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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso que devia ser transcripto a pag. 893, col. 2.ª, lin. 22, do Diario de Lisboa, na sessão de 1 de abril

O sr. Barjona de Freitas: — Mando para a mesa a seguinte moção de ordem (leu.)

Devo dizer que fui de algum modo previnido pelo illustre deputado o sr. Gavicho, que apresentou uma outra moção, e ainda que n'ella a idéa esteja consignada menos explicitamente, como foi offerecida antes, e tem de ser votada primeiro do que a minha, hei de votar por ella.

Sr. presidente, V. ex.ª comprehende de certo, e a camara avaliará tambem a difficil posição em que me acho collocado, tendo de fallar na altura que já leva o debate, e de responder particularmente ao precedente orador, que tem a arte de captar a attenção das assembléas, pelos seus eminentes dotes oratorios e pelos recursos da sua elevada intelligencia.

Em nome d'essas qualidades, não posso solicitar benevolencia; mas peço-a em nome da justiça, requeiro-a em nome da imparcialidade, que exige que depois da accusação se escute a defeza.

Antes porém de entrar no assumpto permitta-me a camara que eu declare, que apesar da muita consideração que tenho pelo illustre presidente do conselho, do respeito e sympathia que tributo a todos os membros do gabinete, dos vinculos de affeição e laços de camaradagem litteraria que me prendem a dois dos novos conselheiros da corôa, acima das pessoas hei de collocar sempre os principios, e os interesses do paiz (apoiados.) Eu sei que na vida publica é mister muitas vezes suffocar os impulsos do coração para só attender á voz da consciencia desapaixonada e aos dictames da rasão esclarecida.

Não posso occultar tambem que hoje, ámanhã, e nas poucas vezes que tiver de fallar n'esta casa, me acompanhará sempre o desejo de que nos meus humildes discursos já mais se traduzam insinuações injuriosas para os homens ou para os partidos. Não é essa a minha intenção; a todos considero e respeito, e entendo que quando as discussões saem da altura das doutrinas para o plano inclinado das personalidades, concitam-se odios, perde-se a tranquillidade de espirito, desauctorisam-se as pessoas, e offusca-se a verdade (apoiados).

O meu amigo o sr. Fontes Pereira de Mello, notou que se quizesse impor o silencio como lei d'esta casa, condemnando-se as pugnas gloriosas da palavra. Mas o illustre deputado tinha dito antes que, no meio d'estas tempestades politicas, só uma voz se levantára a defender o governo; sendo certo que n'uma questão que, comquanto se apresentasse com um certo caracter de importancia se reduz verdadeiramente á interpretação de uma frase do sr. ministro da fazenda, durante oito dias a opposição teve constantemente o monopolio da discussão.

É notavel, sr. presidente, que parta d'aquelle lado da camara a accusação de se querer sustar o passo a estes honrosos pleitos da palavra, em que se abre concurso a todas as intelligencias e vocações, onde se podem recrutar os conselheiros da corôa, e d'onde saem tambem os que são menos fadados para governar, que para dar impulso á acção do governo, para dominar as assembléas nas grandes crizes, e servirem de motores a todo o progresso, a todas as grandes aspirações, a todos os commettimentos arrojados.

Quem se queixou aqui da liberdade da palavra? (Apoiados.) Censurou-se unicamente o abuso d'ella (apoiados).

Eu sei que aquelles a quem poderia dirigir-se a censura, e que considero como meus amigos, foram levados por um enthusiasmo que não tiveram força para dominar, e pela inspiração de um nobre sentimento.

Tristes scenas, todavia, sr. presidente, deploraveis exemplos, tanto mais para sentir quanto appareceram depois de trinta annos de regimen parlamentar, depois de passada a epocha em que era mister conquistar palmo a palmo as franquias populares e as liberdades politicas; depois de consolidadas entre nós as instituições liberaes, e quando sómente se tratava de caminhar com ellas ao desenvolvimento da prosperidade publica!

Não é difficil citar exemplos de abuso, que o crime e a virtude tem precedentes sobre a terra. Mas eu peço que me deixem citar tambem um exemplo, que é aquelle que me foi dado pelo meu illustre amigo e collega, o sr. Fontes Pereira de Mello, que prova como se reune á phrase incisiva, ao pensamento robusto, á verdadeira eloquencia, a cortezia e urbanidade parlamentar (apoiados). É s. ex.ª vem de longe, aprendeu com aquelles cujo testemunho todos os dias invocámos, e que sacrificavam as vaidades de um dia e a gloria ephemera de uma phrase á ordem, ao respeito ás instituições e ás pessoas, ao decoro da representação nacional.

Governar, disse elle, não é resistir; governar é tutelar, é seguir as idéas do seculo, é inspirar-se de opinião publica. Mas para tudo isto o que é preciso? É necessario resistir aos preconceitos, aos attritos e difficuldades que surgem diante da governação publica, aos interesses constituidos que são ordinariamente inimigos de toda a reformação, e se oppõe a qualquer mudança e progresso.

O illustre deputado sabe que a phrase foi empregada n'um sentido restricto, e não ignora que ainda nos partidos da mesma denominação ha differenças de paiz a paiz, de modo que o partido conservador d'aqui póde ser o partido progressista de alem. É verdade que o passado e o futuro são os dois grandes pólos da corrente humanitaria; que sobre elles assentam os dois grandes partidos de que todos os outros são cambiantes mais ou menos sensiveis. Quando porém na carta de um povo estão inscriptos todos os direitos fundamentaes, as divergencias são mais de applicação que de principios.

Sinto que o illustre deputado, a quem respondo, tão liberal como é, tão progressista como se apresenta, estranhasse a phrase por partir de mr. Guizot, estabelecendo assim uma especie de fiscalisação odiosa para as idéas, inquirindo d'onde ellas vem, como se não fôra mais racional o perguntar-lhes para onde ellas vão.

«A questão corre desvairada, diz o auctor da moção de ordem que deu origem ao debate, tornaram-na questão de fazenda, quando eu a considerava como verdadeiramente