, ainda o nobre ministro da fazenda declarava que não podia publicar o contrato.

É claro que s. exa. não mudou de opinião tão rapidamente, senão em consequencia da attitude tomada pela minoria d´esta camara.

Quanto á responsabilidade que s. exa. nos impoz, do havermos pedido a publicação d´esse contrato, declaro a v. exa. que posso muito bem com a responsabilidade d´esse acto praticado por s. exa., porque, desde o momento que o publique, logo se verá se elle é bom ou mau.

É claro, que a responsabilidade é do governo, e se o contrato for bom, teremos ensejo para felicitar o sr. ministro da fazenda, o se elle for mau, a minoria nenhuma responsabilidade póde ter em tal assumpto.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - A tres questões se referia o illustre deputado o sr. Mello e Sousa, e a todas ellas vou responder.

Com respeito ao tribunal arbitrai nomeado para decidir as duvidas entre o governo e a companhia dos tabacos, sobre a maneira de calcular os lucros e partilhas, tenho a dizer ao illustre deputado que effectivamente, logo depois de constituído esse tribunal, se levantou um incidente que demorou o funccionamento do mesmo tribunal; mas o governo já providenciou para que o tribunal funccione, a fim de resolver a questão que está submettida á sua apreciação.

Pelo que respeita aos armazens, já dei instrucções para que effectivamente sejam attendidas as reclamações que s. exa. apresentou e que achei justas, declarando desde logo que entendia deverem ser attendidas.

Finalmente, pelo que dia respeito ao contrato das setenta e duas mil obrigações, visto - que é necessario todos os dias dizer alguma cousa sobre o assumpto, -observarei que estou sempre na mesma.

Sempre foi minha opinião que não era conveniente publicar o contrato, mas entre dar publicidade áquelle contrato com o perigo que resultava para o credito ao paiz e a campanha de suspeições, o governo não hesita: deixa a responsabilidade á opposição, não de ter pedido a publicação d´esse contrato, mas de ter insistido, ainda depois do governo ter dito que essa publicação era inconveniente.

(S. exa. não reviu.)

ORDEM DA NOITE

Continuação da discussão do artigo 2.º, capitulo 1.° do orçamento da receita
(addicional de 5 por cento)

O sr. Presidente: - Continua no uso da palavra o sr. Moncada.

S. exa. tem uma hora para concluir o seu discurso.

O sr. Cabral Moncada: - Sr. presidente, não tenho, como disse na sessão passada, a intenção de conduzir por minha parte o debato por fórma a poder-se-me attribuir o desejo de produzir n´esta camara quaesquer retaliações políticas.

Mais de uma vez, sr. presidente, eu tenho tido a honra de affirmar perante v. exa. e perante a camara que essa intenção está absolutamente fóra da minha vontade. Mas, sr. presidente, ha factos, ou antes, ha affirmações que eu julgo que não podem transitar em julgado sem protesto.

No numero d´estas affirmações incluo eu aquellas que, ditas aliás com muita eloquencia pelo illustre parlamentar que me precedeu no debate, o sr. José de Alpoim, se referem á transacta administração regeneradora, attribuindo-lhe esbanjamentos que realmente ella não realisou desperdícios que na verdade não commetteu. (Apoiados.)

Penso eu, sr. presidente, que a melhor maneira que tenho de protestar contra as afirmações proferidas por s. exa. consistirá em fazer a leitura de algumas verbas, cuja significação é assas clara para dispensar commentarios.

Sr. presidente, depois de uma administração progressista que rematou a sua funcção em princípios do anno de 1890, seguiram-se os ministerios de caracter incolor, cujas responsabilidades em administração não vem para o debate de agora, e só em 1893 é que nós tornámos a ter administração de caracter accentuadamente regenerador e partidario. Vê-se portanto, sr. presidente, que a melhor maneira que eu terei, de responder às afirmações do illustre deputado será a de mais uma vez chamar a attenção d´esta camara para as verbas que exprimem os deficits em epochas equivalentes de uma e outra administração. Obedecendo a este meu intuito começarei a fazer a leitura dos apontamentos que colhi com respeito ao assumpto.

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Gerencia de 1887-1888, gerencia progressista, deficit 8:712 contos de reis; gerencia progressiva deficit de 1888-1889, deficit 4:146 contos de réis; gerencia tambem progressista como as antecedentes de 1889-1890, deficit 14:137 contos de réis. N´estes tres annos sommam, pois, os deficits 26:295 contos de réis.

Primeiros tres annos do administração regeneradora immediatos ao ingresso d´este partido no governo: 1893-94, deficit 74 contos de réis; 1894-95, deficit 1:508 contos de réis; 1895-96, deficit 1:449 contos de réis. Somma 3:021 contos de réis. Differença entre estas duas verbas comparadas 23:964 contos de réis.

Consinta-me v. exa. que eu aproprie agora á minha linguagem um phrase dita hontem pelo illustre parlamentar o sr. José de Alpoim.

"Não ha linguagem cuja eloquencia possa exceder a dos numeros", dizia s. exa. Compare v. exa. estas duas verbas, veja a differença, e eu dir-lhe-hei tambem "não ha linguagem cuja eloquencia possa exceder a dos numeros". Mas isto não é tudo.

Torno a dizer, não é a intenção de retaliações politicas que me anima n´este momento, é apenas o desejo de veras legitimo de defender os meus correligionarios de accusações manifestamente injustas, e bem intencionado do restabelecer a verdade dos factos. Quatro annos de administração regeneradora, 1893 á 1897, augmento de despeza por todos os ministerios - 9:000 contos do réis. Dez mezes apenas de administração, de economica administração progressista, da tal que, para restabelecer a economia em descalabro pelos esbanjamentos e erros anteriores, ascendia ás cumiadas do poder, apregoando-se redemptora do thesouro publico e salvadora portanto da moralidade administrativa e da patria, augmento de despezas por todos os ministerios, 10:000 contos de reis; isto é, mais em alguns mezes, que são os que vão de fevereiro a dezembro do anno findo do que os seus antecessores tinham augmentado em quatro annos. (Apoiados) "Não ha linguagem cuja eloquencia possa exceder a dos numeros"!

E posto isto, sr. presidente, passarei a occuppar-me do adicional, reservando-me responder a alguns dos argumentos, que aliás muito eloquentemente, torno a repetil-o com prazer, aqui foram apresentados pelo sr. José de Alpoim, quando entre as muitas considerações que tenho a produzir me apparecer a opportunidade de o fazer.

Sr. presidente, não sei dizer senão a verdade. Entendo, contrariamente aos que dizem que a palavra se inventou para a dissimular, que ella só deve aproveitar-se para exprimir. Com inteira verdade portanto, eu direi a v. exa. e á camara que tenho achado, hão direi censuravel, mas muito para estranhar, o profundo silencio, a reserva ou melhor ainda, por ser palavra muito em voga, a abstenção do Illustre ministro da fazenda no decorrer desta discussão.

Estranho que até este momento, em que uma parte importantissima do orçamento já vae discutida, a parte referente ás despezas, e a discussão do capitulo que se occupa das receitas vae tão adiantada, o nobre ministro da fazenda, que alias até agora me honrou com uma attenção, que vejo com desgosto que já me não dispensa, porque acaba de me voltar precisamente a região da sua bella cabeça, onde os cabellos mais lhe vão rareande, ainda não tivesse encontrado uma opportunidade para dizer da sua justiça n´esta causa, onde muito terá por certo que dizer, se quizer justificar-se.(Apoiados.)

É não sou eu só a estranha este facto, porque estranha-o igualmente este lado da camara,e penso mesmo que propria maioria terá assistido com surpreza a esta novidade parlamentar. Hás, em fim, sr. presidente, s. exa. lá terá as suas rasões, ou falta d'ellas, e dito isto vamos lá a esse odioso addicional.

"É mais um novo addicional de 5 por cento - dizia o sr. Alpoim ha dias, comparando este addicional com outro que foi votado em 1890 - entre este e o outro ha, porém, um abysmo de differença; o outro era para sempre, este é apenas para um anno."

Eu tenho, como v. exa. já é póde ter inferido dos palavras que até agora tenho proferido, a maxima consideração pelo talento d´este illustre deputado; tenho, como v. exa. não póde inferir de palavras por mim ditas, porque ainda as não proferi, mas como póde avaliar pelo que agora affirmo, a maxima consideração tambem pelo caracter do mesmo deputado; e porque tenho tamanha admiração pelo seu talento e tão grande consideração pelo seu caracter, não posso deixar de dizer que ouvi com maguada surpreza este argumento, produzido por aquelle illustre parlamentar, argumento que reputo muito abaixo do seu grande merecimento (Apoiados.) e discordante da sua lealdade.

Haverá n´esta camara, haverá n´este paiz, haverá n´este mundo alguem que acredite, ou possa acreditar, visto a ligação do pasmado, que este addicional terá apenas a duração ephemera de um anno? (Apoiados.)

Pois não vemos todos nós que no artigo do projecto, onde assim se preceitua, não ha mais que uma nova revelação d´essa comica e triste hypocrisa politica, que, mais do que nenhuns outros, caracterisa os estadistas do partido que está no poder, mas que, por demasiado conhecida, já não illude ninguem?

Fabre d´Eglantine, que foi simultaneamente um escriptor e um politico, e cuja cabeça rolou, desprendida do corpo pela guilhotina, no mesmo dia em que Danton e Camillo Desmoulins soffreram a morte, pretendeu stigmatisar a hypocrisia politica, aproveitando para typo a figura do Robespierre, e escrevendo para o theatro uma obra que, se fosse avante, seria com justiça o pendant d´aquella em que o immortal Molière tão vivamente feriu e stigmatisou a hypetecisia religiosa. Não logrou aquelle auctor o seu intento; mas se ha ahi quem tenha folgo para realisar agora o que então se não fez, fixe a vista em muitos dos politicos do nosso tempo, e sentirá que a suggestão lhe não tarda.

A titulo de exemplo do que é essa espécie de hypocrisia ahi está a disposição d´esse projecto, onde se consigna a existencia d´este addicional apenas por um anno. Não acredito, ninguem acredita nisto, sr. presidente; (Apoiados.) inutil é, pois, discutir este argumento do sr. Alpoim, argumento no qual s. exa. é o primeiro a não acreditar, a não ser que, usando-o, este distincto parlamentar considere, como termo d´este addicional, o que o tem sido de tantos outros - fusão com imposto, que assim fica habilitado a novo e futuro addicional. (Apoiados.)

Sobe n´este momento as escadas d´este amphitheatro um illustre parlamentar e distinctissimo homem de estado, o sr. Dias Ferreira. Tambem em 1892 s. exa. decretou um imposto pesadissimo sobre os juros da nossa divida publica, e decretou uma redacção dolorosissima nos vencimentos dos funccionarios publicos; e esta medida tambem tinha o caracter de transitoria, porque era apenas por um anno. Houve, porém, depois alguem que tivesse coragem de supprimir esta reducção? Não houve ninguém; (Apoiados.) e o que é certo é que os encargos d´essa reducção subsistem e pesam sobre nós, que os sentimos de uma maneira dolorosa para todos, embora não seja confessado por muitos. (Apoiados.)

E terá sido um crime mantel-a? Não, sr. presidente; porque se, infelizmente, esse encargo, que se lançou sobre todos, era necessario em 1892, a sua necessidade subsiste o ainda mais se impõe no actual momento, tão critico como nenhum o foi ainda na vida, ultimamente tão angustiosa, da nossa querida patria.

É, pois, legitimo, sr. presidente, que mais uma vez eu diga que este argumento representa apenas uma ficelle du métier , um artificio de argumentador, mas não póde representar uma verdade, com a qual esteja em concordan-

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cia a consciencia recta de tão habil polemista, que aliás
não póde ignorar que entre nós é costume velho o provisorio ser eterno. (Apoiados.)

Para que serve o addicional? Será para nos salvar da ruína em que nós, dia a dia, mais precipitadamente vamos caindo? Evidentemente não é. Tudo isto serve apenas para ajudar a creação d´esse falso, d´esse artificioso, d´esse ridiculo e immoral saldo apresentado no orçamento.

Este saldo, que era inicialmente modesto, que era apenas de 150 contos na proposta, após uma rapida volta de mão dada ao orçamento na commissão respectiva, apparece elevado no projecto á verba sensacional e respeitabilissima de 1:900 contos. Se fosse verdade, que bom que era! (Apoiados.)

Como se fez isto? Já esta dito, mas permitta-se-me que o relembre. Fez-se isto supprimindo no orçamento despesas, que aliás são de todos nós conhecidas como certas e inevitaveis. (Apoiados.) Fez-se isto computando o agio no valor de 60 por cento quando, infelizmente, para todos nós esse agio hoje é consideravelmente maior; quando, infelizmente, para nós, e doloroso me é reconhecel-o, esse agio, que é hoje do 80 por cento, tende accentuadamente, e desgraçadamente, antes para augmentar do que para decrescer! Fez-se isto inscrevendo no orçamento, como receitas reaes, receitas que, na realidade, já estavam supprimidas - refiro-me ás receitas provenientes da importação dos cereaes - e com as quaes o governo não devia contar, porque elle bem sabia que tinha acabado de decretar a livre importação de trigos, e que encarregara uma feliz casa commercial d´esta cidade de effectuar uma larga encommenda de farinhas, que não pagam o direito que sobre o trigo recáe. (Apoiados.)

Mas contra a lei, contra a previsão, contra os factos, o governo fez o que, para não fatigar, summarissimamente indiquei, e a isto acrescenta um odioso addicional de mais 5 por cento, cujo producto nada vale para o thesouro, mas é um grave vexame para o contribuinte, tudo no intuito comico, para não dizer peor, de apresentar um saldo que representa apenas um circulo vicioso (vicioso é o termo, e usado n´este caso com singular propriedade), porque ao passo que, para crear o saldo, supprime despesas inevitaveis, por disposição especial se auctorisa a despender depois o mesmo saldo n´estas despezas. É bonito e é novo, mas não é edificante, sr. presidente. (Apoiados.)

Ainda o que nos vale é a nossa propria incredulidade e a dos estranhos. Se alguem podesse acreditar em tal saldo, e, portanto, no equilibrio da nossa economia publica, que de perigos de ahi nos não resultariam! Salva-nos o conhecimento geral da falsidade dos nossos orçamentos que já é proverbial.

Sr. presidente, vou abreviar as minhas considerações quanto possivel, porque o tempo que tenho á minha disposição não me parece que seja muito.

Sr. presidente, este imposto addicional não podo ser votado, e a rasão é singela; não póde ser votado porque o illustre ministro da fazenda já o condemnou quando, no seu relatorio de fazenda, reconheceu que o lançamento do imposto entre nós representava uma verdadeira iniquidade, e que urgia remodelar por completo a forma como elle se distribue e a taxa respectiva incide sobre cada um dos tributados. (Apoiados.) Desde que o sr. ministro da fazenda reconhece que o imposto está iniquamente lançado e distribuído, ha de s. exa. reconhecer que aggraval-o é aggravar a iniquidade, e isto não póde estar nem no seu animo, nem no intento d´esta camara. (Apoiados.)

Creio, sr. presidente, que o desejo do sr. ministro será remodelar o imposto, que reconhece iniquo, e nunca o de aggravar a iniquidade existente; e creio-o, porque no sen relatorio claramente o affirma o nobre ministro da fazenda, quando diz que o imposto representa uma verdadeira

iniquidade emquanto não for remodelada a forma do seu lançamento e distribuição.

Estas são as palavras do sr. ministro da fazenda no seu relatorio. Que disse eu?... Isto representa da minha parte uma vaidade que não tenho. Esta é a idéa; a fórma não, que essa, por ser de s. exa., de certo é bem mais persuasiva e brilhante.

E para se ver quanto o imposto é iniquo, olhemos para a contribuição predial. Sabe a camara toda que a contribuição predial, depois de fixada, se distribuo pelos differentes districtos do paiz; pois ha districtos onde ella é apenas de 10 por cento, como, por exemplo, em Lisboa, emquanto que n´outros districtos a contribuição predial é muito superior, porque chega a attingir a taxa consideravel de 15 e 16 por cento !...

Uma voz: - E 19!...

O Orador: - Diz o illustre deputado, que me acaba de interromper, e é proprietario no Alemtejo, que ali chega a contribuição predial á taxa de 19 por cento. A sua condição especial de proprietario imprime á sua declaração, me parece, uma excepcional força; acceitando-lhe, pois, a declaração, direi a s. exa. que bastará considerarmos a maneira como esta contribuição incide desigualmente nos differentes districtos do paiz, para desde logo se conhecer que o addicional de 5 por cento é um aggravamento da iniquidade já reconhecida e confessada pelo sr. ministro como verdadeiramente inacceitavel. (Apoiados.)

E isto não é tudo, sr. presidente. Sabe v. exa., sabe-o a camara toda, que depois, nos districtos, a distribuição é feita com uma iniquidade que irrita e indigna, porque ao passo que, em geral, o grande proprietario paga pouquissimo, por ter a sua propriedade inscripta na matriz com rendimento collectavel falso, o pequeno proprietario supporta o gravame de um imposto com o qual não póde.
O pequeno proprietario vive escravisado pela tyrannia do fisco, e não é raro ser-lhe posta em praça a sua pequena fortuna por effeito da divida do seu imposto. E este estado de cousas, tão flagrantemente iniquo, quer o sr. ministro, que aliás assim o reconhece, aggravar com num addicional, que para tantos será um vexame, sem chegar a ser vantagem apreciavel para o thesouro, para o qual produzirá apenas e a mais alguns centos, poucos, de contos de réis!

Remodele o imposto, sr. ministro, e v. exa. ver á os pobres aliviados, os ricos devidamente tributados e as receitas publicas augmentadas, se á remodelação da contribuição predial e das matrizes fizer presidir a rectidão, a imparcialidade e a justiça. (Apoiados.)

Tem-se pensado demasiadamente nos outros impostos do estado, e a contribuição predial, de que tanto ha a esperar, essa fica eternamente descurada, estando aliás tão iniquamente distribuida.

A verba total, resultante da cobrança d´este imposto é, relativamente aos restantes impostos, insignificante; e, todavia, ha proprietarios desprotegidos, os pobres, os que não têem influencias eleitoraes para offerecer aos governos em troca dos benefícios que destes auferem, que pagam o que jamais se lhes devera exigir. Isto é monstruoso, e se não fosse a bondade e a indole essencialmente pacifica e ordeira do nosso bom povo, talvez muitos dos nossos estadistas tivessem que pagar caro a sua culposa connivencia com aquelles que o têem sacrificado.

Comparemos agora a contribuição predial que, segundo disse, e pesadissima para uns e levissima para outros pela sua má distribuição, mas, relativamente ao total que devia produzir, insignificante, com a contribuição industrial, e veremos, sr. presidente, como a iniquidade avulta, cresce e ainda mais se aggrava, recommendando-nos mais uma vez a rejeição d´este addicional que, talvez por um sentimento de candura que me é inherente, eu julgo ainda que o parlamento não votará.

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A contribuição predial ha immensos annos que não soffre aggravamento, a não ser o que resultou da lei de 26 de fevereiro de 1892, nas taxas do addicional, que foram elevadas progressivamente de 6 até 20 por cento; mas este mesmo aggravamento incidiu, e por igual, na contribuição industrial. Portanto, sob este ponto desista as duas contribuições ficaram completa e absolutamente equiparadas. Era 1896, porém, foi integramente remodelada a nossa legislação sobre contribuição industrial, dando como resultado a elevação approximada de quasi todas as taxas, senão de todas, ao dobro do que eram antes, e tanto que a contribuição industrial, que produzia antecedentemente cerca de 800 contos de réis, passou a produzir de então por diante cerca do 2:000 contos de réis.

Ora, sr. presidente, dada esta differença entre a contribuição industrial e a contribuição predial, v. exa. vê que se porventura fosse legitimo e licito lançar sobre a contribuição industrial um addicional de 5 por cento, para tratar estas unidades tão desiguaes por fórma igual seria necessario que sobre a contribuição predial se lançasse um addicional, que andaria approximadamente por 50 por cento. Lançar, pois, sobre as duas um addicional de 5 por cento significa e exprime o mais propositado e o mais censuravel intuito de realisar dinheiro seja como for e simultaneamente o mais flagrante desd em pela iniquidade reconhecida e confessada, que um governo bem intencionado quereria remediar, mas que este que nos rege só cuida de aggravar. (Apoiados.)

É sabido que em toda a parte a contribuição industrial produz para o thesouro muito menos do que a contribuição predial: entre nós, porém, a differença entre a producção é relativamente insignificante.

Na ordem dos meus estudos, feitos no intuito de discutir n'este parlamento este assumpto, tive a curiosidade legitima de averiguar qual era lá fóra, em tantos paizes cuja administração bom fora que fosse modelo da nossa, a producção dos dois impostos, predial é industrial, e assim verifiquei o que já disse, isto é, que não ha approximação alguma entre as duas verbas que a exprimem, sendo a producção do imposto predial muito superior á do industrial.

Dos dados que colhi citarei apenas os que respeitam á Belgica e á Hollanda, já porque são estes paizes os que mais analogia têem com o nosso, já para aligeirar as minhas considerações por forma a fazel-as caber no tempo de que disponho, e não fatigar demasiadamente a camara, cuja benevola attenção muito agradeço.

Verifiquei que na Bélgica a contribuição predial rendêra ultimamente 25.456:000 francos, ao passo que a contribuição industrial rendêra apenas 1. 7.400:000 francos. Compare v. exa. e a camara uma verba com a outra e verá que a contribuição industrial está para a contribuição predial na proporção de 35 por cento.

Na Hollanda verifiquei que a contribuição predial rendera 12.309:000 florins, ao passo que a contribuição industrial rendera apenas 4.620:000 florins, o que representa uma proporção de 40 por cento.

Vejamos agora o que succede no nosso paiz. Nos ultimos tres annos a media da contribuição predial cobrada foi de 3:000 contos de réis, e a da contribuição industrial, cobrada em igual periodo, de 1:864 contos de réis, isto é, a contribuição industrial está para a predial na proporção de 62 por cento.

Depois d'isto, sr. presidente, consinta-me v. exa. que eu pergunte: ha alguem n'esta camara que tenha a veleidade de poder sustentar com boas e sãs rasões que o commercio e industria na Belgica e na Hollanda estão abaixo do commercio e da industria do nosso paiz?

Parece-me que ninguem.

Haverá alguem que possa legitimamente, e com justa rasão, sustentar que a propriedade territorial n'este paiz é menor do que na Belgica ou na Hollanda?

Parece que ninguem o ousará dizer, sobretudo depois de se consultar um livro que recentemente publicado, eu hontem mesmo adquiri e em grande parte li, preso do vivo interesse que a sua curiosa leitura me despertou. Refiro-me ao livro A Terra, escripto por um illustre publicista, nosso collega n'esta camara e um dos mais qualificados membros do partido que a maioria representa, o sr. Anselmo de Andrade.

Lendo este livro, cujo valor o nome do auctor singularmente garante, mas cuja proficiente doutrina notavelmente enflora e nobilita aquelle nome, (Apoiados.) verifiquei que, exceptuados 300:000 hectares que n'este paiz são occupados por estradas, povoações, vias ferreas, rios, ribeiros, cumiadas e até areaes, restam 8.662:000 hectares, isto é, mais do que a Suissa e a Dinamarca sommadas, approximadamente o triplo da Belgica, e approximadamente tambem o triplo da Hollanda.

Ora, suppondo metade d'este territorio inculto, é claro que ainda o que resta é mais do que todo o território da Belgica agricolamente explorado, e mais do que todo o territorio da Hollanda, applicado a igual destino. N'estes termos pois, sr. presidente, tendo nós muito mais propriedade agricola do que a Belgica, muito mais do que a Hollanda, e tendo simultaneamente um commercio e uma industria indubitavelmente inferiores ao commercio e industria d'aquelles paizes, como se comprehende, como se explica, como se justifica, que n'aquelles paizes, modelos de boa administração e onde a prosperidade é um facto com evidencia real, a relação da contribuição industrial para a predial seja no primeiro de 35 por cento e no segundo de 40 por conto, ao passo que entre nós ella é, como já disse, de 62 por cento, segundo a media de producção d'aquelles impostos nos últimos tres annos?

Se alguem ha cuja intelligencia comprehenda e explique este facto, elucide-me por favor, que eu, nas discussões em que entro só tenho dois interesses- o conhecimento da verdade e o bem do meu paiz.

Mas não, sr. presidente; não espero que este facto me seja ou possa ser explicado, e assim, demonstrando-me elle com estranha eloquencia quanto n'este paiz o lançamento do imposto se acha iniquamente feito, e não nos sendo permittido deixar do reconhecer que o addicional que se pretende consideravelmente aggravará esta iniquidade, julgo que é meu dever combater este deploravel projecto, na parte em que o estou descutindo com toda a intensidade que me seja possivel, pugnando assim pela justiça e pelo interesse publico lesados. (Apoiados.)

A manutenção d'este addicional não póde subsistir. "A manutenção" disse, mas disse mal, porque a verdade é que elle por emquanto não existe; é apenas uma espectativa perigosa e triste para o pobre contribuinte, que o encara cheio de pavor, é certo, mas sentindo ainda na alma um resto de esperança, de que o parlamento não deixará passar similhante monstruosidade, que nem mesmo a vantagem do estado recommenda pelo que tenha a lucrar com elle. Oxalá que o futuro lhe não traga proximamente á decepção!

É preciso, n'uma remodelação que se faça do imposto, seguirmos a moderna orientação dos paizes onde a economia e as finanças prosperam por forma a darem-nos salutar exemplo do que deve ser a nossa vida interna administrativa e a qual forçoso nos será adoptar se quizermos que o nosso futuro se nos abra menos tenebroso e incerto, desafogado, alegre, brilhante e sobretudo mais largo em promessas do que n'este augustioso momento para nós está sendo.

Se nós examinarmos o que se passa lá fora em materia de imposto, veremos que toda a tendencia actual é, não para restringir os limites de isenção, mas para os alargar, tendencia esta que forçoso é reconhecer que muito se conforma e concilia com esse moderno espirito de tolerancia e generosidade, que tanto se apregôa como a me-

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lhor caracteristica d'esta brilhante civilisação do seculo XIX, dentro de que vivemos, e da qual uns tanto ao ufanam, e outros, vendo a fé bater em retirada dos corações, a crença abandonar os espiritos, o altruismo fugir dos intentos e a alegria das almas, deixando o campo livre ao egoismo, á descrença e ao desalento, se permittem duvidar, sem que seja possivel dizer desde logo de qual dos lados reside a rasão.

Reparemos no que ultimamente se tem legislado na Prussia, na Inglaterra e na Hollanda sobre imposto de rendimento; olhemos para o que ainda recentemente se decretou na França relativamente ao imposto lançado sobre a propriedade rustica; e se assim fizermos veremos como n'estes paizes, nos ultimos tempos, se tem alargado o limite cada vez maior da isenção do imposto.

É que n'estes paizes, sr. presidente, sabe-se que augmentar a miseria em vez de a attenuar, é comprometter o futuro das nacionalidades. É que n'estes paizes, os homens que presidem aos seus destinos, não são dominados pela preoccupação, frivola, e mais do que isso, criminosa, de por meio de expedientes obterem os recursos precisos para se sustentarem no governo, pela maneira mais commoda, durante alguns annos; e olhando para diante e encarando o futuro, interessam de véras o seu coração, a sua iniciativa e a sua vontade no verdadeiro bem da sua patria. Finalmente, é que n'estes paizes a caridade para muitos não é ainda uma formula postiça e vã, um artificio sem existencia real nos corações e nos intentos, e respeitando-se o povo nos seus legitimos interesses, cuida-se unicamente de administrar, e menos de fazer eleições. (Apoiados.)

Entre nós, infelizmente, têem corrido as cousas muito ao contrario, e para mostra ahi está esse odioso projecto, estabelecendo o ridiculo, o irrisorio limite da isenção no valor do 1$000 réis.

O illustre parlamentar, o sr. José Maria de Alpoim, citava ha dias n'esta casa o nome do mallogrado estadista, e financeiro, que se chamou Oliveira Martins, nome que eu não recordo na minha memoria sem sentir simultaneamente dois grandes sentimentos agitarem-se-me no espirito - o do pezar pela sua grande perda, o do respeito pelo seu altissimo valor; (Apoiados) citava s. exa. o nome de Oliveira Martins, emerito estadista, profundissimo homem de sciencias, sem exclusão da sciencia financeira e da do imposto, em que era mestre, citava este grande nome e invocava opiniões d'esse grande vulto.

Pois bem, sr. presidente, já que o illustre deputado fez n'esta discussão a invocação d'esse grande espirito, então, e ao menos por coherencia, seja completo, e, voltando-se para o nobre ministro da fazenda, recommende-lhe o salutar exemplo d'aquelle estadista, e que, inspirando-se na sua proposta de lei apresentada ao parlamento em 1892 ao menos confira á pobreza este modesto privilegio isenção do addicional até ao imposto de 10$000 réis, como Oliveira Martins propunha, em vez da isenção que fixa no valor de l$000 réis, que mais parece uma ironia do que uma comtemporisação com a desgraça. (Apoiados.)

Uma isenção d'esta ordem n'um paiz que agonisa, que vive n'uma miseria pavorosa como esta que nos assoberba, ameaçando lançar-nos n'um abysmo de onde ninguem poderá salvar-nos; uma medida como esta, que apenas isenta os absolutamente miseraveis, pede dizer-se, porque n'este paiz onde a tributação é tamanha pagar de imposto menos de 1$000 réis por anno equivale a nada ter, é mais que uma ironia, porque chega a ser um pungentissimo sarcasmo.

Diz o povo na sua linguagem, que eu muito respeito, porque é inspirada na verdade e despida de artificios, que apor pouca saude, mais vale nenhuma", e então sr. presidente, supprima-se de vez a isenção, que a quem tiver que pagar 240 réis de imposto de certo não importará a ruina o facto de a sua contribuição passar a ser 252 réis por anno.

É irrisoria similhante garantia. Irrisoria? Irrisoria é pouco. Eu não queria dizer, mas seja - é uma garantia desprezivel.

Dir-se-ha que o governo desdenhou a parte do producto do addicional, que pelo seu diminuto valor para nada lhe utilisava, e hypocritamente aproveitou este facto para se dar a apparencia de uma generosidade. (Apoiados.)

Para a remodelação do imposto é que o governo devia ter voltado os se olhos, se o intento de bem servir o seu paiz o animasse.

Para este assumpto, a remodelação do imposto, é que o governo devêra ter voltado as suas attençães, quando circumstancias por nós mais ou menos conhecidas, o levaram á situação em que se encontra, isto é á situação de administrar a fazenda publica: e isto devia-o ter feito ha quinze mezes e não agora, que é tarde. (Apoiados.)

É tarde. Extenuado, esfalfado como um animal que tenha passado uma longa e penosa vida submettido ao supplicio de uma tracção pesadissima, o governo que ahi está presente já não caminha, arrasta-se, (Apoiados.) já não respira, arqueja, já não vive, estorce-se, e, annullada toda a sua energia, extincta toda a sua actividade, quebrada, perdida toda a sua iniciativa, e apagados todos os fogos que symbolisam a vida e na vida a saude, a força e o futuro, em breve irá perder-se na valia profunda do esquecimento publico, mas expiando antes, no desdem merecido de muitos e na justissima indignação de grande parte, os erros criminosos da sua administração tristissima, que na nossa historia ficará deploravelmente assignalada como um dos flagicios mais graves e mais perniciosos dos que a este pobre paiz, tão digno de melhor destino, mas da felicidade tão apartado, têem sido impostos. (Apoiados.)

Foi uma campanha incruenta a movida contra o governo transacto por cansa da depressão cambial, que determinou a sua quéda e a ascensão ao poder dos ministros que lá estão actualmente. Era necessario, dizia-se, restabelecer o credito do paiz abalado na nossa e sobretudo nas praças e mercados estrangeiros, e a liberdade abalada por uma larga dictadura, a que chamaram desvairada e louca e reputavam a cansa de todas as desventuras.

Em nome da campanha assim feita, o partido regenerador, que tinha no poder a sua representação, caiu, e para que, sr. presidente? Se os expedientes de que este governo se tem soccorrido são legitimos, escusado era o governo transacto ter tombado das culminancias do poder na sua situação de agora. Tanto como este qualquer faria, e se para politicamente viver bastava vender ao desbarato titulos da divida publica, que estavam na posse da fazenda, se para tanto bastava empenhar por meio de contratos até hoje desconhecidos e, ao que parece, inconfessaveis, outros titulos que nas mesmas circunstancias se achavam, (Apoiados) não seria por certo preciso, o apparato de uma crise ministerial, da ascensão de um novo ministerio, e logo a seguir o sport caro de umas eleições. (Apoiados.)

Mas a verdade é que este facto consumou-se. O partido progressista subiu ao poder, e cada um dos nobres ministros, sobraçando a sua pasta, num grande impulso de entranhado civismo e num grande sacrificio patriotico, partiu para o seu ministerio, occupando n'elle a situação em que se encontra, mas de onde, oscillante á mais leve aragem, caira em breve como fructo podre. Obstaculos, resistencia por parte da opinião publica; nada; opposição, que importasse verdadeiro estorvo á sua acção governativa, nenhuma; confiança de quem constitucionalmente lha póde conferir, e á sombra da qual tem vivido, ao que parece com vantagens analogas ás que o viajante fatigado encontra á sombra da mancenilha, se por innocencia sob a sua protecção repousar, toda e incondicional.

Pois apesar disto o que fez o governo?

Um reclame pomposo aos seus projectos n'um vasto,

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amplo e extensissimo relatorio, onde se começava por desacreditar os adversarios, (Apoiados.) e se procurava engrandecer as medidas, em que elle mostrava ao mundo toda a sua larguissima e salutar iniciativa. (Apoiados.)

Estas medidas, quando appareceram, o que eram, o que significavam?

Ampliação do nefasto e pernicioso contrato dos tabacos, aos phosphoros, ao assucar, aos rendimentos do caminho de ferro e até ás proprias receitas alfandegarias, (Apoiados.) concedendo novos monopolios, alargando e tomando mais beneficas as condições dos existentes, dando de arrendamento os rendimentos mas importantes do estado, garantindo os encargos da divida externa com um valor tres vezes superior ao d'estes encargos, e tudo isto para que? Para realisar medidas redemptoras, pensará v, exa., medidas salvadoras, cuidará a camara? Pois illudem se; era para mais uma vez recorrer ao emprestimo, offerecendo em garantia as rendas novas que lhe resultassem de novos contratos, o acrescimo de rendas que lhe proviesse do alargamento dos monopolios existentes, e o excesso das receitas consignadas aos encargos externos, como se não fôra de operações similhantes que nos proviesse a ruina. (Apoiados.)

Dinheiro, dinheiro e dinheiro, dizia eu na sessão passada, e realmente esta é a grande, a constante aspiração do governo, que a cada passo demonstra a sua triste insufficiencia, mostrando-nos o que quer mas deixando ver que desconhece os meios de o conseguir. (Apoiados.) Aspiração suai suprema e maximo, realisar dinheiro custe o que custar, (Apoiados.) como se é dinheiro, que a cada um vem, sem exclusão dos estados, não fosse em Vez de uma vantagem uma desvantagem, quando adquirido por um preço, que representa no futuro um encargo, com o qual as circumstancias de cada um, ou de cada estado, não lhe permittem arcar. (Apoiados.)

Salvemo-nos durante um anno, durante dois, e para isso empenhemos a melhor parte dos titulos que temos reservados no nosso thesouro para occorrer a eventualidades futuras e vendamos o resto, comtauto que nos venham d'ahi os meios necessarios para occorrer ás necessidades mais instantes do momento e para continuarmos gosando as delicias da governança publica; e quando já não haja dinheiro, as arcas, do thesouro estejam vasias, e o laboratorio dos nossos expedientes esgotado, deixaremos então o poder e quem vier atrás que feche a porta. (Apoiados.)

O dia de amanhã parece ser uma preoccupação varrida por completo do espirito d'aquelles que, pela sua elevada situação sobretudo no momento presente, mais tinham a obrigação de se preoccupar com o futuro. Assim se deprehende, sr. presidente, d'esse nefasto pseudo-plano financeiro de que o governo deu conhecimento ao paiz.

Ainda bem que elle não logrou os seus intentos tão ruinosos. Se o consegue, o que seria de nós d'aqui a alguns annos, poucos, senão a alguns meses, quando o producto das operações que constituiam, o tal plano se esgotasse, o que breve seria com taes administradores, e sem dinheiro nos encontrassemos com os encargos actuaes e mais os que de taes operações nos resultariam? (Apoiados.)

Ainda bem, portanto, sr. presidente, que tal plano se mallogrou.

O sr. Presidente: - V. exa. tem mais um quarto de hora.

O Orador: - Obrigado a v. exa.

Felizmente nada d'isso passou, dizia eu, e como dizia ha dias o sr. visconde de Chancelleiros na camara dos dignos pares, na sua phrase notavelmente pittoresca e na sua linguagem do requintadamente original, todas essas caravellas (as propostas de fazenda), lançadas ao mar da aventura em que vamos vivendo, encalharam umas, sossobraram outras, e perderam-se todas, resultando-nos a todos d'este desastre das caravellas, senão a salvação que ellas nos levavam compromettida, ao menos o adiamento da desgraça que ellas nos antecipariam irremediavelmente.

Entretanto o governo, á falta do plano, lançava-se no caminho dos expedientes, e que aconteceu? Em breves palavras se diz. As melhores reservas do thesouro foram-se; a divida fluctuante attingiu proporções até hoje desconhecidas; (Apoiados.) a circulação fiduciaria desequilibrou-se por completo com os recursos guardados no banco de Portugal e mais de que com elles, desequilibrou-se tão oompletamente com a lei, que algumas centenas de contos correm hoje no mercado, que bem podem considerar-se como verdadeira moeda falsa; o agio attingiu proporções verdadeiramente alarmantes, e no meio da dificuldades que o assediam e o governo não sabe remover, o recurso ao expediente tem sido o sen unico meio, como se vê do que deixo dito, e mais do que nenhum outro facto o comprova esse celeberrimo contrato das 72:000 obrigações, cujo conhecimento tão pertinazmente tem sido recusado ao parlamento, quer dizer ao paiz. (Apoiados.)

E já que foliei d'este contrato, consintam-me v. exa. que, a seu respeito, eu faça algumas considerações.

Sobre este assumpto, o sr. ministro da fazenda tem sido de uma simplicidade sem precedente, incumbindo-se s. exa. de trazer ao parlamento a demonstração a mais cabal e completa de que nenhum dos seus argumentos corresponde á exactidão positiva dos factos! (Apoiados.)

Sr. presidente, não tenho defronte de mim o Diario das sessões da camara dos dignos pares, de onde consta o que vou referir; mas tendo eu ido á sua sessão no dia em que um digno par ali instou com o sr. ministro pela publicação do contrato, lembro-me de s. exa. responder - que não publicava o contrato, pela simples rasão de que o não tinha.

Esta foi a sua declaração; mas a breve trecho, atacado pela argumentação irresistivel do digno par a que acabo de me referir, s. exa. declarava que tinha na sua pasta a copia desse contrato. Veja v. exa. a contradicção flagrante que havia entre a declaração inicial e a que o sr. Ressono Garcia fazia pouco depois!...

Batido neste argumento, disse o nobre ministro que a copia que tinha não a publicava, porque só o texto definitivo do Contrato teria a authenticidade para isso precisa.

É inadmissivel que entre a copia e o texto haja differenças; mas, se as ha, publique o sr. ministro tudo, texto em inglez, minuta, copias ou o que for, em francez, inglez ou n'outra qualquer lingua.

É preciso que o paiz conheça todos os documentos que respeitam ao contrato; porque é, pois, que s. exa. ainda ao menos, não prometteu ao parlamento, que ha de publicar juntamente com o contrato todos os documentos, sem exclusão de nenhum, dos que ao mesmo contrato se referem?! (Apoiados.) Não basta que se publique o contrato, é necessario que se publiquem todos os documentos, sem exclusão de nenhum....

(Pausa.)

O sr. ministra não ouviu?... S. exa. não houve, porque lhe não convem ... não é porque eu não esteja a fazer um grande esforço, com sacrificio das minhas pobres cordas vocaes, já maceradas, para que as minhas palavras tenham o ventura de attingir os tympanos de s. exa., e provocar-lhe assim os esclarecimentos de que o paiz carece.

Repito, porque não publica s. exa. o contrato em inglez com a copia em francez ou no que foi, e com os documentos todos, todos, em exclusão de nenhum que ao contrato respeitem? (Apoiado.)

Só assim se poderá fazer ama idéa precisa e justa em relação ao que esse contrato encerra.

Este argumento do duvida sobre a authenticidade da copia não podia durar, e então, vendo s. exa. que elle improcedia, appellou paro outro. Era porque lhe faltava a auctorisação dos contratadores externos que s. exa. não

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effectuava a publicação. Já não eram duvidas fundadas em divergencias entre copia e texto, mas sim a tal falta da auctorisação.

Esta theoria, a da auctorisação, tambem era nova. Nunca em contratos, quer celebrados entre particulares, quer entre o estado e particulares, sendo os contratos da natureza d'aquelle a que me estou referindo, se applicára tal theoria. Surgiu, porém, agora como um expediente que, convicto da improcedencia dos outros, o seu auctor usava para oppor á publicação instantemente reclamada. (Apoiados.)

Não havia rasão alguma que justificasse similhante pedido de auctorisação; mas ao illustre ministro convinha politicamente que assim se entendesse e por isso fazia aquella original allegação, e, querendo a todo o custo achar precedentes, invocava o caso do segundo emprestimo, o dos 3:000 contos de réis, com a companhia dos tabacos, produzindo assim um argumento que negaria as qualidades elevadas do seu talento se ellas, em outros actos da sua vida, não estivessem poderosamente affirmadas.

S. exa. não devia usar d'este argumento. Tem da administração publica pratica bastante para saber, que, quando se trata de contratos dependentes de emissão ou snbscripção, o exito das operações depende em tal caso de reserva, que n'este caso é mais do que simples faculdade porque é uma obrigação. Por isto e dada esta differença de operações ainda d'esta vez a argumentação do sr. ministro caiu improcedente perante a verdade. (Apoiados.}

S. exa. tinha sido batido na camara dos dignos pares n'este seu argumento: parecia, pois, que não devia vir renoval-o n'esta camara; mas pensando talvez que o que lá se passava não era aqui conhecido, não hesitou em reproduzir a sua argumentação, sujeitando-se a novo insuecesso. (Apoiados.)

Vê-se em toda a argumentação de s. exa. uma ausencia de sinceridade, que evidentemente lhe deprime os meritos. A auctorisação, por exemplo, era ha poucos dias reputada indispensavel, e assim se allegava. É quem foi que nos mostrou que tal allegação em feita apenas no intuito de mistificar a camara? O proprio sr. ministro quando agora nos vem dizer que no proximo sabbado publicará o contrato, venha ou não a auctorisação que solicitou.

De duas uma. Ou a auctorisação é precisa segundo o uso em casos similhantes e as circumstancias especiaes do caso presente, e sendo assim, sem a ter, s. exa. não deve publicar o contrato, ou não é precisa, e isto é que é a verdade, e por isso s. exa. resolve a publicação para determinado dia. (Apoiados.)

Esta rapida e prompta mudança de uma resolução para outra affirmada nos termos em que o sr. ministro a fez, é a mais eloquente prova de que a tal auctorisação era absoluta e inteiramente desnecessaria. (Apoiados.)

Conjunctamente com este argumento da auctorisação usou o sr. ministro de um outro igualmente improcedente. Foi quando s. exa. disse que o interesse publico era incompativel com a publicação do contrato, e que só ao seu criterio competia decidir sobre a opportunidade da publicação, e só assim se reservava este direito tal qual como se fizera com o contrato Hersent, a que se referiu invocando o que a tal respeito se passára como precedente do que agora estava sucedendo.

Triste recurso tambem este!

Tenho que apressar as minhas considerações sobre este assumpto aliás não me cabem no tempo disponivel, a não ser que a camara me conceda alguns instantes alem da hora...

Uma voz: - Não pense n'isso.

O Orador: - Não penso, ou melhor, penso mas não espero, que esperar da maioria e n'este assumpto tal mercê, seria ingenuidade, de que sou incapaz. (Apoiado.)

Mas, dizia eu: "triste recurso este tambem", e na verdade, sr. presidente, se a inexactidão dos argumentos já usados não basta a desvirtuar mais este, o que vou dizer mostrará bem que elle é pelo menos tão inutil como os anteriores.

É preciso que nós saibamos o que se passou com o contrato Hersent. Eu tenho aqui o Diario das sessões do 20 do outubro de 1894. N'essa sessão, o sr. ministro da fazenda actual, que a esse tempo era simples deputado, disse:

(Leu.)

Como respondeu a este pedido de publicação do contrato Hersent e dos documentos corrolativos o ministro de então ? Negando-se a fazer publicar o contrato por quaesquer rasões de interesse publico que a isso obstassem? Não, antes pelo contrario, segundo consta da sua resposta que é esta:

Esta resposta é exactamente o contrario do que s. exa. disse quando pela primeira vez foi interperllado sobre o assumpto, e do que depois o á outrance sempre tem mantido até ao momento em que, renunciando o seu proposito, cedeu ás instancias da camara e da opinião publica, senão vejamos o que leio mais.

(Continua lendo.)

Se me coubesse no tempo leria a nota que vem no final d'esta sessão e onde se mencionam todos os documentos a que se refere a resposta que acabo de ler. São tantos, e pelo que elles são adivinha se tambem a natureza e extensão de muitos, que desde logo se vê que colleccional-os, imprimil-os, rever provas, o publical-os, por força havia de levar muito tempo; não é, pois, de admirar que durante alguns dias a publicação do contrato Hersent e documentos pedidos fosse impossivel.

Vejamos agora o que se passou na sessão de 30 de outubro do mesmo anuo. N'esta sessão não foi o actual sr. ministro da fazenda quem voltou ao assumpto, perguntando poios documentos, mas o sr. ministro da marinha actual que a esse tempo era tambem deputado. Respondeu-lhe o sr. conselheiro João Franco, distincto parlamentar, e meu particular amigo, que era ao tempo ministro do reino, dizendo que esses documentos, no curto periodo que ia de 20 a 30, não podiam estar devidamente colleccionados para poderem apparecer publicados como se tinha pedido, sobretudo estando essa publicação ligada á do Livro branco, conforme a natureza do pedido, livro cuja organisação era morosa e difficil por extensa.

Haverá alguma analogia entre uma e outra hypothese? Poderia invocar-se o precedente de um contrato que nunca foi negado e que apenas não veiu ao parlamento por circunstancias independentes da vontade do ministro de cuja deliberação dependia a sua vinda, para assim justificar o procedimento do illustre ministro da fazenda que terminantemente e mais de uma vez se recusou a fazer uma publicação que instantemente lhe tem sido pedida.

Não ha nenhuma, saiba-o v. exa. e a camara, porque no caso Hersent, pedido o contrato o ministro, diz logo que vae dar as ordens para a sua immediata publicação e dos documentos pedidos, ao passo que aqui o ministro nega. Durante uns dias a publicação que era de muitos e complexos documentos não póde fazer-se; a seguir rebentam os tumultos parlamentares que motivam a dissolução das camaras, a que se succede um largo periodo de dictadura, e foi por isto e só por isto que o contrato Hersent e documentos não foram então publicados. (Apoiados.)

O sr. Presidente: - Tenho a observar ao illustre deputado que terminou o quarto de hora que lhe tinha sido concedido para concluir o seu discurso.

O Orador: - Eu tinha ainda algumas considerações a fazer, que são de grande vantagem para esclarecer a questão; se me atrevesse a esperar da camara o deferimento ao meu pedido, para que, a exemplo do que se tem feito

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SESSÃO NOCTURNA N.º 65 DE 12 DE MAIO DE 1898 1201

em proveito de outros oradores, me fosse concedido mais um quarto de hora ou alguns minutos, pediria; mas não espero por isso.

O sr. Presidente: - Sou obrigado a cumprir o regimento.

O Orador: - Eu sei, sr. presidente, por isso alo insisto.

O sr. Presidente: - É que v. exa. já foi alem do tempo marcado.

O Orador: - Desculpe v. exa. mas acabei.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado.)

(S. exa. não reviu.)

O sr. Barbosa Vieira: - Do discurso do sr. Cabral Moncada, que ouviu com toda a attenção, ao percebeu tres cousas: a grande e profunda descrença em que s. exa. está de que seja possivel equilibrar o orçamento: a incoherencia do governo em vir pedir um addicional, depois de ter declarado que não lançaria novos impostos; e, finalmente, a indignação manifestada por s. exa. sobre alguns factos que, no seu entender, são mais importantes do que aquelle que está em discussão.

Será tambem a esse facto, o da publicação do contrato, visto s. exa. ter-lhe dado mais preferencia, que elle, orador, vae responder em primeiro logar.

Na sessão anterior havia uma grande agitação na esquerda da Camara, por ter declarado o sr. ministro que publicaria o contrato quando o julgasse opportuno, e agora nota-se a mesma agitação, depois de ter dito o sr. ministro que está resolvido a publicar já esse contrato.

Não se comprehende.

Referiu-se o sr. Cabral Moncada ao contrato Hersent, para provar a desigualdade de procedimento entre o governo de então e o actual; mas elle, orador, observa que o contrato Hersent nunca foi publicado nem trazido ao parlamento, emquanto que o contrato das 72:000 obrigações do caminho de ferro vae ser publicado.

É tambem contristado que vota o addicional, porque a si mesmo havia jurado que não votaria nenhum imposto; mas as circumstancias do thesouro não tão dolorosas, as suas necessidades impõem-se por tal fórma, que hoje não tem duvida em quebrar esse juramento e votar o imposto addicional que o governo propõe.

Demais, este imposto é votado só por um anno, como affirmou o sr. Alpoim, e não lhe parece que o argumento do sr. Moncada, de que, uma vez votado, ficará elle para sempre, possa colher, por isso que, como á actual situação naturalmente succederá uma situação regeneradora, nas suas mãos está fazel-o desapparecer, se antes, como é possivel, não for o proprio governo progressista quem o ponha de parte.

Está de accordo em que, em vez do lançamento d'este addicional, era preferivel fazer-se uma remodelação dos impostos existentes; mas entre fazer-se essa remodelação por uma forma tumultuaria, que mais fosse aggravar as desigualdades e injustiças, contra o que todos hoje reclamam, e votar-se o addicional, não tem que hesitar.

Do sr. ministro da fazenda, em cujas faculdades de trabalho e de talento tem a maior confiança, espera que não esqueça a promessa que fez no seu relatorio de fazenda, e que se devotará afincadamente a melhorar o lançamento e cobrança dos imposto.

Depois de mais algumas considerações conclue o orador, mandando para a mesa a seguinte

Moção

A camara, manifestando o seu sincero desejo de cooperar lealmente com o governo na restauração economica, financeira e politica do paiz, continúa na ordem da noite. = J. Barbosa

Foi admittida

(O discurso será publicado na integra, quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)

O sr. Conde de Paço Vieira:-Declara que, se o sr. presidente ou a camara espera d'elle, n'este momento, um discurso violento e apaixonado em que, levantando a questão politica, ataque rudemente o governo, enganam-se completamente, porque vae limitar-se a dizer muito friamente á camara e no mais curto espaço de tempo que podér, quaes as rasões por que em sua consciencia entende não poder votar a favor dos 5 por cento, propostos pelo sr. ministro da fazenda no artigo 2.º do projecto que está em discussão.

Afasta, por isso, muito de proposito, do debate todas e quaesquer questões que possam irrital-o. E procede assim porque pensa, como Oliveira Martins, que estas questões que se referem á economia publica e ás finanças do estado têem de ser forçosamente alheias ao facciosismo da politica, sob pena de caminharmos para uma mina total.

Se repete estas palavras textuaes do saudoso estadista é porque quer, recordando-as, tel-as bem presentes na memoria durante toda a discussão, para se não afastar, nem uma só vez, do proposito que a si mesmo traçou, de ser frio, imparcial e justo.

Podia começar por notar ao governo a sua incoherencia flagrantissima e a sua extraordinaria contradicção, vindo pedir-nos mais 5 por conto de impostos, quando no primoroso relatorio do sr. ministro da fazenda do anno passado s. exa. promettêra solemnemente trazer ao parlamento uma remodelação dos impostos, mas sem augmento de encargos para o contribuinte.

Não o fará, porém, embora de certo o sr. ministro da fazenda fosse o primeiro a reconhecer-lhe esse direito, porque de nada vale mais uma iacoherencia ou uma contradicção mais do governo, pois que durante os quinze mezes de administração outra não tem sido a sua norma de vida senão a contradiccão e a incoherencia permanentes e constantes.

Mas o que não póde é deixar de notar desde já que é o mais inopportuna possivel esta occasião para se apresentar uma proposta pedindo novos impostos.

Demonstra em seguida com diversos mappas comparativos que o nosso paiz paga mais que a Belgica, a Suecia, a Holanda e outros, e confronta o estado de adiantamento e progresso d'elles com o do nosso, para concluir que já pagamos mais do que era justo.

Refere-se largamente ás execuções fiscaes como thermometro de riqueza ou pobreza dos contribuintes, e adduz grande numero de factos para provar que o povo está exhausto, e não póde, por isso, pagar mais.

Refere-se á carestia dos generos, lendo diversos telegrammas sobre o aggravamento dos cambios, agio do oiro e preço das farinhas, concluindo de tudo que é inopportuno o imposto proposto agora pelo sr. ministro da fazenda. Mas não o considera só inopportuno. Entende que o governo não tem auctoridade para o propor. Para que a tivesse era preciso que tivesse feito córtes radicaes no orçamento, administrado com a maior economia durante toda a sua gerencia, e, finalmente, tivesse empregado todos os esforços para fazer entrar nos cofres do estado as dividas da fazenda.

É isto o que entende que não fez, e passa a demonstrar com grande numero de factos a moção apresentada em 1890 pelo sr. deputado Francisco José Machado, e diz que, assim como a musica de Wagner só foi comprehendida muito tempo depois de feita, assim tambem essa moção só agora, oito annos depois, é que tem actualidade e póde applicar-se. Divide a moção em duas partes, e demonstra como uma e outra parecem ter sido feitas precisamente para ser applicadas ao governo actual, que accusa de ter vendido, sem necessidade, o stock que o governo regenerador lhe deixou de 997;500 libras, ter esgotado

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o credito ao banco de Portugal e ao crédit lyonnais, e ter empenhado as 72:000 obrigações do caminho de ferro.

Critica largamente as novas verbas da proposta de lei do sêllo, e apreciando o artigo 19.° sustenta que é immoral a sua disposição, sobretudo n´este momento, em que o governo vem pedir mais impostos.

Critica a má cobrança dos impostos, e com grande numero de factos e de dados estatísticos demonstra que só no Porto, com a má cobrança do real de agua sobre a aguardente, perde o estado centos de contos.

Chama, por ultimo, a attenção do governo para o contrabando que ali se faz, e termina com palavras amáveis para o discurso do sr. deputado Alpoim, cujo exemplo quer seguir, acabando também, como a s. exa., por ler palavras de Oliveira Martino, e pedindo ao ministro que pense nellas para evitar a grande desgraça que advirá ao paiz se levar por diante a sua proposta.

(O discurso terá publicado na integra, guando o orador restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Amanhã ha sessão de dia. A ordem do dia é a continuação da que estava dada para hoje e mais o projecto n.º 63, construicção de escolas.

Está levantada a sessão.

Era meia noite.

O redactor=Barbosa Colen

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